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RE 1.295.018/RJ - A proibição de manifestações culturais em transportes públicos e a hipótese da legitimidade da desobediência civil

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
FACULDADE DE DIREITO 
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO 
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO 
 
 
 
 
 
 
 
GABRIEL VASQUES DUARTE 
 
 
 
 
 
RE 1.295.018/RJ: A proibição de manifestações culturais em transportes públicos e a 
hipótese da legitimidade da desobediência civil 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
NITERÓI 
2021
 
 
GABRIEL VASQUES DUARTE 
 
 
 
 
 
 
 
 
RE 1.295.010/RJ: A proibição de manifestações culturais em transportes públicos e a 
hipótese da legitimidade da desobediência civil 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso apresentado como 
requisito para obtenção do título de Bacharelado em 
Direito da Faculdade de Direito da Universidade 
Federal Fluminense. 
 
 
 
 
Orientador: 
Prof. Dr. Cássio Luis Casagrande 
 
 
 
Niterói 
2021
 
 
Autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional 
ou eletrônico, com o objetivo de estudo e pesquisa, contanto que seja citada a fonte. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
 
 
 
 
 
 
GABRIEL VASQUES DUARTE 
 
 
 
 
RE 1.295.018/RJ: A PROIBIÇÃO DE MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM 
TRANSPORTES PÚBLICOS E A HIPÓTESE DA LEGITIMIDADE DA 
DESOBEDIÊNCIA CIVIL 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso apresentado como 
requisito para obtenção do título de Bacharelado em 
Direito da Faculdade de Direito da Universidade 
Federal Fluminense. 
 
 
 
Aprovado em ____ de __________ de 2021. 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
 
 
 
__________________________________________ 
Assinatura do Membro da Comissão de TCC 
(Avaliador) 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Aos meus pais, Carla e Marcus, por todo o apoio durante toda a minha vida e por 
fazerem ser quem eu sou. 
À minha avó, Cida, por todo o amor e acolhimento durante toda a faculdade. 
À minha namorada, Lorenna, por sempre ser tão boa para mim. 
Ao meu padrasto, Eduardo, por sempre me apoiar e ser tão prestativo. 
Aos meus amigos de faculdade, por todos os momentos inesquecíveis e que ficarão para 
sempre na memória. 
Ao prezado e querido orientador Prof. Cássio Casagrande, pelas excepcionais aulas de 
Direito Constitucional e ensinamentos que levarei por toda a vida. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Num governo que aprisiona qualquer pessoa 
injustamente, o verdadeiro lugar de um homem 
justo é também a prisão.” 
Henry David Thoreau 
 
 
RESUMO 
 
 
O presente trabalho de conclusão de curso visa analisar o RE 1.295.018/RJ, sobretudo a decisão 
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que proibiu manifestações culturais em 
transportes públicos e a hipótese da legitimidade da desobediência civil frente a essa decisão. 
Para tanto, serão analisados a questão da obrigação de cumprir a lei e se a desobediência civil 
encontra amparo dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, serão apresentados 
a importância e efetividade da desobediência civil como forma de aprimorar o próprio Estado 
Democrático de Direito, bem como seu conceito e suas características. Por fim, será analisado 
se é legítima a hipótese de desobediência civil frente a decisão do Tribunal de Justiça do Estado 
do Rio de Janeiro que proibiu manifestações culturais em transportes públicos. 
 
Palavras-chave: Desobediência civil. Resistência. Lei. Manifestações culturais. Proibição. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This research aims to analyze the appeal RE 1.295.018/RJ, especially the decision of the Court 
of Justice of the State of Rio de Janeiro that prohibited cultural manifestations in the public 
transport and the hypothesis of the legitimacy of civil disobedience in face of that decision. 
Therefore, the question of the obligation to comply with the law and whether civil disobedience 
finds support within the Brazilian legal system will be analyzed. In that regard, the importance 
and effectiveness of civil disobedience will be presented as a way to improve the democratic 
rule of law itself, and also conceptualize it and explain its characteristics. Lastly, it will be 
analyzed whether the hypothesis of civil disobedience is legitimate in view of the decision of 
the Court of Justice of the State of Rio de Janeiro that prohibited cultural manifestations in the 
public transport. 
 
Keywords: Civil Disobedience. Resistance. Law. Cultural manifestations. Prohibition. 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 
2. SOBRE O PROCESSO E A DECISÃO DO TJRJ QUE PROIBIU 
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM TRANSPORTES PÚBLICOS .......................... 10 
2.1 Petição Inicial (Representação por Inconstitucionalidade) ........................................ 11 
2.2 Acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro .... 12 
2.3 Voto vencido proferido pelo Desembargador Nagib Slaibi ........................................ 15 
2.4 Interposição de Recurso Extraordinário por parte da ALERJ .................................. 15 
2.5 RE 1.295.018/RJ – Recebimento no Supremo Tribunal Federal ................................ 17 
2.6 Interpretação correta a ser adotada em relação ao RE 1.295.018/RJ ........................ 17 
3. DA OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A LEI ..................................................................... 24 
3.1 A obediência incondicionada ....................................................................................... 25 
3.2 A obediência condicionada........................................................................................... 26 
3.3 Desobediência incondicionada ..................................................................................... 29 
4. SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA..................................................................... 30 
5. SOBRE A DESOBEDIÊNCIA CIVIL .......................................................................... 33 
5.1 Conceito ........................................................................................................................ 34 
5.2 Características da desobediência civil ......................................................................... 35 
5.2.1 Número significativo de cidadãos (Ato coletivo) ...................................................... 36 
5.2.2 Ato público / publicidade .......................................................................................... 37 
5.2.3 Ato político................................................................................................................. 38 
5.2.4 Último recurso ........................................................................................................... 39 
5.2.5 Não violência.............................................................................................................. 39 
5.2.6 Sujeição às sanções .................................................................................................... 40 
5.2.7 Ato ilícito.................................................................................................................... 40 
5.2.8 Modificações normativas........................................................................................... 41 
5.2.9 Atingir o ideal de justiça ........................................................................................... 41 
6. SERIA LEGÍTIMA A DESOBEDIÊNCIA CIVIL FRENTE A DECISÃO DO TJRJ 
DE PROIBIR MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM TRANSPORTES PÚBLICOS? 42 
6.1 Pesquisa sobre opinião da população em relação à decisão do TJRJ que proibiu 
manifestações culturais em transportes públicos. ............................................................. 43 
 
 
6.2 Análise das características da desobediência civil aplicadasao caso concreto da 
proibição de manifestações culturais em transportes públicos ........................................ 48 
7. CONCLUSÃO ............................................................................................................... 54 
8. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 57 
 
9 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O presente Trabalho de Conclusão de Curso teve como inspiração a leitura da obra 
“Desobediência Civil” de Henry David Thoreau e na percepção “generalizada” da constante 
prática e incitação de atos claramente inconstitucionais/ilegais por parte de diversos 
governantes, como, por exemplo, o atual presidente Bolsonaro e o ex-presidente dos Estados 
Unidos da América Donald Trump. 
Nesse sentido, observa-se, na contemporaneidade, casos de o governante máximo da 
nação praticar e incitar atos claramente inconstitucionais, como, por exemplo, desejar indicar o 
próprio filho para ser embaixador em uma nação estrangeira1 ou atentar contra a separação de 
poderes. Nessa discussão, caso uma decisão por parte do Poder Judiciário seja tão 
flagrantemente inconstitucional a ponto de a população, como um todo, conseguir identificar a 
inconstitucionalidade/imoralidade daquela, ou mesmo, caso uma lei esteja em vigor e seja 
inconstitucional de forma tão flagrante que acabe por legitimar a sua não obediência por parte 
da população, seria permitido a ocorrência da desobediência civil? 
Em razão dessas indagações, o objetivo geral deste Trabalho de Conclusão de Curso é 
analisar a obrigação do cidadão em cumprir a lei, sua relação com a desobediência civil e a sua 
legitimidade ante às, cada vez mais frequentes, decisões/leis inconstitucionais/ilegais do 
Estado. A ideia é entender se a desobediência civil possuiria amparo e legalidade dentro do 
ordenamento jurídico brasileiro. 
Quanto aos objetivos específicos, será conceituada a desobediência civil no sentido de 
entender se seria legítimo desobedecer a uma lei/decisão injusta, bem como a efetividade de 
desobediência civil como meio de impulsionar mudanças políticas e fortalecer os princípios 
democráticos e as políticas públicas como um todo, sobretudo, sob o enfoque do caso concreto 
do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Isto porque o referido acordão 
proibiu manifestações culturais em transportes públicos por, certamente, a priori, haver a 
aparência de ser uma decisão inconstitucional. Ademais, será discutido se seria legítimo ocorrer 
a desobediência civil ante a essa decisão. 
A justificativa desta pesquisa se dá frente ao constante não respeito dos agentes 
públicos às regras e ditames constitucionais que, certamente, gera, uma progressiva erosão da 
capacidade governamental, e esta erosão é causada justamente pela incapacidade do governo 
 
1 SENADO FEDERAL: Indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixada nos EUA repercute no Senado. 
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/07/17/indicacao-de-eduardo-bolsonaro-
para-embaixada-nos-eua-repercute-no-senado>. Acesso em: 8 abr. 2021. 
10 
 
de funcionar adequadamente, surgindo, daí, as dúvidas dos cidadãos sobre a legitimidade dessas 
leis/decisões inconstitucionais. E, portanto, sendo a hipótese de o próprio Estado causar 
injustiças, faz-se necessária a análise da pertinência da desobediência civil para que os cidadãos 
não compactuem com as injustiças perpetradas por este. 
A relevância se dá no fato de que, a partir da possível legitimidade da desobediência 
civil no ordenamento jurídico brasileiro, haveria uma maior participação do cidadão 
contribuindo para promover os princípios democráticos em um Estado de Direito, e não apenas 
por meio de lei positivada ou por uma decisão posta – que pode ser inconstitucional ou injusta; 
Dessa forma, haveria, assim, uma maior percepção pública acerca de determinados assuntos e, 
até mesmo, para testar a constitucionalidade de uma lei. 
Com a finalidade de analisar o objeto de pesquisa, a metodologia se baseia na pesquisa 
exploratória qualitativa, com pesquisa documental, bibliográfica e de campo, com apoio 
raciocínio dedutivo com viés crítico-reflexivo. 
Por fim, os resultados esperados circundam a constatação da importância da 
desobediência civil em um Estado Democrático de Direito, da participação dos cidadãos em 
perceber e se conscientizar ante às a leis/decisões inconstitucionais/injustas, tendo como análise 
concreta o acórdão do TJRJ que proibiu a realização de manifestações culturais em transportes 
públicos. A ideia é discutir se a referida decisão seria constitucional, bem como a percepção da 
população sobre esta, analisando se seria possível, ou mesmo legitima, uma desobediência civil 
no que tange à discussão aqui proposta. Espera-se, dessa forma, estimular a discussão da 
temática como forma de aprimorar o próprio Estado Democrático de Direito. 
 
2. SOBRE O PROCESSO E A DECISÃO DO TJRJ QUE PROIBIU 
MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM TRANSPORTES PÚBLICOS 
 
Inicialmente, para contextualizar o caso, faz-se necessária uma explicação do processo 
em si que ensejou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se do 
processo de nº 0055833-71.2018.8.19.0001, que teve seu início através de uma Representação 
de Inconstitucionalidade (Ação Direta de Inconstitucionalidade Estadual) apresentada pelo 
então deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro em face do artigo 4º, §3º, da Lei Estadual do 
11 
 
Rio de Janeiro nº 8.120 de 20182, que regulamenta a manifestação cultural nas estações de 
barcas, trens e metrô no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. 
A referida lei, em seus artigos 1º e 4º dispõe da seguinte maneira: 
 
Art. 1º Fica permitida a apresentação cultural nas estações de barcas, trens e 
metrô no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. 
Parágrafo único. Entende-se por apresentação cultural, para efeito do disposto 
no caput deste artigo: 
I – apresentação musical vocal; 
II – apresentação musical instrumental; 
III – apresentação de poesia, teatro, dança e outras manifestações artísticas. 
Art. 4º A apresentação de que trata o artigo 1º será realizada no horário das 6 
h (seis horas) às 23 h (vinte e três horas), nos dias úteis, e das 7 h (sete horas) 
às 23 h (vinte e três horas), nos sábados, domingos e feriados. 
§3º É permitida a realização de performances artísticas no interior das 
embarcações e dos vagões, que será regulamentada pelo Poder Executivo, 
ouvidos os artistas (grifo nosso).3 
 
2.1 Petição Inicial (Representação por Inconstitucionalidade) 
 
Basicamente, afirma o então deputado estadual Flávio Bolsonaro que o referido art. 4º, 
§3º feriria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista o aparente 
conflito entre o direito de livre manifestação de expressão artística dentro dos vagões de trens, 
metrôs, barcas e o direito dos usuários de serem transportados sem que haja a imposição de 
acompanhamento das apresentações e das performances artísticas. 
Afirma-se, dentro do que parece ser razoável, que tais movimentos culturais e a livre 
manifestação das expressões artísticas devem ser promovidas, em um espaço reservado e 
condizente para sua exibição dentro das estações de metrô, trem ou barcas, aos usuários que, 
efetivamente, teriam interesse em participar ou assistir. Nessa baliza, argumenta-se que se 
mostra desarrazoada e exagerada a condição de impor a todos usuários que estejam dentro dos 
vagões ou barcas a obrigatoriedade de assistir essas apresentações sem desejarem o fazer. 
Ademais, afirma-se que não se trata de perseguição a artistas ou a ambulantes, mas 
somente se busca tutelar um ambiente supostamente organizado e seguro junto ao transporte 
público, gerando bem-estar aos usuários, além de defender que o direito à livre expressão 
cultural, artísticas ouo direito ao livre exercício de qualquer trabalho, mesmo considerados 
 
2 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no 
âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: 
<http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062
dee9?OpenDocument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 
3 Ibidem. 
12 
 
direitos fundamentais, não têm caráter absoluto e que, enquanto se está em ambiente público, 
como o caso das composições de transporte coletivo de massa, faz-se necessário que prevaleça 
o bom senso, dado que não são todos os passageiros que concordam com as músicas, as 
apresentações e as performances que ocorrem. 
Não obstante, o então deputado Flávio Bolsonaro afirma que possíveis irregularidades 
ou abusos podem vir a gerar tumultos, causando, por certo, riscos para a segurança dos 
passageiros e do próprio transporte, gerando, assim, eventual direito à reparação do usuário, o 
que fará com que onere os cofres públicos. Nessa seara, mostra-se mais adequado que as 
apresentações ocorram em um espaço previamente reservado, em que as regras sejam de mais 
fácil fiscalização, evitando-se, assim, supostos problemas que os passageiros do transporte 
público possam vir a suportar. 
 
2.2 Acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro 
 
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em sede de acórdão 
prolatado em 10 de junho de 2019, com relatoria do Exmo. Desembargador Heleno Ribeiro 
Pereira Nunes, por maioria, julgou procedente a Representação de Inconstitucionalidade para 
declarar a inconstitucionalidade da norma impugnada, vencido o Desembargador Nagib Slaibi 
Filho, que a julgou improcedente. 
A argumentação trazida à tona, em suma, afirma que a norma impugnada, com o 
objetivo de promover a livre expressão da atividade artística, acabou ferindo o princípio da 
proporcionalidade ou da razoabilidade ao admitir apresentações dentro dos transportes 
públicos. 
Nesse sentido, menciona-se passagem extraída de voto proferido pelo Ministro Celso 
de Mello no julgamento do ARE nº 597.165: 
 
[...] É por esse motivo – como tem advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal 
Federal (RTJ 173/807-808, Pleno, v.g.) – que não há, no sistema constitucional 
brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque 
razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de 
convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por 
parte dos órgãos estatais competentes, de medidas restritivas das prerrogativas 
individuais ou coletivas, desde que respeitados, como na espécie, os termos 
estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das franquias 
individuais e liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão 
sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa -, permite que sobre elas 
incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade 
do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, 
13 
 
pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública 
ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros [...].4 
 
Dessa forma, o Eminente Desembargador Relator afirma que, nestes casos de aparente 
conflito e incompatibilidade entre os diferentes direitos, cabe ao intérprete balanceá-los, sempre 
tendo em conta a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, 
conjugando-a com a sua mínima restrição e, na tarefa de sopesamento dos direitos, deve 
socorrer-se no princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade. 
Indo adiante, cita-se doutrina de Pedro Lenza de que: 
 
[...] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia 
uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, 
equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, 
direito justo e valores afins; prece e condiciona a positivação jurídica, inclusive de 
âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de 
interpretação para todo o ordenamento jurídico. 
E continua: 
 Como parâmetro, podemos destacar a necessidade de preenchimento de 3 
importantes elementos: 
- necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa 
restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder 
substituí-la por outra menos gravosa; 
- adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o 
meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; 
- proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve-
se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, 
supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima 
efetividade e mínima restrição (grifo nosso).5 
 
 
Ainda nessa discussão, afirma o Relator que na espécie dos autos estão ausentes a 
necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito e que, além disso, a medida 
não se mostra indispensável à consecução dos fins colimados pela norma constitucional que 
trata da liberdade de expressão artística e cultural (artigo 5º, inciso IX, da CRFB/88), sobretudo 
pois a permissão para a apresentação de performances artísticas em estações de trens, barcas e 
metrô é medida prevista na referida Lei Estadual 8.120/18 6 . Sendo assim, o exercício da 
 
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 597165 DF, Relator: Min. Celso de Mello, Data de 
Julgamento: 28/10/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: Acórdão Eletrônico DJe-240. Divulgação: 
05/12/2014. Publicação: 09/12/2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/d 
ocumento/informativo381.htm>. Acesso em:12 abr. 2021. 
5 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 182. 
6 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no 
âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/con 
tlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062dee9?OpenDocument>. Acesso 
em: 7 abr. 2021. 
14 
 
liberdade de expressão estaria supostamente assegurado, não havendo, dessa forma, qualquer 
prejuízo àqueles que pretendem demonstrar a sua arte. 
A seguir, transcreve-se, in verbis, trecho da decisão prolata pelo Eminente Relator, para 
evitar incorreções: 
 
Deveras, a difusão das manifestações culturais não pode se dar de maneira a 
desrespeitar os direitos e garantias de terceiros, em prejuízo do sossego, bem-estar e 
segurança públicos. 
Com efeito, nada obstante seja constitucionalmente assegurado o direito à livre 
manifestação artística e cultural, não se pode olvidar que, sopesando-se os direitos às 
liberdades com o sossego e bem-estar públicos, à luz do princípio da razoabilidade 
ou proporcionalidade, estes últimos devem preponderar. 
Dentro desta perspectiva, é preciso assegurar aos usuários, que em sua maioria rumam 
às atividades profissionais ou retornam à sua casa após exaustiva jornada de trabalho, 
o conforto, a eficiência, e a segurança a que têm direito pelo consumo do serviço, o 
que perpassa pelo poder de escolha de assistir, ou não, a determinada manifestação 
artística ou cultural. 
Por certo, as expressões “arte” e “cultura” possuem dimensões extremamente 
subjetivas, e, por este motivo, a cada um cabe escolher, de acordo com os seus valores 
e convicções, que tipo de arte e em que momento pretende assisti-la, não sendo 
razoável ou proporcional qualquerimposição, haja vista a possibilidade de 
simplesmente pretender exercer seu direito ao sossego, o que não é possível, diante 
da exposição a gritarias e ruídos estridentes de aparelhos musicais. 
Não fosse o bastante, na prática, o que se observa é que a permissão insculpida no 
dispositivo impugnado está sendo desvirtuada. Assim é que a pretexto de divulgar a 
sua “arte”, diversos grupos praticam doutrinação política e ideológica, causando 
constrangimentos aos usuários que não comungam de tal ou qual ideologia, os quais 
se veem tolhidos e impedidos de exprimir sua insatisfação, pena de serem rechaçados 
por uma minoria que, muitas das vezes, demagogicamente, aplaudem às 
“apresentações artísticas’. Tal estado de coisas, a toda evidência, não se coaduna com 
a autonomia da vontade e pluralismo político, princípios caros à denominada 
‘coexistência harmônica das liberdades’, tal como citado no voto proferido pelo 
eminente Ministro Celso de Mello no julgamento do ARE nº 597.165, cujo trecho 
acima transcrevemos. 
Observa-se, ainda, que muitos destes “artistas” são, na verdade, pessoas 
desempregadas, as quais, realizando qualquer tipo de performance, constrangem os 
usuários dos serviços prestados pelos concessionários a lhes darem dinheiro, sendo 
injustificável tal importunação no transporte público. 
Não se olvida, ainda, que, ante a criatividade dos artistas, determinadas performances 
podem até mesmo causar danos físicos aos usuários e, também, prejudicar a circulação 
nas embarcações e vagões, prejudicando a segurança dos passageiros. 
Repita-se à exaustão que não se pretende inviabilizar a prática de movimentos 
culturais e manifestações artísticas em espaços públicos, haja vista que, tal como já se 
disse, as apresentações culturais são permitidas nas estações de barcas, trens e metrô, 
viabilizando o pleno exercício do direito constitucionalmente assegurado (artigo 5º, 
inciso IX, da CRFB/88) pelos artistas, mas somente atingindo o público que 
efetivamente quer assistir tal ou qual espetáculo (grifos nossos).7 
 
 
7 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. 
Relator: Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. Data de julgamento: 24/06/2019. Órgão Especial. Data 
de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Fls. 16/17 do acórdão. Disponível em: 
<https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/6/art20190625-09.pdf >. Acesso em: 12 abr. 2021. 
15 
 
Por estes motivos julgou, o Exmo. Desembargador Relator Heleno Ribeiro Pereira 
Nunes, o art. 4, §3º, da Lei Estadual 8.120/188 eivado de inconstitucionalidade por afronta ao 
princípio da proporcionalidade ou razoabilidade e por haver inconstitucionalidade material. 
 
2.3 Voto vencido proferido pelo Desembargador Nagib Slaibi 
 
Por outro lado, não se pode olvidar que houve voto vencido, proferido pelo Exmo. 
Desembargador Nagib Slaibi, que entendeu que o dispositivo impugnado não viola a 
Constituição, votando, assim, pela constitucionalidade do art. 4º, §3º, da Lei Estadual nº 
8.120/2018, nos seguintes termos: 
 
[...] A própria Constituição da República em seu art. 215, parte final, estabelece que 
o Estado apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. 
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso 
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das 
manifestações culturais. 
Quanto à manifestação incomodar os passageiros, é inegável que o direito de maior 
peso jurídico, a manifestação artística, garante a constitucionalidade, pois não 
estaria violando o princípio constitucional da proporcionalidade. 
Ocorre que as concessionárias que administram barcas, trens e metrô têm poder de 
polícia para decidir se aceitam ou não manifestações culturais nos veículos, de acordo 
com as circunstâncias concretas. 
As empresas têm capacidade para avaliar se as performances artísticas no interior de 
suas estações, embarcações e vagões poderiam oferecer risco à segurança e à 
integridade física dos passageiros. 
A norma em seu art. 5º, estabelece que a concessionária regulamentará a realização 
de apresentações em datas em que o funcionamento dos transportes, por aumento do 
fluxo de passageiros, deverá seguir esquema especial. 
Nesses termos, a norma não viola a Constituição. 
Diante de tais fundamentos, votei vencido pela constitucionalidade do parágrafo 3º, 
do art. 4º, da Lei Estadual nº 8.120/2018 (grifo nosso).9 
 
2.4 Interposição de Recurso Extraordinário por parte da ALERJ 
 
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ, inconformada com o 
teor do acórdão analisado, interpôs Recurso Extraordinário, com base no art. 215 e parágrafos, 
da Constituição Federal: 
 
 
8 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no 
âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/con 
tlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062dee9?OpenDocument>. Acesso 
em: 7 abr. 2021. 
9 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. Voto 
vencido. Desembargador Nagib Slaibi. Data de julgamento: 28/06/2019. Órgão Especial. Data de publicação: 
02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Disponível em: <https://www.mediafire.com/fil 
e/euvzsbimarj9zr5/4+-+VOTO+VENCIDO.pdf/file>. Acesso em: 12 abr. 2021. 
16 
 
Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso 
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das 
manifestações culturais. 
§1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. 
§2º A lei disporá sobe a fixação de datas comemorativas de alta significação para os 
diferentes segmentos étnicos nacionais. 
§3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao 
desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que 
conduzem à: 
I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; 
II – produção, promoção e difusão de bens culturais; 
III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas 
dimensões; 
IV – democratização do acesso aos bens de cultura; 
V – valorização da diversidade étnica e regional (grifo nosso).10 
 
Afirma a ALERJ que a referida norma estadual assegura ao usuário de serviços públicos 
de transporte do Estado do Rio de Janeiro o acesso gratuito à fonte da cultura nacional 
(Constituição da República, art. 215, caput); protege a manifestação da cultura popular 
(Constituição da República, art. 215, §1º); permite a difusão da produção cultural popular 
(Constituição da República, art. 215, §3º, II); e, exatamente por não implicar gasto ao usuário, 
democratiza o acesso a tais bens (Constituição da República, art. 215, §3º, IV). 
Indo além, explicita que inexiste um princípio constitucional em relação à questão do 
sossego em transporte público, conforme abaixo transcrito: 
 
Certo, as performances culturais em vagões e embarcações talvez possam incomodar 
alguns usuários de tais serviços públicos estaduais. Talvez! Em primeiro lugar, não há 
menção às palavras sossego, calma, descanso, tranquilidade, serenidade, relaxamento 
nem quietude na Constituição da República; quanto ao vocábulo silêncio, ele só 
aparece quando se disciplina a sanção tácita do Presidente da República a projeto de 
lei; por sua vez, repouso também é utilizado apenas a fim de regular-se o descanso 
semanal remunerado dos trabalhadores. De qualquer forma e com o devido respeito, 
é necessário alargar-sedemasiadamente a interpretação constitucional, a fim de 
enxerga-se um princípio constitucional ao sossego em transporte público. Repita-se: 
em transporte público. Como se vê, entre o integral cumprimento das normas 
veiculadas no art. 215 da Constituição da República e um misterioso princípio do 
silêncio em transporte público, o Legislador optou pelo que existe, é valido e é eficaz: 
o suprarreferido comando da Lei Maior, a proteção à Cultura.11 
 
 
 
 
10 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http 
://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2021. 
11 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. 
Recurso extraordinário interposto pela ALERJ. Fls. 182/183 do processo. Disponível em: 
<https://www.mediafire.com/file/pvwcfe2490nbsq8/5+-+RECURSO+EXTRAORDINÁRIO.pdf/file>. Acesso 
em: 12 abr. 2021. 
17 
 
2.5 RE 1.295.018/RJ – Recebimento no Supremo Tribunal Federal 
 
Em seguida, o Recurso Extraordinário foi recebido no Supremo Tribunal Federal, com 
o número RE 1.295.018/RJ, e foi distribuído para o Ministro Luís Roberto Barroso. 
Já houve parecer da Procuradoria Geral da República, do Subprocurador-Geral da 
República Paulo Gustavo Gonet Branco, no sentido de dar provimento ao recurso 
extraordinário, in verbis: 
 
[...] Na espécie, o art. 4º, §3º, da Lei 8.120/2018, a fim de promover os direitos 
culturais (CF, art. 5º, IX, e 215), autorizou a realização de manifestações no interior 
de vagões e embarcações. O Tribunal de origem reputou desproporcional a medida, 
considerando que esta não se mostraria indispensável à consecução das finalidades 
constitucionais e prejudicaria o sossego, o bem-estar e a segurança pública. 
Há que se considerar, porém, que a autorização para manifestação cultural no 
interior de vagões e embarcações constitui mecanismo adequado à promoção dos 
direitos fundamentais culturais e artísticos, prestando-se para viabilizar o acesso 
gratuito dos usuários de transporte público a expressões de cunho artístico popular. 
A autorização também serve à proteção da liberdade de expressão artística, uma vez 
que assegura o seu exercício em espaço aberto ao público. Ademais, ao contrário 
do que firmado no acórdão recorrido, não é possível aferir a priori eventual 
desproporcionalidade em sentido estrito da norma. 
A mera permissão de manifestação cultural não configura, por si só, ofensa aos 
direitos dos usuários. Vale notar que a norma estadual apenas autoriza a atuação de 
artistas populares, abrindo-se, para conter excessos, à regulamentação do Poder 
Executivo e ao poder de polícia das concessionárias prestadoras do serviço de 
transporte público. Com efeito, a lei não impõe que toda apresentação artística seja 
sempre necessariamente admitida nos espaços de que cuida, mas franqueia aos 
agentes da Administração, mais próximos às realidades cotidianas dos serviços 
públicos referidos, que estabeleçam o balanço das particularidades do ambiente que 
dirigem com a natureza das tantas manifestações cogitáveis, inclusive quanto à 
própria viabilidade da sua realização. 
Na medida em que a lei impugnada se mostra, dessa forma, cuidadosa, a um tempo, 
em promover atividades culturais e em viabilizar atividades seguras e confortáveis 
para os usuários dos serviços públicos e para os que os dirigem não se patenteia 
arbitrariedade ou atuação excessiva do Poder Público a justificar a declaração de 
inconstitucionalidade. [...] (grifos nosso). 12 
 
Atualmente o processo encontra-se concluso ao relator. 
 
2.6 Interpretação correta a ser adotada em relação ao RE 1.295.018/RJ 
 
Para fins de realização desse Trabalho de Conclusão de Curso e para verificar a 
possibilidade/legitimidade da desobediência civil frente ao acórdão do Tribunal de Justiça do 
Estado do Rio de Janeiro que proibiu a realização de manifestações culturais em transportes 
 
12 BRASIL. Ministério Público Federal (MPF). Parecer nº 7560/2020, Fls. 2/3. Disponível em: <http://www.m 
pf.mp.br/pgr/documentos/RE1295018ADIestadualmanifestacaoculturalemtransportepublico1.pd>. Acesso em: 
12 abr. 2021. 
18 
 
públicos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, se considerará que o art. 4, §3º, da Lei Estadual 
8.120/201813 é constitucional. Essa escolha se dá pelo fato de que é evidente que o acórdão do 
TJRJ está em desacordo com diversos preceitos constitucionais, conforme será discutido 
adiante. 
Primeiramente, deve-se considerar que o art. 5º, IX, da CRFB/88 é claro ao afirmar que 
“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, 
independentemente de censura ou licença”14, sendo este um direito fundamental. Ademais, 
tendo em vista que o art. 5º, IV, da CRFB/88 afirma que “é livre a manifestação do pensamento, 
sendo vedado o anonimato”15 e que o art. 5º, XIII, da CRFB/88 afirma que “é livre o exercício 
de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei 
estabelecer”16, pode-se constatar que estes se revelam como motivos que, prima facie, indicam 
que o acórdão não coaduna com os preceitos fundamentais. 
Indo além, a Carta Magna separou a Seção II do Capítulo III apenas para dispor sobre a 
Cultura, tamanha a importância dada à esta pela Constituição Federal, conforme artigo 215 
abaixo transcrito: 
 
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso 
às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das 
manifestações culturais. 
§1º O Estado protegerá as manifestações culturais populares, indígenas e afro-
brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. 
§2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os 
diferentes segmentos étnicos nacionais. 
§3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao 
desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do poder público que 
conduzem à: 
I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; 
II – produção, promoção e difusão de bens culturais; 
III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas 
dimensões; 
IV – democratização do acesso aos bens de cultura; 
V – valorização da diversidade étnica e regional (grifo nosso).17 
 
O acórdão do TJRJ afirma que: 
 
 
13 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no 
âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: 
<http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062
dee9?OpenDocument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 
14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http 
://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2021. 
15 Ibidem. 
16 Ibidem. 
17 Ibidem. 
19 
 
Nestes casos, de aparente confronto e incompatibilidade entre os diferentes direitos, 
caberá ao intérprete balanceá-los, sempre tendo em conta a regra da máxima 
observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima 
restrição. E, na árdua tarefa de sopesamento dos direitos, socorre-nos o princípio da 
proporcionalidade ou razoabilidade.18 
 
Em síntese, nesse caso, haveria um suposto aparente conflito entre o direito à livre 
manifestação artística e cultural e os direitos às liberdades com o sossego e bem-estar e 
segurança públicos, afirmando, inclusive, que “estes últimos devem preponderar”19. 
De início, afirma-se de pronto que, como muito bem pontuado pela ALERJ emseu 
Recurso Extraordinário, inexiste na Constituição Federal qualquer direito ao sossego, bem-estar 
ou segurança públicos, muito menos se deve tratar esses supostos direitos como fundamentais. 
Os mencionados direitos ao sossego, ao bem-estar ou à segurança públicos tratam-se de 
construções hermenêuticas do julgador que, evidentemente, se alargou demasiadamente em sua 
interpretação constitucional para vislumbrar um princípio constitucional ao sossego em 
transporte público. Nesse sentido, observa-se que o referido acórdão se trata de uma decisão 
teratológica por meio da qual o juízo desejava atingir um fim, no caso, de proibir manifestações 
culturais em transportes públicos e, para isso, se utilizou de um suposto direito ao sossego, bem-
estar e segurança em transportes públicos para justificar sua decisão. 
Pelo contrário, o que de fato existe na Constituição Federal são os direitos à livre 
liberdade de expressão artística e intelectual, independentemente de censura (art. 5º, IX, da 
CRFB/88); à livre manifestação de pensamento (art. 5º, IV, da CRFB/88); ao livre exercício de 
qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII, da CRFB/88), além de estar disposto no art. 
215, caput, da Constituição Federal que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos 
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização 
das manifestações culturais”20, estes sim, direitos fundamentais. 
Nesse sentido, a referida norma estadual, objeto da Representação de 
Inconstitucionalidade, como pontuado pela ALERJ em seu Recurso Extraordinário, assegura 
ao usuário de serviços públicos de transporte do Estado do Rio de Janeiro o acesso gratuito à 
fonte da cultura nacional (Constituição da República, art. 215, caput); protege a manifestação 
da cultura popular (Constituição da República art. 215, §1º); permite a difusão da produção 
 
18 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. 
Relator: Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. Data de julgamento: 24/06/2019. Órgão Especial. Data 
de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Fls. 16/17 do acórdão. Disponível em: 
<https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/6/art20190625-09.pdf >Acesso em: 12 abr. 2021. 
19 Ibidem. 
20 Ibidem. 
20 
 
cultural popular (Constituição da República, art. 215, §3º, II); e, por não implicar gasto ao 
usuário, democratiza o acesso a tais bens (Constituição da República, art. 215, §3º, IV). 
Portanto, resta claro que, entre a colisão do direito fundamental à livre manifestação 
cultural e artística e um suposto direito ao sossego, bem-estar e segurança em transportes 
públicos, é evidente que o que deve prevalecer é o primeiro, conforme mencionado pelo 
Desembargador Nagib Slaibi, que teve voto vencido: 
 
Quanto a manifestação incomodar os passageiros, é inegável que o direito de maior 
peso jurídico, a manifestação artística, garante a constitucionalidade, pois não 
estaria violando o princípio constitucional da proporcionalidade (grifo nosso).21 
 
Não obstante o já exposto, o parecer da Procuradoria Geral da República, com assinatura 
do Subprocurador-Geral da República Paulo Gustavo Gonet Branco, é no sentido de que a 
autorização para manifestação cultural no interior de vagões e embarcações constitui 
mecanismo adequado à promoção dos direitos fundamentais culturais e artísticos, in verbis: 
 
[...] Há que se considerar, porém, que a autorização para manifestação cultural no 
interior de vagões e embarcações constitui mecanismo adequado à promoção dos 
direitos fundamentais culturais e artísticos, prestando-se para viabilizar o acesso 
gratuito dos usuários de transporte público à expressões de cunho artístico popular. A 
autorização também serve à proteção da liberdade de expressão artística, uma vez que 
assegura o seu exercício em espaço aberto ao público. Ademais, ao contrário do que 
firmado no acórdão recorrido, não é possível aferir a priori eventual 
desproporcionalidade em sentido estrito da norma[...]. Na medida em que a lei 
impugnada se mostra, dessa forma, cuidadosa, a um tempo, em promover atividades 
culturais e em viabilizar atividades seguras e confortáveis para os usuários dos 
serviços públicos e para os que os dirigem, não se patenteia arbitrariedade ou atuação 
excessiva do Poder Público a justificar a declaração de inconstitucionalidade [...]. 22 
 
Indo adiante na análise da fundamentação do acórdão do TJRJ, o que se percebe é que 
o Tribunal afirma que a difusão das manifestações artísticas e culturais não seria prejudicada 
com a proibição da manifestação em transportes públicos, pois a Lei Estadual 8.120/2018 
asseguraria as apresentações culturais nas estações de barcas, trens e metrô, ou seja, em um 
local especificamente destinado para que essas manifestações ocorram. 
No entanto, pelo contrário, delegar um local específico para que essas manifestações 
ocorram configura claramente um cerceio à livre manifestação cultural e artística, além de um 
 
21 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. 
Voto vencido. Desembargador Nagib Slaibi. Data de julgamento: 28/06/2019. Órgão Especial. Data de 
publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Disponível em: <https://www. 
mediafire.com/file/euvzsbimarj9zr5/4+-+VOTO+VENCIDO.pdf/file>Acesso em: 12 abr. 2021. 
22 BRASIL. Ministério Público Federal (MPF). Parecer nº 7560/2020, Fls. 2/3. Disponível em: <http://www.m 
pf.mp.br/pgr/documentos/RE1295018ADIestadualmanifestacaoculturalemtransportepublico1.pd>. Acesso em: 12 
abr. 2021. 
21 
 
cerceio à liberdade de pensamento, pois se dá a esses direitos fundamentais uma posição de 
segundo plano. Por exemplo, um artista que apenas pode fazer sua apresentação 
musical/cultural em um local determinado pelo Poder Público possui seu direito à liberdade de 
expressão e manifestação cultural minimizado. Isto pois quase ninguém irá ficar muito tempo 
assistindo uma apresentação nesse local, visto que as pessoas normalmente estão a caminho do 
trabalho e possuem hora certa, não podendo dispender tempo no local de apresentação 
determinado pelo poder público. No entanto, quando a apresentação é realizada no vagão do 
metrô, nas barcas ou dentro do trem, as pessoas estão a caminho do trabalho ou de sua casa, e 
efetivamente prestarão atenção na apresentação, caso assim desejarem. Definir um local 
específico para que essas apresentações ocorram fará com o próprio artista tenha uma 
remuneração menor, visto que terá menos público e a difusão das manifestações culturais, 
prelecionada pelo art. 215, caput, da CRFB/88, estará prejudicada, já que o alcance dessas será 
muito mais restrito caso seja permitida apenas em locais determinados, e não nos vagões de 
trens, metrô e barcas. 
Indo adiante na análise do acórdão, o trecho ao qual causa salta aos olhos é o abaixo 
transcrito: 
[...] Por certo, as expressões “arte” e “cultura” possuem dimensões extremamente 
subjetivas, e, por este motivo, a cada um cabe escolher, de acordo com os seus valores 
e convicções, que tipo de arte e em que momento pretende assisti-la, não sendo 
razoável ou proporcional qualquer imposição, haja vista a possibilidade de 
simplesmente pretender exercer seu direito ao sossego, o que não é possível, diante 
da exposição a gritas e ruídos estridentes de aparelhos musicais. Não fosse o bastante, 
na prática, o que se observa é que a permissão insculpida no dispositivo impugnado 
está sendo desvirtuada. Assim é que, a pretexto de divulgar a sua “arte”, diversos 
grupos praticam doutrinação política e ideológica, causando constrangimentos aos 
usuários que não comungam de tal ou qual ideologia, os quais se veem tolhidos e 
impedidos de exprimir sua insatisfação,pena de serem rechaçados por uma minoria 
que, muitas das vezes, demagogicamente, aplaudem às “apresentações artísticas”. [...] 
Observa-se, ainda, que muitos destes “artistas” são, na verdade, pessoas 
desempregadas, as quais, realizando qualquer tipo de performance, constrangem 
os usuários dos serviços prestados pelas concessionários a lhes darem dinheiro, 
sendo injustificável tal importunação no transporte público (grifos nosso).23 
 
Primeiramente, por certo que arte e cultura são conceitos extremamente subjetivos. No 
entanto, não cabe ao Estado, em específico neste caso, ao Poder Judiciário, definir o que é ou o 
que não é arte. Ademais, não é papel do Estado simplesmente tolher a livre manifestação 
cultural e artística em transportes públicos por não entender proporcional e razoável haver uma 
 
23 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. 
Relator: Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. Data de julgamento: 24/06/2019. Órgão Especial. Data 
de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Fls. 16/17 do acórdão. Disponível em: 
<https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/6/art20190625-09.pdf >. Acesso em: 12 abr. 2021. 
22 
 
suposta imposição dessa “arte” a qual determinada parcela da população não desejaria 
presenciar, sobretudo por, como já exposto, inexistir o malfadado direito ao sossego. 
Indo adiante, a primeira parte do trecho transcrito em negrito afirma que diversos grupos 
supostamente praticariam doutrinação política e ideológica a pretexto de divulgar a sua “arte”. 
No entanto, não há nenhuma confirmação fática se isso realmente ocorre ou não, tratando-se de 
uma mera percepção pessoal do julgador, e, mesmo que isso ocorresse, de forma alguma seria 
um motivo para legitimar que as manifestações culturais em transportes públicos fossem 
proibidas visto que, sem sombra de dúvidas, configura manifesto cerceamento ao direito de 
liberdade de expressão insculpido no art. 5º, IV, da CRFB/88, além de configurar censura, o 
que é vedado pelo art. 5º, IX, da CRFB/88. 
Indubitavelmente, trata-se de algo extremamente perigoso e delicado um agente estatal, 
seja ele do Poder Executivo, Legislativo, ou Judiciário, determinar a proibição de manifestações 
culturais em transportes públicos sob a justificativa de que há doutrinação política e ideológica 
por parte dos artistas, visto que claramente se fere o princípio democrático. Qualquer tipo de 
opinião e manifestação política e ideológica deve ser permitida em quaisquer lugares que sejam, 
sobretudo tratando-se de transportes públicos. 
Pode-se afirmar que a insatisfação da população que não concorda com esse tipo de 
manifestação cultural em transportes públicos trata-se de mero aborrecimento, visto que não há 
nenhuma relevância jurídica nessa insatisfação, assim como qualquer outro tipo de insatisfação 
que pode ocorrer diariamente com qualquer pessoa. 
Pelo contrário, o que de fato viola o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade 
é o Estado, sobretudo através do Judiciário, impor a proibição de manifestações culturais em 
transportes públicos sob justificativa tão frágil e, também, por inexistir um direito ao sossego, 
bem-estar ou segurança no transporte público. 
Por fim, na segunda parte do trecho transcrito em negrito, afirma-se que muitos destes 
“artistas” são, na verdade, pessoas desempregadas as quais, realizando qualquer tipo de 
performance, constrangem os usuários dos serviços prestados pelas concessionárias a lhes 
darem dinheiro. Todavia, mesmo se tratando um “achismo” afirmar de maneira generalizada 
que esses artistas são em realidade pessoas desempregadas e, ainda que fossem, isso sem 
dúvidas não deveria ser considerado para fins de justificativa em uma decisão judicial. Se os 
artistas são realmente pessoas desempregadas, proibir essas manifestações culturais em 
transportes públicos apenas contribuirá ainda mais para com o aumento do desemprego, visto 
que esses artistas serão obrigados a realizar apresentações em locais que ninguém prestará 
atenção, auferindo menos renda, ou mesmo não realizando apresentação alguma, ferindo, 
23 
 
portanto, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, prelecionado no art. 5º, 
XII, da CRFB/88. 
Ademais, por certo que realmente ninguém deve ser constrangido a dar dinheiro a quem 
realizar a apresentação, entretanto, o próprio art. 4º, §2º, da Lei Estadual 8.120/18 afirma que 
“O artista para a apresentação de que trata o Artigo 1º não poderá cobrar cachê dos usuários, 
salvo se, de forma espontânea, estes fizerem doação”24. Portanto, o que se percebe é que a 
própria lei corrobora no sentido de não haver essa obrigatoriedade. 
Ademais, o próprio acórdão do TJRJ cita doutrina de Pedro Lenza e Inocêncio Mártires 
Coelho, afirmando que: 
 
[...] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia 
uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, 
equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, 
direito justo e valores afins.25 
 
 Nesse sentido, o que salta aos olhos é que a referida decisão, a pretexto de aplicar uma 
pauta de natureza axiológica emanada diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, 
prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo etc., justamente realiza 
todo o contrário ao tomar uma decisão que limita a aplicação de direitos fundamentais, ferindo 
princípios democráticos e com um quê de autoritarismo. 
Qual seria o referido direito justo, o bom senso? Certamente não se trata no sentido de 
proibir manifestações culturais em transportes públicos. 
Por todos estes motivos expostos, revela-se que o acórdão do TJRJ está claramente em 
flagrante desacordo com a Constituição Federal e com preceitos morais, ideais de justiça e de 
bom senso, tratando-se de uma decisão política e não jurídica. Percebe-se que os fundamentos 
que justificaram o acórdão são frágeis e não encontram aparente fundamentação legal, sendo, 
dessa maneira, uma decisão extremamente arbitrária. 
Nesse sentido, indaga-se: caso uma decisão por parte do Poder Judiciário, como o caso 
da presente aqui analisada, seja tão flagrantemente inconstitucional a ponto de a população, 
como um todo, conseguir identificar essa inconstitucionalidade/imoralidade/injustiça, seria 
 
24 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no 
âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1. 
}alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062dee9?OpenDo
cument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 
25 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 182. 
24 
 
legítimo a sua não obediência por parte da população? Quais seriam os requisitos e limites para 
que essa possível desobediência civil ocorresse? É o que será analisado adiante neste trabalho. 
 
3. DA OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A LEI 
 
Inicialmente, a fim de se compreender se uma lei ou decisão (injusta) deve ser obedecida 
ou não, será adotada a conceituação dada por Friedman de impacto legal: “By legal impact, we 
mean the impact of a legal act – a rule, a law, a decision – within the legal system”.26 
Ou seja, quando ao longo deste trabalho nos referirmos a uma decisão ou lei, 
possivelmente injusta, nos referimos ao impacto legal que aquele ato legal, seja ele uma regra, 
uma lei ou uma decisão judicial, possui. Portanto, grosso modo, se poderia considerar que todos 
seriam sinônimos para fins de análise deste trabalho, pois todos produzem efeitos jurídicos, são 
normas válidas e produzem impacto legal. E, sendo uma lei, decisão, ou regra, moralmente 
injustaou claramente inconstitucional, discute-se o fato de que poderiam ser desobedecidas, 
desde que preencham os requisitos da desobediência civil, o que será analisado ao longo do 
trabalho. 
Deve-se ressaltar que, obviamente, regras, leis e decisões judiciais não são sinônimos, 
tecnicamente falando. Porém, o que se afirma é que os impactos legais de todas aquelas são os 
mesmos. Portanto, desde que um ato estatal, seja uma lei, uma decisão judicial, ou até mesmo 
uma instrução normativa, possua um caráter axiológico injusto, ou claramente inconstitucional, 
desde que preenchidos os requisitos da desobediência civil, o que se defende é que essa 
decisão/lei/regra, que possui impacto legal, pode ser desobedecida. 
Ademais, impacto significa o comportamento que é causado por uma lei ou decisão dada 
pelo governo e as mudanças que ocorrem após a sua ocorrência dentro do sistema legal. 
Friedman conceitua o tema: 
 
Impact has bens defined as behavior that is causally related to some law, decision, or 
other action of government, or action by a civil servant, policeman, or any other 
enforcer. […]The definition of impact given here is value-neutral. It is about changes 
that take place after, and because of, some activity within the legal system.27 
 
Nesse sentido, indaga-se: por que a lei deve ser cumprida? O artigo 5º, inciso II, da 
Constituição Federal é claro ao definir que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer 
 
26 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 59. 
27 Ibidem, p. 44. 
25 
 
alguma coisa senão em virtude de lei”28. Nesse sentido, se nenhum cidadão é obrigado a fazer 
algo senão em virtude de lei, da mesma maneira resulta que a lei obriga o cidadão, surgindo, 
assim, a obrigação deste em cumprir a lei, também denominada de dever político29. Porém, não 
são todas as vezes que a lei atende às aspirações da sociedade, visto que, por vezes, pode ser 
considerada injusta pelos cidadãos. 
Friedman, ao teorizar sobre a questão do porquê as pessoas obedecerem ou 
desobedecerem ao cumprimento das decisões judiciais, afirma: 
 
[…] talking about the impact of judicial decisions, describe a two-step process. First, 
they say, comes the acceptance decision, “psychological reactions to a judicial 
policy,” acceptance or rejection based on what people think the decision means to 
them, how strongly these opinions are held, and what they think about the decision-
maker. Then comes the behavioral response; that is, what the audience in question 
actually does as a result. […] The acceptance decision obviously depends on 
communication, on how the person or institution in question understands what is 
asked of her or it. […] When is there an actual acceptance decision? An acceptance 
decision is only something at the psychological level. A response might never follow, 
because of laziness, inertia, habit, or ideology. The actor has to make a conscious 
decision to obey, disobey, avoid, or adjust.30 
 
Nessa baliza, existem três correntes que explicam sobre a obrigação do indivíduo de 
cumprir a lei, quais sejam, a obediência condicionada, a obediência incondicionada e a 
desobediência incondicionada, que serão a seguir explicitadas. 
 
3.1 A obediência incondicionada 
 
Por essa corrente, a lei sempre deve ser obedecida, sem nenhuma exceção, pois é um 
elemento essencial para a própria existência do Estado e para a garantia da liberdade individual. 
Nesse sentido, conforme Abe Fortas: 
 
A conquista da liberdade é indispensável condição de vida humana, e, entretanto, a 
liberdade não pode existir a não ser que seja controlada e restringida. A balança que 
equilibra estes dois fatores é a lei. Portanto, temos que terminar como começamos, 
com o reconhecimento de que a norma da lei é a condição essencial da liberdade 
individual tal como o é da existência do Estado.31 
 
28 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http 
://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2021. 
29 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora 
UnB, 1994, V. 1, p. 335. 
30 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 94-95. 
31 FORTAS, Abe. Do direito de discordar e da desobediência civil: uma alternativa para a violência. Rio de 
Janeiro: Cruzeiro, 1968, p. 59. 
26 
 
 
O filósofo Sócrates pode ser indicado como um dos exemplos dessa corrente, tendo em 
vista que foi julgado e condenado a morrer pela acusação de não acreditar nos deuses gregos 
reconhecidos pelo Estado, por supostamente introduzir divindades novas e por corromper a 
juventude com seus ideais. Uma condenação evidentemente injusta, puramente baseada em 
razões políticas. 
Em diálogo entre Sócrates e Críton, escrito por Platão, Críton tenta convencer Sócrates 
a fugir da prisão, e este nega o pedido por crer que uma injustiça não pode ser respondida 
também com injustiça. Nesse sentido, Sócrates acreditava que, caso fugisse, daria razão para 
aqueles que o acusavam de desvirtuar a juventude e daria um mau exemplo, de maneira que 
deixaria de ser um bom homem. 
Assim sendo, Sócrates aceitou a pena injusta pelo Estado e ingeriu o veneno de cicuta, 
morrendo envenenado. Essa ação vai ao encontro da corrente que defende a obediência irrestrita 
da lei, tendo em vista que Sócrates defende a obediência à lei independente de questões morais 
e políticas, porque apesar da decisão ser injusta, era válida32. 
 
3.2 A obediência condicionada 
 
Há, todavia, uma corrente que defende a obediência da lei, porém permitindo a 
desobediência em casos excepcionalíssimos, de forma a condicionar essa desobediência a um 
flagrante de injustiça da lei. 
Insere-se nesta corrente o gênero “direito de resistência” e a espécie “desobediência 
civil” como uma forma de oposição às leis injustas. E em relação a leis injustas, insere-se nesse 
sentido também decisões judiciais injustas. Reitera-se, entretanto, que essa corrente não se 
presta à transgressão generalizada das leis, devendo ser analisado caso a caso. 
Conforme Brian Nix: “These theorists do not argue that we should never obey the law, 
or even that there are never moral reasons for doing what the law tells us to, only that the moral 
reasons must go beyond the simple declaration: ‘because the law says so”.33 
Já Gabriela Perissinotto aduz que: 
 
Para os adeptos dessa teoria existiria um dever moral de obedecer à lei, uma vez que 
esta deveria estar em conformidade com o princípio da moralidade, isto é, ser justa. A 
 
32 TEBBIT, Mark. Philosophy of Law: an introduction. New York: Routledge, 2005, p. 94. 
33 BIX, Brian H. Legal Positivism. In: EDMUNSON, William A., GOLDING, Martin P. The Blackwell Guide to 
the Philosophy of Law and Legal Theory. New York: Blackwell Publishing, 2005, p. 172. 
27 
 
situação mais comum é que a obrigação prevista em lei de fato coincida com o que 
deveria ser feito em termos morais. Isso fica claro já que para a maioria das pessoas 
não se deve roubar ou matar porque seria errado e não apenas porque a lei proíbe, de 
modo que a lei atuaria nesse tipo de situação como mero reforço.34 
 
Indo adiante, afirma que: 
 
Há, no entanto, casos em que a norma não contém carga moral e casos em que lei e 
moral não indicam as mesmas condutas – hipóteses em que essa corrente defende que 
a lei deveria ser desobedecida, de forma que prevalecesse a indicação moral, isto é, 
aquela que seja ética e justa.35 
 
Essa posição é defendida por Abe Fortas, ex-Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos: 
 
Sou um homem da lei. Dediquei-me a cumprir a lei e executarsuas ordens. Aceito 
sem discutir o princípio de que cada um de nós deve obedecer à lei; que cada um de 
nós é compelido a obedecer à lei imposta pelo seu governo. Mas, se eu tivesse vivido 
na Alemanha de Hitler, espero que me tivesse recusado a usar uma braçadeira, a gritar 
Heil Hitler, a concordar com o genocídio. Assim o espero, embora os éditos de Hitler 
fossem lei até que os exércitos aliados destruíram o III Reich.36 
 
Outra questão a se analisar é se essa lei ou decisão judicial possui meios de ser efetiva 
pois, mesmo que esteja perfeitamente em vigor, pode acontecer o fato de a desobediência a 
estas ser tão frequente, tanto por questão de costume quanto por questão de não concordância 
moral com uma lei ou decisão, ao ponto de acarretar, na prática, a existência de um sistema 
dual37, que ocorre quando a lei em teoria é em um sentido, mas no caso concreto não há a sua 
observância. 
Um exemplo dessa afirmação foi quando houve o período da Prohibition, na década de 
1920 nos Estados Unidos, mais conhecida como Lei Seca, quando o consumo de bebidas 
alcoólicas nos Estados Unidos foi banido, de acordo com a 18ª emenda constitucional. 
 
Many studies have examined the impact of Prohibition – the so-called “noble 
experiment.” Temperance campaigns had bubbled up to the surface from time to time 
in the United States; after a century of agitation, the “dry” movement had become 
enormously powerful, politically speaking. “Drys” actually succeeded in amending 
the U.S. Constitution: The Prohibition Amendtment (number eighteen) prohibited the 
“manufacture, sale, or transportation of intoxicating liquors" in the United States. 
Prohibition went into effect in January 1920. But this “noble experiment” was gone 
 
34 ALMEIDA, Gabriela Perissinotto de. A obrigação de cumprir a lei e a desobediência civil como forma de 
oposição às leis injustas. São Paulo, 2014, 106 f. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento 
de Filosofia do Direito e Disciplinas Básicas da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São 
Paulo, 2014, p. 20. Disponível em: <http://www.tcc.sc.usp.br/tce/disponiveis/89/890010/tce-26052015-
205711/?&lang=br>. Acesso em: 12 abr. 2021. 
35 Ibidem. 
36 FORTAS, Abe. Do direito de discordar e da desobediência civil: uma alternativa para a violência. Rio de 
Janeiro: Cruzeiro, 1968, p. 9 -10. 
37 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 79-80. 
28 
 
by the early 1930s. It was, in many ways, a failure. It certainly did not stamp out 
drinking. For many Americans, wine, beer, and even whiskey were part of their 
culture. Enforcement would have been a massive undertaking; it was probably always 
impossible. A vast apparatus of evasion and disobedience grew up in the cities (grifo 
nosso). 38 
 
Nesse sentido, conforme Gabriela Perissinotto: 
 
Nota-se, assim, que a relativização do dever de obedecer à lei seria uma consequência 
natural dessa obrigação, que faria prevalecer a indicação em consonância com a moral 
ou aquela que fosse moralmente mais relevante em detrimento da prescrição legal 
considerada injusta. A fragilidade dessa tese, porém, reside na dificuldade de 
conceituar as leis injustas ou de estabelecer princípios e limites capazes de distingui-
las das leis justas.39 
 
Trata-se, assim, do direito de resistência do cidadão frente a uma lei estatal injusta. O 
filósofo inglês John Locke acreditava que “aqueles que excedessem a autoridade que a lei lhes 
conferiu e fizessem uso da força para agir em contrariedade à lei mereceriam a oposição dos 
cidadãos, a qual seria legítima”40. 
Todavia, são necessários certos requisitos para que essa possibilidade de resistência 
fosse possível, dentre esses: que o Estado subjugasse os indivíduos arbitrariamente, que a 
arbitrariedade ocorresse sem motivo, e que os indivíduos (resistentes) não recorressem ao uso 
da força, sendo uma garantia do cidadão em face das arbitrariedades dos governantes que 
extrapolassem os limites legais e, sem dúvida, como forma de instrumento capaz de promover 
o aperfeiçoamento do Estado41. 
Norberto Bobbio elenca alguns argumentos que visam justificar a (des)obediência 
condicionada da lei42. Segundo o autor, a primeira justificativa seria através do direito natural, 
que inicialmente possuía conotação religiosa, e, posteriormente, laicizada. O direito natural é 
interligado à ideia de lei moral, que é distinta da lei promulgada pela autoridade política, e 
superior a ela, devendo, assim, prevalecer e justificar qualquer transgressão da lei positivada. 
O segundo argumento trazido por Bobbio é o jusnaturalismo. Nesse sentido, essa 
doutrina defende a supremacia do indivíduo em relação ao Estado, e que este goza de direitos 
 
38 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 78. 
39 Ibidem, p. 21. 
40 BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010, 
p. 186. 
41 COSTA, Nelson Nery. Teoria e realidade da desobediência civil. São Paulo: Editora Forense, 1990, p. 14. 
42 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília; Editora 
UnB, 1994. V. 1, p. 338. 
29 
 
originários e inalienáveis, tendo em vista que foi criado pelos indivíduos para “proteger seus 
direitos fundamentais e assegurar a sua livre e pacífica convivência”43. 
E, como terceira justificativa, há “a ideia libertária de perversidade essencial de toda a 
forma de poder sobre o homem, especialmente do máximo poder que é o Estado”44. 
Por todo o exposto, percebe-se que, por essa vertente, a lei natural é associada ao 
princípio da moralidade, de maneira que a obediência fica condicionada à 
moralidade/constitucionalidade/justiça da lei. Nesse sentido, para fins de análise do acórdão do 
TJRJ já mencionado, ratifica-se a possibilidade e a pertinência dessa corrente, a qual será 
adotada para fins da conclusão deste estudo, afinal, conforme, Friedman: “Law is, after all, a 
reflection of social norms”45. 
 
3.3 Desobediência incondicionada 
 
Ainda nessa discussão, existe uma terceira corrente, a teoria da desobediência 
incondicionada, a qual possui embasamento nos ideais anarquistas, ideia esta que, em linhas 
gerais, prega pela inexistência de qualquer forma de governo e da própria concepção de Estado. 
Nesse sentido, segundo essa corrente, lei alguma deveria existir ou ser cumprida, visto que 
emana do Estado e seria uma maneira de opressão. 
Pode-se diferenciar duas espécies de anarquismo: o anarquismo político, ou seja, a visão 
tradicional que prega a inexistência do Estado, e o anarquismo filosófico, que basicamente não 
prega a desobediência incondicionada da lei, apenas prega a inexistência de uma obrigação 
absoluta que imponha o cumprimento da lei, já que este deve depender de uma análise caso a 
caso. 
Não se adentrará muito na explicação deste tópico visto que o mais importante para 
análise deste trabalho será em relação à obediência condicionada, apenas mencionando-se a 
existência da desobediência incondicionada para meros fins teóricos e acadêmicos. 
 
 
 
 
43 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília; Editora 
UnB, 1994. V. 1, p. 338. 
44 Ibidem. 
45 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 24. 
30 
 
4. SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA 
 
Na seara da obediência condicionada é onde se encontra o direito de resistência. Locke 
defende o direito de resistência associado à teoria da soberania limitada46 e, de acordo com o 
autor, essa limitação se daria pelo direito natural e pela separação dos poderes47, de modo quea violação desses limites determinaria as hipóteses de cabimento do direito de resistência e suas 
manifestações. 
No ordenamento jurídico brasileiro, lato sensu, nunca se positivou o direito de 
resistência48, até porque seria paradoxal que a Constituição da República trouxesse uma norma 
que permitisse seu próprio descumprimento. 
Nesse sentido, Hannah Arendt afirma que: “Há grande dificuldade dos juristas em 
explicar a compatibilidade da desobediência civil com o sistema legal do país, uma vez que ‘a 
lei não pode justificar a violação da lei’”49. 
No entanto, entende-se que o sistema constitucional aberto vigente no ordenamento 
jurídico brasileiro admite o reconhecimento implícito do direito de resistência, já que este 
derivaria de uma interpretação sistêmica da Constituição. Nesse sentido, o artigo 5º, §2º, da 
Constituição da República Federativa do Brasil seria o responsável por essa abertura, já que 
“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime 
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa 
do Brasil seja parte”.50 
Nessa baliza, o direito de resistência visa atuar preventivamente para inibir abusos de 
poder, e repressivamente para restaurar quando a ordem democrática é violada, principalmente 
tendo em vista o direito da liberdade de expressão e manifestação, visto que o artigo 5º, IV, da 
Constituição Federal afirma que: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o 
anonimato”51. 
Não obstante, a Constituição Federal, no art. 5º, XVI, garante que “todos podem reunir-
se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, 
 
46 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 55. 
47 Ibidem, p. 56. 
48 BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 
28. 
49 ARENDT, Hannah. Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 2017, p. 53. 
50 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. 
51 Ibidem. 
31 
 
desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo 
apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”52. 
Além disso, o art. 1º, parágrafo único, da Constituição, afirma que “todo poder emana 
do povo [...]”, e, não menos importante, o art. 1º, III, da Constituição Federal dispõe que “a 
República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana”.53 
Outro ponto importante a se salientar é que houve uma preocupação na Constituição 
Federal no sentido de que a obrigação do alistamento militar obrigatório pode ser resistida pelo 
cidadão, conforme abaixo transcrito: 
 
Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. 
§ 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, 
em tempos de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo-
se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para 
se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.54 
 
Por esses motivos, o direito de resistência derivaria dos princípios e garantias emanados 
da Constituição, como a dignidade da pessoa humana, a soberania popular, a cidadania, a 
liberdade, além dos próprios fundamentos do Estado Democrático de direito. 
Faz-se claro que o direito, a consciência humana, a moralidade ou mesmo as convicções 
políticas são razões motivadoras de resistência do cidadão ante o Estado. A própria Constituição 
prevê que o imperativo de consciência pode ser alegado em face de uma imposição coercitiva 
da lei. Portanto, evidencia-se, talvez, que o imperativo de consciência ou a desobediência civil 
possa ser alegada em outras normas que sejam conflitantes com a moralidade ou o próprio senso 
de justiça do indivíduo. 
 
Resistir ao governante, resistir a determinadas ordens legais, enfim, resistir ao poder 
político constituído representa um direito do povo, como resultante direto do princípio 
da soberania popular. Se “todo poder emana do povo”, a prática da resistência política 
manifesta-se aí protegida juridicamente, na linha da complementariedade entre 
mecanismo de democracia direta e de democracia representativa.55 
 
Visto isto, adiante, neste trabalho, será realizada a diferenciação entre imperativo de 
consciência e a desobediência civil em si, tendo em vista que esses são pontos essenciais para 
compreender o tema e a legitimidade da existência da desobediência civil/direito de resistência 
 
52 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. 
53 Ibidem. 
54 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. 
55 MONTEIRO, Maurício Gentil. O direito de resistência na ordem jurídica constitucional. Rio de Janeiro: 
Renovar, 2003, p. 132. 
32 
 
em um Estado Democrático de Direito como forma de modificar e aprimorar as leis e o próprio 
Estado em si. 
Se em um Estado Democrático de Direito todo o poder político pertence ao povo, assim 
como é prelecionado na Constituição Federal, nada mais natural que o próprio povo possa se 
expressar e exercer a cidadania por meio do direito de resistência. 
E, não obstante, existem diversos tratados internacionais que reconhecem o direito de 
resistência, como por exemplo a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a 
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: 
 
As revoluções norte-americana (1776) e francesa (1789), inspiradas pela legitimidade 
da resistência à opressão em face de parâmetros fornecidos pelo Direito Natural, 
buscaram, inicialmente, positivar o direito de resistência. Nesse viés, a Declaração de 
Independência dos EUA, de 4 de julho de 1776, afirma que é um direito e um dever 
do povo alterar, abolir, ou instituir um novo governo se ocorrem abusos ou usurpações 
despóticas. No mesmo sentido, lê-se no artigo 2º da Declaração dos Direitos do 
Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que [...] a finalidade de toda 
associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. 
Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.56 
 
E, como já mencionado, o objetivo da desobediência civil é justamente mostrar de forma 
pública a injustiça da lei e fazer com que o legislador a mude. De acordo com Bobbio, o 
desobediente civil não está transgredindo a lei, e sim realizando o seu dever de cidadão, 
deixando de cumprir leis injustas, sendo que mantém a fidelidade geral ao Estado, sendo a 
desobediência pontual57. 
Abe Fortas expressa essa questão: 
 
[...] o princípio de que a liberdade de crítica, de persuasão, de protesto, de 
discordância, de organizar, de reunir pacificamente, são tão imprescindíveis a um 
governo vivo e eficiente quanto o são para o bem-estar espiritual e material do 
indivíduo; e que o exercício dessa liberdade será protegido e encorajado e não poderá 
ser diminuído enquanto ao forma de sua aplicação não envolver ação violadora de 
normas prescritas para a proteção de outros no exercício de suas atividades pacíficas 
ou que incitem uma evidente e atual ameaça de violência ou ofensa a outros.59 
 
 
56 CARVALHO, Juliana Brina Corrêa Lima de. A desobediência civil no pensamento político de Hannah Arendt: 
um direito fundamental. Espaço Jurídico Journal of Law, Joaçaba,

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