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1 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 OBJETIVOS OFICIAIS: 1. Compreender o mecanismo de regulação do transporte, armazenamento e absorção de ferro; 2. Relacionar a etiopatogenia das anemias ferropênica, megaloblástica e hereditária [falciforme, anemias em vida uterina e adulta (hemoglobinopatias)]; 3. Descrever os tratamentos das anemias ferropênica, megaloblástica e hereditária. METABOLISMO DO FERRO INTRODUÇÃO ↪ O ferro faz parte do grupo heme da hemoglobina; ↪ O ferro é importante por participar da formação não apenas da hemoglobina, mas também de outros elementos essenciais ao corpo (mioglobina, citocromos, citocromo oxidase, peroxidase e catalase) ↪ O ferro livre é quase insolúvel e bastante tóxico, e por isso está sempre ligado a proteínas de transporte ou funcionais; ↪ Mais de 2/3 do conteúdo de ferro no organismo está incorporado a hemoglobina; ↪ A quantidade de total de ferro no corpo é, em média, 2 – 4 gramas, com cerca de 65% a 70% na forma de hemoglobina; ↪ Cerca de 4% do ferro está na forma de mioglobina, 1% na forma de vários compostos heme, 0,1% está combinado com a proteína transferrina no plasma sanguíneo, e 15% a 30% estão armazenados para uso futuro, no sistema reticulo endotelial e nas células parenquimatosas do fígado, na forma de ferritina; ↪ A hemoglobina é a principal forma funcional de ferro no organismo e de depósito; ↪ A mioglobina tem estrutura muito semelhante a Hb, funciona como proteína de depósito de O2 nos músculos, de onde o O2 é liberado durante o exercício; ↪ A ferritina tem papel importante na estocagem de ferro e está presente no citoplasma da maioria das células. Pequena quantidade de ferritina é secretada no soro (ferritina sérica), essa quantidade se relaciona com o estoque total de ferro no organismo; ↪ Outra forma de depósito de ferro no organismo é a hemossiderina, que é um agregado heterogêneo de ferro, componentes do lisossomo e outros produtos da digestão intracelular. Ela está presente nos macrófagos da medula óssea, fígado e baço; ↪ Na destruição das hemácias senescentes, o ferro liberado é reutilizado para síntese de hemoglobina; ↪ O ferro dos depósitos, principalmente os macrófagos, é transferido para os eritroblastos em desenvolvimento. ↪ Os depósitos de ferro da medula óssea são visualizados por reação citoquímica específica, que mostra 1 a 3 grânulos no citoplasma de eritroblastos (sideroblastos). Esses depósitos medulares e os sideroblastos desaparecem por completo na deficiência de ferro. DIETA E ABSORÇÃO DE FERRO ↪ A absorção de ferro no intestino ocorre em resposta à necessidade dele no corpo; ↪ São absorvidos 0,5 – 2,0 mg/dia de ferro, quantidade que compensa as perdas pela descamação de células, crescimento e no caso das mulheres, as perdas sanguíneas menstruais; ↪ A absorção do ferro depende do depósito corporal disponível, da hipóxia e do ritmo da eritropoese e 2 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 também depende da forma como ele está presente no alimento; ↪ A deficiência do ferro estimula a absorção de qualquer forma dele; ↪ A quantidade de ferro da dieta é variável; os alimentos mais ricos em ferro são fígado, carne e alguns vegetais como feijão e espinafre. Fitatos, oxalatos e fosfatos formam complexos com o ferro, que retardam sua absorção, enquanto as substancias como hidroquinona, ácido ascórbico, sorbitol, cisteína, lactato, piruvato e frutose facilitam a absorção de ferro; ↪ O ferro na forma heme, presente na carne e fígado, representa 1/3 do ferro da dieta e é mais fácil de ser absorvido. Essa absorção é realizada pela proteína HCP1 (heme carrier protein 1); Já a absorção do ferro dos vegetais é menos eficiente, pois depende de vários fatores, como a presença de outras substâncias (fosfatos, oxalatos, aminoácidos livres) e produção de ácido clorídrico pelo estômago; ↪ Numa dieta equilibrada contém 10 – 20 mg de ferro por dia, dos quais 10% é absorvido; ↪ A absorção de Fe pelo epitélio intestinal é importante para regulação dos estoques de ferro, pois a sua excreção não é fisiologicamente regulada; ↪ O ferro é absorvido na borda em escova das células epiteliais dos vilos intestinais do duodeno; ↪ O Fe precisa atravessar duas membranas da célula epitelial: membrana apical e basolateral para sair do lúmen intestinal e atingir o plasma e assim ser absorvido; ↪ O transporte do Fe pela membrana apical do enterócito é feito pelo DMT1, que age em conjunto com a DcybB, uma redutase férrica (reduz o Fe3+ para Fe2+) Com isso, o Fe chega no citoplasma do enterócito e pode seguir dois caminhos: ✿ Ser armazenado como ferritina na própria célula ✿ Atravessar a membrana basolateral e chegar ao plasma para ser absorvido ↪ A proporção de ferro que vai seguir cada uma das vias é determinada quando a célula é formada nas criptas do epitélio intestinal. Nas criptas, a proteína HFE e o receptor de trasferrina (TfR) formam um complexo HFE-TfR que modula a capacidade absortiva de ferro do enterócito que futuramente irá migrar para os vilos intestinais e se tornar uma célula de absorção; ↪ Um dos moduladores da absorção de ferro é a dieta: quando a dieta é rica em ferro, e consequentemente a quantidade de ferritina no interior do enterócito está elevada, o complexo HFE-TfR inibe a capacidade absortiva de ferro do enterócito. Esse fenômeno é conhecido como bloqueio mucoso; ↪ Nem todo ferro captado pelo enterócito é transportado ao plasma; O ferro que fica armazenado na forma de ferritina no enterócito é perdido quando a célula morre e quando for descamada; O ferro do citoplasma do enterócito pode atravessar a superfície basolateral, pela ação de duas proteínas: a ferroportina e a hefaestina (proteínas de membrana). ✿ Ferroportina: único transportador de ferro, tem papel na homeostasia sistêmica dele, está presente na mucosa duodenal, macrófagos, hepatócitos e trofoblastos sinciciais da placenta; ✿ Hefaestina: proteína de membrana com função de oxidar o Fe2+ a Fe3+, o que permite seu transporte pela transferrina. ↪ A absorção do ferro é regulada em três pontos principais: Modulação de absorção provocada pela quantidade de ferro ingerida (bloqueio mucoso); no entanto, com grandes doses de ferro, como doses farmacológicas ou intoxicações exógenas, esse bloqueio é superado, e a quantidade absorvida é proporcional à ingerida. Regulação pelo estoque de ferro pela hepcidina (peptídeo secretado pelo fígado – regula a taxa de absorção do ferro), de forma que o aumento de ferro reduz a absorção, enquanto que a carência aumenta a absorção de ferro. Essa regulação ocorre pelo controle de expressão da ferroportina. A ligação da hepcidina à ferroportina resulta na internalização desta última e perda de sua função. A ferroportina presente em macrófagos e fígado também é alvo da hepcidina. Assim, em situações de sobrecarga de ferro ou inflamação, observa-se elevação da hepcidina, e a liberação de ferro a partir de enterócitos, fígado e macrófagos encontra-se reduzida. Por outro lado, na presença de deficiência de ferro, anemia ou hipóxia, situações em que a hepcidina encontra-se diminuída, a expressão de ferroportina e a liberação de ferro das células intestinais, do fígado e dos macrófagos está aumentada. Regulação hematopoética, que faz com que a absorção seja modulada de acordo com as necessidades da eritropoese. A eritropoese acelerada aumenta a absorção de ferro, independentemente do depósito corporal de ferro. Esse processo parece ser mediado pela Eritropoetina (Epo) e pelo GDF15 (Growth Differentiation Factor 15). A Epo suprime a expressão da hepcidina pela regulação negativa das vias STAT3 e SMAD. O GDF15 tambémtem ação supressora da expressão 3 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 da hepcidina e atua nos estágios finais da eritropoese. TRANSPORTE DE FERRO ↪ Depois de o ferro ser absorvido pelo intestino e atravessar o enterócito, ele chega ao plasma e se liga à transferrina; ↪ O ferro ligado a transferrina, está ligado frouxamente, podendo ser liberado para qualquer célula, em qualquer ponto do corpo; ↪ O ferro armazenado sob a forma de ferritina, é chamado de ferro de depósito; ↪ A transferrina pode receber ferro dos enterócitos e dos depósitos, e pode liberá-lo para os depósitos, para os eritroblastos, músculo, para a síntese de mioglobina, ou para diferentes tecidos para síntese de enzimas e citocromos; ↪ A captação do ferro ligado à transferrina é intermediada pelo TfR, que pode ocorre sob duas formas: TfR1 e TfR2. O TfR1 é amplamente expresso na maioria das células, enquanto o TfR2 é restrito a hepatócitos, células da cripta duodenal e células eritroides, sugerindo que o TfR2 desempenhe um papel mais especializado no metabolismo do ferro; ↪ O compartimento plasmático de transporte de ferro tem papel central no intercâmbio de ferro entre os diferentes locais, e por isso as medidas laboratoriais realizadas no plasma ou soro (concentração de ferro sérico, de transferrina, de ferritina e saturação da transferrina) dão importantes informações sobre o metabolismo do ferro. Aproximadamente um terço da capacidade de ligação ao ferro da transferrina é ocupada pelo ferro, e o ferro ligado a ela se renova no mínimo dez vezes por dia; GUYTON ↪ Quando a quantidade de ferro no plasma diminui, parte do ferro no deposito de ferrtina é mobilizado com facilidade e transportada sob a forma de transferrina pelo plasma para as áreas do corpo onde é necessária; ↪ A característica singular da molécula de transferrina consiste em sua forte ligação aos receptores das membranas celulares das hemácias na medula óssea; ENTREGA DO FERRO AOS TECIDOS ↪ A ligação do TfR1 com a transferrina carregada de ferro desencadeia a invaginação da membrana celular, mediada pela clatrina, e formação de endossomos contendo o complexo transferrina/TfR1, seguida de alterações conformacionais das proteínas, liberação e redução do ferro para Fe2+; ↪ O Fe2+ é então transportado através da membrana endossomal pela DMT1. No citoplasma, o ferro é incorporado à protoporfirina para a síntese do heme (nos eritroblastos) ou retido na forma de estoque (ferritina/hemossiderina nas células não eritroides). Nesse meio tempo, os endossomos retornam as proteínas, apotransferrina e TfR1, à superfície celular para serem reutilizadas. GUYTON ↪ A transferrina ao se ligar ao ferro, ela é ingerida pelo eritroblasto por endocitose. Nos eritroblastos, a transferrina libera diretamente o ferro para as mitocôndrias, onde o grupo heme da hemoglobina é sintetizado; ↪ Nas pessoas que não tem quantidade adequada de transferrina no sangue, a deficiência de transporte de ferro para os eritroblastos pode provocar anemia hipocrômica grave. 4 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 Ciclo da transferrina - A transferrina liga-se ao seu receptor (TfR1) na superfície celular; o complexo é invaginado para o interior do citoplasma com a ajuda de uma capa de clatrina, formando os endossomos. Uma bomba de prótons reduz o pH do endossomo, e o ferro se desliga do complexo transferrina/TfR1 sendo transportado pela membrana do endossomo pelo DMT1. No eritroblasto, o ferro é utilizado para a síntese de hemoglobina nas mitocôndrias, enquanto em outras células ele pode ser estocado na forma de ferritina ou hemossiderina. A apotransferrina (transferrina desprovida de ferro) e o TfR1 são então reciclados para a superfície da célula, e podem ser utilizados para a incorporação de novas moléculas de ferro. HOMEOSTA INTRACELULAR DO FERRO ↪ O sistema regulatório IRP/IRE (Iron Regulatory Protein/ Iron Responsive Element) permite às células ajustar a concentração do ferro citoplasmático e o funcionamento adequado dos componentes celulares dependentes de ferro; ↪ As IRP1 e IRP2 são capazes de registrar a concentração citoplasmática de ferro e regular a expressão pós-transcripcional de genes relacionados ao metabolismo deste metal, otimizando a utilização do ferro celular; ↪ A IRP1 é uma forma mais ativa de aconitase (proteína que contém agrupamento Fe-S) que a IRP2. Essas proteínas interagem com IRE, localizadas nas regiões não traduzidas do RNAm da ferritina, do TfR e de outras proteínas, aumentando a captação de ferro ou diminuindo seu sequestro; ↪ A ligação das IRPs às IREs presentes na região 5’ não traduzida de uma determinada proteína bloqueia a tradução do mRNA. Ao contrário, sua ligação às IREs da porção 3’ não traduzida estabiliza o mRNA evitando a degradação da proteína; Exemplo do sistema regulatório IRP/IRE (Proteína Regulatória do Ferro/Elemento Responsivo ao Ferro) na expressão de ferritina e do Receptor da Transferrina (TfR) em diferentes situações de exposição ao ferro. Em situação de falta de ferro (A), a IRP liga-se ao IRE presente na região 5’ não traduzida do gene da ferritina, bloqueando sua síntese. Ao mesmo tempo (B), a IRP liga-se à IRE da região 3’ não traduzida do gene do Receptor da Transferrina (TfR), prevenindo sua degradação e aumentando sua expressão. Na presença de excesso de ferro (C), a IRP se separa do IRE da ferritina, permitindo sua síntese, e também do IRE do TfR (D) permitindo sua degradação. → OBSERVAÇÃO: ↪ Aumento fisiológico do consumo do ferro: crescimento, gravidez, lactação. EXCREÇÃO DO FERRO ↪ Não existe mecanismo fisiológico de excreção de ferro, que seja conservado pelo organismo com grande eficiência; ↪ O homem excreta cerca de 0,6 - 1 mg de ferro por dia por via fecal, descamação da pele, do epitélio urinário e perspiração; ↪ Em mulheres, a menstruação normal leva à perda de 30-60 mL de sangue por mês, correspondentes a cerca de 15-30 mg de ferro por mês. Distribuição e dinâmica do ferro no homem adulto. Em condições normais, 1-2 mg de ferro são absorvidos, e a mesma quantidade perdida diariamente. O ferro é absorvido nos enterócitos do duodeno e jejuno proximal, circulando no plasma ligado à transferrina. A maior parte do ferro do organismo (80%) está na forma de hemoglobina, e o restante do ferro funcional está incorporado à mioglobina, aos citocromos e às enzimas. Nos hepatócitos e no sistema fagocítico mononuclear o ferro está estocado na forma de ferritina e hemossiderina. 5 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 ANEMIA FERROPÊNICA ↪ A deficiência de ferro é responsável por 75% de todos os casos de anemia; ↪ É uma das deficiências nutricional mais prevalente na sociedade; ↪ É a principal causa de anemia microcítica e hipocrômica; ↪ A dieta ocidental normal fornece aproximadamente 15 mg de ferro/dia, dos quais 5 a 10% são absorvidos no intestino delgado proximal, principalmente no duodeno; ↪ O ferro da dieta é disponível em duas formas: o ferro heme e o ferro não heme; ↪ O ferro mais bem absorvido é o ferro heme, que praticamente não sofre interferência de fatores facilitadores ou inibidores. O principal componente da dieta é o ferro não-heme, cuja biodisponibilidade requer digestão ácida e sofre interferência de vários fatores facilitadores, como o ácido ascórbico, e a carne, e de inibidores, como o cálcio, as fibras, o vinho e os polifenóis presentes no chá e no café; ↪ O conteúdo de ferro no organismo de um homem adulto é aproximadamente 50 mg/kg e de uma mulher adulta, 35 mg/kg.O ferro circulante corresponde a aproximadamente 0,1% do conteúdo corpóreo. As formas de estoque (ferritina e hemossiderina) constituem aproximadamente 30% do ferro total, sendo mais ou menos 1 g no homem adulto. FISIOPATOLOGIA E ETIOLOGIA ↪ As principais causas da deficiência de ferro são: ✿ Perda de sangue ✿ Má-absorção ✿ Aumento fisiológico da demanda ✿ Dieta ✿ Indeterminada ↪ O corpo de um indivíduo adulto bem nutrido e saudável contém de 3 a 4 g de ferro; ↪ O éritron (órgão descontínuo formado pelo somatório de eritroblastos, reticulócitos e hemácias) é o maior compartimento funcional de ferro do organismo humano, contendo de 60 a 70% do ferro total; ↪ O restante do ferro corporal está distribuído nos hepatócitos e nos macrófagos do Sistema Reticuloendotelial (SRE), que atuam como órgão de depósito; ↪ O SRE é responsável por fagocitar células senescentes, catabolizar Hemoglobina (Hb) para restaurar o ferro e devolvê-lo à transferrina para nova utilização; ↪ O balanço de ferro no organismo é regulado a partir da absorção intestinal. Como não existe uma via fisiológica de excreção de ferro, essa regulação é crítica; ↪ A deficiência de ferro ocorre quando a demanda é maior do que a absorção do ferro da dieta ou por perda crônica (anemia ferropriva), sendo multifatorial; ↪ Anemia ferropriva é bastante frequente em recém- nascidos, crianças, adolescentes e mulheres em idade fértil, gestantes e lactantes. Além de esses grupos apresentarem incremento na necessidade de ferro, sua ingestão média diária de ferro está abaixo da recomendada; ↪ O ferro dietético consiste de ferro heme e não heme. Ferro heme está presente em alimentos de origem animal e tem excelente biodisponibilidade para absorção intestinal; o ferro não heme é encontrado em produtos de origem vegetal e tem baixa biodisponibilidade. Assim, indivíduos que consomem produtos animais têm menor risco de desenvolvimento de anemia ferropriva que vegetarianos; ↪ Exemplos de deficiência de ferro: ✿ Gravidez: é um período marcado por grande aumento da demanda para suprir, além das perdas basais (± 230 mg), as necessidades do feto (± 270 mg), da placenta e do cordão umbilical (±90 mg), do aumento da massa eritrocitária (±450 mg) e as perdas por ocasião do parto (± 150 mg). ✿ Nas crianças até 2 anos de idade, o crescimento acelerado está freqüentemente associado ao erro alimentar, favorecendo o balanço negativo de ferro e a instalação da anemia ferropênica. ✿ Causa muito comum de anemia ferropênica em adultos: é a perda crônica de sangue, tanto por hipermenorreia ou menorragia (mais frequente em mulheres de idade fértil), quanto pelo trato gastrointestinal (mais frequente nos homens e mulheres pós-menopausa). Cada mL de sangue perdido, resulta em redução de cerca de 0,5 mg de ferro. ✿ Nos indivíduos acima de 65 anos, é relevante a associação entre neoplasia gastrintestinal e anemia ferropênica. 6 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 ✿ Os doadores habituais de sangue, especialmente mulheres, podem eventualmente sofrer depleção dos estoques de ferro, uma vez que 500 mL de sangue doado representam uma perda de aproximadamente 250 mg de ferro. ✿ Uma das causas de balanço negativo de ferro é a diminuição da absorção. A causa mais comum de diminuição de absorção de ferro é a acloridria (ausência de acido clorídrico no estômago – ele facilita a absorção de ferro não-heme). ↪ Os principais grupos de risco para desenvolver carência de ferro são: Crianças entre 6 meses e 2 a 3 anos; Mulheres grávidas; Doadores regulares de sangue; Atletas em treinamento; Comunidades com baixa ingestão de ferro heme. → OBSERVAÇÃO: Hemoglubinúria: presença de hemoglobina na urina em concentrações anormalmente altas. QUADRO CLÍNICO ↪ A instalação da anemia ferropênica é lenta, com isso, o organismo se adapta e suporta, de forma praticamente assintomática, níveis muito baixos de hemoglobina; Há pacientes completamente assintomáticos; ↪ Os sintomas mais comuns, quando presentes, são relacionados à anemia: fadiga, perda da capacidade de exercer as atividades habituais, irritabilidade, cefaléia, palpitações e dispnéia aos esforços; ↪ Redução da capacidade funcional de vários sistemas orgânicos, estando associada à alteração do desenvolvimento motor e cognitivo em crianças; ↪ Em gestantes, aumenta o risco de prematuridade, baixo peso, sendo responsável por 18% das complicações no parto e morbidade materna; ↪ Fadiga é particularmente comum, presente inclusive na deficiência de ferro sem anemia; ↪ O desempenho muscular encontra-se prejudicado, assim como a capacidade de trabalho; ↪ Um sintoma peculiar é a perversão do apetite (pica), em que o paciente refere vontade de comer terra, reboco de parede, tijolo, gelo, arroz cru, alimentos crocantes etc; ↪ A deficiência de ferro é sempre secundária, portanto é fundamental pesquisar a causa básica para estabelecer o tratamento correto. ↪ Nas crianças, é importante afastar condições adversas ao nascimento (parto gemelar, prematuridade, ordenha de cordão), assim como detalhar os hábitos alimentares, principalmente a partir dos 6 meses de idade; ↪ Nas mulheres em idade reprodutiva, a principal causa, como já citado, é a perda menstrual exagerada; ↪ Nos homens e nas mulheres que não menstruam, deve-se questionar perdas fecais, presença de hemorróidas, hábito intestinal, uso de medicamentos, especialmente antiinflamatórios, antiagregantes e anticoagulantes, antecedentes mórbidos como cirurgias gástricas e anemia previamente tratada com ferro. ↪ Ao exame físico, pode-se observar palidez cutaneomucosa, baqueteamento digital e coiloníquia, atrofia das papilas linguais (filiforme), pode ter queilite angular nos casos de longa duração, estomatite angular e disfagia progressiva (formação de membranas esofágicas ou síndrome de Plummer-Vinson); DIAGNÓSTICO ↪ O hemograma é um exame laboratorial eficiente para diagnosticar anemia ferropriva, mas é incapaz de detectar deficiência de ferro sem anemia; ↪ A avaliação dos estoques de ferro na medula óssea a partir da coloração do tecido medular pelo corante de Perls é considerada padrão-ouro no diagnóstico de DF; ↪ Do ponto de vista fisiopatológico, é uma anemia por falta de produção, causada pela depleção de um dos elementos essenciais à eritropoese, no caso o ferro, portanto com número inapropriadamente baixo de reticulócitos para o grau de anemia; ↪ A deficiência de ferro ocorre em vários estágios, ↪ Antes da anemia se instalar, ocorre depleção dos estoques de ferro, caracterizada por níveis reduzidos de ferritina sérica (ferritina sérica ≤ 12 ng/mL)² seguida por aumento da capacidade total de ligação de ferro, diminuição da saturação da transferrina, aumento dos receptores solúveis da transferrina, eritropoese deficiente em ferro com o aparecimento de 7 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 microcitose e, finalmente, queda da concentração de hemoglobina e anemia;. ↪ Diagnóstico laboratorial da anemia ferropênica: Hemograma: anemia hipocrômica e microcítica (redução de Hb, VCM, HCM, CHCM e aumento do RDW). Perfil de ferro e ferritina sérica: redução do Fe sérico e da ferritina sérica, aumento da capacidade total de ligação do Fe e redução da saturação da transferrina. → OBSERVAÇÃO: O RDW (red cell distribution width), um índice que reflete o grau de anisocitose (índice de variação de volume) dos glóbulos vermelhos, aumenta à medida que a microcitose se instala. É o parâmetro que se altera mais precocemente nas anemias por deficiências nutricionais, especialmente nos casos de anemia por deficiência de ferro. ✿ A redução da ferritinasérica é o melhor exame para comprovar deficiência de ferro; ↪ Deficiência de ferro é a única condição que gera ferritina sérica muito reduzida, o que torna a hipoferritinemia específica deste diagnóstico; ↪ No entanto, a concentração de ferritina normal ou elevada, não exclui a presença de DF, visto que a ferritina é uma proteína de fase aguda, podendo aumentar em doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas e também após a ingestão de bebidas alcoólicas; ✿ Ferro sérico: é a fração do ferro corporal que circula primariamente ligado à transferrina, e encontra- se reduzido na DF; ↪ Varia com o ritmo circadiano e a alimentação e, por isso, a coleta de sangue para sua dosagem deve ter horário e jejum padronizados; ↪ Está também reduzido na presença de inflamação, não devendo, desta forma, ser utilizado isoladamente para avaliação de DF. ✿ Transferrina, proteína transportadora específica de ferro, tem capacidade de ligar simultaneamente duas moléculas de ferro; ↪ Sua produção é regulada pelo ferro corporal e aumenta quando seus estoques estão esgotados; ↪ A transferrina sérica se eleva em condições como gestação e uso de anticoncepcionais orais, e está reduzida no processo de inflamação, infecção, malignidade, doença hepática, síndrome nefrótica e desnutrição; ↪ A dosagem sérica dos receptores de transferrina é inversamente relacionada à gravidade da deficiência do ferro e pode ser útil para distinguir deficiência de ferro de anemia das doenças crônicas; a concentração de sTfR reflete a atividade eritropoética e se encontra elevada na DF.14 A razão do sTfR pelo logaritmo da ferritina sérica (sTfR/log da ferritina) mostrou-se útil na determinação de DF em pacientes com anemia de doença crônica.; ↪ Transferrina ou TIBC, juntamente com o ferro sérico, permitem o cálculo do Índice de Saturação de Transferrina (IST). O IST é calculado a partir da razão [Ferro sérico/TIBC] ou [Ferro sérico/Transferrina × 0,71], variando de 20 a 45%; ✿ No último passo da síntese de Hb, ocorre a inserção de um átomo de ferro na protoporfirina para formação do heme. Na DF, zinco é incorporado no lugar do ferro, formando a Zincoprotoporfirina (ZPP), a taxa de elevação de ZPP é proporcional ao déficit de ferro na medula em relação à eritropoese, e a elevação de ZPP é o primeiro marcador de eritropoese deficiente em ferro, embora não seja específico. ✿ A dosagem plasmática ou urinária de hepcidina, seus níveis estão aumentados na presença de inflamação e de estoques de ferro aumentados, e reduzidos na DF, podendo ser promissora na distinção de anemia ferropriva e anemia de doença crônica; → OBSERVAÇÃO: Em situações de exceção, em que coexistem diferentes doenças e é importante a confirmação da ferropenia, pode ser necessária a realização de mielograma com coloração pelo azul da Prússia, para determinar a presença ou a ausência de ferro nos grumos do esfregaço de medula óssea ↪ Após o diagnóstico laboratorial de anemia ferropênica, deve ser feita a investigação rigorosa de perdas, começando pelas mais comuns (ginecológicas e gastrintestinais). As perdas intestinais intermitentes podem ser difíceis de diagnosticar, e a pesquisa deve ser exaustiva. 8 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ↪ É um diagnóstico que pode explicar sinais e sintomas através de doenças que fazem parte da maior parte dos casos que apresentam esses sintomas; ↪ Na anemia ferropriva, o diagnóstico diferencial deve ser feito com outras causa de microcitose, como talassemias, anemia sideroblástica congênita (rara), envenenamento por chumbo (raro) e, eventualmente, anemia das doenças crônicas; TRATAMENTO ↪ Consiste na reposição de ferro oral ou venosa; ↪ Vias de tratamento disponível: oral e parenteral; ↪ Deve-se investigar a causa da doença de base e tratá-la; ↪ O composto mais utilizado para reposição de ferro é o sulfato ferroso (mais fácil de ser absorvido). Dose de tratamento: 180 a 200 mg de ferro elementar/dia para adultos. 1,5 a 2 mg de ferro elementar/dia para crianças, dividida em 3 a 4 tomadas, preferencialmente com estomago vazio. ↪ Efeitos colaterais ocorrem em 10 a 20% dos pacientes, sendo os mais comuns no TGI: distensão abdominal, diarreia, pirose e dor epigástrica, náuseas, vômitos e obstipação instestinal; ↪ O paciente deve ser informado que é esperada mudança da cor das fezes, e que os efeitos colaterais melhoram com o tempo; ↪ A administração do medicamento junto com as refeições diminuem os efeitos colaterais, mas também diminuem a absorção, sendo esta melhor quando o estômago estiver vazio; ↪ A diminuição da absorção é compensada pelo aumento da adesão ao tratamento; ↪ Após 3 semanas de tratamento, observa-se um aumento médio de 2 g/dL na dosagem de hemoglobina. O VCM aumenta gradativamente à medida que a população microcítica vai sendo substituída pela população normal; ↪ Os reticulócitos podem aumentar, mas não são um indicador confiável de resposta; ↪ O tratamento visa a normalização da concentração de hemoglobina e a reposição dos estoques de ferro. Dependendo da doença de base, dura em torno de 6 meses; ↪ Após a normalização dos níveis de hemoglobina e do VCM, deve-se continuar o tratamento por 3 a 6 meses para reposição dos estoques de ferro; ✿ Parenteral: a reposição parenteral de ferro é efetiva, cara, trabalhosa, não isenta de efeitos colaterais, devendo ser indicada em situações especiais. Existem formulações para administração intramuscular, praticamente proscrita, e intravenosa. ↪ Indicações: intolerância real ao medicamento por via oral; perdas muito intensas, mais rápidas que a reposição oral e doenças no TGI; ✿ Resistência: Com doses adequadas de ferro suplementar observa-se recuperação rápida da anemia por deficiência de ferro na maioria dos pacientes. ↪ O sinal mais precoce de resposta é o aumento na contagem de reticulócitos, que atinge seu pico entre o 5º e o 10º dias de tratamento. Observa-se, também, aumento médio de 1g/dL por semana na Hb; ↪ Considerável proporção dos pacientes tratados apresenta má resposta, recaída precoce ou resistência. Nesses casos, deve-se investigar: presença de fatores que interfiram na absorção intestinal, persistência do sangramento, perda maior que a capacidade de absorção, má adesão e, se constatada a impossibilidade de uso da via oral, partir para a reposição parenteral. 9 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 ANEMIA MEGALOBLÁSTICA INTRODUÇÃO ↪ Fazem parte de um subgrupo das anemias macrocíticas caracterizadas por anormalidades morfológicas nas células precursoras das linhagens eritróide, granulocítica e megacariocitária da medula óssea; ↪ Resultante de carências de vitamina B12 ou de folatos; ↪ Os megaloblastos caracterizam-se pelo grande tamanho e possuem alterações típicas na cromatina nuclear; Estas alterações morfológicas expressam a alteração bioquímica pela síntese retardada do DNA; ↪ A síntese do RNA permanece inalterada, embora a divisão celular esteja comprometida. Desse modo, os componentes citoplasmáticos, especialmente a hemoglobina, são sintetizados em quantidades excessivas devido à demora entre as divisões celulares. O resultado é uma célula maior do que o normal com núcleo imaturo, cromatina reticulada e citoplasma mais maduro, caracterizando o assincronismo típico de maturação núcleo/citoplasma, presente neste tipo de anemia; ↪ A vitamina B12 ou cianocobalamina faz parte de uma família de compostos denominados genericamente cobalaminas, enquanto que a designação folato aplica- se coletivamente a uma família de mais de uma centena de compostos; ↪ A vitamina B12 está presente somenteem bactérias e alimentos de origem animal, como carnes, vísceras, tecidos glandulares, ovos e laticínios, sendo absorvida no íleo terminal. A maioria da vitamina B12 presente nos alimentos está ligada a proteínas sendo liberada por proteólise; Quantidade média diária de vitamina B12 numa dieta padrão: 5mcg; Necessidade diária para adulto: 2 a 4 mcg; Dietas vegetarianas com menos do que 0,5 mcg de cobalamina diária não são suficientes para manter um balanço adequado; A cobalamina é bem estocada nos tecidos; metade do conteúdo corpóreo total, de 2 a 5 mg em adultos, está contido no fígado; A circulação entero-hepática é responsável pelo turnover de 5 a 10 mcg de cobalamina por dia e pela reabsorção de 75% da cobalamina secretada na bile. Causa mais comum de deficiência de vitamina B12: absorção inadequada da cobalamina da dieta; ↪ A anemia perniciosa é causada por deficiência de vitamina B12; pode ocorrer em qualquer idade, raça e etnia; a média de idade de inicio é em torno de 60 anos; ↪ Os folatos são sintetizados por microorganismos e plantas As principais fontes de folato são vegetais, especialmente folhas verdes, frutas e proteína animal; Quantidade diária recomendada de folato é de 400 mcg para indivíduos adultos e 600 mcg para grávidas; A absorção dos folatos ocorre predominantemente no jejuno; A quantidade de folato corpóreo é estimada em 5 a 10 mg, sendo estocado preferencialmente no fígado; A deficiência de folatos pode ser decorrente do estoque diminuído ou do aumento das necessidades; A prevalência da deficiência varia entre as diferentes populações, sendo a deficiência nutricional a principal causa ao redor do mundo e em todas as idades, devido aos diferentes hábitos nutricionais entre as populações. Mesmo nas populações em que a deficiência de folato foi reduzida dramaticamente pela fortificação dos alimentos, ela permaneceu presente em 5 a 10% dos idosos (> 70 anos). ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA ↪ A hematopoese normal compreende intensa proliferação celular, que implica na síntese de numerosas substâncias como DNA, RNA e proteínas; Os folatos e a vitamina B12 são indispensáveis para a síntese da timidina, um dos nucleotídeos que compõem o DNA, e a carência de um deles tem como consequência menor síntese de DNA; ↪ Os folatos participam dessa reação na forma de N5- N10- metilenotetraidrofolato, que cede um radical -CH3 (metil) à desoxiuridinamonofosfato (dUMP), transformando-a em timidinamonofosfato (dTMP) que será incorporada ao DNA; ↪ A vitamina B12 participa indiretamente nesta reação, funcionando como coenzima da conversão de homocisteína em metionina, transformando 10 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 simultaneamente o 5-metiltetraidrofolato em tetraidrofolato, a forma ativa de folato que participa da síntese de timidina; ↪ Na ausência de vitamina B12, o folato vai se transformando em 5-metiltetraidrofolato, uma forma de transporte do folato, inútil para síntese da timidina e do DNA; ↪ A síntese inadequada de DNA tem como consequência modificações do ciclo celular, retardo da duplicação e defeitos no reparo do DNA. Por outro lado, a síntese de RNA não está alterada, pois a timidina não é necessária para sua síntese; não há, portanto, redução da formação de proteínas citoplasmáticas e do crescimento celular; ↪ O quadro morfológico do sangue periférico e da M.O é idêntico nas deficiências de folatos ou de vitamina B12: ocorre dissociação de maturação nucleo- citoplasmática, produzindo células de tamanho aumentado e com alterações morfológicas características. Porém, uma parcela dessas células morre na própria M.O, antes de completar o desenvolvimento; ↪ A intensa desordem da maturação nuclear das três linhagens, mais evidente na série eritroide, produz um aumento de morte celular intramedular: apenas 10 a 20% dos eritrócitos sobrevivem e tornam-se viáveis para o sangue periférico (hematopoese ineficaz). Como resultado, além da anemia macrocítica, com megaloblastos na medula óssea e número de reticulócitos normal ou baixo, pode também ocorrer neutropenia, com neutrófilos polissegmentados e moderada plaquetopenia. Causas de Carências ↪ Resultam da disparidade entre disponibilidade e demanda de vitamina B12 ou folatos; ↪ A anemia é o último estádio das deficiências nutricionais, só surge quando as reservas se esgotam; ↪ No caso da vitamina B12, as reservas são habitualmente suficientes para manter a eritropoese por 2 a 5 anos após cessada a absorção, enquanto que as reservas de folatos são suficientes para 3 ou 4 meses; ↪ As causas de carências podem ser classificadas em: ✿ Menor ingestão do nutriente; ✿ Menor absorção intestinal; ✿ Defeitos do transporte ou metabolismo; ✿ Aumento da excreção ou das perdas; ✿ Aumento das necessidades fisiológicas ou patológicas. Carência de Vitamina B12 Dieta: A vitamina B12 existe em alimentos de origem animal e não é encontrada em frutas e vegetais. As necessidades diárias são ínfimas (0,5-2 g/dia), e por isso a carência de vitamina B12 acomete vegetarianos estritos após vários anos sem ingerir alimento de origem animal e populações com hábitos vegetarianos impostos pela pobreza; Apesar de ser frequentemente referida, não há certeza da ocorrência da deficiência de vitamina B12 em idosos. Absorção: A absorção de vitamina B12 ocorre no íleo terminal e depende de uma glicoproteína produzida pelas células parietais da mucosa gástrica, denominada “Fator Intrínseco” (FI). O complexo de vitamina B12/FI é captado pelos receptores das células epiteliais do íleo e a vitamina B12 é absorvida Qualquer alteração na absorção leva à deficiência de vitamina B12. O tipo mais comum de carência de vitamina B12 é representado pela anemia perniciosa, doença de natureza provavelmente imunológica, em que ocorre atrofia e inflamação crônica da mucosa gástrica (gastrite atrófica), levando à ausência concomitante de fator intrínseco e da secreção de ácido clorídrico, com consequente má absorção da vitamina B12. Transporte e Metabolismo: no plasma a vitamina B12 é transportada conjugada a duas proteínas a transcobalamina I e II. A maior parte da vitamina B12 do plasma (cerca de 80%) está ligada à transcobalamina I, que tem um turn-over muito lento, sendo essencialmente inacessível aos tecidos; por isso, deficiência congênita de transcobalamina I é associada a baixos níveis séricos de vitamina B12, sem manifestações clínicas. Por outro lado, a pequena percentagem de vitamina B12 ligada à transcobalamina II tem um turn-over muito rápido, e sua ausência congênita produz uma forma rara de anemia megaloblástica grave com níveis séricos de vitamina B12 normais. Outras causas: A gastrectomia total leva à carência de vitamina B12, em torno de cinco anos, se o paciente não receber suplementação da vitamina por via parenteral para manter o depósito. A deficiência na gastrectomia parcial ou subtotal ocorre em torno de 10-40%, e o grau de deficiência depende do tipo de cirurgia. Pode haver associação com anemia ferropriva (anemia dimórfica) e com isso mascarar as alterações megaloblásticas. - Pacientes com obesidade mórbida, tratada cirurgicamente com curto-circuito gástrico, também são candidatos à deficiência. 11 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 - Pessoas idosas são muito suscetíveis à deficiência de vitamina B12, devido à dissociação inadequada da cobalamina da proteína alimentar resultante de alterações gástricas com atrofia parcial da mucosa; - Causas raras de carência são a deficiência congênita de fator intrínseco, e o defeito ou ausência congênita de receptores para fator intrínseco nascélulas ileais (síndrome de Imerslund- Gräsbeck). Carência de Folatos ↪ A causa mais comum de carência de folatos é devido à dieta inadequada, por vezes está associada a uma condição que aumentam as necessidades diárias, como a gravidez ou o crescimento; ↪ Outras causas comuns: alcoolismo, idade avançada, doenças intestinais associadas à má absorção, pobreza e desnutrição; ↪ Geralmente está associada a mais de um mecanismo. Dieta: O folato nos alimentos está sob formas complexas, conjugado com múltiplos resíduos de ácido glutâmico formando os “poliglutamatos”, que são removidos pela enzima conjugase da mucosa intestinal, deixando mono e diglutamatos que são absorvidos pelo jejuno proximal; - Parte do folato plasmático é excretado na bile e reabsorvido no jejuno; - Uma proporção considerável do folato do organismo está envolvida nesta circulação êntero- hepática, e por isso os distúrbios do trânsito intestinal, que diminuem a quantidade absorvida, facilmente induzem carência de folato; - As principais fontes de folato na alimentação são os vegetais frescos, fígado e frutas; o cozimento excessivo pode remover ou destruir grande porcentagem do folato dos alimentos; - As necessidades mínimas diárias são cerca de 50 µg na criança e 100 µg no adulto, e a quantidade mínima recomendada na dieta do adulto é de 400 µg. Como as reservas do organismo são de cerca de 5.000 µg, quando a dieta é carente, os níveis de folato sérico começam a cair em duas semanas e a anemia megaloblástica desenvolve-se após cerca de três a quatro meses; - A carência alimentar do folato é observada em grupos de risco, pobreza e desnutrição, alcoólatras, idosos, indivíduos em dietas rigorosas, e em crianças entre 2 a 18 meses de idade. Absorção: A má absorção de folatos pode ser causada por doenças intestinais crônicas com diarreia, como a doença celíaca, o espru tropical e a enterite regional, drogas como os anticonvulsivantes (difenil-hidantoínas, primidona, carbamazepina, fenobarbital) e álcool. Transporte e metabolismo: Numerosas drogas inibem a di-hidrofolato redutase, como metotrexate (antineoplásico), pirimetamina e trimetoprim (em associação com sulfametoxazol). Doses elevadas ou prolongadas de pirimetamina e trimetoprim podem resultar em efeitos tóxicos, o que não ocorre no tratamento de infecções com as dosagens habituais. Aumento das necessidades: A demanda de ácido fólico aumenta em pessoas com intensa proliferação celular e a síntese de DNA, tais como: portadores de dermatites crônicas exfoliativas, anemias hemolíticas crônicas, neoplasias, gravidez e nos dois primeiros anos de vida; Excluindo a má nutrição em crianças, a causa mais comum de anemia megaloblástica é a deficiência de folatos da gravidez, que ocorre em geral no 3o trimestre provocada por uma dieta pobre capaz de suprir as demandas normais, mas que se torna insuficiente quando aumentam as necessidades. Por ser um micronutriente crítico na neurogênese, recomenda-se que a suplementação com ácido fólico na dose de 1 mg/dia a partir do primeiro mês da gravidez, qualquer que seja o nível socioeconômico da paciente; 12 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS ↪ Principal manifestação clínica: anemia; ↪ Pode apresentar plaquetopenia e neutropenia; ↪ A deficiência da síntese de DNA afeta a divisão celular em outros tecidos em que há rápida multiplicação, em especial os epitélios do tubo digestivo, originando queixas de diarreia, glossite (ardência, dor e aparência vermelha da língua, “língua careca”), queilite e perda do apetite; ↪ Pode ser encontrada discreta a moderada esplenomegalia; ↪ A deficiência de vitamina B12 pode levar a degeneração do cordão posterior da medula espinal, que ocorre pela carência de S-adenosil-metionina resultante de menor suprimento de metionina; ↪ Esse quadro de “degeneração combinada subaguda da medula espinhal”, inclui sensações parestésicas dos pés (formigamento ou picada de agulhas), pernas e tronco, seguidas de distúrbios motores, principalmente dificuldades da marcha, redução da sensibilidade vibratória, comprometimento da sensibilidade postural, marcha atáxica, sinal de Romberg, e comprometimentos das sensibilidades termoalgésica e dolorosa “em bota” ou “em luva”; O envolvimento do cordão lateral é menos frequente, manifestando-se por espasticidade e sinal de Babinski; ↪ A tríade de fraqueza, dor na língua e parestesias é clássica na deficiência de vitamina B12, mas os sintomas iniciais variam muito; ↪ Manifestações mentais: depressão, déficits de memória, disfunção cognitiva, demência, alucinações, paranoias, esquizofrenia; ↪ A deficiência de folatos não causa envolvimento do sistema nervoso, mas a deficiência durante a gravidez aumenta a incidência de defeitos de tubo neural em recém-nascidos. DIAGNÓSTICO ↪ O quadro clínico muitas vezes é sugestivo, mas nem sempre suficiente para firmar o diagnóstico; ↪ Geralmente, o diagnóstico é feito com base em alterações características do sangue periférico e da MO; ↪ Para diagnosticar corretamente são feitas três abordagens: ✿ Reconhecer se a anemia megaloblástica está presente; ✿ Distinguir se é deficiência de vitamina B12 ou folato; ✿ Determinar a causa. Quadro Clínico ↪ As manifestações megaloblásticas das deficiências de vitamina B12 e de folatos são clinicamente indistinguíveis, a não ser pela historia recente (ao redor de seis meses) na deficiência de folato e mais prolongada na deficiência de vitamina B12 (três anos ou mais); ↪ Além das manifestações de anemia (fraqueza, palidez, dispneia, claudicação intermitente) são importantes os sintomas gastrintestinais e as alterações da boca e língua; ↪ Graus variados de palidez, com pele cor de limão (combinação de palidez com leve icterícia) são comuns; ↪ Uma das manifestações clássicas da anemia perniciosa é a perda de papilas da língua, que fica lisa, brilhante e intensamente vermelha (“língua careca”); ↪ Associação com outras carências vitamínicas pode mostrar queilite angular, dermatite, sangramento de mucosas, osteomalacia e infecções crônicas. Os casos mais graves são acompanhados de sinais de insuficiência cardíaca; ↪ De importância é o quadro neurológico que acompanha a deficiência de vitamina B12 e que auxilia na diferenciação; ↪ Queixas de outras doenças autoimunes devem orientar a atenção para anemia perniciosa. Avaliação Laboratorial Sangue Periférico: principais achados → anemia macrocítica, leucopenia, trombocitopenia, anisocitose, macrocitose com macro-ovalócitos, poiquilocitose, e granulócitos polissegmentados; Contagem de reticulócitos normal ou baixa, mas o cálculo do índice de reticulócitos corrigido indica anemia hipoproliferativa; - Pancitopenia associada à macrocitose; - A macrocitose pode estar mascarada pela coexistência de carência de ferro, talassemia ou anemia de doença crônica, que são doenças que produzem microcitose e hipocromia, e nesses 13 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 casos pode-se observar anemia dimórfica, com duas populações de células; - Principais alterações morfológicas: a) Eritrócitos: macro-ovalócitos, poiquilocitose com esquistócitos, dacriócitos, corpúsculos de Howell- Jolly, anel de Cabot, eritroblastos, e até megaloblastos; b) Granulócitos: hipersegmentação nuclear, com presença de neutrófilos polissegmentados reconhecidos por no mínimo 5% de neutrófilos com cinco lobos (regra dos 5) ou um neutrófilo com seis ou mais lobos; c) Leucócitos: leucopenia com neutropenia, podendo os leucócitos chegar até abaixo de 2.000/µL, embora seja rara a ocorrência de infecções graves; d) Plaquetas: trombocitopenia com 30.000a 100.000 plaquetas/µL Pancitopenia: diminuição de todos os elementos do sangue (hemácias, leucócitos e plaquetas) Medula Óssea: o quadro citológico medular é muito característico, podendo firmar um diagnóstico de anemia megaloblástica com segurança, se a punção for realizada precocemente; - Há intensa hiperplasia da MO, com acentuada hiperplasia da linhagem eritroide, que é composta por megaloblastos: eritroblastos mais volumosos que o normal, com núcleos com estrutura mais granular e menos condensada; - Há grandes quantidades de aberrações citológicas como megaloblastos gigantes ou com núcleos polilobulados, binucleados, contendo múltiplos micronúcleos, pontes citoplasmáticas e nucleares, e cariorréxis. As alterações na série branca são representadas principalmente por mielócitos e metamielócitos de volume aumentado, contendo núcleo gigante; - O ferro medular está aumentado em virtude da eritropoese ineficaz e geralmente há grande número de sideroblastos, mas só raramente há sideroblastos em anel. „ Dosagem de vitaminas: testes que compreendem as dosagens de vitamina B12 sérica, folato sérico e folato eritrocitário. - Na deficiência de folatos, tanto o folato sérico quanto eritrocitário estão diminuídos, enquanto que os níveis de vitamina B12 estão normais ou aumentados; - O folato eritrocitário é mais acurado na avaliação dos depósitos de folatos, porque não sofre influência de drogas ou dieta, mas tem caído em desuso. A mensuração do folato sérico também deve ser analisada com cautela, porque pode apresentar dados falso-positivos ou falso-negativos; - Na deficiência de vitamina B12 os níveis de cobalamina estão geralmente baixos e os de folato normais; Pesquisa de metabólitos: no caso de dúvida diagnóstica, a dosagem sérica de ácido metilmalônico e de homocisteína total pode auxiliar na diferenciação das anemias megaloblásticas. Nos casos de deficiência de vitamina B12, ambos os metabólitos estão aumentados, enquanto que no caso das anemias por deficiência de folato, ocorre 14 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 aumento de homocisteína, sem aumento do ácido metilmalônico; - É um teste caro, sendo reservado para situações de dúvidas diagnósticas. Identificação da causa: a forma direta e simples de identificar a anemia perniciosa é através da realização de endoscopia gástrica com biópsia nos pacientes em que se revela uma anemia megaloblástica com baixos níveis de vitamina B12. Se houver sinais de gastrite atrófica, o diagnóstico provável é de anemia perniciosa, e a execução de outros exames somente é necessária se houver dúvidas ou se o quadro for atípico. - O teste de Schilling avalia indiretamente a absorção de vitamina B12, consiste na ingestão oral da vitamina B12 marcada, seguida de medida da vitamina B12 radiativa excretada na urina no período de 24 horas após a ingestão oral: baixa excreção significa que pouca vitamina foi absorvida. - A pesquisa de anticorpos antifator intrínseco e anticélula parietal, e a ausência de produção de ácido clorídrico pelo estômago após estímulo máximo (acloridria) contribuem para confirmar o diagnóstico de anemia perniciosa. - Outros exames endoscópicos e radiológicos do tubo digestivo auxiliam no diagnóstico das afecções ileojejunais. Diagnóstico Diferencial - Deve ser feito com as doenças que cursam com anemia macrocítica ou com pancitopenia com macrocitose. Destas, a que mais se assemelha com as anemias megaloblásticas é a síndrome mielodisplásica; - Pancitopenia muito intensa pode ser anemia aplástica grave; - Raramente o defeito citológico da série branca pode ser mais evidente do que na série vermelha, em especial quando há carência de ferro concomitante; nesses casos, a hipocelularidade aparente da série vermelha, além de excesso de precursores granulocíticos aberrantes, pode mimetizar leucemia aguda ou síndrome mielodisplásica; - As doenças neurológicas e psiquiátricas inexplicáveis podem também se enquadrar neste diferencial, principalmente a depressão. TRATAMENTO ↪ Identificar a causa e removê-la, se possível; ↪ Quando o paciente apresentar carência de ferro, o tratamento deve ser simultâneo, caso contrário não haverá recuperação completa dos níveis de Hb. Tratamento da Carência de Vitamina B12 A anemia perniciosa deve ser tratada com vitamina B12 por via parenteral por toda a vida, uma vez que o defeito de absorção é irreversível; Esquemas terapêuticos para recompor os depósitos com doses iniciais repetidas, seguidas de injeções periódicas a intervalos regulares para suprir as necessidades; Pacientes idosos com atrofia gástrica e má absorção por dificuldade de dissociar a vitamina B12 do alimento e vegetarianos devem ser tratadas com doses orais preventivas de vitamina em torno de 50 µg/ dia (doses maiores podem ser usadas sem efeitos indesejáveis). Tratamento da Carência de Folato Correção da dieta, aumentando a ingestão de verduras; Ácido fólico por via oral na dose de 5 mg/dia até que a causa da carência tenha sido removida. A quantidade de folato absorvida quando se usam doses terapêuticas é geralmente suficiente para tratar a carência, mesmo quando há defeito de absorção. O risco do tratamento é a possibilidade de haver resposta (parcial) em pacientes com anemia megaloblástica por deficiência de vitamina B12. Nesses casos, o quadro hematológico pode melhorar, mas a doença neurológica pode se exacerbar; Tratamento permanente é necessário em pacientes que têm doenças que aumentam o consumo de folatos, como anemias hemolíticas crônicas e pacientes submetidos à diálise; Em muitos casos a causa da carência é autolimitada, como na gravidez e em prematuros; em outros, a carência de folatos de origem nutricional tem grande tendência a recair, como em alcoólatras e em pacientes com doença celíaca. „ Resposta ao Tratamento ↪ A melhora subjetiva acontece em 48 horas, com o restabelecimento da hematopoese normal; ↪ Pode ocorrer modificação da estrutura da medula óssea com uma simples refeição hospitalar, e por isso, a punção de medula óssea para fins diagnósticos deve ser realizada o mais rapidamente possível; 15 Hematologia AES12 Larissa Lima M3 ↪ A contagem do reticulócitos aumenta até atingir o pico no 5o -8o dia, e sua elevação é proporcional ao grau de anemia; ↪ A hemoglobina e o hematócrito começam a melhorar na primeira semana, e a hemoglobina deve atingir o seu valor normal em cerca de um mês. Se isso não ocorrer, deve ser investigada a associação da anemia megaloblástica com outras doenças que cursam com anemia hipocrômica; ↪ O número de neutrófilos normaliza em uma semana e a hipersegmentação desaparece em 10-14 dias. Quanto maior o tempo de duração dos sintomas neurológicos, menor a probabilidade de serem reversíveis; podem melhorar nos primeiros 6 a 18 meses, estabilizando-se depois. Testes Terapêuticos ↪ Os testes terapêuticos são usados quando há dúvida diagnóstica entre anemia megaloblástica e outras doenças que têm manifestações clínicas semelhantes, como algumas formas de mielodisplasia, ou em alcoólatras, na Aids, ou quando não estão disponíveis os métodos de dosagens; ↪ Empregam-se doses de 1 mg de ácido fólico oral por 10 dias ou 1 mg de vitamina B12 parenteral por 10 dias. Quando se utiliza o tratamento correto para a forma de carência presente, ocorre uma elevação dos reticulócitos, que inicia no 2o -3o dia, atingindo o pico máximo no 5o -8o dia, acompanhado de queda dos níveis séricos de Desidrogenase Láctica (LDH); ↪ É importante enfatizar que se não houver resposta dentro de dez dias, deve ser realizado exame de medula óssea para aidentificação de outra possível causa, como síndrome mielodisplásica; ↪ Também é importante ressaltar que doses mais elevadas de folato podem provocar melhora transitória da anemia perniciosa, com progresso ou piora da sintomatologia neurológica (por exemplo, os comprimidos de ácido fólico contêm geralmente 5 mg, ou seja, uma dose cinco vezes maior que a indicada para os testes terapêuticos!).
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