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MATERIAL DE APOIO E CONSULTA Módulo 3 – FÁSCIA, MOVIMENTO E PARTO Tradicionalmente, no entendimento convencional da anatomia, a fáscia (como a temos discutido no curso, um tecido conectivo frouxo que recobre todas as estruturas do organismo) foi sistematicamente dissecada e descartada, ignorada e tida como algo supérfluo ou sem interesse especial. Um invólucro pouco interessante e, portanto, pouco estudado. No entanto, a fáscia vem sendo discutida mais recentemente como algo muito mais poderoso e com muito mais funções do que se acreditou por vários séculos de estudos anatômicos e fisiológicos. Ela tem sido caracterizada tanto como um container (no sentido de um invólucro, um envoltório) quanto como um conector (que estabelece conexões) para e entre cada órgão (e, no limite, mesmo para e entre cada célula). A maioria dos estudos e discussões sobre a fáscia no mundo gira em torno da Ciência do Movimento e das suas áreas de aplicação, mas este racional se aplica também para os debates mais viscerais (no sentido daquilo que envolve órgãos e suas funções). E por isso nos é útil na discussão sobre trabalho de parto e parto. Espero que, tendo chegado até aqui no curso, você tenha notado que a fáscia (o tal tecido conectivo frouxo composto em termos genéricos pela reunião de fibroblastos – seu principal tipo celular – e a matriz extracelular – fibras de colágeno, elastina e substância fundamental) está nos órgãos envolvidos no processo de parturição, bem como está nos músculos do assoalho pélvico e períneo (e outros envolvidos no processo), ao redor e conectando os ossos da pelve, ligamentos uterinos e também nos vasos que irrigam todas essas estruturas com oxigênio, água, nutrientes, sinalizadores químicos etc. e também nos vasos que levam informações elétricas para que funcionem. Está em tudo. E, se está em tudo e tem funções relacionadas à forma, movimento, mas também impactam na função (através de variações nas fibras, nos glicosaminoglicanos e na água), não podemos ignorá-la ao pensar em gestação e parto. Vamos explorar alguns debates no campo da pesquisa da fáscia tentando sempre trazer esse racional para o entendimento do trabalho de parto e parto, fazendo as devidas conexões com os autores que trabalham com a temática (que em sua maioria estão discutindo, como já mencionado, movimento e também terapias corporais/manuais). Vamos pensar no trabalho de parto e parto também como um evento “de movimento”, mas vamos lembrar que, a despeito disso, a fáscia tem conexões viscerais importantes e pode influenciar (e ser influenciada) pelos processos psico-neuro-endócrinos do parto e fisiológicos de modo geral. Vamos pegar esse raciocínio, por exemplo, para pensar as alterações do colo do útero ao final da gestação e durante o trabalho de parto (assunto do Módulo 2). Vimos que o colo do útero tem uma proporção alta de fibras de colágeno e substância fundamental (e água ligada aos glicosaminoglicanos), com poucas fibras musculares lisas. E que essa composição varia ao longo da gestação e que esse tecido precisa praticamente se “dissolver” para o parto. Ampliando nosso olhar no contexto do debate da fáscia, estamos falando de um tecido conectivo altamente remodelável que está em direto contato com outros tecidos conectivos que já discutimos (ligamento cardinal, ligamento uterossacro, estruturas de fáscia do próprio útero e do assoalho pélvico etc.). Podemos colocar então a fáscia para conversar com as visões mais tradicionais da Obstetrícia sobre o processo. Se ela está envolvida diretamente nos debates biomecânicos relacionados a outros sistemas e funções orgânicas, certamente que podemos pensar na fáscia dentro do debate da biomecânica do parto. Mas também as conexões com os processos viscerais do parto. Na atualidade, a natureza da fáscia como um sistema complexo integrador tem sido cada vez mais explorada pela ciência e pelos teóricos. Ela é reconhecida como uma trama única sem separação concreta que cobre tudo e está em tudo no nosso organismo, desde as camadas mais superficiais até as mais profundas, no entorno das estruturas do nosso cérebro bem como em todo canto menos nobre do nosso corpo. Quando começamos a pensar de uma forma menos segmentada e começamos a olhar os processos da gestação e parto de modo mais integrado, ela é um excelente objeto de estudo e reflexão. Todas as nossas células, como já vimos no Módulo 1, estão envolvidas por um ambiente tanto mecânico quanto metabólico formado pela fáscia (a MEC). O componente mecânico se dá principalmente pela distribuição de tensões (eminentemente direcionada pelas fibras, sua estrutura, organização e densidade) e o metabólico, pela substância fundamental. É um tanto mais complexo do que isso, mas podemos resumir desse modo. Uma célula, para cumprir com seu destino fisiológico (seja lá o que ela faça), ela precisa estar contida nesse ambiente e responde a ele. Como vimos, é através dele que se adere a outras células, que se organiza para formar um tecido ou órgão, que recebe sinalizadores para sua função, água, oxigênio, mas também por onde elimina toxinas e outros produtos do seu metabolismo. Quando esse ambiente se altera, pelo motivo que for, as células podem alterar seu funcionamento. A partir desse prisma, manter a fáscia saudável mantém as células saudáveis (e os tecidos e órgãos e sistemas e o corpo todo). E por que o movimento é tão importante nesse debate? Conforme discutimos brevemente no Módulo 1 e no encontro ao vivo do Módulo 1, o movimento organiza (ou desorganiza) as fibras de colágeno e, portanto, a fáscia. Esse tecido conectivo que tem como função (entre outras) absorver e distribuir tensões logicamente responde a tensões. E tensões podem ser derivadas de lesões ou cicatrizes, por exemplo, mas, em uma perspectiva fisiológica e saudável, elas podem ser resultantes de movimento fisiológico e saudável do corpo. E a fáscia responderá favoravelmente a isso. Não à toa esse debate da fáscia é tão caro a práticas como yoga, pilates e diversos tipos de treinamento físico. Comentamos brevemente nos debates do Módulo 1 que cicatrizes desorganizam as fibras da fáscia e que o movimento pode reorganizá-las – o que é a base de muitas intervenções para melhora da função em tecidos cicatriciais. Está aí um exemplo de movimento e tensões saudáveis como tendo impactos positivos sobre a fáscia. Mas podemos ampliar essa noção para movimentos de forma geral. Se nos voltarmos para os textos tradicionais de anatomia, vamos encontrar pedaços da fáscia- como-trama-que-recobre-tudo descritos em suas partes mais famosas (fáscia endopélvica, aponeurose de músculos abdominais que dão origem ao ligamento inguinal, banda iliotibial etc.). Aqui, ao longo do curso, também usamos essas descrições pois são os nomes que usualmente se dá para essas estruturas. Mas é importante lembrarmos a todo tempo que não são estruturas isoladas e que estão em continuidade com todas as outras. Assim, separar a fáscia endopélvica do perimétrio, do ligamento cardinal, do ligamento redondo, da fáscia pré-sacral, do periósteo da pelve óssea é apenas um artifício didático para descrever as coisas. No entanto, elas estão todas conectadas ou, melhor dizendo são todas uma só. Então, sim, aquilo que fazemos para uma delas certamente terá algum grau de impacto nas demais. E, no limite, em todo o corpo. Colocando em contexto outra das nossas discussões até aqui, os músculos são tradicionalmente descritos em relação à sua origem e inserção (sai daqui e vai para ali). No entanto, essa é uma visão bastante limitada que é originada na anatomia tradicional que joga a maior parte da fáscia fora nos processos de dissecção. Usamos esse racional (origem e inserção) no material de músculos para que você possa se localizar em relação a onde eles estão no corpo e também para usar o conhecimento prévio de quem já conheceesse racional para pularmos para uma visão mais global – que discutiremos aqui, no Módulo 3. Então, se pegarmos o exemplo de um dos músculos que vimos no material escrito do Módulo 3, podemos ampliar suas conexões para além de origem e inserção, em quais ossos se conecta e por quais articulações passa, e entender que ele tem conexões fasciais com os músculos do entorno, com a fáscia que recobre o próprio músculo e o osso ao longo de todo seu trajeto, com os tecidos entre a pele e o músculo, com os vasos e nervos que passam por ali. Uma visão mais global que enriquece o debate. Falamos com mais tranquilidade há muito tempo em sistema cardiovascular (como uma grande rede única e indivisível que inclui o coração e todos os vasos que vão a todos os lugares do corpo) ou sistema nervoso (encéfalo, medula, nervos periféricos), vamos pensar aqui também na fáscia como um sistema. Podemos descrever cada pedaço do sistema cardiovascular ou do sistema nervoso, mas reconhecemos ambos como um só que está por toda parte. Idem com a fáscia. O tecido fascial, portanto, é uma grande teia, rede ou trama de fibras e substância fundamental em que músculos, órgãos e cada célula individual do nosso corpo estão emaranhados, por dentro e por fora. Esse conceito é importante para entendermos, junto com as interfaces psicológicas, hormonais e neurológicas, o processo de parturição como o movimento de um gigantesco complexo de processos altamente poderosos, mas também altamente sensíveis. Se partimos de concepções fragmentadas e que entendem cada parte ou cada sistema como trabalhando isoladamente, perdemos totalmente o ponto. Quando propomos uma medida de conforto, quando escolhemos dizer certas palavras, quando sugerimos uma intervenção, estamos potencialmente afetando esse complexo em diversos níveis. Vamos ver um exemplo prático. Você está diante de alguém em trabalho de parto extremamente tensa (no sentido físico, mas também psíquico). Músculos tensos, tremores, dentes travados, testa franzida, frio, olhos muito abertos e atentos, aversão ao toque, recusa de todas as propostas externas, verbalização de que não quer mais, contrações intensas e próximas, mas inefetivas em auxiliar na rotação, descida ou aumentar a dilatação. Você pode olhar este cenário por vários prismas. Pode haver um medo, um trauma ali presente, uma história do passado revivida. Pode haver um mau posicionamento fetal levando a desorganização dos estímulos à produção de ocitocina. Pode haver liberação de hormônios e neurotransmissores relacionados ao estresse que competem com vias que permitem o relaxamento e o manejo adequado da dor pelo sistema ocitocinérgico e endorfinas. Pode haver alguém no ambiente que dispara os alarmes internos da pessoa de perigo. Pode haver um desequilíbrio de ligamentos ou assoalho pélvico (ou uma lesão mesmo) que esteja atrapalhando a rotação, descida e progressão. Pode haver muitas coisas acontecendo ali. Na maioria das vezes será muito difícil (e talvez até desaconselhável) tentarmos acessar e trabalhar com traumas, história de vida, medos ali, em tempo real, no meio do trabalho de parto. Nem sempre será possível remover todos os estressores, como por exemplo pessoas que disparam alarmes de perigo inconscientes para aquela pessoa. Ou mudar de ambiente. Mas podemos tentar, sob essa perspectiva, trabalhar com a fáscia, no sentido de que um trabalho positivo com essa estrutura pode chegar muito longe, como vimos. Além disso, alguns autores defendem que a fáscia tem muito mais terminações nervosas do que os músculos, por exemplo (veja as ideias do Tom Myers a esse respeito, por exemplo). E ela responde a estímulos suaves que muitas vezes são mais toleráveis em situações de tensão. E muitos desses estímulos têm um efeito de “liberação” que vai além da própria fáscia e que ajudam a produzir estados de ativação do sistema nervoso parassimpático (que responde por nossos estados de calma, o estado de descasar e digerir, rest and digest, como veremos mais a frente quando discutirmos hormônios e neurotransmissores). Não é um bonito caminho de cuidado? Se você já conheceu, por exemplo, o uso do rebozo suave com esse objetivo ou o jiggling, talvez já tenha percebido esses efeitos. Mas muitos outros trabalhos podem ter essa possibilidade. Desse modo, vamos tentar deixar de lado um pouco a ideia de estruturas anatômicas separadas e vamos pensar em um grande aglomerado de processos que se relacionam intimamente, tendo a fáscia como pano de fundo. Quando pensamos em fáscia e em particular nas propriedades de suas fibras, como já vimos, pensamos em um tipo particular de “alongamento”, em que as fibras de colágeno especificamente não aumentam de tamanho, mas deslizam umas em relação às outras em meio à substância fundamental mais ou menos hidratada formada pelos glicosaminoglocanos (GAGs). As fibras de colágeno sofrem esse tipo de “alongamento plástico” em resposta à tensão e compressão. Os GAGs também possuem um papel nessa capacidade de alongamento especial, uma vez que o tecido precisa estar hidratado para permitir esse deslizamento das fibras. Temos aí dois componentes importantes da saúde e organização da fáscia: tensão/compressão (que podemos traduzir aqui como movimento) e hidratação (que produz e é produzida pelo movimento). Trazendo isso para a seara da gestação e do parto, se desejamos um corpo saudável e as partes envolvidas diretamente na parturição em seu máximo potencial de saúde e função, precisamos pensar em movimento e hidratação também. O que viemos chamando de desequilíbrios (em ligamentos, músculos etc.) podem ser traduzidos também como lesões. Estes são em geral resposta a tecidos alongados para além de sua capacidade, mas também podem ocorrer por falta crônica de mobilidade ou tensão excessiva no sentido do encurtamento e da rigidez. Sem movimento, potencialmente sem deslizamento, sem hidratação. E, então, o círculo, sem hidratação, sem movimento e assim sucessivamente. Não vamos entrar em detalhes, como dito desde o início do curso, a respeito de técnicas ou práticas específicas, mas alguns princípios básicos têm sido estudados no que diz respeito ao movimento saudável que respeita as demandas e necessidades da fáscia para se manter em equilíbrio: • a fáscia responde melhor a estímulos mais duradouros manutenção de forças mecânicas, tendo como exemplo a manutenção de poses na yoga • introdução de novos padrões de movimento diferentes dos usuais no dia a dia daquele corpo em especial (mudar as demandas) • movimentos (assim como abordagens terapêuticas diversas) complexos que envolvam várias estruturas do corpo fazem mais sentido para a fáscia do que intervenções super focadas • variações nos movimentos ao invés de repetições de padrões • abordagens suaves envolvendo a pele e tecidos mais superficiais, por oposição a abordagens mais profundas ou vigorosas (vimos uma analogia prática com o polvilho em água) Em resumo, padrões saudáveis de movimento ao longo da vida e educação para o cuidado (dinâmico) com o corpo parecem fazer muito sentido na abordagem de educação perinatal com foco em um parto fisiológico e uma vida no geral mais saudável. A depender das preferências e possibilidades de cada pessoa, isso pode incluir obviamente técnicas, terapias e práticas mais estruturadas, direcionadas e dirigidas. Mas é importante mantermos em mente que equilíbrio, conforto e saúde deveriam ser considerados direitos humanos fundamentais. E que entender que obter esse tipo de educação e consciência é possível apenas através de atores e recursos específicos (muitas vezes inacessíveis e/ou caros para a maioria da população) é mais um problema do que uma solução. Propostas de baixo custo e complexidade que possam chegar a mais gente cumprem mais com a nobre missão de garantir mais saúde para todas as pessoas. Precisamos discutir e pensarsobre elas também (ou principalmente). E inclui-las no pré-natal de modo adaptável à vida das pessoas. Os trilhos anatômicos, de Thomas Myers, e o que isso tem a ver conosco Thomas Myers tem sua formação principal em terapia manual integrativa e é um estudioso da fáscia e do trabalho e práticas corporais integrais tendo em vista as potencialidades deste tecido e sistema. É uma referência mundial importante para terapeutas corporais e profissionais do movimento, por seus livros, oficinas, palestras e treinamentos. Uma das suas principais obras é o livro “Trilhos Anatômicos” (e os materiais anexos), que discute o que são, como funcionam e as aplicações práticas do conceito de meridianos miofasciais (ou neuromiofasciais). Adicionalmente, ele oferece oficinas de dissecção de cadáveres não preparados com formol que atraem profissionais do mundo todo para visualizar na prática as conexões entre as estruturas que formam esses meridianos. Seu trabalho teórico e prático é uma combinação de experiência “clínica” na observação e pesquisa sobre movimento com extensiva pesquisa de dissecção e estudo de outros pesquisadores da fáscia. Pois bem. O que ele tem a ver conosco? Ainda que aqui no Brasil seu trabalho seja muito mais conhecido por fisioterapeutas e osteopatas, profissionais do parto (em especial Obstetrizes, enfermeiras obstetras e parteiras) em todo o mundo conhecem e exploram as nuances da produção do Thomas Myers em seus trabalhos, em particular na gestação e na reabilitação pós- parto dentro de seus escopos de atuação. Profissionais de terapias corporais ou manuais que atuam diretamente com gestantes em todo o mundo idem. Para chegarmos ao ponto de como vamos trazer esses conhecimentos para o debate sobre trabalho de parto e parto, vamos entender primeiro o que são esses trilhos, meridianos e linhas. De modo bastante superficial, podemos dizer que o trabalho do Thomas Myers propõe um mapa corporal de meridianos compostos por estruturas de músculo e fáscia/tecido conectivo que transmitem tensão e movimento ao longo do seu trajeto sem interrupções. Assim, um meridiano miofascial seria um conjunto de músculos e fáscia que do início até o seu fim transmitem entre si tensões geradas pelo movimento de qualquer de suas partes por toda a extensão. Vimos no Módulo 1 os conceitos básicos sobre o que são cada tipo de tecido que discutimos e, no Módulo 2 (material escrito sobre músculos), alguns dos músculos em sua versão isolada (nome, onde começam e onde terminam, que articulações movem individualmente em uma visão segmentada dessas estruturas). O que estamos propondo olhar aqui é para a integração entre essas estruturas a partir de dois pontos fundamentais: um funcional que observa no próprio corpo a distribuição de tensões ao longo de uma cadeia de estruturas mediante um tipo de movimento ou postura, por exemplo; e outro anatômico, observado a partir da possibilidade da dissecção do conjunto de estruturas que forma um determinado meridiano em uma só peça contínua, do início ao fim. Na aula em vídeo, ficará mais simples o entendimento das relações entre essas estruturas e do conceito básico por trás do entendimento de um determinado conjunto como sendo uma unidade única. Viemos falando de distribuição de tensões, mas seria mais adequado dizer que as diversas funções que os meridianos (e suas partes individuais) desempenham são compartilhadas entre si – estabilidade, tensão, fixação, resiliência, bem como as acomodações para dar conta de lesões, compensações posturais etc. A ideia geral é de que há uma continuidade anatômica, mas há também uma continuidade “funcional”, que pode ser observada nos exemplos que vimos na aula em vídeo. Thomas Myers discute a existência de alguns meridianos miofasciais no livro Trilhos Anatômicos em sua 4ª edição (mas o próprio autor pontua que há outros possíveis meridianos e conexões a serem descobertos e compreendidos): • Linha superficial posterior (LSP) • Linha superficial anterior (LSA) • Linha Lateral (LL) • Linha Espiral (LE) • Linhas dos braços: o Linha profunda anterior dos braços (LPAMS – MS = do membro superior) o Linha profunda posterior dos braços (LPPMS) o Linha superficial anterior dos braços (LSAMS) o Linha superficial posterior dos braços (LSPMS) • Linhas funcionais • Linha profunda anterior (LPA) Para nossas discussões dentro do escopo deste curso, vamos focar principalmente nas linhas LPA (muito relevante) e LSP. É importante ressaltar que, num entendimento do corpo como uma entidade única e integral em constante inter-relação entre suas estruturas individuais, todas as linhas são relevantes. No entanto, no espaço e tempo deste curso não seria possível cobrir todo o conteúdo relacionado a este debate. De modo que convidamos quem quiser saber mais a pesquisar sobre o trabalho do Thomas Myers, tanto em publicações quanto em vídeos e oficinas (se viável). Em particular se você é um profissional que atua diretamente com movimento. Para apresentar, no entanto, a estrutura dessas linha e permitir que você faça suas próprias conexões utilizando os raciocínios e reflexões propostos no curso, todas as linhas estão apresentadas em suas informações básicas na próxima seção deste material (estações ósseas, vias miofasciais, funções de movimento principais e possíveis desafios relacionados a estas linhas, conforme propõe T. Myers). Não há muitos exemplos práticos de situações em que profissionais da perinatalidade já utilizam concretamente esse tipo de abordagem no cuidado cotidiano ao parto, mas há pelo menos um exemplo mais difundido em nosso meio. A ideia de que há uma conexão entre assoalho pélvico e cordas vocais e que esta seria uma das razões pelas quais vocalizações ocorrem fisiologicamente durante o trabalho de parto (ou, para alguns com abordagens mais intervencionistas, que vocalizações poderiam ser ensinadas ou estimuladas para gerar relaxamento, por exemplo, do assoalho pélvico). Esta conexão é real, porém seu mecanismo talvez não seja tão bem compreendido quanto é difundido esse conceito mais superficial sobre a existência de tal conexão. Vamos ver melhor isto por referência à Linha Profunda Anterior (LPA), o chamado core miofascial do corpo. Essa linha se inicia na planta do pé, através dos músculos flexores dos dedos (que tem como função “isolada” fletir/dobrar os dedos do pé) que se inicia em cada um dos dedos, corre pela planta do pé e sobe pela face posterior da tíbia (o osso maior da “canela”). A linha continua pelo músculo tibial posterior, que também se localiza na parte posterior da tíbia, tendo como função “isolada” principal fletir o pé, mas também auxiliar na inversão do pé. Dali, continua pela fáscia do músculo poplíteo, que faz parte do complexo do joelho, na face mais posterior, tendo como funções “isoladas” iniciar a flexão do joelho quando ele está travado durante a marcha, bem como estabilizar posteriormente a articulação do joelho. A cápsula da articulação do joelho também integra essa linha miofascial. A partir do joelho, a LPA possui dois ramos, um anterior e um posterior. O posterior continua para os adutores da coxa, reunindo o septo intermuscular posterior, o adutor magno e mínimo. Dali, segue para a fáscia do assoalho pélvico, levantador do ânus, fáscia do obturador interno. A seguir, para a fáscia anterior do sacro. Já o anterior, sobe incluindo o septo intermuscular medial, o adutor breve e o longo. A partir daí, inclui o triângulo femoral (região delimitada pelo músculo sartório, adutor longo e ligamento inguinal), músculo pectíneo, psoas e ilíaco (iliopsoas e seus ramos individuais acima da pelve). Neste ponto, a linha se divide novamente em 3 ramos acima da pelve. O ramo que vem da fáscia anterior do sacro sobe pelo ligamento longitudinal anterior (um ligamento que “recobre” toda a face anterior da coluna vertebral,em contato com todas as vértebras e seus discos), daí para músculos flexores da cervical, que se localizam paralelos às vértebras cervicais (longo da cabeça e longo do pescoço). O ramo do meio inclui parte posterior do diafragma, crura do diafragma, tendão central do diafragma, a seguir pericárdio, mediastino e pleuraparietal (estruturas que envolvem o coração, o pulmão e a cavidade entre os lobos do pulmão onde o coração se localiza). A partir daí, fáscia pré-vertebral, rafe da faringe, músculos escalenos (no pescoço, que têm como ação isolada elevar as costelas/tronco, fletir a cabeça para frente e inclinar a cabeça para o lado), fáscia do escaleno medial. O ramo mais anterior inclui o diafragma anterior, a fáscia endotorácia, o músculo transverso do tórax, os músculos infra-hioide, fáscia pré-traqueal e músculos supra- hioide. As estruturas musculares relacionadas ao osso hioide bem como a fáscia da traqueia tem relação direta com as cordas vocais. Vemos através do estudo da LPA que o assoalho pélvico tem conexões miofasciais contínuas com estruturas do entorno das cordas vocais (músculos infra e supra-hioide e traqueia), dando sentido a essa afirmação mais conhecida no campo da perinatalidade. Porém, podemos começar a estabelecer também outras conexões, via LPA, com estruturas que já discutimos mais em detalhes no Módulo 2. - Ligamento inguinal e todas as suas conexões e relações - Ligamento uterossacro que se conecta na fáscia sacral anterior e todas as suas conexões e relações - Tudo o que tem relações com o assoalho pélvico Mas, adicionalmente, podemos estabelecer relações entre as estruturas que discutimos no Módulo 2 e que se relacionam com a LPA através de suas porções mais diretamente relacionadas (AP, fáscia pré-sacral, triângulo femoral/ligamento inguinal, psoas) e outras conexões miofasciais de mais longo alcance. Por exemplo, podemos reconhecer aqui a conexão entre o assoalho pélvico e a flexão do pé e dos dedos do pé. E se o AP tem conexões concretas e íntimas com as estruturas mais diretamente envolvidas com o parto, podemos dizer que o parto tem a ver com a flexão dos pés e seus dedos. Há alguns anos, eu fiz uma extensa pesquisa em fóruns de parteiras em inglês, além de enquetes com conhecidas brasileiras e estrangeiras que atuam com parto, a respeito de sinais que elas utilizavam para saber que alguém estava entrando no expulsivo. Um sinal que não havia me ocorrido até então e que foi mencionado em alguns desses diálogos foi a flexão dos dedos dos pés no início do expulsivo ou logo antes. A partir daí, passei a observar esse sinal em partos fisiológicos em que a negociação de movimento e espaço é feita livremente pela parturiente. E, de fato, com frequência é possível observar a flexão dos dedos dos pés pouco antes do expulsivo. Como veremos mais a frente no curso, é quando o feto avança mais profundamente no assoalho pélvico que as sinalizações para o início do expulsivo via reflexo de Ferguson se intensificam. Ou seja, neste ponto, há intensa tensão sobre o AP pela apresentação, o que pode ser uma bonita explicação para a observação empírica e acurada de parteiras que atendem parto fisiológico de que os dedos fletem espontaneamente nesta etapa. Não é uma riqueza de conexões e relações possíveis? Abaixo, você vai encontrar os quadros sobre as linhas miofasciais do Thomas Myers traduzidos, que indicam as estações ósseas de cada linha miofascial, juntamente com os componentes das linhas todas (ao menos as descritas até a 4ª edição do livro Trilhos Anatômicos em inglês). Sugerimos atenção e reflexão especial (além da própria LPA) com a LSP bem como a LE, uma vez que elas passam por uma figura importante para a discussão do parto e pós-parto que é o ligamento sacrotuberal (e todas as suas conexões e inter-relações). Vimos no Módulo 3 o quão rico em conexões e inter-relações é o ligamento sacrotuberal, de modo que as linhas que passam por ele são relevantes para o entendimento dos processos mais globais relacionados ao parto, em particular, mas não apenas, pelo seu papel na mobilidade no sacro, mas também a adequada manutenção de tensões no AP. Explore os quadros e os resumos de cada linha, que incluem também as funções de movimento e alguns exemplos de desequilíbrios nessas linhas que podem ocorrer em decorrência de lesões ou problemas posturais. Assista na aula em vídeo a demonstração do trajeto dessas linhas centrais para o nosso debate. Utilize esses conhecimentos para raciocinar sobre casos que já tenha tido ou mesmo sensações e desafios que percebe no próprio corpo. Teste alguns movimentos sugeridos nas aulas em vídeo em você. Uma palavrinha sobre desequilíbrio em estruturas dentro da linha e para além dela Já vimos que as tensões (positivas ou negativas) se distribuem por essas linhas através de suas estruturas, podendo ter impactos de longo alcance. Uma tensão positiva poderia ser por exemplo um trabalho adequado e saudável de yoga, que submete uma linha ou várias linhas a alongamentos respeitosos com a fisiologia e os limites dos tecidos (e das pessoas que os abrigam). Uma tensão negativa poderia ser uma lesão por alongamento de uma estrutura além do limite ou tensões crônicas por hábitos posturais desfavoráveis de longo prazo (por exemplo, alterações no suporte da cabeça e pescoço em razão do tempo prolongado que passamos olhando para o celular), sendo que tensão pode não ser sempre alongamento, mas também processos que geram encurtamentos (aumentando a tensão entre um ponto e outro da linha por encurtamento). Esses são apenas alguns exemplos para pensarmos na distribuição de forças nesses meridianos e ao longo de seus trajetos. Vimos no esquema genérico da fáscia (células e MEC, distribuição de tensão, espessamento e desorganização de fibras, dificuldades nos fluxos químicos e de água para as células – Módulo 1), que a fáscia responde a essas tensões negativas em geral se desorganizando (para tentar sustentar inicialmente a tensão negativa e manter a integridade do tecido ou, em casos de lesões com quebra da integridade, na tentativa de se regenerar – cicatrizes). E que essa desorganização pode levar a alterações das funções das células vinculadas. Desse modo, tensões negativas ao longo de uma linha miofascial pode ter impacto nas funções de vísceras que se relacionam com a respectiva linha, por exemplo. Se retomarmos o exemplo da LPA, ela tem uma inter-relação visceral importante, alguns exemplos: • Via AP e fáscias da pelve com os órgãos pélvicos • Via seus trajetos acima da pelve em direção ao tórax com órgãos abdominais • Via ligamento anterior longitudinal da coluna vertebral com múltiplas estruturas do corpo através em particular da relação com os nervos que saem da coluna espinhal • Em particular com o sistema respiratório e cardiovascular por sua passagem pelo diafragma e por dentro da cavidade torácica como um todo etc. etc. etc. Pensando na articulação do movimento das vias miofasciais com as integrações viscerais dessas vias, seria razoável pensar no impacto que o movimento e as tensões saudáveis possam ter sobre as funções viscerais também. Muitas vezes, pela sua característica mais superficial, mais palpável e por disparar mais facilmente sinalizações dolorosas e de desconfortos, é mais possível que se perceba desequilíbrios relacionados aos componentes musculares das vias, em particular aqueles relacionados ao movimento de articulações (bem como seus companheiros ligamentos e miofáscia). Além disso, porque a abordagem voltada para o entendimento do impacto da fáscia global sobre o movimento e o treinamento está mais difundida em nosso meio (por comparação ao debate sobre o impacto mais específico sobre AP ou vísceras). É uma boa notícia adicional, de certo modo, que o trabalho com essas linhas ou direcionado a desequilíbrios interpretados dentro destas linhas(seja lá com que abordagem, terapia ou prática) possa afetar positivamente as estruturas não diretamente mencionadas nos quadros do T. Myers mas que já sabemos que lá estão e que se influenciam por outras que estão nos meridianos. Obviamente que há abordagens terapêuticas mais diretas, que, por exemplo, têm foco sobre o AP especificamente. Mas elas nem sempre são desejados, possíveis ou acessíveis para as pessoas sob nossos cuidados. Então podemos pensar globalmente sobre movimento e saúde da fáscia e incorporar movimentos saudáveis na vida, para além de terapias específicas (e por definição pontuais), exercícios, atividades físicas ou práticas estruturadas específicas. Uma educação para o movimento no dia a dia. Sobre isso, sugiro conhecer o trabalho da Katy Bowman em www.nutritiousmovement.com. Na aula em vídeo, veremos um exemplo relacionado ao alongamento das panturrilhas e seu potencial efeito global no corpo e mais direcionado sobre o AP. Exemplo “clínico” para reflexão: No Módulo 2, vimos um exemplo de situação de desafio relacionada ao ligamento sacrotuberal. Vamos retomá-la: “Um ligamento sacrotuberal tenso pode contribuir para uma pelve em retroversão (tilt posterior, pelve “encaixada”), causar tensões no mesmo lado do assoalho pélvico (pelas conexões fasciais mas também indiretamente por resultado da retroversão pélvica, pelo compartilhamento da tensão com o sacroespinhal ou ainda por comprometer o aporte neurovascular do coccígeo), inibir a mobilidade do sacro e cóccix para o parto (e a vida), ser uma fonte potencial de dor lombar, causar indiretamente torsões uterinas por desalinhamento do sacro com consequente tensão no ligamento uterossacro. Ou o inverso: alguma questão nessas estruturas refletir em um ligamento sacrotuberal em desequilíbrio.” Vamos colocar esta descrição em perspectiva, agora tendo como guia a discussão sobre as linhas miofasciais, em particular a LPA e a LSP (só como exemplo, já sabemos até aqui que todas podem ter reflexos entre si, sob a lógica da fáscia). Vamos considerar que há um ligamento sacrotuberal em desequilíbrio, com queixas associadas e menor mobilidade do sacro. Isto pode ser um desafio para o parto. Há também um assoalho pélvico com tensão excessiva (um profissional da área avaliou como tal). - Faz sentido pensar em padrões de movimento (ou falta de) no pé? Por quê? - Isso poderia ter impacto também nos músculos posteriores da perna e da coxa? - E como isso poderia se refletir no resto das linhas? http://www.nutritiousmovement.com/ MERIDIANOS MIOFASCIAIS Abaixo, você encontra as tabelas de referência com as estações ósseas e trilhos que compõem as 3 linhas miofasciais que vamos discutir mais no curso: Linha Superficial Posterior, Linha Superficial Anterior e Linha Profunda Anterior. Os números indicam estações e trilhos que estão indicados nas apresentações de slides. Para mais informações a respeito do tema, acesse www.anatomytrains.com ou consulte o livro Trilhos Anatômicos 3ª Edição em Português ou Anatomy Trains 4ª Edição em Inglês, de Thomas Myers. LSP – Linha superficial posterior Estações ósseas Trilhos Miofasciais Osso frontal, crista supraorbital Galea aporeunótica/ fáscia epicraniana Crista occipital Fáscia sacrolombar/ eretores da coluna Sacro Ligamento sacrotuberal Tuberosidade isquiática Isquiotibiais Côndilos Femorais Gastrocnêmio/ tendão do calcâneo Calcâneo Fáscia plantar e flexor curto dos artelhos Superfície plantar das falanges dos artelhos LSA – Linha superficial anterior Estações ósseas Trilhos Miofasciais Fáscia do couro cabeludo Processo Mastoide Esternocleidomastoideo Manúbrio esternal Fáscia esternal/ esternocondral 5ª costela Reto abdominal Tubérculo púbico Espinha ilíaca anteroinferior Reto femoral/ quadríceps Patela Tendão subpatelar Tuberosidade tibial Extensores curto e longo, tibial anterior, compartimento crural anterior Superfície dorsal das falanges dos dedos dos pés http://www.anatomytrains.com/ LPA – Linha profunda anterior Estações ósseas Trilhos Miofasciais Trecho inferior comum Ossos tarsais plantares, superfície plantar dos dedos do pé Tibial posterior, flexores longos dos dedos do pé Tíbia/ fíbula – Superior/posterior Fáscia do poplíteo, cápsula do joelho Epicôndilo femoral medial Trecho inferior posterior Epicôndilo femoral medial Septo intermuscular posterior, adutor magno e mínimo Ramo do ísquio Fáscia do assoalho pélvico, levantador do ânus, fáscia do obturador interno Cóccix Fáscia sacral anterior e ligamento longitudinal anterior Corpos vertebrais lombares Trecho inferior anterior Epicôndilo femoral medial Linha áspera do fêmur Septo intermuscular medial, adutor curto e longo Trocânter menor do fêmur Psoas, ilíaco, pectíneo, triângulo femoral Corpos vertebrais lombares e processos transversos Trecho superior posterior Corpos vertebrais lombares Ligamento longitudinal anterior, longo da cabeça e longo do pescoço Porção basilar do occipital Trecho superior intermediário Corpos vertebrais lombares Diafragma posterior, crura do diafragma, tendão central Pericárdio, mediastino e pleura parietal Fáscia pré-vertebral, rafe da faringe, músculos escalenos, fáscia do escaleno medial Porção basilar do occipital, processos transversos cervicais Trecho superior anterior Corpos vertebrais lombares Diafragma anterior Superfície posterior do subcostal, cartilagens processo xifoide Fáscia endotorácica, transverso do tórax Manúbrio posterior Músculos infra-hioide, fáscia pré- traqueal Osso hioide Músculos supra-hioide Mandíbula
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