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Contação de histórias aspectos pedagógicos

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DESCRIÇÃO
A arte de contar histórias na educação infantil, seus aspectos fundamentais e possíveis
desdobramentos.
PROPÓSITO
Compreender a importância da arte de contar histórias na educação infantil, e a necessidade
do processo criativo do educador para os desdobramentos dos contos, identificando como a
narração de histórias dialoga com a BNCC.
PREPARAÇÃO
Tenha em mãos a BNCC, especialmente as Etapas da Educação Infantil e seus Campos de
Experiência.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar a relevância da narração de histórias
MÓDULO 2
Identificar a maneira como opera a tecnologia das histórias
MÓDULO 3
Reconhecer a importância do envolvimento do educador para a narração de histórias
MÓDULO 4
Identificar como a narração de histórias de tradição oral se relaciona intimamente com o
processo de aprendizagem e com os Campos de Experiências da educação infantil
apresentados na BNCC
 Fonte: Kaylee Brendel | Shutterstock
INTRODUÇÃO
A arte de contar histórias é uma das formas artísticas e de comunicação mais antigas de que
se tem notícia na história da humanidade. Há algum tempo, essa arte tem assistido a um
verdadeiro renascer no mundo ocidental.
 EXEMPLO
A profusão de encontros e festivais de contadores de histórias, no Brasil e no mundo, além de
inúmeras publicações sobre o tema.
A prática de contar histórias para crianças tem sido difundida tanto dentro quanto fora das
escolas. Como veremos neste tema, é uma atividade com um grande potencial de
aprendizagem em vários níveis e uma vastidão de possibilidades e desdobramentos
pedagógicos.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Evgeny Atamanenko | Shutterstock
Abordaremos a questão por diferentes ângulos, com diversos objetivos de aprendizagem, da
seguinte forma:
Visão geral sobre a relevância das narrativas em nossa vida

Introdução ao tema das histórias de tradição oral

O trabalho do educador como narrador de histórias e suas implicações
Por fim, estudaremos as relações que podem ser estabelecidas entre a arte de contar histórias
para crianças e os campos de experiências da educação infantil propostos pela atual Base
Nacional Comum Curricular.
Por meio da exposição e análise de alguns aspectos da arte de contar histórias no contexto
escolar, você chegará às suas próprias reflexões a partir de sua experiência pessoal e de suas
inquietações relacionadas a este tema.
MÓDULO 1
 Identificar a relevância da narração de histórias
POR QUE GOSTAMOS TANTO DE
HISTÓRIAS?
No vídeo a seguir, conheça a narração de histórias. Vamos assistir!
 
Rido | Shutterstock
Uma cena comum de se ver nas escolas de educação infantil é a da rodinha de histórias. A
professora, com ou sem o livro aberto, e as crianças em roda ouvindo uma história. Quando
pensamos em narração de histórias no contexto pedagógico, é isso o que nos vem à mente em
primeiro lugar.
 
michaeljung | Shutterstock
Outra imagem, para traçar o caminho aonde queremos chegar, é a de uma turma de ensino
médio com um professor de História que todos adoram, justamente porque ele dá suas aulas
contando histórias. Com a sua interpretação dos fatos, comentários e gracinhas, ele está
sempre contando uma história, repleta de personagens e um enredo cheio de curiosidades.
HISTÓRIA
Não precisa ser um professor de História; às vezes é o de Geografia, Literatura, ou até
mesmo o professor de Biologia, que dá aulas contando histórias sobre a divisão celular
ilustradas no quadro.
Você já reparou que, quando alguém começa a contar uma história, imediatamente
prende a nossa atenção?
Repare nos TED Talks com maior número de visualizações, em como os palestrantes sempre
contam pelo menos uma história ao longo da apresentação.
TED TALKS
javascript:void(0)
javascript:void(0)
TED é uma série de conferências realizadas na Europa, na Ásia e nas Américas pela
fundação Sapling, dos Estados Unidos, sem fins lucrativos, destinada à disseminação de
ideias – segundo as palavras da própria organização, "ideias que merecem ser
disseminadas".
Você pode parar diante de uma televisão em que passe um filme indiscutivelmente bobo e ficar
capturado querendo saber o que vem a seguir, simplesmente porque estão te contando uma
história.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Uranium | Shutterstock
NÓS ADORAMOS OUVIR HISTÓRIAS, SEJA DO JEITO QUE
FOR, PORQUE NOSSAS VIDAS SÃO TODAS FEITAS DE
HISTÓRIAS; NÓS SOMOS FEITOS DE HISTÓRIAS! MAIS DO
QUE SIMPLESMENTE GOSTARMOS, SOMOS ATRAÍDOS POR
ELAS PORQUE, DE CERTA FORMA, NOSSAS PRÓPRIAS
VIDAS FUNCIONAM COM O MESMO MECANISMO DAS
HISTÓRIAS.
A imagem de pessoas reunidas ao redor do fogo, ou simplesmente ao redor do contador de
histórias, acompanha a humanidade desde os seus primórdios. Na cultura judaico-cristã, a
imagem de Santa Ana, mãe de Maria, inaugura o imaginário da avó contadora de histórias, em
torno de quem as crianças se reúnem para ouvir. Contar histórias é uma das atividades
humanas e uma das artes mais antigas de que se tem notícia.
 
Fonte:Shutterstock
 Sob a inscrição Contos da Mamãe Gansa, uma velha serva conta histórias para as crianças
da família, Gustave Doré, 1866.
 SAIBA MAIS
Em 2007, foi publicado um livro – ainda inédito em português – chamado Story Proof – The
science behind the startling power of story, de Kendall Haven.
A tradução aproximada do título seria A Prova das Histórias – A ciência por trás do
surpreendente poder de uma história. Nesse livro, a autora afirma que o desenvolvimento das
mentes humanas continua fazendo parte de nossas vidas na construção de significados,
recordações e planejamentos. As histórias são mais do que um divertimento, pois, ainda que
cumpram esse papel, elas formam uma estrutura.
Mas nós, adultos, e mesmo os adolescentes, entre filmes, novelas, desenhos animados,
matérias de jornal e mesmo games, muitas vezes podemos nos esquecer de que gostamos de
acompanhar uma boa história.
 Fonte: Evgeny Atamanenko | Shutterstock
Já as crianças pequenas gostam e sabem que gostam de histórias. Elas pedem para lhes
contarmos histórias, frequentemente a mesma narrativa, várias vezes. Querem assistir, dez,
vinte vezes, ao mesmo filme, como se o estudassem em seus detalhes.
E se nós, adultos, somos também “famintos” por histórias, as crianças o são ainda mais. Não é
à toa que isso é assim: uma série de coisas muito importantes acontece quando
contamos histórias para crianças. Quando o fazemos num contexto pedagógico, conscientes
da importância desse ato, esses aspectos podem ser enormemente potencializados.
EXPANDINDO A VISÃO SOBRE O RECURSO
QUE É CONTAR HISTÓRIAS
Voltemos, então, à nossa cena clássica das escolas de educação infantil, da roda de histórias,
em que a professora compartilha uma história com as crianças, com ou sem o anteparo de um
livro. Em muitas salas de aula, isso acontece todos os dias, como um momento de
descontração e contato afetuoso dentro da rotina escolar.
No entanto, ao consultar a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na parte que se
refere ao eixo da oralidade, que “compreende as práticas de linguagem que ocorrem em
situação oral com ou sem contato face a face”, na área de Língua Portuguesa, na etapa do
ensino fundamental, vemos que “contação de histórias” encontra-se no final de uma lista de
vários exemplos, atrás de “spot de campanha, jingle, seminário, programa de rádio” etc.
 ATENÇÃO
Embora o ato de contar histórias seja uma das práticas humanas mais antigas de que se tem
notícia e esteja presente na rotina de praticamente toda comunidade escolar de educação
infantil, seu posicionamento na BNCC suscita questionamentos.
Talvez um dos motivos para esse posicionamento no fim da lista seja o fato de que a
“contação de histórias” nas escolas tenha ficado condenada a algo mecânico, na maioria
das vezes, que nem de longe chega a alcançar o potencial pedagógico que essa atividade
pode ter.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: wavebreakmedia | Shutterstock
Muitas vezes, os professores de educação infantil e ensino fundamentalnão são tão
fascinantes quanto os professores contadores de histórias “à paisana” do ensino médio. Veja
uma possível explicação a seguir:
PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO
FUNDAMENTAL
PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO
Para atrair e manter a atenção de uma turma de adolescentes, utilizam histórias, infiltradas em
meio à matéria.
PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL E ENSINO
FUNDAMENTAL
Aproveitam o fato de que as crianças gostam de ouvir histórias e simplesmente contam, lendo,
na maioria das vezes, sem dar a ênfase necessária à narrativa nem tirar o proveito educativo
que poderiam dessa atividade tão entranhada no nosso funcionamento, tão antiga quanto a
própria humanidade.
Os educadores da educação infantil e do ensino fundamental, muitas vezes, abordam as
histórias como “mediação de leitura”. Os mediadores de leitura são:
(...) PESSOAS QUE ESTENDEM PONTES ENTRE OS
LIVROS E OS LEITORES… QUE CRIAM AS
CONDIÇÕES PARA FAZER COM QUE SEJA POSSÍVEL
QUE UM LIVRO E UM LEITOR SE ENCONTREM.
(REYES, 2014)
 ATENÇÃO
Trata-se de uma atividade importantíssima, sobretudo num país como o nosso, em que a
formação de leitores representa um dos grandes desafios da educação. Um trabalho bem
desenvolvido com narração de histórias também pode, como resultado indireto, despertar o
interesse pela leitura. Mas, quando se aborda esse tema apenas como mediação de leitura,
temos uma redução significativa do campo de possibilidades que essa atividade realmente nos
abre.
 Yuganov Konstantin | Shutterstock
Neste tema, apresentaremos os aspectos pedagógicos que o ato de contar histórias pode ter,
em todo o seu potencial, no contexto escolar. Como nas próprias histórias maravilhosas, ou
nos contos de fadas, em que os animais falam, os personagens aprendem sonhando e uma
palavra mágica pode abrir um novo mundo, esses aspectos são extraordinários e vão além do
que podemos imaginar quando pensamos sobre isso pela primeira vez.
HISTÓRIAS DE TRADIÇÃO ORAL:
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DA
HUMANIDADE
Tratamos, até aqui, da narração de histórias para crianças em contexto escolar. Sobretudo,
referimo-nos às histórias de tradição oral. O trabalho que se pode fazer com histórias de
autores é, certamente, um trabalho válido, mas terá sempre o livro como referência direta.
Ao abordar os aspectos pedagógicos da narração de histórias, referimo-nos ao ato de
contar, que é um acontecimento oral por excelência, e consideramos os contos de tradição
oral, ou contos tradicionais.
E quais são esses contos? Onde os encontramos?
Trata-se de contos cuja autoria não é conhecida. Contos que foram e são registrados por
pessoas que se dedicam a catalogar histórias passadas oralmente e que, ao fazer isso, vão
escrevê-las com o seu próprio tom e tempero, ou da pessoa que lhes contou – mas os
compiladores não são autores desses contos.
Alguns exemplos de compiladores de contos da tradição oral são, entre muitos outros:
 
Akshay Dhameliya/shutterstock - Wikipédia
IRMÃOS GRIMM
Alemanha
 
Akshay Dhameliya/shutterstock - Wikipédia
CHARLES PERRAULT (1628-1703)
França
 
Akshay Dhameliya/shutterstock - Wikipédia
LUÍS DA CÂMARA CASCUDO (1898-1986) E SILVIO
ROMERO (1851-1914)
Brasil
QUANDO NOS AVENTURAMOS A PESQUISAR, DESCOBRIMOS
QUE, EM CADA PAÍS E CULTURA, SEMPRE EXISTIRAM
PESSOAS QUE RECOLHIAM E REGISTRAVAM OS CONTOS
DAQUELE LUGAR, E HÁ UMA VASTA RELAÇÃO DE
HISTÓRIAS DE TRADIÇÃO ORAL DOS MAIS VARIADOS
LUGARES DO MUNDO.
 EXEMPLO
Famosas compilações de histórias, como As Mil e uma Noites, também não têm uma autoria
definida. Foi um trabalho feito por muitas mãos, ao longo de anos, que envolveu o ato de
compilar – e criar! – aquelas histórias e compô-las dentro da moldura de Scheherazade
contando histórias para o sultão e sua irmã.
Podemos observar caso semelhante nas Fábulas de Bid Pai, em sânscrito, do século III, que
deu origem ao Panchatantra e à versão árabe, Kalila e Dimna, e finalmente ao Tuti-Nama
(Histórias de um papagaio), em persa, no século XIV.
 
Fonte:Shutterstock
 Gráfico da obra Acordais: Fundamentos Teórico-Poéticos da Arte de Contar Histórias
A trajetória dessas coletâneas de histórias da tradição oral nos dá um pequeno vislumbre de
como elas têm percorrido o mundo ao longo do tempo.
QUANDO DISCORREMOS SOBRE A NARRAÇÃO DE
HISTÓRIAS NO CONTEXTO PEDAGÓGICO, SÃO A ESSES
CONTOS QUE NOS REFERIMOS. QUANDO UM PROFESSOR
OPTA POR TRABALHAR COM CONTOS DE TRADIÇÃO ORAL,
É IMPORTANTE QUE SAIBA FAZER ESSA DISTINÇÃO E
ESTEJA CONSCIENTE DE QUE ESTÁ TRABALHANDO COM
HISTÓRIAS QUE SÃO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DA
HUMANIDADE. NÃO SÓ ELAS NÃO TÊM UM AUTOR, COMO
TAMBÉM, A CADA VEZ QUE SÃO CONTADAS, O SÃO DE
MANEIRAS DIFERENTES. NÃO PERTENCEM A UMA ÚNICA
CULTURA, E SIM A TODAS – OU AINDA, A NENHUMA.
EXTRAORDINÁRIA RECORRÊNCIA DAS
HISTÓRIAS
No percurso das histórias de tradição oral que são recontadas pelo mundo, muitas vezes são
encontradas histórias semelhantes em diferentes épocas e lugares – às vezes, é possível
rastrear o caminho percorrido pelo conto; outras vezes, não. Veja dois exemplos a seguir:
CINDERELA
Cinderela ficou célebre no mundo ocidental com a versão de Walt Disney, muito modificada a
partir da versão compilada pelos Irmãos Grimm.
A folclorista Marian Cox, no início do século XX, encontrou 345 versões da história da
Cinderela (SHAH, 1991) pelo mundo; ou seja, uma história em que há uma jovem com uma (ou
mais) irmãs e uma madrasta (ou não, há casos em que a própria irmã faz o papel de
madrasta), que a invejam e maltratam, invalidando-a. A jovem sofre muito até que tem a
chance de encontrar o seu caminho, libertando-se da tirania das outras e realizando-se como
mulher, casando-se com um príncipe ou outro homem que simbolize a nobreza de espírito, pois
ela também é um espírito nobre, que precisava passar por tudo aquilo para se realizar.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Shany Muchnik | Shutterstock
BOI LEIÇÃO
Outro exemplo marcante da recorrência de histórias da tradição oral é o do Boi Leição, conto
célebre no folclore brasileiro que está na base dos festejos do Boi no Norte e Nordeste do país.
O pesquisador e compilador de histórias do mundo, Henri Gougaud, apresenta-nos uma versão
tibetana do conto chamada O homem que não podia mentir (GOUGAUD, 1987). Nele, temos
um cavalo em vez de um boi, mas a história é praticamente a mesma.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Carla Nichiata | Shutterstock
Câmara Cascudo (1898-1986), em sua compilação Contos Tradicionais do Brasil, dedica uma
farta nota de rodapé a cada história, em que relata as recorrências dos chamados “motivos”
de cada conto, conforme pesquisados pelos folcloristas da escola escandinava Antti Aarne
(1867-1925) e Stith Thompson (1885-1976), que estudaram os inúmeros motivos que
compõem os contos tradicionais.
 EXEMPLO
O Motivo 432 é o de um príncipe que se transforma em pássaro, presente em várias histórias.
HÁ MUITAS PESQUISAS EM TORNO DESSE ASSUNTO, MAS
NUNCA SE CHEGOU A UMA RESPOSTA PARA O ENIGMA DE
COMO A MESMA HISTÓRIA PODE EXISTIR NO TIBETE E NO
NORTE DO BRASIL.
Por isso, o livro World Tales, do contador de histórias de origem afegã Idries Shah (1924-1996),
tem o subtítulo “A extraordinária coincidência de histórias contadas em todo o mundo, em todos
os tempos”. Há, de fato, algo de extraordinário e indecifrável nessa recorrência.
CONTOS TRADICIONAIS
Entre os contos de tradição oral, há diversos tipos de contos. Câmara Cascudo, em seu
Contos Tradicionais do Brasil, organiza os contos em capítulos por tipos, entre outros, como:
Contos de Encantamento
Contos de Exemplo
Contos de Animais
Contos Religiosos
Aqueles que Câmara Cascudo chama de Contos de Encantamento são os que também se
costuma chamar de Contos Maravilhosos ou Contos de Fadas.
 ATENÇÃO
É importante ressaltar aqui a natureza desses contos, principalmente para elucidar uma
possível confusão que se pode vir a fazer a partir do termo “contos de fadas”. Trata-se,
portanto, decontos que nos transportam para um mundo de encantamento.
Em seu ensaio intitulado Sobre contos de Fadas, o autor J.R.R. Tolkien (1892-1973) dedica-se
a considerar a natureza dessas histórias:
 
autor/shutterstock
 J. R. R. Tolkien, autor desconhecido, 1940. Fonte: The Hydrophilian.
Quando alguém decide se aventurar pelo mundo das histórias tradicionais, descobre que há
uma vastidão de caminhos a seguir:
Há, ainda, os contos de tradição oral indígena do Brasil, com muitos contos maravilhosos e
"etiológicos", ou de origem, que explicam o surgimento dos elementos da natureza. É muito
propício que esses contos sejam trabalhados nas escolas como maneira de, entre outras
coisas, estabelecer um contato, por meio da arte e da tradição oral, com os povos originários
do Brasil.
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: Laszlo Mates | Shutterstock
Para os povos de tradição oral, para os quais o que vale é a palavra falada, os contos sempre
foram um importante veículo de ensinamento para passar adiante valores e noções do que
verdadeiramente importa a fim de que as comunidades e as pessoas fossem cada vez
melhores, cada vez mais humanas.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. PODEMOS PERCEBER QUE AS HISTÓRIAS, AS NARRATIVAS DE
UM MODO GERAL, SÃO MUITO PRESENTES NAS NOSSAS VIDAS.
O INTERESSE GENERALIZADO DAS PESSOAS, POR MAIS
DIFERENTES QUE SEJAM, POR HISTÓRIAS, DEVE-SE
PRINCIPALMENTE AO FATO DE QUE:
A) Na nossa sociedade letrada, todos somos leitores desde crianças.
B) As narrativas, sejam em filmes, novelas, reportagens de jornal ou mesmo games, nos são
apresentadas o tempo todo.
C) A nossa própria vida é história, e é composta por muitas histórias, de tal maneira que a
narrativa é intrínseca à nossa experiência.
D) Quando crianças, gostamos de ouvir várias vezes a mesma história, e assim elas se tornam
parte do nosso funcionamento.
E) As histórias de tradição oral fazem parte do nosso imaginário.
2. AS HISTÓRIAS DA TRADIÇÃO ORAL CONSTITUEM UM
PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DA HUMANIDADE. A
RESPEITO DESSAS HISTÓRIAS, PODEMOS AFIRMAR QUE:
A) Cada cultura tem suas próprias histórias, e há um claro limite entre as histórias de cada
povo, pois dificilmente encontramos histórias semelhantes em culturas diferentes.
B) O que garante a perpetuação das histórias de tradição oral é que elas sempre têm uma
moral.
C) As histórias de tradição oral nunca são escritas, e sim passadas oralmente de uma geração
para outra.
D) Vários estudiosos, ao longo do tempo, conseguiram rastrear o percurso das histórias de
tradição oral pelo mundo.
E) É possível constatar uma recorrência das histórias de tradição oral, que aparecem em
diferentes roupagens, mas com semelhanças essenciais, em diversas culturas.
GABARITO
1. Podemos perceber que as histórias, as narrativas de um modo
geral, são muito presentes nas nossas vidas. O interesse
generalizado das pessoas, por mais diferentes que sejam, por
histórias, deve-se principalmente ao fato de que:
A alternativa "C " está correta.
 
O interesse generalizado por histórias, nos mais diferentes formatos, como uma constante em
todas as épocas e lugares, deve-se ao fato de nossa própria vida ser feita de histórias. As
outras considerações apresentadas são, de certo modo, consequência desse fato.
2. As histórias da tradição oral constituem um patrimônio cultural
imaterial da humanidade. A respeito dessas histórias, podemos
afirmar que:
A alternativa "E " está correta.
 
O fato de se considerar as histórias como patrimônio cultural imaterial da humanidade
relaciona-se com a característica de as histórias pertencerem a todas as culturas e a nenhuma
delas ao mesmo tempo. A recorrência das histórias em diferentes tempos e lugares contribui
para a compreensão dessa característica.
MÓDULO 2
 Identificar a maneira como opera a tecnologia das histórias
TECNOLOGIA DAS HISTÓRIAS
No vídeo a seguir, veja mais sobre a relação entre as estratégias e os objetivos da tradição
oral. Vamos assistir!
Em seu Acordais – fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias, a pesquisadora e
contadora de histórias Regina Machado (2004) afirma que ensinar por meio de histórias é
uma estratégia arquimilenar. Assim como as histórias acompanham a humanidade desde
tempos imemoriais, o ato de transmitir sabedoria e experiência por meio das narrativas
acompanha os seres humanos desde sua origem.
CONTAR HISTÓRIAS E ENSINAR POR MEIO DELAS É UMA
TECNOLOGIA MUITO ANTIGA.
Ao falar em tecnologia, costuma-se pensar em algo moderno envolvendo a internet e a rapidez
da comunicação. Mas, ao analisar a fundo essa palavra, podemos encontrar no dicionário
Houaiss a seguinte definição:
(...) TEORIA GERAL E/OU ESTUDO SISTEMÁTICO
SOBRE TÉCNICAS, PROCESSOS, MÉTODOS, MEIOS E
INSTRUMENTOS DE UM OU MAIS OFÍCIOS OU
DOMÍNIOS DA ATIVIDADE HUMANA (EX. INDÚSTRIA,
CIÊNCIA ETC.).
Etimologicamente, a palavra vem do grego tekhnología, no sentido de “tratado ou dissertação
sobre uma arte, exposição das regras de uma arte”, formada a partir dos radicais gregos:
TEKHNO-
de tékhnē, no sentido de “arte, artesanato, indústria, ciência”

-LOGÍA
de lógos, no sentido de “linguagem, proposição”
No caso das histórias, é importante observar como funcionam – como opera essa tecnologia –,
para desenvolvermos um olhar aprofundado sobre os aspectos dessa arte na educação.
METÁFORA DA EXPERIÊNCIA HUMANA
Constatamos que há uma extraordinária recorrência dos contos tradicionais em diferentes
culturas. Extraordinária, pois não pode ser inteiramente compreendida por meios racionais ou
dedutivos. Seguindo o viés da tecnologia das histórias tradicionais, temos uma pista do porquê
desse fenômeno existir; vemos que, fundamentalmente, esses contos dizem respeito à
experiência humana.
 Fonte: Lordn | Shutterstock
Quando um conto é passado de geração em geração e segue vivo, é porque encontra eco na
própria experiência e vida daqueles que o contam e de quem o escuta.
ESSES CONTOS SÃO DESENHOS METAFÓRICOS DA NOSSA
EXPERIÊNCIA NA VIDA.
Quando vemos os seus temas, quem são e como são seus personagens, e as aventuras que
atravessam ao longo da história, podemos encontrar reflexos dessas histórias na nossa própria
experiência de vida.
É assim que os grandes contadores sabem, recordam-se das histórias que contam, sem
precisar decorar um texto, palavra por palavra. É como se a experiência daquela história fosse
sua própria experiência.
Costuma-se dizer, entre os contadores de histórias tradicionais da África ocidental, que:
 
autor/shutterstock
 Fonte: aklionka | Shutterstock
CORAÇÃO CHEGA AO CORAÇÃO
Uma tradição presente dentro de diversas áreas da África meridional se dá entorno da
estrutura bantu e da tradição dos griô.
A estrutura bantu corresponde à tradição em que a história era considerada e contada por
meio da ideia de que as famílias mantinham sua ancestralidade ao narrar histórias
daqueles que marcaram esse processo ancestral, de maneira a dar sentido a sua
vivência.
Essa tradição começava com histórias de características infantis, mas eram remodeladas
a fim de fazer parte da própria formação social desses povos.
O exemplo de Burkina Faso é uma reminiscência histórica dessas práticas.
Com o passar dos anos, esses contos se preservam e, de certa maneira, “fazem o seu
trabalho”. E que trabalho é esse?
Justamente o de transmitir, escondida sob a pele das histórias, uma sabedoria para lidarmos
com as mais diferentes situações que a vida nos apresenta.
Haven (2007), em seu Story Proof, nos oferece a seguinte metáfora:
CERTA VEZ OUVI DIZER QUE A VIDA É COMO O JOGO
DE XADREZ, E QUE AS HISTÓRIAS SÃO COMO
LIVROS DE CÉLEBRES PARTIDAS DE XADREZ QUE
JOGADORES SÉRIOS ESTUDAM A FIM DE SE
PREPARAR PARA O CASO DE ALGUM DIA SE
ENCONTRAREM NA MESMA SITUAÇÃO DE
DIFICULDADE.
(HAVEN, 2007)
A maneira como os personagens de uma história vivenciam todo esse caminho nos oferece
recursos para lidar com a nossa própria história:
Os obstáculos e as dificuldades
O jeito comopartem do início da história e chegam até o fim
O final feliz ou não
Aprender com a estupidez de um personagem
Talvez seja por isso que as crianças gostem tanto e até mesmo precisem ouvir várias vezes a
mesma história. É como se os acontecimentos narrados fossem gravados em sua mente para
lhes servirem de recurso pela vida afora. Vão gravando a história com seus detalhes, desde o
primeiro esboço até o aperfeiçoamento do desenho, as cores, os detalhes. Vão se
familiarizando com a história à medida que a escutam.
 ATENÇÃO
Um dos pontos mais importantes do funcionamento dessa tecnologia é, portanto, o simples fato
de que são histórias; e os seres humanos gostam de ouvir histórias. Elas carregam, então, em
sua própria natureza, o que as torna atraentes. Como um pêssego doce e suculento, que
comemos por prazer, mas além disso carrega em si uma semente, a partir da qual sua
existência pode se perpetuar. (SHAH, 2009)
ESTRANHO E MARAVILHOSO
As histórias, por vezes, são “estranhas”; trazem em si elementos que não se encaixam no
nosso pensamento condicionado. Costumam figurar, como é o caso dos contos maravilhosos,
elementos fantásticos.
 
tulpahn/shutterstock
Animais que falam
 
tulpahn/shutterstock
Objetos mágicos
 
tulpahn/shutterstock
Capacidades extraordinárias
Assim, a sabedoria entranhada nessas histórias chega às pessoas que as escutam sem
passar pelo seu intelecto – ou melhor, "driblando" o intelecto, como um jogador de futebol
dribla o adversário. Ou, é claro, algumas pessoas simplesmente não querem ouvir essas
histórias porque são fantásticas, fantasiosas:
 
autor/shutterstock
 Fonte: Cookie Studio | Shutterstock
Esse tipo de reação é comum entre adultos e também em crianças na pré-adolescência,
período em que começam a duvidar de tudo. Isso faz lembrar de uma história de Nasrudin:
NASRUDIN
"Hodja" ou "Mulá" Nasrudin é um personagem de pequenas histórias de tradição oral.
Suas histórias são atribuídas em geral às culturas da Ásia Central, da Índia e do mundo
árabe, e também à cultura judaica.
NASRUDIN ESTAVA NO DEPARTAMENTO DE
PATENTES TENTANDO PATENTEAR UMA VARINHA
MÁGICA. ‘SINTO MUITO’, DISSE O ATENDENTE, ‘MAS
NÃO PATENTEAMOS INVENÇÕES IMPOSSÍVEIS’.
ENTÃO, NASRUDIN AGITOU SUA VARINHA MÁGICA E
O ATENDENTE DESAPARECEU.
(SHAH, 2016)
As crianças, até uns oito ou nove anos, ainda vivem numa realidade em que não há tantas
barreiras impostas, em que tudo é possível, tudo é vivo – a planta, o sapato, o sol, o armário, a
roupa que ela veste – então, elas transitam no mundo das histórias como um peixe nada no
mar.
Nós, adultos, que tantas vezes nos espantamos com a realidade do mundo à nossa volta,
podemos nos recordar, por meio do contato com as histórias maravilhosas, que nem tudo é tão
chapado, tão encaixotado como fomos treinados para acreditar.
javascript:void(0)
 EXEMPLO
Encontramos um bom exemplo, na afirmação de Maxim Gorky (1868-1936), escritor russo, de
como o encantamento, esse estado de estarmos encantados, é bem-vindo em todos os
estágios da nossa vida:
"Nos contos, as pessoas voam pelos ares em tapetes mágicos, caminham com botas de sete
léguas, constroem castelos da noite para o dia; os contos abriram para mim um novo mundo
onde reina um poder livre e destemido, inspirando-me no sonho por uma vida melhor." (SHAH,
1991)
TEMPO POR SOBRE O TEMPO
Um aspecto importante das histórias é a fórmula de abertura, como "Era uma vez…". Essa
fórmula nos convida a entrar na história, nos chama para outro tempo, o tempo da história – um
tempo "fora do tempo".
 COMENTÁRIO
Em inglês, a expressão equivalente é “Once upon a time”, que se traduz como "Uma vez por
sobre o tempo", tornando mais clara a característica de estarmos fora do tempo, em outro
tempo.
No caso do "Era uma vez", em português, somos remetidos à linguagem espontânea da
brincadeira de crianças. Como na canção de Chico Buarque, João e Maria, o verso "Agora eu
era o herói…" retrata um lugar de metáfora, do que pode ser, do que é e não é, nem verdade
nem mentira – o lugar do era.
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Essas fórmulas de abertura nos conduzem para dentro da história, que é e não é a nossa
própria experiência. Não é, mas é, por tratar de uma experiência universal. É a minha
experiência, a sua experiência… de todos nós. Quando contamos uma dessas histórias,
criamos um lugar de encontro, da nossa experiência comum, universal, em formato de
metáfora.
Quando nos aventuramos dentro desses contos, cada um vivencia a sua experiência
pessoal.
É por isso que é tão redutora a ideia de uma "moral" da história. Essas narrativas abrem
infinitas possibilidades de experiências, compreensão, insights e aprendizagem, em muitos
níveis; não se limitam a uma moral externa, imposta a elas. Como as histórias tradicionais, e
sobretudo os contos de fadas, têm elementos mágicos, e por vezes “estranhos”, somos
convidados a um lugar de não saber, de experiência.
Experimentamos as histórias, vivenciamo-las entrando, nós mesmos, em um mundo de
encantamento. O que aprendemos com elas é, muitas vezes, da ordem do inexplicável, porém
compartilhado com outras pessoas que vivenciam aquela história conosco. Temos, então, um
espaço de comunhão.
 
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É IMPORTANTE TERMOS, COM RELAÇÃO ÀS HISTÓRIAS, A
NOÇÃO DE QUE NÃO CHEGAMOS A COMPREENDER
COMPLETAMENTE UM CONTO OU AQUILO QUE ELE NOS
TRAZ. ISSO GERA CERTO RESPEITO PARA COM ESSE
MATERIAL, NO SENTIDO DE QUE, AO ESCOLHERMOS
TRABALHAR COM DETERMINADO CONTO, NÃO DEVEMOS
INTERFERIR EM SUA ESTRUTURA.
Muitas pessoas ficam em dúvida se devem manter, por exemplo, o vilão que aparece numa
história contada às crianças. É preciso atentar-se para o fato de que cada elemento do conto
tem sua função e não cabe a nós interferir.
Podemos sempre optar por não contar determinada história com a qual não nos sentimos à
vontade. Mas, assim como em nosso corpo temos a bile, que é ácida e destrói os alimentos
para que possamos digeri-los, também o vilão e a maldade têm o seu lugar no desenho de
cada história.
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E, se encontramos nas histórias uma fonte de recursos para lidar com as situações da vida,
não podemos excluir os recursos que os contos nos dão para lidar com as situações difíceis.
Ao optarmos por suprimir um personagem ou uma passagem da história, corremos o risco de
ter uma história mutilada, que não pode cumprir plenamente sua função.
FAMILIARIZAR-SE COM AS HISTÓRIAS
Há um personagem famoso das histórias do Oeste da África chamado Anansi, da história de
Anansi e o Baú de Histórias:

É o aranha-gente; ao mesmo tempo aranha e gente.
Ele consegue trazer para a Terra o baú das histórias que, até então, ficava guardado no
firmamento.


Quando Anansi abre o baú das histórias, ele tece, cuidadosamente, uma teia com todas as
histórias existentes. Uma teia finíssima e, ao mesmo tempo, forte e grande o suficiente para
sustentar todo o mundo.
Para conseguir o baú de histórias, Anansi precisa cumprir algumas tarefas praticamente
impossíveis – ainda mais para uma pequena aranha! Ele precisa ser estratégico. E é! Sua
astúcia é tão grande quanto seu corpo é pequeno.

Numa ocasião, em que essa história foi contada para um grupo de crianças e adultos, o avô de
uma criança comentou que aquela aranha era muito estratégica, e que além disso precisava
conhecer bem a si mesma, para conseguir aqueles feitos. E que a importância de conhecer a si
mesmo é muito difícil de explicar para uma criança.
NO CASO DAS HISTÓRIAS, NÃO É PRECISO EXPLICAR NADA
PARA A CRIANÇA. BASTA CONTAR A HISTÓRIA E, DE
PREFERÊNCIA, NÃO EXPLICAR; QUANDO SE TRATA DE
HISTÓRIAS DE TRADIÇÃO ORAL, QUANTO MENOS AS
INTERPRETARMOS, MELHOR. POR ISSO, USAMOS A
PALAVRA FAMILIARIZAÇÃO. A CRIANÇA SE FAMILIARIZA
NATURALMENTE COM A HISTÓRIA À QUAL ESCUTA OU
ASSISTE DIVERSAS VEZES, ABSORVENDO-A COMO UMA
ESPONJA ABSORVE A ÁGUA.
E nós, ao nos aproximarmosdesse material, podemos experimentar fazê-lo também assim,
sem buscar decifrá-lo, pois a sabedoria que as histórias carregam, passando despercebida por
gerações e sob o manto das “histórias de entretenimento”, ou “histórias para crianças”,
dificilmente poderia ser veiculada de outra maneira que não pela metáfora desses contos. Se
buscarmos destrinchá-la, provavelmente perderemos o que ela tem para nos dar em sua forma
viva, operante.
Há todo um universo a descobrir sobre a forma como as histórias funcionam entre nós,
crianças e adultos, e as possibilidades que podem abrir. Essas considerações sobre a
tecnologia das histórias constituem a apresentação de um tema muito vasto, que cada um
pode descobrir à medida que se aventure por esse mundo.
 
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Por causa da maneira como operam e da importância que têm as narrativas de tradição oral é
que elas têm sido contadas desde sempre e, nos aventuramos a dizer, seguirão sendo
contadas para sempre.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. VIMOS QUE ENSINAR POR MEIO DE HISTÓRIAS É UMA
"ESTRATÉGIA ARQUIMILENAR". QUAL DAS AFIRMATIVAS ABAIXO
CONDIZ COM A FORMA COMO OPERA A TECNOLOGIA DAS
HISTÓRIAS?
A) É importante que o contador de histórias compreenda inteiramente cada aspecto do conto
que vai contar para que seus ouvintes possam também compreender.
B) No caso das histórias de tradição oral, lidamos com um material que tange o campo do não
compreensível, por isso pensamos em termos de familiarização com esse material, mais do
que compreensão.
C) Desde tempos imemoriais até os dias atuais, as histórias de tradição oral sempre foram o
principal meio de ensino na educação formal.
D) As histórias de tradição oral, muitas vezes, contam com elementos estranhos e
surpreendentes que estão ali para nos deixarem confusos, pois, só assim, podemos aprender
alguma coisa.
E) O contador de histórias não precisa compreender todos os aspectos de uma história, mas
deve compreender ao menos a moral de cada uma antes de contá-las.
2. EM PORTUGUÊS, MUITAS VEZES AS HISTÓRIAS TRADICIONAIS
SÃO INICIADAS PELA CÉLEBRE FÓRMULA DE ABERTURA “ERA
UMA VEZ…”. EM INGLÊS, ESTA FÓRMULA É “ONCE UPON A
TIME…”. QUANTO AO "ERA UMA VEZ", PODEMOS AFIRMAR QUE:
A) Trata-se de uma fórmula de abertura usada exclusivamente para crianças, pois conduz a
um mundo de fantasia.
B) Foi criada a partir da letra da música de Chico Buarque, João e Maria.
C) É uma tradução incorreta da expressão em inglês "Once upon a time".
D) É uma fórmula de abertura que nos remete a um tempo muito antigo.
E) Trata-se de uma porta de entrada para a metáfora das histórias, um tempo que é e não é, o
tempo do “era”.
GABARITO
1. Vimos que ensinar por meio de histórias é uma "estratégia
arquimilenar". Qual das afirmativas abaixo condiz com a forma
como opera a tecnologia das histórias?
A alternativa "B " está correta.
 
É parte essencial da maneira como as histórias de tradição oral funcionam o fato de não serem
totalmente compreensíveis; isso permite que transmitam certo tipo de sabedoria que só pode
ser transmitido assim, driblando o intelecto. Isso se relaciona intimamente com o fato de que
ensinar por meio de histórias é uma estratégia arquimilenar.
2. Em português, muitas vezes as histórias tradicionais são
iniciadas pela célebre fórmula de abertura “Era uma vez…”. Em
inglês, esta fórmula é “Once upon a time…”. Quanto ao "Era uma
vez", podemos afirmar que:
A alternativa "E " está correta.
 
A fórmula de abertura “era uma vez”, com o verbo no pretérito imperfeito, remete-nos a um
tempo que não “é”, nem “foi”, nem “será”. “Era”, que é a mesma forma verbal clássica das
brincadeiras de criança, “agora eu era”, remete-nos a esse tempo que corre ao largo do tempo,
por sobre o tempo.
MÓDULO 3
 Reconhecer a importância do envolvimento do educador para a narração de histórias
QUAL A DIFERENÇA ENTRE DECORAR E
CONTAR UMA HISTÓRIA?
No vídeo a seguir, veja mais sobre o papel da narração na educação. Vamos assistir!
DECORAR
Em sua etimologia, significa saber de cor, de coração – o que deveria ser o trabalho
fundamental de um narrador de histórias. Mas estamos aqui optando por considerá-la no seu
sentido mais usual: a memorização de um texto, exclusivamente técnica.

CONTAR UMA HISTÓRIA
Não exclui a técnica, mas pressupõe um trabalho sensível que caracteriza o ato da narração
como uma arte. Do contrário, estamos tratando de repetidores e não de contadores de
histórias.
Portanto, para contar é fundamental que o conto passe pela experiência, pela sensibilidade,
pelo corpo do contador de histórias. A esse processo criativo que tece relações entre a
subjetividade do educador-narrador com uma história de tradição oral é que chamamos de
envolvimento do educador.
ENVOLVIMENTO DO EDUCADOR – 
A PREPARAÇÃO E O PROCESSO CRIATIVO
DO EDUCADOR-NARRADOR
Para contar uma história oralmente, é preciso prepará-la. Não há uma receita. Embora existam
metodologias que possam ser compartilhadas por profissionais desse campo de saber, esse
processo é singular e subjetivo.
O importante é que o educador tenha consciência da necessidade de implicar um processo
criativo com a história a ser narrada.
Em linhas gerais, é esse processo que confere intimidade com a história, com suas palavras,
imagens, sensações, seus símbolos e suas reflexões.
É POR ESSA INTIMIDADE QUE O EDUCADOR-NARRADOR
PERCEBE OS CAMPOS DE POSSIBILIDADES A SEREM
ABERTOS A PARTIR DO CONTO. E, SOBRETUDO, É ESSA
INTIMIDADE CONQUISTADA PELO MERGULHO NA HISTÓRIA
QUE CONFERE UMA VERDADE À NARRAÇÃO,
SENSIVELMENTE PERCEBIDA PELAS CRIANÇAS.
Alguns contos tradicionais terminam com a fórmula encantatória:
“Eu estive lá no casamento do príncipe e da princesa. Trouxe doces para vocês. Mas no meio
do caminho eu tropecei e os doces caíram no chão”.
A narradora Cristiane Velasco (2018) afirma que, se existe alguma receita para se contar
histórias, ela se resume à expressão “Eu estive lá”. Um bom transmissor de histórias, no
momento da narração, precisa estar “lá”, presente na história. É desta qualidade de verdade
que se trata: a verdade de quem vive a história no momento em que a conta.
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A grande habilidade do educador-contador de histórias é a de desenvolver o mergulho nessa
experiência do “Eu estive lá”. É essa presença no conto que as crianças desejam viver e, se o
educador-narrador não “estiver lá” na história, as crianças também não conseguirão estar.
 DICA
Para contar histórias, não é preciso ser ator. É necessário que, em seu processo criativo com a
história, o educador-narrador conquiste, no seu tempo, consciência da sua própria voz, das
ressonâncias do conto com a sua própria biografia; que faça desse processo criativo uma
descoberta brincante e comprometida com o seu modo de narrar, tão único quanto as linhas da
palma da sua mão.
Podemos dizer que esse processo criativo se inicia no desejo de narrar e de encontrar
uma história para contar.
 EXEMPLO
Como no conto africano Por que os contadores de histórias têm boa memória e apreciam bons
vinhos, os narradores são também buscadores de histórias. O educador-narrador é também
um viajante, que sai pelo mundo coletando histórias acompanhado de seu pássaro escrivão,
sem conhecer o seu destino final, uma vez que o destino é o próprio percurso.
Para contar uma história, é preciso que o educador-contador cultive os motores que o engajam
em um processo significativo com uma história:
Disponibilidade
Desejo de aprender
Curiosidade
Viver esse processo envolve habilidades semelhantes às que as crianças usam para aprender:
intuição, experimentação, brincadeira, curiosidade, vontade de criar.
Veja os passos a seguir:
PASSO 1
PASSO 2
PASSO 1
Sugerimos que o educador-narrador se alimente de histórias e escolha a história que deseja
contar.
PASSO 2
Após escolher a história que deseja contar, desenhe-a, faça perguntas a ela, brinque com seus
personagens, atribuauma música a cada etapa do conto, faça esculturas com os elementos do
conto, visite suas memórias… como convidamos as crianças a fazer.
FAZER COM QUE O MUNDO PAREÇA ABERTO. ESTA É
UMA BELA IMAGEM PARA UM PROFESSOR: ALGUÉM
QUE CONDUZ A SI MESMO. É TAMBÉM UMA BELA
IMAGEM PARA ALGUÉM QUE APRENDE: NÃO
ALGUÉM QUE SE CONVERTE NUM SECTÁRIO, MAS
ALGUÉM QUE, AO LER COM O CORAÇÃO ABERTO,
VOLTA-SE PARA SI MESMO, ENCONTRA SUA
PRÓPRIA FORMA, SUA MANEIRA PRÓPRIA. PORQUE
SE ALGUÉM LÊ OU ESCUTA OU OLHA COM O
CORAÇÃO ABERTO, AQUILO QUE LÊ RESSOA NELE;
RESSOA NO SILÊNCIO QUE ELE É, E ASSIM O
SILÊNCIO PENETRADO PELA FORMA SE FAZ
FECUNDO.
(BONDÍA, 2007)
TEMPO E PROCESSO CRIATIVO DO
EDUCADOR-NARRADOR DE HISTÓRIAS
Processo significa a realização contínua e prolongada de alguma atividade. Falar em
processo é incluir o tempo como uma dimensão intrínseca do trabalho. Isto é, para que o
educador-contador de histórias desenvolva uma relação sensível com um conto, é preciso
tempo.
 DICA
O tempo é imprescindível para o estabelecimento de uma familiaridade com as imagens, os
símbolos, as metáforas de uma história. O tempo é necessário para desfrutar do conto. Narre
quantas vezes for necessário. Conte, mesmo para as crianças, mesmo que seja lendo,
enquanto se familiariza com o conto. Repetir e repetir, até ficar diferente, como escreveu o
poeta Manoel de Barros.
É também o tempo o ingrediente que confere às histórias suas cores e a vitalidade própria do
educador-narrador. Tendo passado por um processo criativo, as palavras de um conto
ganham em sentido e afeto; tornam-se impregnadas pela experiência do educador-narrador.
 
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 RESUMINDO
Em outras palavras, para contar, é preciso viver uma história com a história, um percurso de
aprendizagem com o conto, conforme nos ensina a narrativa africana em que o contador de
histórias bebe a tinta das palavras escritas e transforma as histórias bebidas em histórias
sabidas.
Sabemos da realidade das escolas e da dificuldade em encontrar tempo para atender a todas
as demandas. O que colocamos é que uma história tradicional guarda tesouros de significados
e possibilidades pedagógicas. E, portanto, dedicar tempo para preparar um conto é dedicar-se
a um conteúdo tão importante quanto os demais conteúdos curriculares.
EXPERIÊNCIA NARRATIVA
Definir uma experiência narrativa é uma tarefa ingrata, pois uma experiência é, em si, algo da
ordem do indefinível, que não pode ser apreendida pela razão. Para o educador Jorge Larrosa
Bondía (2002):
A EXPERIÊNCIA É O QUE NOS PASSA, O QUE NOS
ACONTECE, O QUE NOS TOCA. O SABER DA EXPERIÊNCIA É
DIFERENTE DO SABER DA INFORMAÇÃO; TRATA DO
ENCONTRO COM ALGO DESCONHECIDO QUE SÓ SE TORNA
CONHECIDO NA MEDIDA EM QUE É EXPERIMENTADO,
VIVIDO, PROVADO. COMO A FRUTA DA HISTÓRIA QUE
PRECISA SER MASTIGADA E SABOREADA PELO DISCÍPULO,
A EXPERIÊNCIA MODIFICA OS SENTIDOS E OS MODOS DE
PERCEPÇÃO SENSÍVEIS, INCLUSIVE O PENSAMENTO.
Em uma experiência narrativa, algo é provado e experimentado por meio das histórias. Não
sabemos para onde cada história nos levará. Se soubéssemos, não seria uma experiência.
Mas podemos identificar elementos das histórias de tradição oral que propiciam uma
experiência.
Na composição de uma experiência narrativa, junta-se a dimensão do encontro e do afeto.
Juntos, apreciamos o desenrolar de um conflito e enxergamos para além do horizonte visível.
Simultaneamente, de acordo com Machado (2004), o instante da narração particulariza cada
um de nós, pois a história se atualiza na subjetividade de cada ouvinte. Nesse caso, de cada
aluno-ouvinte de histórias.
 
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ESCUTA E ALUNOS-OUVINTES DE
HISTÓRIAS
O educador-narrador que percebe as histórias de tradição oral como um campo de saber e faz
desse material uma experiência, ao contá-las aos seus alunos estará, implicitamente,
convocando cada criança a imprimir e a ampliar sua subjetividade, suas perguntas, sua
imaginação por meio dos contos – os alunos-ouvintes são parte integrante e sujeitos
ativos da experiência narrativa.
Mas, diante do aluno-ouvinte, surgem questões. Nem sempre o professor encontra
disponibilidade no aluno. Por vezes, é preciso construí-la.
 
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PORTAS PARA O TEMPO DO “ERA UMA
VEZ”
Embora uma história possa ressoar por muitos anos em alguém e as consequências de uma
experiência narrativa talvez sequer tenham um fim, podemos dizer que o ciclo visível da
experiência narrativa se completa quando a história chega ao ouvinte.
O esforço do educador-narrador é para que a história chegue ao aluno-ouvinte como um
acontecimento significativo.
O educador-contador de histórias que desenvolveu uma conexão com o conto é capaz de
visualizá-lo. Isso permitirá que as crianças também visualizem o conto.
 
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O que chamamos de visualização não é domínio exclusivo da visão. Por meio de nossas
faculdades imaginativas, podemos ver as cores de uma paisagem, como mares e florestas,
sentir o perfume da princesa, o frio da neve, o sabor das frutas. Podemos escutar o silêncio de
um castelo. Podemos descobrir sons, cheiros, cores e sabores escondidos nas histórias.
As histórias ativam os nossos canais de percepção – auditivo, visual e sinestésico –, incluindo
a intuição. Esses canais são uma maneira fértil de entrarmos no tempo do “Era uma vez”.
Veja algumas dicas a seguir:
AMBIENTE
Preparar a passagem ao tempo extraordinário e uma escuta disponível pode começar pela
organização do ambiente, optando por um espaço acolhedor, uma luz calorosa, uma vela
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acesa, um tapete ou almofadas. Pode-se trazer a atenção das crianças para o silêncio, ou
mesmo para uma música que tenha conexão com a história, ou objetos com sons
diferenciados, como um molho de chaves ou um pau de chuva.
OBJETOS
Quanto aos objetos, não é preciso de nada que ilustre a história. É importante manter a
abertura para a criança imaginar. Mas pode-se trabalhar com objetos que despertem a
curiosidade, como uma pena, a folha de uma árvore, uma concha… algo semelhante a uma
notícia que anuncia a chegada do conto e evoca a sua atmosfera.
Não há cartilhas, mas o processo criativo apontará caminhos. Daí a importância do
envolvimento do educador-narrador. Com o tempo, aprende-se a confiar nesse processo, que é
também intuitivo e que desenvolve, em primeiro lugar, os canais de percepção do próprio
educador-narrador de histórias.
Existem o que os estudiosos dos contos e os contadores de histórias chamam de fórmulas
encantatórias para iniciar e fechar um conto. As que apresentaremos aqui são próprias da
cultura popular, embora também possam ser inventadas. Elas indicam o momento de começar
e de finalizar a viagem pelo conto, e as crianças compreendem esses códigos com rapidez.
Exemplos de fórmulas encantatórias para entrar e despedir-se do “Era uma vez”:
No tempo em que não havia tempo...
 
No tempo em que os passarinhos voavam para trás…
 
Entrou por uma porta, saiu por outra, o rei, meu senhor, se quiser, que conte outra
 
Entrou pela perna do pato, saiu pela perna do pinto. Quem quiser que conte cinco
Com esses elementos, o educador-narrador, aos poucos, prepara a escuta dos alunos e gera
uma disponibilidade para a experiência narrativa. Desse modo, e certamente por tantos outros
a descobrir, as crianças começam a identificar a linguagem e o tempo-espaço próprio dos
contos.
REPERTÓRIO DE CONTOS E O EDUCADOR-
NARRADOR
Por repertório entendemos um conjunto de histórias que o educador-narrador coleciona
ao longo do tempo. Escolher histórias demanda pesquisa, empatia e o processo criativo a que
nos referimos.
Reunir um repertório é algo tão singular como eleger as notas de uma música ou as contas de
um colar. Não há fórmulas, mas a indicação de uma disponibilidade amorosa, pois é pelas vias
do afeto e do encantamento que uma história provoca o desejo de ser contada e investigada.Fonte:Shutterstock
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Veja a seguir um passo a passo simples:
PASSO 1
Escolher uma história (ou ser por ela escolhido) é a primeira etapa. A palavra escolher vem de
colher, do campo semântico da agricultura. Trata-se de escolher uma narrativa que poderá ser
cultivada ao longo do tempo.
PASSO 2
O repertório ganha consistência conforme o educador-narrador repete e recorda as suas
histórias escolhidas. Recordar é passar de novo pelo coração. Um repertório é amadurecido
sempre que uma história é recordada.
 COMENTÁRIO
Falar em repetir histórias pode soar estranho, já que vivemos em uma sociedade cada vez
mais veloz, que prima pelo novo e pela novidade e que consome com voracidade. Justamente
javascript:void(0)
javascript:void(0)
por isso, é importante garantir o direito ao tempo expandido das histórias, que é o tempo da
contemplação. Repetir uma história, com a convicção de que não é preciso apresentar sempre
uma nova, é criar espaço para a familiaridade com as suas imagens e seus conteúdos
simbólicos, para as perguntas e possíveis respostas que um conto pode oferecer.
Recordar uma história também sedimenta no aluno-ouvinte o repertório e a experiência
narrativa. As histórias bebidas tornam-se histórias sabidas – essa é a razão pela qual, em
todos os tempos, os educadores-contadores e os alunos-ouvintes de histórias têm boa
memória.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. O ENVOLVIMENTO DO EDUCADOR-NARRADOR COM UMA
HISTÓRIA É UM ASPECTO IMPORTANTE, POIS É O EDUCADOR
QUEM PROPORCIONA AOS ALUNOS A EXPERIÊNCIA DA ESCUTA.
É NA MEDIDA EM QUE O EDUCADOR-NARRADOR TEM ALGUM
ENVOLVIMENTO COM A NARRATIVA QUE OS ALUNOS TAMBÉM
PODERÃO ENTRAR EM CONTATO COM A HISTÓRIA DE MANEIRA
ESPECIAL.
ACERCA DO ENVOLVIMENTO DO EDUCADOR-NARRADOR COM
UMA HISTÓRIA, MARQUE QUAIS DAS AFIRMAÇÕES ABAIXO
CONDIZEM COM O QUE VIMOS NESTE MÓDULO:
É FUNDAMENTAL QUE O EDUCADOR-NARRADOR DECORE,
MEMORIZE CADA ASPECTO DE UMA HISTÓRIA PARA PODER
CONTÁ-LA.
É A INTIMIDADE DO CONTADOR COM A HISTÓRIA A SER
CONTADA QUE CONFERE “VERDADE” À SUA NARRAÇÃO,
COMO SE ELE, DE FATO, TIVESSE ESTADO LÁ, DENTRO
DAQUELA HISTÓRIA.
O ENVOLVIMENTO DO EDUCADOR-NARRADOR COM UMA
HISTÓRIA DEVE SEGUIR UMA ORIENTAÇÃO
PREDETERMINADA.
O TEMPO É UM FATOR IMPORTANTE PARA QUE O EDUCADOR-
NARRADOR DESENVOLVA INTIMIDADE COM UMA HISTÓRIA,
POR MEIO DE UM MERGULHO NA HISTÓRIA E SUAS MUITAS
POSSIBILIDADES.
A) Apenas a opção IV está de acordo com o que foi visto neste módulo.
B) Apenas a opção I está de acordo com o que foi visto neste módulo.
C) As afirmativas II e IV estão de acordo com o que foi visto neste módulo.
D) As afirmativas I e III estão de acordo com o que foi visto neste módulo.
E) As afirmativas II, III e IV estão de acordo com o que foi visto neste módulo.
2. QUANDO O EDUCADOR-NARRADOR VAI CONTAR UMA
HISTÓRIA PARA SEUS ALUNOS, PODE UTILIZAR ALGUNS
RECURSOS QUE FAVOREÇAM A EXPERIÊNCIA NARRATIVA. QUAIS
DOS RECURSOS ABAIXO VOCÊ CONSIDERA MAIS ADEQUADOS
NO SENTIDO DE GARANTIR QUE ESSA EXPERIÊNCIA SEJA A MAIS
RICA POSSÍVEL PARA AS CRIANÇAS QUE ESCUTAM A HISTÓRIA?
A) Preparar o espaço de uma maneira aconchegante e ter alguns objetos que despertem a
curiosidade.
B) Ter imagens ilustrando concretamente cada um dos personagens e lugares da história.
C) Um baú com cada objeto para despertar a curiosidade e todos os objetos que aparecem na
história.
D) Uma gravação com os sons dos lugares e personagens da história.
E) Estar fantasiado como um dos personagens da história.
GABARITO
1. O envolvimento do educador-narrador com uma história é um
aspecto importante, pois é o educador quem proporciona aos
alunos a experiência da escuta. É na medida em que o educador-
narrador tem algum envolvimento com a narrativa que os alunos
também poderão entrar em contato com a história de maneira
especial.
Acerca do envolvimento do educador-narrador com uma história,
marque quais das afirmações abaixo condizem com o que vimos
neste módulo:
É fundamental que o educador-narrador decore, memorize cada
aspecto de uma história para poder contá-la.
É a intimidade do contador com a história a ser contada que
confere “verdade” à sua narração, como se ele, de fato, tivesse
estado lá, dentro daquela história.
O envolvimento do educador-narrador com uma história deve
seguir uma orientação predeterminada.
O tempo é um fator importante para que o educador-narrador
desenvolva intimidade com uma história, por meio de um
mergulho na história e suas muitas possibilidades.
A alternativa "C " está correta.
 
Para que as potencialidades de uma experiência narrativa encontrem espaço, é fundamental o
envolvimento criativo do educador-narrador com a história a ser contada. É a sua relação com
o conto que vai inaugurar e sustentar a continuação de um processo de aprendizagem com
essa antiga tecnologia.
2. Quando o educador-narrador vai contar uma história para seus
alunos, pode utilizar alguns recursos que favoreçam a experiência
narrativa. Quais dos recursos abaixo você considera mais
adequados no sentido de garantir que essa experiência seja a mais
rica possível para as crianças que escutam a história?
A alternativa "A " está correta.
 
Para contar histórias e possibilitar que a experiência narrativa seja a mais fértil possível, é
importante que o educador prepare a sua narração, mas também prepare a escuta dos alunos.
Essa preparação pode se dar de modos criativos, tanto com o ambiente quanto com objetos
adequados, que mantenham espaços em aberto para a imaginação das crianças.
MÓDULO 4
 Identificar como a narração de histórias de tradição oral se relaciona intimamente
com o processo de aprendizagem e com os Campos de Experiências da educação
infantil apresentados na BNCC
QUESTÕES FUNDAMENTAIS PARA O
EDUCADOR-NARRADOR DE HISTÓRIAS
Neste módulo, demonstraremos as potencialidades da narração de histórias de tradição oral
como linguagem artística que exercita os Campos de Experiências e os direitos da criança
na educação infantil, ambos apresentados pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
 
Fonte:Shutterstock
 Fonte: MEC.
De acordo com esse documento, o desenvolvimento das crianças nessa fase tem como eixos
estruturantes as interações e a brincadeira que, por sua vez, asseguram-lhes os direitos de
conviver, de brincar, de participar, de explorar, de expressar-se e de conhecer-se. Neste
módulo, cada título a seguir corresponde a um dos Campos de Experiências da educação
infantil.
O EU, O OUTRO E O NÓS E A NARRAÇÃO
DE HISTÓRIAS
Há algo na narração de histórias que é capaz de conectar a criança ao outro e que convoca o
encontro. Sobre isso, falaremos mais adiante. Há também algo que conecta a criança a ela
mesma, permitindo que perceba mais de si própria e construa um senso de identidade.
 Fonte: Tatiana Bobkova | Shutterstock
Quando a criança escuta uma história, entra em contato com uma série de imagens simbólicas
que a ajuda a organizar e nomear seu mundo interno, a dar forma e voz reconhecível a seus
afetos e suas experiências.
Por meio das histórias, a criança encontra espaço e voz, tanto para a bruxa quanto para a
princesa, tanto para o lobo como para os porquinhos.

No espaço simbólico da fantasia, as contradições encontram um modo saudável de expressão
e de convivência.

Por meio do enredo e dos personagens, a criança vivencia a sua singularidade e brinca de ser
outros, num exercício lúdico de alteridade, descobrindo modos de agir, sentir e pensar.
Escutar uma história é ser transportado para outro tempo-espaço – o tempo acima do tempo,
em que tudo é possível. Quando uma história é contada, narrador e ouvinte, juntos, adentram
no tempo do “era uma vez…”. Tempo próprio da subjetividade, do extraordinário.
ESTE “LÁ” PARA ONDE A PESSOA SE TRANSPORTA
É O LUGAR DA IMAGINAÇÃO ENQUANTO
POSSIBILIDADE CRIADORA E INTEGRATIVA DO
HOMEM. QUANDO EXPERIMENTO ESTAR NO
INTERIOR DA HISTÓRIA, EXPERIMENTO A
INTEGRIDADE INDIVIDUAL DE ALGUÉM QUE NÃO
ESTÁ NEM NOPASSADO NEM NO FUTURO, MAS NO
INSTANTE DO AGORA ONDE ENCONTRO EM MIM NÃO
O QUE EU FUI OU O QUE EU SEREI, MAS A MINHA
INTEIREZA NO LUGAR ONDE A NORMA E A REGRA –
ENQUANTO COERÇÃO DA EXTERIORIDADE DO
MUNDO – NÃO CHEGAM. ONDE EU SOU REI OU
RAINHA DO REINO VIRTUAL DAS POSSIBILIDADES, O
REINO DA IMAGINAÇÃO CRIADORA. NESSE LUGAR,
ENCONTRO NÃO O QUE DEVO, MAS O QUE POSSO;
PORTANTO, ENTRO EM CONTATO COM A
POSSIBILIDADE DE AFIRMAÇÃO DO PODER CRIADOR
HUMANO, CONFIGURADO EM CONSTELAÇÕES DE
IMAGENS.
(MACHADO, 2004)
Um narrador que conta histórias de viva voz, com seu corpo e sua memória implicados nessa
transmissão, torna a experimentação da criança ainda mais potente. Contar envolve
improvisação, presença e relação direta com a criança. Contar uma história é recriá-la, é um
exercício de liberdade. Aquele que conta convida a criança a experimentar sua liberdade
criativa também.
 
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 Fonte: Joa Souza | Shutterstock
Contar e escutar histórias é uma prática comunitária. Na interação com a história e com o
grupo, brincando de escutar e representar o conto, a criança observa outras crianças e
aprende sobre modos diferentes de ser e responder ao conto.
 RESUMINDO
As histórias de tradição oral são oriundas de um povo. Por isso, introduzem o contato com
diferentes culturas e modos de estar no mundo. Esse contato é formador e propicia o
desenvolvimento do respeito e do amor à diferença que constitui o ser humano.
A contadora de histórias Vivian Catenacci narra um episódio em que, após uma sessão de
histórias para um grupo de crianças, uma menina lhe perguntou:
COMO CABEM TANTAS PESSOAS DENTRO DE VOCÊ?
ESSA PERGUNTA ESCLARECE A IMPORTÂNCIA DA HISTÓRIA
NARRADA ORALMENTE NO QUE DIZ RESPEITO À
APRENDIZAGEM DA DIFERENÇA. QUANDO O EDUCADOR-
NARRADOR DÁ VIDA A PERSONAGENS DIVERSOS, DE
VARIADAS CULTURAS, A CRIANÇA COMPREENDE, PELO
EXEMPLO VIVO, QUE A DIFERENÇA É UMA EXPERIÊNCIA DE
EXPANSÃO: POR MEIO DELA, TORNAMO-NOS TÃO GRANDES
QUE CABEM MUITAS PESSOAS E VÁRIOS MUNDOS DENTRO
DE NÓS.
CORPO, GESTOS E MOVIMENTOS E A
NARRAÇÃO DE HISTÓRIAS
A narração de histórias na educação infantil é uma arte com inúmeras possibilidades de
contribuição para o desenvolvimento da consciência corporal das crianças. A partir da
escuta, a criança pode viver, no próprio corpo, as imagens, sensações e os sentimentos
suscitados pela história.
Há muitas atividades que podem ser desenvolvidas, relacionando o corpo às histórias, como:
 
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Experimentar ações (andar, falar, correr) inspiradas em cada personagem; fazer estátuas;
representar teatralmente a história, e muitas outras.
 DICA
Criar e escolher as atividades mais adequadas e potentes para cada história depende do
conhecimento do conto por parte do educador-narrador e do conhecimento da turma, em
termos de suas necessidades e seus limites.
A escuta de uma história pode proporcionar para a criança experiências de liberdade e
consciência da corporeidade, incluindo a relação com os próprios limites e com os limites
do outro.
Com ludicidade, as brincadeiras com histórias ampliam o repertório de movimentos e o contato
com o potencial expressivo do corpo. Nessas brincadeiras, corpo, palavra e emoção estão
integrados. O corpo é uma história viva, em movimento.
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TRAÇOS, SONS, CORES E FORMAS E A
NARRAÇÃO DE HISTÓRIAS
Os contadores de histórias tradicionais costumam dizer que há, na Terra, tantas histórias
quantas estrelas existem no céu. Cada povo, país ou região tem suas próprias histórias, que
manifestam suas culturas em imagens, enredos e sonoridades.
Apresentar um repertório de histórias de diferentes matrizes culturais proporciona experiências
diversificadas de cultura:
 
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A criança escuta novos sons e novas palavras
 
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Ela se depara com paisagens variadas
 
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Conhece personagens guiados por valores diferentes
ESSE REPERTÓRIO DIVERSIFICADO DESENVOLVE UM SENSO
ESTÉTICO AMPLO QUE CONTRIBUI PARA A FORMAÇÃO DE
UM IMAGINÁRIO VASTO E DE SENSIBILIDADES QUE NÃO
APENAS VALORIZA, MAS ABRAÇA E APRENDE COM AS
DIFERENÇAS.
Escutar diferentes histórias cria desenhos variados na imaginação da criança. As crianças
sentem necessidade de expressar esses desenhos após a escuta de uma história e devem ser
estimuladas a fazê-lo. É um modo significativo de elaborar os conteúdos vividos por intermédio
do conto. Para isso, o educador-narrador pode convidá-las a experimentar diferentes
materialidades que, de preferência, tenham coerência com a história narrada: argila, objetos da
natureza, sucata, tinta.
O importante é a consciência de que a narração é uma arte que convida à:
CONTEMPLAÇÃO
EXPRESSÃO
CONTEMPLAÇÃO
Por meio da contemplação do conto, a criança desenvolve seu senso estético.
EXPRESSÃO
Pela expressão das imagens que o conto nela suscitou, exercita a sua autoria e a força
simbólica do seu próprio traço, experimentando a dimensão do seu protagonismo.
ESCUTA, FALA, PENSAMENTO E
IMAGINAÇÃO E A NARRAÇÃO DE
HISTÓRIAS
É pelo sentido da audição que estabelecemos nossos primeiros vínculos com o mundo, desde
a gestação.
 SAIBA MAIS
A palavra vínculo, de origem latina, vinculum, significa laço. Ela é uma derivação do verbo
vincire, que significa seduzir e encantar. Nos caminhos cambiantes das palavras, vinculum se
transformou em brinco, que, por sua vez, deu origem ao verbo brincar.
É por meio dessa profunda e intrínseca relação entre escuta, vínculo e brincadeira que
chegamos às histórias.
A criança aprende brincando. Esse modo de aprender da infância inclui as histórias: uma
brincadeira com as palavras, com os sons, com as imagens. Escutar é o primeiro passo para
brincar com uma história.
O momento da escuta de uma história é, sem dúvida, uma aprendizagem da convivência, de
dar espaço para a voz do outro.
 
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Escutar histórias também contribui para que a criança desenvolva seu vocabulário, aprenda a
ligar palavras a outras palavras, a significados. Pela escuta, a criança aprende a criar
discursos, a expressar desejos, necessidades e sentimentos, a compreender, a se apropriar da
linguagem que a insere na cultura e também a ser partícipe dessa cultura.
Mas há algo na escuta das histórias contadas oralmente que não podemos perder de vista:
ESCUTAR ACORDA NA CRIANÇA O DESEJO DE NARRAR, DE
ENCONTRAR A SUA PRÓPRIA PALAVRA E VOZ. POR ISSO, É
COMUM CRIANÇAS COM DIFICULDADE DE COMUNICAÇÃO
VERBAL, APÓS ESCUTAREM HISTÓRIAS, COMEÇAREM A SE
AVENTURAR NA FALA. AS HISTÓRIAS GERAM UM
MOVIMENTO SIMBÓLICO QUE A CRIANÇA DESEJA
COMUNICAR.
Ao escutar, a criança também estabelece vínculos entre as palavras da história e as imagens
que ela vê internamente. Não à toa, as crianças pedem para repetirmos uma história muitas
vezes. E pedem para desenhá-la. Ouvir novamente e desenhar são maneiras de tornar mais
nítidas essas imagens; são desejos de contato com a imaginação.
Desenhar surge, também, de uma necessidade vital e fundante de inscrever uma marca no
mundo, conforme vemos ao longo da história da humanidade, desde as pinturas rupestres. O
desenho imprime um traço, uma espécie de assinatura, assim como nossa palavra e nossa
voz. O desenho é, para a criança, uma experiência de singularidade e, ao mesmo tempo, um
modo de contato, de relação com a vida.
Vale lembrar também que, antes de escrever, nós desenhamos – a escrita é um desenho.
Quando as crianças já sabem escrever, há inúmeras atividades que podemos fazer envolvendo
a escrita e o desenho a partir de uma história.
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À medida que a criança escuta histórias, cria imagens e adquire repertório de palavras
vinculadas a essas imagens, começa a ler o mundo.
A LEITURA DO MUNDO PRECEDE A LEITURA DA
PALAVRA.
(FREIRE, 1989)
Ler o mundo é compreenderuma expressão corporal, é identificar sentimentos, é ler as
mudanças na natureza. Ler é perceber a nós mesmos e o que nos cerca. Esse movimento
leitor é movido pelo prazer da descoberta e pela curiosidade; por isso, as crianças elaboram
tantas perguntas:
Por que o céu é tão longe?
Por que a água do mar é salgada?
Como o sol passou a brilhar?
Como surgiram as histórias?
Para onde vamos quando morrermos?
Essas perguntas são fruto da observação e de um desejo de saber. Perguntar e imaginar são
operações próximas – os cientistas e pesquisadores sabem disso. Uma pergunta nos faz
imaginar hipóteses.
 COMENTÁRIO
Curiosamente, para todas as perguntas acima, comumente verbalizadas por crianças, existem
histórias de tradição oral correspondentes. São histórias de diferentes povos que nasceram das
perguntas, do imaginário e da experiência do homem na Terra; histórias que contam a origem
de formas de vida e de fenômenos naturais por intermédio de imagens e metáforas. Elas não
são mentiras, mas narrativas que incluem o mágico, o mistério inexplicável da vida, que a
ciência mais avançada não alcança.
 SAIBA MAIS
A palavra fantasia tem raiz etimológica na palavra grega phos, que significa luz, e no verbo
phaínein, que significa fazer aparecer. Portanto, fantasiar é lançar luz, tornar visível, legível.
Fantasiar é uma operação de leitura e investigação. É um jeito fértil de produzir conhecimento.
Essa curiosidade original, quando fomentada pelo educador-narrador, conduz a criança
para o desejo de aprender a ler e escrever palavras.
ESPAÇOS, TEMPOS, QUANTIDADES,
RELAÇÕES 
E TRANSFORMAÇÕES E A NARRAÇÃO DE
HISTÓRIAS
“Era uma vez…”, fórmula que convida, imediatamente, a criança a entrar no tempo do
extraordinário. Contar e escutar histórias é, por sua natureza, uma experiência e uma
aprendizagem do tempo.
O tempo é um assunto abordado pelas histórias: o dia e a noite, o início e o fim, a mudança
das estações, os cotidianos dos personagens que, de repente, ou até que um dia, vivem algo
diferenciado. Essas imagens ajudam a criança a situar-se no tempo e a desenvolver uma
relação com a passagem dele.
 
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POR MEIO DA ESCUTA DE UMA HISTÓRIA, A CRIANÇA
ACOMPANHA O DESENROLAR DE UMA TRAMA AO LONGO
DO TEMPO – SEU DESENVOLVIMENTO E SEU DESFECHO. A
ESTRUTURA DE UMA HISTÓRIA ORGANIZA O TEMPO EM
INÍCIO, MEIO E FIM. INTUITIVAMENTE, AS CRIANÇAS
APRENDEM ESSA ESTRUTURA.
Ao “Era uma vez…” se segue “Era uma vez um reino…”. Esse reino pode ser uma aldeia, um
país, uma ilha, uma cabana; é o lugar imaginário onde se passa uma história, por onde seus
personagens transitam:
 
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 Mapa desenhado por um aluno após a escuta de uma história. Fonte: Acervo pessoal das
autoras.
Pode-se desenhar mapas, no papel ou no chão, para achar um tesouro, seguir suas
pistas ou transpor seus limites;
Por meio da cartografia das histórias, a criança explora territórios imaginários e
concretos;
Pode aprender a geografia de um país, de uma rua, ou o caminho para voltar para casa,
como no conto João e Maria.
Sobre o tema da quantidade, pode-se brincar de contar quantos tijolos ergueram a casa do
terceiro porquinho, ou o número de ingredientes necessários para fazer uma poção mágica.
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Podemos considerar também que “Era uma vez” é o acesso ao reino infinito da imaginação.
Nesse reino, possuímos um bolso mágico de onde pode sair a quantidade que desejarmos de
figos, ou um moinho mágico que realiza nossos desejos ad infinitum, até que saibamos dizer a
palavra mágica que o fará parar.
Contar histórias tradicionais para as crianças é uma maneira de convidá-las a desenvolver uma
relação com seu próprio infinito, com a sua criatividade. E, por isso, é importante que sejam
contadas de viva voz, de coração, pois essas são as histórias que têm morada na memória e
no infinito do educador-narrador.
As transformações são, também, um tema próprio das histórias. Pode-se pensar nas
metamorfoses dos personagens:
 
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O sapo se transforma em príncipe
 
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Uma abóbora numa carruagem
A mágica dos contos recorda nossa própria plasticidade. Podemos nos transformar como os
personagens. Nós também sofremos transformações físicas e subjetivas. Tudo o que vive se
transforma.
 
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No vídeo a seguir, veja mais sobre o papel da BNCC na Educação e na contação de histórias.
Vamos assistir!
AS HISTÓRIAS SÃO UM MODO METAFÓRICO DE A CRIANÇA
SE FAMILIARIZAR COM AS TRANSFORMAÇÕES PRÓPRIAS
DA VIDA.
Os mistérios que as histórias apresentam podem ser caminhos para instigar sua curiosidade.
Escutar histórias é um jeito fértil de explorar possibilidades, levantar hipóteses, aprender a
perguntar. Essas perguntas podem levar a respostas para explicar o nosso mundo físico, mas
também a investigações filosóficas, do campo da imaginação, da subjetividade e da poesia.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. VIMOS QUE É POSSÍVEL ESTABELECER UMA ÍNTIMA CONEXÃO
ENTRE A ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS NO CONTEXTO ESCOLAR
E OS CAMPOS DE EXPERIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL, DA
BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR. NO CAMPO DE
EXPERIÊNCIAS "O EU, O OUTRO E O NÓS", SOMOS REMETIDOS
AOS DIFERENTES TIPOS DE ENCONTROS QUE OCORREM
QUANDO UM EDUCADOR-NARRADOR CONTA UMA HISTÓRIA
PARA UMA TURMA. ACERCA DISSO, LEIA AS AFIRMATIVAS
ABAIXO E SELECIONE AS QUE ESTÃO DE ACORDO COM O QUE
FOI VISTO NESTE MÓDULO.
A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NARRATIVA DE UM CONTO DE
TRADIÇÃO ORAL, HÁ UM ENCONTRO SIGNIFICATIVO ENTRE A
CRIANÇA E O EDUCADOR-NARRADOR.
A PARTIR DA EXPERIÊNCIA NARRATIVA DE UM CONTO DE
TRADIÇÃO ORAL, É COMO SE A CRIANÇA SAÍSSE DELA
MESMA E ENTRASSE NO UNIVERSO DA HISTÓRIA.
PODE HAVER, A PARTIR DE UMA HISTÓRIA, UM ENCONTRO
ENTRE AS CRIANÇAS E UMA REALIDADE DIFERENTE DA SUA,
DE OUTRA CULTURA, DE ONDE VEM A HISTÓRIA QUE FOI
CONTADA.
PODEMOS AFIRMAR QUE HÁ, A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE
ESCUTA DE UM CONTO DE TRADIÇÃO ORAL, UM ENCONTRO
DA CRIANÇA COM ELA MESMA, AO ENTRAR EM CONTATO
COM IMAGENS SIMBÓLICAS DE SEU MUNDO INTERNO.
A) Apenas a opção IV está de acordo com o que foi visto neste módulo.
B) As opções I, II e III estão de acordo com o que foi visto neste módulo.
C) As opções I, II e IV estão de acordo com o que foi visto neste módulo.
D) Apenas a opção III está de acordo com o que foi visto neste módulo.
E) Apenas as opções I e II estão de acordo com o que foi visto neste módulo.
2. O TRECHO DA BNCC QUE SE REFERE À ETAPA DA EDUCAÇÃO
INFANTIL JÁ COMEÇA A LEVAR EM CONTA O DESPERTAR DO
INTERESSE PELA LEITURA E ESCRITA, A RELAÇÃO DA CRIANÇA
COM A LINGUAGEM, EMBORA A ALFABETIZAÇÃO
PROPRIAMENTE DITA SÓ OCORRA OFICIALMENTE NO PRIMEIRO
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL. VIMOS, NESTE MÓDULO, QUE A
ARTE DE CONTAR HISTÓRIAS PODE CONTRIBUIR
SIGNIFICATIVAMENTE PARA ESSE DESPERTAR. DENTRE AS
OPÇÕES ABAIXO, ASSINALE AS QUE ESTÃO DE ACORDO COM A
RELAÇÃO QUE FOI ESTABELECIDA AQUI ENTRE A NARRAÇÃO DE
HISTÓRIAS E O DESPERTAR DO INTERESSE PELA LEITURA E
ESCRITA ENTRE AS CRIANÇAS.
A) A escuta de histórias pelas crianças desenvolve nelas o desejo de desenhar e expressar as
imagens que a história suscitou, e expressar-se pelo desenho é um passo no caminho para
expressar-se pela escrita.
B) Ao ter o hábito de escutar histórias, as crianças vão se acostumando a ligar palavras a
outras palavras e formar significados.
C) Escutar histórias pode gerar um significativo aumento no repertório vocabular das crianças.
D) O ato de escutar histórias desperta nas crianças o desejo por contarem, elas mesmas,
histórias.
E) Quando as crianças ouvem uma história, é muito bom aproveitar para ensinar-lhes a
escrever os nomes de todos os personagens, ou pelo menos de alguns.
GABARITO
1. Vimos que é possível estabelecer uma íntima conexão entre a arte
de contar histórias no contexto escolar e os Campos de
Experiências da educação infantil, da Base NacionalComum
Curricular. No Campo de Experiências "O eu, o outro e o nós",
somos remetidos aos diferentes tipos de encontros que ocorrem
quando um educador-narrador conta uma história para uma turma.
Acerca disso, leia as afirmativas abaixo e selecione as que estão de
acordo com o que foi visto neste módulo.
A partir da experiência narrativa de um conto de tradição oral,
há um encontro significativo entre a criança e o educador-
narrador.
A partir da experiência narrativa de um conto de tradição oral, é
como se a criança saísse dela mesma e entrasse no universo da
história.
Pode haver, a partir de uma história, um encontro entre as
crianças e uma realidade diferente da sua, de outra cultura, de
onde vem a história que foi contada.
Podemos afirmar que há, a partir da experiência de escuta de
um conto de tradição oral, um encontro da criança com ela
mesma, ao entrar em contato com imagens simbólicas de seu
mundo interno.
A alternativa "B " está correta.
 
Contar e escutar histórias é uma experiência de encontro em muitas instâncias. Falamos do
encontro do narrador com o conto, do narrador com ouvinte, do conto com ouvinte. Por ser
uma prática de reunião e compartilhamento, contar e escutar histórias é um exercício de
alteridade.
2. O trecho da BNCC que se refere à etapa da educação infantil já
começa a levar em conta o despertar do interesse pela leitura e
escrita, a relação da criança com a linguagem, embora a
alfabetização propriamente dita só ocorra oficialmente no primeiro
ano do ensino fundamental. Vimos, neste módulo, que a arte de
contar histórias pode contribuir significativamente para esse
despertar. Dentre as opções abaixo, assinale as que estão de
acordo com a relação que foi estabelecida aqui entre a narração de
histórias e o despertar do interesse pela leitura e escrita entre as
crianças.
A alternativa "A " está correta.
 
Escutar histórias põe em movimento uma série de imagens que a criança cria internamente – a
imaginação. As crianças têm vontade de desenhar essas imagens. Aos poucos, o desejo de
escrita surge como decorrência, tendo em vista que a grafia das palavras também é um
desenho.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compartilhamos alguns aspectos centrais da arte de contar histórias a fim de que estejam
presentes na construção do pensamento sobre a arte narrativa no contexto escolar.
Trata-se de um campo vasto e cheio de descobertas a serem feitas por quem nele se aventura.
Ao mesmo tempo, conforme estudamos, as histórias tradicionais podem ser vistas como
simples “historinhas” para crianças, que servem para entreter e nada mais, ou para inculcar
uma moral, ou para gerar interesse pela leitura. De certa maneira, pelo fato de serem tantas
vezes assim consideradas, essas histórias têm atravessado gerações passando incólumes
pela interpretação excessiva, pela censura e pelo mal entendimento.
O universo das histórias de tradição oral é um universo do qual nos aproximamos “sabendo
que não sabemos”, e que vamos explorá-lo não para encontrar respostas, mas para nos
abrirmos a possibilidades e expandirmos o nosso jeito de ver o mundo.
Se esses contos puderem ser levados às crianças em um contexto escolar, tendo em vista
essa perspectiva; se alguns educadores aceitarem a aventura de se envolver com essas
histórias, visitando a sua própria história nesse processo; se alguns, ainda que poucos,
educadores puderem vivenciar o espaço do “Era uma vez” de forma genuína, na mais pura
verdade da fantasia, com crianças de educação infantil, deixando-se juntos permear-se pelos
contos de tradição oral, a teia dourada das histórias de Anansi se fortalece e o mundo ganha
mais sustentação.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
CASOY, R. Poranduba – Roda de Histórias Indígenas. Rio de Janeiro: NAU, 2009.
BONDÍA, J. L. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. (Conferência). Tradução
de João Wanderley Geraldi. São Paulo: Revista Brasileira de Educação, 2002.
BONDÍA, J. L. Pedagogia profana: danças, piruetas e mascaradas. São Paulo: Autêntica,
2007.
FREIRE, P. A importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados - Cortez, 1989.
GOUGAUD, H. L'Abre aux Trèsors. Paris: Éditions du Seuil, 1987.
HAVEN, K. Story Proof: The science behind the startling power of story. Tradução livre.
Connecticut: Libraries Unlimited, 2007.
MACHADO, R. S. B. Acordais – fundamentos teórico-poéticos da arte de contar histórias.
São Paulo: DCL, 2004.
REYES, Y. Mediadores de leitura. In: FRADE, I. C. A. S.; VAL, M. G. C., BREGUNCI, M. G. C.
(orgs). Glossário Ceale: termos de alfabetização, leitura e escrita para educadores. Belo
Horizonte: UFMG/Faculdade de Educação, 2014.
SHAH, I. As sutilezas do inimitável Mulá Nasrudin. Rio de Janeiro: Tabla, 2016.
SHAH, I. World Tales. Londres: Octagon Press, 1991.
SHAH, T. Nas noites árabes – uma caravana de histórias. Rio de Janeiro: Roça Nova, 2009.
TOLKIEN, J.R.R. Sobre histórias de fadas. Tradução de Ronald Kyrmse. São Paulo: Conrad,
2006.
VELASCO, C. Histórias de boca – o conto tradicional na educação infantil. São Paulo:
Panda Educação, 2018.
EXPLORE+
Assista aos filmes:
Peixe Grande (2003), dirigido por Tim Burton, trata das implicadas relações entre a
biografia de um contador de histórias e os enredos e personagens de seu repertório.
A encantadora de baleias (2002), dirigido por Niki Caro, relaciona as narrativas míticas da
tribo Maori, que vive no leste da Nova Zelândia, e a força de uma menina de 11 anos que
dá seguimento à tradição desse povo.
Baba Aziz – o príncipe que contemplava a sua alma (2006), dirigido por Nacer Khemir,
narra o encontro de um dervixe cego com sua neta pelo deserto. Lá ele lhe conta
histórias fantásticas e encontra viajantes, também contadores de histórias.
Leia os livros:
O Guerreiro Invisível e outros contos do tempo – uma antologia da tradição viva, de Julia
Grillo e Nícia Grillo.
Uma história e uma história e uma história – contos dos contos da tradição oral, de Ana
Gibson e Juliana Franklin.
O ensaio “O Narrador”, no livro Obras escolhidas – magia e técnica, arte e política, de
Walter Benjamin.
Contos tradicionais do Brasil, de Luís da Câmara Cascudo.
Pesquise sobre O Boca do Céu – Encontro Internacional de Contadores de Histórias, que
acontece a cada dois anos em São Paulo e reúne contadores do Brasil e do mundo
compartilhando suas experiências.
No Brasil, é importante que sejam narradas histórias dos povos originários e, também, as
histórias de origem africana.
CONTEUDISTAS
Julia Goldman de Queiroz Grillo
 CURRÍCULO LATTES
Juliana Franklin de Oliveira Pires
 CURRÍCULO LATTES
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