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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE DIREITO DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO GABRIEL VASQUES DUARTE RE 1.295.018/RJ: A proibição de manifestações culturais em transportes públicos e a hipótese da legitimidade da desobediência civil NITERÓI 2021 GABRIEL VASQUES DUARTE RE 1.295.010/RJ: A proibição de manifestações culturais em transportes públicos e a hipótese da legitimidade da desobediência civil Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Orientador: Prof. Dr. Cássio Luis Casagrande Niterói 2021 Autorizo a reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, com o objetivo de estudo e pesquisa, contanto que seja citada a fonte. FICHA CATALOGRÁFICA GABRIEL VASQUES DUARTE RE 1.295.018/RJ: A PROIBIÇÃO DE MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM TRANSPORTES PÚBLICOS E A HIPÓTESE DA LEGITIMIDADE DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Aprovado em ____ de __________ de 2021. BANCA EXAMINADORA __________________________________________ Assinatura do Membro da Comissão de TCC (Avaliador) AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Carla e Marcus, por todo o apoio durante toda a minha vida e por fazerem ser quem eu sou. À minha avó, Cida, por todo o amor e acolhimento durante toda a faculdade. À minha namorada, Lorenna, por sempre ser tão boa para mim. Ao meu padrasto, Eduardo, por sempre me apoiar e ser tão prestativo. Aos meus amigos de faculdade, por todos os momentos inesquecíveis e que ficarão para sempre na memória. Ao prezado e querido orientador Prof. Cássio Casagrande, pelas excepcionais aulas de Direito Constitucional e ensinamentos que levarei por toda a vida. “Num governo que aprisiona qualquer pessoa injustamente, o verdadeiro lugar de um homem justo é também a prisão.” Henry David Thoreau RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso visa analisar o RE 1.295.018/RJ, sobretudo a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que proibiu manifestações culturais em transportes públicos e a hipótese da legitimidade da desobediência civil frente a essa decisão. Para tanto, serão analisados a questão da obrigação de cumprir a lei e se a desobediência civil encontra amparo dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, serão apresentados a importância e efetividade da desobediência civil como forma de aprimorar o próprio Estado Democrático de Direito, bem como seu conceito e suas características. Por fim, será analisado se é legítima a hipótese de desobediência civil frente a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que proibiu manifestações culturais em transportes públicos. Palavras-chave: Desobediência civil. Resistência. Lei. Manifestações culturais. Proibição. ABSTRACT This research aims to analyze the appeal RE 1.295.018/RJ, especially the decision of the Court of Justice of the State of Rio de Janeiro that prohibited cultural manifestations in the public transport and the hypothesis of the legitimacy of civil disobedience in face of that decision. Therefore, the question of the obligation to comply with the law and whether civil disobedience finds support within the Brazilian legal system will be analyzed. In that regard, the importance and effectiveness of civil disobedience will be presented as a way to improve the democratic rule of law itself, and also conceptualize it and explain its characteristics. Lastly, it will be analyzed whether the hypothesis of civil disobedience is legitimate in view of the decision of the Court of Justice of the State of Rio de Janeiro that prohibited cultural manifestations in the public transport. Keywords: Civil Disobedience. Resistance. Law. Cultural manifestations. Prohibition. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9 2. SOBRE O PROCESSO E A DECISÃO DO TJRJ QUE PROIBIU MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM TRANSPORTES PÚBLICOS .......................... 10 2.1 Petição Inicial (Representação por Inconstitucionalidade) ........................................ 11 2.2 Acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro .... 12 2.3 Voto vencido proferido pelo Desembargador Nagib Slaibi ........................................ 15 2.4 Interposição de Recurso Extraordinário por parte da ALERJ .................................. 15 2.5 RE 1.295.018/RJ – Recebimento no Supremo Tribunal Federal ................................ 17 2.6 Interpretação correta a ser adotada em relação ao RE 1.295.018/RJ ........................ 17 3. DA OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A LEI ..................................................................... 24 3.1 A obediência incondicionada ....................................................................................... 25 3.2 A obediência condicionada........................................................................................... 26 3.3 Desobediência incondicionada ..................................................................................... 29 4. SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA..................................................................... 30 5. SOBRE A DESOBEDIÊNCIA CIVIL .......................................................................... 33 5.1 Conceito ........................................................................................................................ 34 5.2 Características da desobediência civil ......................................................................... 35 5.2.1 Número significativo de cidadãos (Ato coletivo) ...................................................... 36 5.2.2 Ato público / publicidade .......................................................................................... 37 5.2.3 Ato político................................................................................................................. 38 5.2.4 Último recurso ........................................................................................................... 39 5.2.5 Não violência.............................................................................................................. 39 5.2.6 Sujeição às sanções .................................................................................................... 40 5.2.7 Ato ilícito.................................................................................................................... 40 5.2.8 Modificações normativas........................................................................................... 41 5.2.9 Atingir o ideal de justiça ........................................................................................... 41 6. SERIA LEGÍTIMA A DESOBEDIÊNCIA CIVIL FRENTE A DECISÃO DO TJRJ DE PROIBIR MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM TRANSPORTES PÚBLICOS? 42 6.1 Pesquisa sobre opinião da população em relação à decisão do TJRJ que proibiu manifestações culturais em transportes públicos. ............................................................. 43 6.2 Análise das características da desobediência civil aplicadasao caso concreto da proibição de manifestações culturais em transportes públicos ........................................ 48 7. CONCLUSÃO ............................................................................................................... 54 8. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 57 9 1. INTRODUÇÃO O presente Trabalho de Conclusão de Curso teve como inspiração a leitura da obra “Desobediência Civil” de Henry David Thoreau e na percepção “generalizada” da constante prática e incitação de atos claramente inconstitucionais/ilegais por parte de diversos governantes, como, por exemplo, o atual presidente Bolsonaro e o ex-presidente dos Estados Unidos da América Donald Trump. Nesse sentido, observa-se, na contemporaneidade, casos de o governante máximo da nação praticar e incitar atos claramente inconstitucionais, como, por exemplo, desejar indicar o próprio filho para ser embaixador em uma nação estrangeira1 ou atentar contra a separação de poderes. Nessa discussão, caso uma decisão por parte do Poder Judiciário seja tão flagrantemente inconstitucional a ponto de a população, como um todo, conseguir identificar a inconstitucionalidade/imoralidade daquela, ou mesmo, caso uma lei esteja em vigor e seja inconstitucional de forma tão flagrante que acabe por legitimar a sua não obediência por parte da população, seria permitido a ocorrência da desobediência civil? Em razão dessas indagações, o objetivo geral deste Trabalho de Conclusão de Curso é analisar a obrigação do cidadão em cumprir a lei, sua relação com a desobediência civil e a sua legitimidade ante às, cada vez mais frequentes, decisões/leis inconstitucionais/ilegais do Estado. A ideia é entender se a desobediência civil possuiria amparo e legalidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Quanto aos objetivos específicos, será conceituada a desobediência civil no sentido de entender se seria legítimo desobedecer a uma lei/decisão injusta, bem como a efetividade de desobediência civil como meio de impulsionar mudanças políticas e fortalecer os princípios democráticos e as políticas públicas como um todo, sobretudo, sob o enfoque do caso concreto do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Isto porque o referido acordão proibiu manifestações culturais em transportes públicos por, certamente, a priori, haver a aparência de ser uma decisão inconstitucional. Ademais, será discutido se seria legítimo ocorrer a desobediência civil ante a essa decisão. A justificativa desta pesquisa se dá frente ao constante não respeito dos agentes públicos às regras e ditames constitucionais que, certamente, gera, uma progressiva erosão da capacidade governamental, e esta erosão é causada justamente pela incapacidade do governo 1 SENADO FEDERAL: Indicação de Eduardo Bolsonaro para embaixada nos EUA repercute no Senado. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/07/17/indicacao-de-eduardo-bolsonaro- para-embaixada-nos-eua-repercute-no-senado>. Acesso em: 8 abr. 2021. 10 de funcionar adequadamente, surgindo, daí, as dúvidas dos cidadãos sobre a legitimidade dessas leis/decisões inconstitucionais. E, portanto, sendo a hipótese de o próprio Estado causar injustiças, faz-se necessária a análise da pertinência da desobediência civil para que os cidadãos não compactuem com as injustiças perpetradas por este. A relevância se dá no fato de que, a partir da possível legitimidade da desobediência civil no ordenamento jurídico brasileiro, haveria uma maior participação do cidadão contribuindo para promover os princípios democráticos em um Estado de Direito, e não apenas por meio de lei positivada ou por uma decisão posta – que pode ser inconstitucional ou injusta; Dessa forma, haveria, assim, uma maior percepção pública acerca de determinados assuntos e, até mesmo, para testar a constitucionalidade de uma lei. Com a finalidade de analisar o objeto de pesquisa, a metodologia se baseia na pesquisa exploratória qualitativa, com pesquisa documental, bibliográfica e de campo, com apoio raciocínio dedutivo com viés crítico-reflexivo. Por fim, os resultados esperados circundam a constatação da importância da desobediência civil em um Estado Democrático de Direito, da participação dos cidadãos em perceber e se conscientizar ante às a leis/decisões inconstitucionais/injustas, tendo como análise concreta o acórdão do TJRJ que proibiu a realização de manifestações culturais em transportes públicos. A ideia é discutir se a referida decisão seria constitucional, bem como a percepção da população sobre esta, analisando se seria possível, ou mesmo legitima, uma desobediência civil no que tange à discussão aqui proposta. Espera-se, dessa forma, estimular a discussão da temática como forma de aprimorar o próprio Estado Democrático de Direito. 2. SOBRE O PROCESSO E A DECISÃO DO TJRJ QUE PROIBIU MANIFESTAÇÕES CULTURAIS EM TRANSPORTES PÚBLICOS Inicialmente, para contextualizar o caso, faz-se necessária uma explicação do processo em si que ensejou a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se do processo de nº 0055833-71.2018.8.19.0001, que teve seu início através de uma Representação de Inconstitucionalidade (Ação Direta de Inconstitucionalidade Estadual) apresentada pelo então deputado estadual Flávio Nantes Bolsonaro em face do artigo 4º, §3º, da Lei Estadual do 11 Rio de Janeiro nº 8.120 de 20182, que regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. A referida lei, em seus artigos 1º e 4º dispõe da seguinte maneira: Art. 1º Fica permitida a apresentação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Parágrafo único. Entende-se por apresentação cultural, para efeito do disposto no caput deste artigo: I – apresentação musical vocal; II – apresentação musical instrumental; III – apresentação de poesia, teatro, dança e outras manifestações artísticas. Art. 4º A apresentação de que trata o artigo 1º será realizada no horário das 6 h (seis horas) às 23 h (vinte e três horas), nos dias úteis, e das 7 h (sete horas) às 23 h (vinte e três horas), nos sábados, domingos e feriados. §3º É permitida a realização de performances artísticas no interior das embarcações e dos vagões, que será regulamentada pelo Poder Executivo, ouvidos os artistas (grifo nosso).3 2.1 Petição Inicial (Representação por Inconstitucionalidade) Basicamente, afirma o então deputado estadual Flávio Bolsonaro que o referido art. 4º, §3º feriria os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tendo em vista o aparente conflito entre o direito de livre manifestação de expressão artística dentro dos vagões de trens, metrôs, barcas e o direito dos usuários de serem transportados sem que haja a imposição de acompanhamento das apresentações e das performances artísticas. Afirma-se, dentro do que parece ser razoável, que tais movimentos culturais e a livre manifestação das expressões artísticas devem ser promovidas, em um espaço reservado e condizente para sua exibição dentro das estações de metrô, trem ou barcas, aos usuários que, efetivamente, teriam interesse em participar ou assistir. Nessa baliza, argumenta-se que se mostra desarrazoada e exagerada a condição de impor a todos usuários que estejam dentro dos vagões ou barcas a obrigatoriedade de assistir essas apresentações sem desejarem o fazer. Ademais, afirma-se que não se trata de perseguição a artistas ou a ambulantes, mas somente se busca tutelar um ambiente supostamente organizado e seguro junto ao transporte público, gerando bem-estar aos usuários, além de defender que o direito à livre expressão cultural, artísticas ouo direito ao livre exercício de qualquer trabalho, mesmo considerados 2 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062 dee9?OpenDocument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 3 Ibidem. 12 direitos fundamentais, não têm caráter absoluto e que, enquanto se está em ambiente público, como o caso das composições de transporte coletivo de massa, faz-se necessário que prevaleça o bom senso, dado que não são todos os passageiros que concordam com as músicas, as apresentações e as performances que ocorrem. Não obstante, o então deputado Flávio Bolsonaro afirma que possíveis irregularidades ou abusos podem vir a gerar tumultos, causando, por certo, riscos para a segurança dos passageiros e do próprio transporte, gerando, assim, eventual direito à reparação do usuário, o que fará com que onere os cofres públicos. Nessa seara, mostra-se mais adequado que as apresentações ocorram em um espaço previamente reservado, em que as regras sejam de mais fácil fiscalização, evitando-se, assim, supostos problemas que os passageiros do transporte público possam vir a suportar. 2.2 Acórdão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em sede de acórdão prolatado em 10 de junho de 2019, com relatoria do Exmo. Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes, por maioria, julgou procedente a Representação de Inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade da norma impugnada, vencido o Desembargador Nagib Slaibi Filho, que a julgou improcedente. A argumentação trazida à tona, em suma, afirma que a norma impugnada, com o objetivo de promover a livre expressão da atividade artística, acabou ferindo o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade ao admitir apresentações dentro dos transportes públicos. Nesse sentido, menciona-se passagem extraída de voto proferido pelo Ministro Celso de Mello no julgamento do ARE nº 597.165: [...] É por esse motivo – como tem advertido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 173/807-808, Pleno, v.g.) – que não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais competentes, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados, como na espécie, os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das franquias individuais e liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa -, permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, 13 pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros [...].4 Dessa forma, o Eminente Desembargador Relator afirma que, nestes casos de aparente conflito e incompatibilidade entre os diferentes direitos, cabe ao intérprete balanceá-los, sempre tendo em conta a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição e, na tarefa de sopesamento dos direitos, deve socorrer-se no princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade. Indo adiante, cita-se doutrina de Pedro Lenza de que: [...] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; prece e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. E continua: Como parâmetro, podemos destacar a necessidade de preenchimento de 3 importantes elementos: - necessidade: por alguns denominada exigibilidade, a adoção da medida que possa restringir direitos só se legitima se indispensável para o caso concreto e não se puder substituí-la por outra menos gravosa; - adequação: também chamado de pertinência ou idoneidade, quer significar que o meio escolhido deve atingir o objetivo perquirido; - proporcionalidade em sentido estrito: sendo a medida necessária e adequada, deve- se investigar se o ato praticado, em termos de realização do objetivo pretendido, supera a restrição a outros valores constitucionalizados. Podemos falar em máxima efetividade e mínima restrição (grifo nosso).5 Ainda nessa discussão, afirma o Relator que na espécie dos autos estão ausentes a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito e que, além disso, a medida não se mostra indispensável à consecução dos fins colimados pela norma constitucional que trata da liberdade de expressão artística e cultural (artigo 5º, inciso IX, da CRFB/88), sobretudo pois a permissão para a apresentação de performances artísticas em estações de trens, barcas e metrô é medida prevista na referida Lei Estadual 8.120/18 6 . Sendo assim, o exercício da 4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 597165 DF, Relator: Min. Celso de Mello, Data de Julgamento: 28/10/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: Acórdão Eletrônico DJe-240. Divulgação: 05/12/2014. Publicação: 09/12/2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/d ocumento/informativo381.htm>. Acesso em:12 abr. 2021. 5 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 182. 6 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/con tlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062dee9?OpenDocument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 14 liberdade de expressão estaria supostamente assegurado, não havendo, dessa forma, qualquer prejuízo àqueles que pretendem demonstrar a sua arte. A seguir, transcreve-se, in verbis, trecho da decisão prolata pelo Eminente Relator, para evitar incorreções: Deveras, a difusão das manifestações culturais não pode se dar de maneira a desrespeitar os direitos e garantias de terceiros, em prejuízo do sossego, bem-estar e segurança públicos. Com efeito, nada obstante seja constitucionalmente assegurado o direito à livre manifestação artística e cultural, não se pode olvidar que, sopesando-se os direitos às liberdades com o sossego e bem-estar públicos, à luz do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, estes últimos devem preponderar. Dentro desta perspectiva, é preciso assegurar aos usuários, que em sua maioria rumam às atividades profissionais ou retornam à sua casa após exaustiva jornada de trabalho, o conforto, a eficiência, e a segurança a que têm direito pelo consumo do serviço, o que perpassa pelo poder de escolha de assistir, ou não, a determinada manifestação artística ou cultural. Por certo, as expressões “arte” e “cultura” possuem dimensões extremamente subjetivas, e, por este motivo, a cada um cabe escolher, de acordo com os seus valores e convicções, que tipo de arte e em que momento pretende assisti-la, não sendo razoável ou proporcional qualquerimposição, haja vista a possibilidade de simplesmente pretender exercer seu direito ao sossego, o que não é possível, diante da exposição a gritarias e ruídos estridentes de aparelhos musicais. Não fosse o bastante, na prática, o que se observa é que a permissão insculpida no dispositivo impugnado está sendo desvirtuada. Assim é que a pretexto de divulgar a sua “arte”, diversos grupos praticam doutrinação política e ideológica, causando constrangimentos aos usuários que não comungam de tal ou qual ideologia, os quais se veem tolhidos e impedidos de exprimir sua insatisfação, pena de serem rechaçados por uma minoria que, muitas das vezes, demagogicamente, aplaudem às “apresentações artísticas’. Tal estado de coisas, a toda evidência, não se coaduna com a autonomia da vontade e pluralismo político, princípios caros à denominada ‘coexistência harmônica das liberdades’, tal como citado no voto proferido pelo eminente Ministro Celso de Mello no julgamento do ARE nº 597.165, cujo trecho acima transcrevemos. Observa-se, ainda, que muitos destes “artistas” são, na verdade, pessoas desempregadas, as quais, realizando qualquer tipo de performance, constrangem os usuários dos serviços prestados pelos concessionários a lhes darem dinheiro, sendo injustificável tal importunação no transporte público. Não se olvida, ainda, que, ante a criatividade dos artistas, determinadas performances podem até mesmo causar danos físicos aos usuários e, também, prejudicar a circulação nas embarcações e vagões, prejudicando a segurança dos passageiros. Repita-se à exaustão que não se pretende inviabilizar a prática de movimentos culturais e manifestações artísticas em espaços públicos, haja vista que, tal como já se disse, as apresentações culturais são permitidas nas estações de barcas, trens e metrô, viabilizando o pleno exercício do direito constitucionalmente assegurado (artigo 5º, inciso IX, da CRFB/88) pelos artistas, mas somente atingindo o público que efetivamente quer assistir tal ou qual espetáculo (grifos nossos).7 7 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. Relator: Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. Data de julgamento: 24/06/2019. Órgão Especial. Data de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Fls. 16/17 do acórdão. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/6/art20190625-09.pdf >. Acesso em: 12 abr. 2021. 15 Por estes motivos julgou, o Exmo. Desembargador Relator Heleno Ribeiro Pereira Nunes, o art. 4, §3º, da Lei Estadual 8.120/188 eivado de inconstitucionalidade por afronta ao princípio da proporcionalidade ou razoabilidade e por haver inconstitucionalidade material. 2.3 Voto vencido proferido pelo Desembargador Nagib Slaibi Por outro lado, não se pode olvidar que houve voto vencido, proferido pelo Exmo. Desembargador Nagib Slaibi, que entendeu que o dispositivo impugnado não viola a Constituição, votando, assim, pela constitucionalidade do art. 4º, §3º, da Lei Estadual nº 8.120/2018, nos seguintes termos: [...] A própria Constituição da República em seu art. 215, parte final, estabelece que o Estado apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Quanto à manifestação incomodar os passageiros, é inegável que o direito de maior peso jurídico, a manifestação artística, garante a constitucionalidade, pois não estaria violando o princípio constitucional da proporcionalidade. Ocorre que as concessionárias que administram barcas, trens e metrô têm poder de polícia para decidir se aceitam ou não manifestações culturais nos veículos, de acordo com as circunstâncias concretas. As empresas têm capacidade para avaliar se as performances artísticas no interior de suas estações, embarcações e vagões poderiam oferecer risco à segurança e à integridade física dos passageiros. A norma em seu art. 5º, estabelece que a concessionária regulamentará a realização de apresentações em datas em que o funcionamento dos transportes, por aumento do fluxo de passageiros, deverá seguir esquema especial. Nesses termos, a norma não viola a Constituição. Diante de tais fundamentos, votei vencido pela constitucionalidade do parágrafo 3º, do art. 4º, da Lei Estadual nº 8.120/2018 (grifo nosso).9 2.4 Interposição de Recurso Extraordinário por parte da ALERJ A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro – ALERJ, inconformada com o teor do acórdão analisado, interpôs Recurso Extraordinário, com base no art. 215 e parágrafos, da Constituição Federal: 8 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/con tlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062dee9?OpenDocument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 9 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. Voto vencido. Desembargador Nagib Slaibi. Data de julgamento: 28/06/2019. Órgão Especial. Data de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Disponível em: <https://www.mediafire.com/fil e/euvzsbimarj9zr5/4+-+VOTO+VENCIDO.pdf/file>. Acesso em: 12 abr. 2021. 16 Art. 215 – O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro- brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. §2º A lei disporá sobe a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. §3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais; III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV – democratização do acesso aos bens de cultura; V – valorização da diversidade étnica e regional (grifo nosso).10 Afirma a ALERJ que a referida norma estadual assegura ao usuário de serviços públicos de transporte do Estado do Rio de Janeiro o acesso gratuito à fonte da cultura nacional (Constituição da República, art. 215, caput); protege a manifestação da cultura popular (Constituição da República, art. 215, §1º); permite a difusão da produção cultural popular (Constituição da República, art. 215, §3º, II); e, exatamente por não implicar gasto ao usuário, democratiza o acesso a tais bens (Constituição da República, art. 215, §3º, IV). Indo além, explicita que inexiste um princípio constitucional em relação à questão do sossego em transporte público, conforme abaixo transcrito: Certo, as performances culturais em vagões e embarcações talvez possam incomodar alguns usuários de tais serviços públicos estaduais. Talvez! Em primeiro lugar, não há menção às palavras sossego, calma, descanso, tranquilidade, serenidade, relaxamento nem quietude na Constituição da República; quanto ao vocábulo silêncio, ele só aparece quando se disciplina a sanção tácita do Presidente da República a projeto de lei; por sua vez, repouso também é utilizado apenas a fim de regular-se o descanso semanal remunerado dos trabalhadores. De qualquer forma e com o devido respeito, é necessário alargar-sedemasiadamente a interpretação constitucional, a fim de enxerga-se um princípio constitucional ao sossego em transporte público. Repita-se: em transporte público. Como se vê, entre o integral cumprimento das normas veiculadas no art. 215 da Constituição da República e um misterioso princípio do silêncio em transporte público, o Legislador optou pelo que existe, é valido e é eficaz: o suprarreferido comando da Lei Maior, a proteção à Cultura.11 10 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http ://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2021. 11 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. Recurso extraordinário interposto pela ALERJ. Fls. 182/183 do processo. Disponível em: <https://www.mediafire.com/file/pvwcfe2490nbsq8/5+-+RECURSO+EXTRAORDINÁRIO.pdf/file>. Acesso em: 12 abr. 2021. 17 2.5 RE 1.295.018/RJ – Recebimento no Supremo Tribunal Federal Em seguida, o Recurso Extraordinário foi recebido no Supremo Tribunal Federal, com o número RE 1.295.018/RJ, e foi distribuído para o Ministro Luís Roberto Barroso. Já houve parecer da Procuradoria Geral da República, do Subprocurador-Geral da República Paulo Gustavo Gonet Branco, no sentido de dar provimento ao recurso extraordinário, in verbis: [...] Na espécie, o art. 4º, §3º, da Lei 8.120/2018, a fim de promover os direitos culturais (CF, art. 5º, IX, e 215), autorizou a realização de manifestações no interior de vagões e embarcações. O Tribunal de origem reputou desproporcional a medida, considerando que esta não se mostraria indispensável à consecução das finalidades constitucionais e prejudicaria o sossego, o bem-estar e a segurança pública. Há que se considerar, porém, que a autorização para manifestação cultural no interior de vagões e embarcações constitui mecanismo adequado à promoção dos direitos fundamentais culturais e artísticos, prestando-se para viabilizar o acesso gratuito dos usuários de transporte público a expressões de cunho artístico popular. A autorização também serve à proteção da liberdade de expressão artística, uma vez que assegura o seu exercício em espaço aberto ao público. Ademais, ao contrário do que firmado no acórdão recorrido, não é possível aferir a priori eventual desproporcionalidade em sentido estrito da norma. A mera permissão de manifestação cultural não configura, por si só, ofensa aos direitos dos usuários. Vale notar que a norma estadual apenas autoriza a atuação de artistas populares, abrindo-se, para conter excessos, à regulamentação do Poder Executivo e ao poder de polícia das concessionárias prestadoras do serviço de transporte público. Com efeito, a lei não impõe que toda apresentação artística seja sempre necessariamente admitida nos espaços de que cuida, mas franqueia aos agentes da Administração, mais próximos às realidades cotidianas dos serviços públicos referidos, que estabeleçam o balanço das particularidades do ambiente que dirigem com a natureza das tantas manifestações cogitáveis, inclusive quanto à própria viabilidade da sua realização. Na medida em que a lei impugnada se mostra, dessa forma, cuidadosa, a um tempo, em promover atividades culturais e em viabilizar atividades seguras e confortáveis para os usuários dos serviços públicos e para os que os dirigem não se patenteia arbitrariedade ou atuação excessiva do Poder Público a justificar a declaração de inconstitucionalidade. [...] (grifos nosso). 12 Atualmente o processo encontra-se concluso ao relator. 2.6 Interpretação correta a ser adotada em relação ao RE 1.295.018/RJ Para fins de realização desse Trabalho de Conclusão de Curso e para verificar a possibilidade/legitimidade da desobediência civil frente ao acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que proibiu a realização de manifestações culturais em transportes 12 BRASIL. Ministério Público Federal (MPF). Parecer nº 7560/2020, Fls. 2/3. Disponível em: <http://www.m pf.mp.br/pgr/documentos/RE1295018ADIestadualmanifestacaoculturalemtransportepublico1.pd>. Acesso em: 12 abr. 2021. 18 públicos no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, se considerará que o art. 4, §3º, da Lei Estadual 8.120/201813 é constitucional. Essa escolha se dá pelo fato de que é evidente que o acórdão do TJRJ está em desacordo com diversos preceitos constitucionais, conforme será discutido adiante. Primeiramente, deve-se considerar que o art. 5º, IX, da CRFB/88 é claro ao afirmar que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”14, sendo este um direito fundamental. Ademais, tendo em vista que o art. 5º, IV, da CRFB/88 afirma que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”15 e que o art. 5º, XIII, da CRFB/88 afirma que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”16, pode-se constatar que estes se revelam como motivos que, prima facie, indicam que o acórdão não coaduna com os preceitos fundamentais. Indo além, a Carta Magna separou a Seção II do Capítulo III apenas para dispor sobre a Cultura, tamanha a importância dada à esta pela Constituição Federal, conforme artigo 215 abaixo transcrito: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. §1º O Estado protegerá as manifestações culturais populares, indígenas e afro- brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. §2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. §3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do poder público que conduzem à: I – defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II – produção, promoção e difusão de bens culturais; III – formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV – democratização do acesso aos bens de cultura; V – valorização da diversidade étnica e regional (grifo nosso).17 O acórdão do TJRJ afirma que: 13 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062 dee9?OpenDocument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 14 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http ://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2021. 15 Ibidem. 16 Ibidem. 17 Ibidem. 19 Nestes casos, de aparente confronto e incompatibilidade entre os diferentes direitos, caberá ao intérprete balanceá-los, sempre tendo em conta a regra da máxima observância dos direitos fundamentais envolvidos, conjugando-a com a sua mínima restrição. E, na árdua tarefa de sopesamento dos direitos, socorre-nos o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade.18 Em síntese, nesse caso, haveria um suposto aparente conflito entre o direito à livre manifestação artística e cultural e os direitos às liberdades com o sossego e bem-estar e segurança públicos, afirmando, inclusive, que “estes últimos devem preponderar”19. De início, afirma-se de pronto que, como muito bem pontuado pela ALERJ emseu Recurso Extraordinário, inexiste na Constituição Federal qualquer direito ao sossego, bem-estar ou segurança públicos, muito menos se deve tratar esses supostos direitos como fundamentais. Os mencionados direitos ao sossego, ao bem-estar ou à segurança públicos tratam-se de construções hermenêuticas do julgador que, evidentemente, se alargou demasiadamente em sua interpretação constitucional para vislumbrar um princípio constitucional ao sossego em transporte público. Nesse sentido, observa-se que o referido acórdão se trata de uma decisão teratológica por meio da qual o juízo desejava atingir um fim, no caso, de proibir manifestações culturais em transportes públicos e, para isso, se utilizou de um suposto direito ao sossego, bem- estar e segurança em transportes públicos para justificar sua decisão. Pelo contrário, o que de fato existe na Constituição Federal são os direitos à livre liberdade de expressão artística e intelectual, independentemente de censura (art. 5º, IX, da CRFB/88); à livre manifestação de pensamento (art. 5º, IV, da CRFB/88); ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII, da CRFB/88), além de estar disposto no art. 215, caput, da Constituição Federal que: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização das manifestações culturais”20, estes sim, direitos fundamentais. Nesse sentido, a referida norma estadual, objeto da Representação de Inconstitucionalidade, como pontuado pela ALERJ em seu Recurso Extraordinário, assegura ao usuário de serviços públicos de transporte do Estado do Rio de Janeiro o acesso gratuito à fonte da cultura nacional (Constituição da República, art. 215, caput); protege a manifestação da cultura popular (Constituição da República art. 215, §1º); permite a difusão da produção 18 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. Relator: Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. Data de julgamento: 24/06/2019. Órgão Especial. Data de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Fls. 16/17 do acórdão. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/6/art20190625-09.pdf >Acesso em: 12 abr. 2021. 19 Ibidem. 20 Ibidem. 20 cultural popular (Constituição da República, art. 215, §3º, II); e, por não implicar gasto ao usuário, democratiza o acesso a tais bens (Constituição da República, art. 215, §3º, IV). Portanto, resta claro que, entre a colisão do direito fundamental à livre manifestação cultural e artística e um suposto direito ao sossego, bem-estar e segurança em transportes públicos, é evidente que o que deve prevalecer é o primeiro, conforme mencionado pelo Desembargador Nagib Slaibi, que teve voto vencido: Quanto a manifestação incomodar os passageiros, é inegável que o direito de maior peso jurídico, a manifestação artística, garante a constitucionalidade, pois não estaria violando o princípio constitucional da proporcionalidade (grifo nosso).21 Não obstante o já exposto, o parecer da Procuradoria Geral da República, com assinatura do Subprocurador-Geral da República Paulo Gustavo Gonet Branco, é no sentido de que a autorização para manifestação cultural no interior de vagões e embarcações constitui mecanismo adequado à promoção dos direitos fundamentais culturais e artísticos, in verbis: [...] Há que se considerar, porém, que a autorização para manifestação cultural no interior de vagões e embarcações constitui mecanismo adequado à promoção dos direitos fundamentais culturais e artísticos, prestando-se para viabilizar o acesso gratuito dos usuários de transporte público à expressões de cunho artístico popular. A autorização também serve à proteção da liberdade de expressão artística, uma vez que assegura o seu exercício em espaço aberto ao público. Ademais, ao contrário do que firmado no acórdão recorrido, não é possível aferir a priori eventual desproporcionalidade em sentido estrito da norma[...]. Na medida em que a lei impugnada se mostra, dessa forma, cuidadosa, a um tempo, em promover atividades culturais e em viabilizar atividades seguras e confortáveis para os usuários dos serviços públicos e para os que os dirigem, não se patenteia arbitrariedade ou atuação excessiva do Poder Público a justificar a declaração de inconstitucionalidade [...]. 22 Indo adiante na análise da fundamentação do acórdão do TJRJ, o que se percebe é que o Tribunal afirma que a difusão das manifestações artísticas e culturais não seria prejudicada com a proibição da manifestação em transportes públicos, pois a Lei Estadual 8.120/2018 asseguraria as apresentações culturais nas estações de barcas, trens e metrô, ou seja, em um local especificamente destinado para que essas manifestações ocorram. No entanto, pelo contrário, delegar um local específico para que essas manifestações ocorram configura claramente um cerceio à livre manifestação cultural e artística, além de um 21 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. Voto vencido. Desembargador Nagib Slaibi. Data de julgamento: 28/06/2019. Órgão Especial. Data de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Disponível em: <https://www. mediafire.com/file/euvzsbimarj9zr5/4+-+VOTO+VENCIDO.pdf/file>Acesso em: 12 abr. 2021. 22 BRASIL. Ministério Público Federal (MPF). Parecer nº 7560/2020, Fls. 2/3. Disponível em: <http://www.m pf.mp.br/pgr/documentos/RE1295018ADIestadualmanifestacaoculturalemtransportepublico1.pd>. Acesso em: 12 abr. 2021. 21 cerceio à liberdade de pensamento, pois se dá a esses direitos fundamentais uma posição de segundo plano. Por exemplo, um artista que apenas pode fazer sua apresentação musical/cultural em um local determinado pelo Poder Público possui seu direito à liberdade de expressão e manifestação cultural minimizado. Isto pois quase ninguém irá ficar muito tempo assistindo uma apresentação nesse local, visto que as pessoas normalmente estão a caminho do trabalho e possuem hora certa, não podendo dispender tempo no local de apresentação determinado pelo poder público. No entanto, quando a apresentação é realizada no vagão do metrô, nas barcas ou dentro do trem, as pessoas estão a caminho do trabalho ou de sua casa, e efetivamente prestarão atenção na apresentação, caso assim desejarem. Definir um local específico para que essas apresentações ocorram fará com o próprio artista tenha uma remuneração menor, visto que terá menos público e a difusão das manifestações culturais, prelecionada pelo art. 215, caput, da CRFB/88, estará prejudicada, já que o alcance dessas será muito mais restrito caso seja permitida apenas em locais determinados, e não nos vagões de trens, metrô e barcas. Indo adiante na análise do acórdão, o trecho ao qual causa salta aos olhos é o abaixo transcrito: [...] Por certo, as expressões “arte” e “cultura” possuem dimensões extremamente subjetivas, e, por este motivo, a cada um cabe escolher, de acordo com os seus valores e convicções, que tipo de arte e em que momento pretende assisti-la, não sendo razoável ou proporcional qualquer imposição, haja vista a possibilidade de simplesmente pretender exercer seu direito ao sossego, o que não é possível, diante da exposição a gritas e ruídos estridentes de aparelhos musicais. Não fosse o bastante, na prática, o que se observa é que a permissão insculpida no dispositivo impugnado está sendo desvirtuada. Assim é que, a pretexto de divulgar a sua “arte”, diversos grupos praticam doutrinação política e ideológica, causando constrangimentos aos usuários que não comungam de tal ou qual ideologia, os quais se veem tolhidos e impedidos de exprimir sua insatisfação,pena de serem rechaçados por uma minoria que, muitas das vezes, demagogicamente, aplaudem às “apresentações artísticas”. [...] Observa-se, ainda, que muitos destes “artistas” são, na verdade, pessoas desempregadas, as quais, realizando qualquer tipo de performance, constrangem os usuários dos serviços prestados pelas concessionários a lhes darem dinheiro, sendo injustificável tal importunação no transporte público (grifos nosso).23 Primeiramente, por certo que arte e cultura são conceitos extremamente subjetivos. No entanto, não cabe ao Estado, em específico neste caso, ao Poder Judiciário, definir o que é ou o que não é arte. Ademais, não é papel do Estado simplesmente tolher a livre manifestação cultural e artística em transportes públicos por não entender proporcional e razoável haver uma 23 BRASIL. Tribunal de Justiça de Estado de Rio de Janeiro (TJRJ). Processo n º 0055833-71.2018.8.19.0000. Relator: Desembargador Heleno Ribeiro Pereira Nunes. Data de julgamento: 24/06/2019. Órgão Especial. Data de publicação: 02/07/2019. Fls. 104/105 do processo. Fls. 16/17 do acórdão. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/6/art20190625-09.pdf >. Acesso em: 12 abr. 2021. 22 suposta imposição dessa “arte” a qual determinada parcela da população não desejaria presenciar, sobretudo por, como já exposto, inexistir o malfadado direito ao sossego. Indo adiante, a primeira parte do trecho transcrito em negrito afirma que diversos grupos supostamente praticariam doutrinação política e ideológica a pretexto de divulgar a sua “arte”. No entanto, não há nenhuma confirmação fática se isso realmente ocorre ou não, tratando-se de uma mera percepção pessoal do julgador, e, mesmo que isso ocorresse, de forma alguma seria um motivo para legitimar que as manifestações culturais em transportes públicos fossem proibidas visto que, sem sombra de dúvidas, configura manifesto cerceamento ao direito de liberdade de expressão insculpido no art. 5º, IV, da CRFB/88, além de configurar censura, o que é vedado pelo art. 5º, IX, da CRFB/88. Indubitavelmente, trata-se de algo extremamente perigoso e delicado um agente estatal, seja ele do Poder Executivo, Legislativo, ou Judiciário, determinar a proibição de manifestações culturais em transportes públicos sob a justificativa de que há doutrinação política e ideológica por parte dos artistas, visto que claramente se fere o princípio democrático. Qualquer tipo de opinião e manifestação política e ideológica deve ser permitida em quaisquer lugares que sejam, sobretudo tratando-se de transportes públicos. Pode-se afirmar que a insatisfação da população que não concorda com esse tipo de manifestação cultural em transportes públicos trata-se de mero aborrecimento, visto que não há nenhuma relevância jurídica nessa insatisfação, assim como qualquer outro tipo de insatisfação que pode ocorrer diariamente com qualquer pessoa. Pelo contrário, o que de fato viola o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade é o Estado, sobretudo através do Judiciário, impor a proibição de manifestações culturais em transportes públicos sob justificativa tão frágil e, também, por inexistir um direito ao sossego, bem-estar ou segurança no transporte público. Por fim, na segunda parte do trecho transcrito em negrito, afirma-se que muitos destes “artistas” são, na verdade, pessoas desempregadas as quais, realizando qualquer tipo de performance, constrangem os usuários dos serviços prestados pelas concessionárias a lhes darem dinheiro. Todavia, mesmo se tratando um “achismo” afirmar de maneira generalizada que esses artistas são em realidade pessoas desempregadas e, ainda que fossem, isso sem dúvidas não deveria ser considerado para fins de justificativa em uma decisão judicial. Se os artistas são realmente pessoas desempregadas, proibir essas manifestações culturais em transportes públicos apenas contribuirá ainda mais para com o aumento do desemprego, visto que esses artistas serão obrigados a realizar apresentações em locais que ninguém prestará atenção, auferindo menos renda, ou mesmo não realizando apresentação alguma, ferindo, 23 portanto, o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, prelecionado no art. 5º, XII, da CRFB/88. Ademais, por certo que realmente ninguém deve ser constrangido a dar dinheiro a quem realizar a apresentação, entretanto, o próprio art. 4º, §2º, da Lei Estadual 8.120/18 afirma que “O artista para a apresentação de que trata o Artigo 1º não poderá cobrar cachê dos usuários, salvo se, de forma espontânea, estes fizerem doação”24. Portanto, o que se percebe é que a própria lei corrobora no sentido de não haver essa obrigatoriedade. Ademais, o próprio acórdão do TJRJ cita doutrina de Pedro Lenza e Inocêncio Mártires Coelho, afirmando que: [...] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins.25 Nesse sentido, o que salta aos olhos é que a referida decisão, a pretexto de aplicar uma pauta de natureza axiológica emanada diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo etc., justamente realiza todo o contrário ao tomar uma decisão que limita a aplicação de direitos fundamentais, ferindo princípios democráticos e com um quê de autoritarismo. Qual seria o referido direito justo, o bom senso? Certamente não se trata no sentido de proibir manifestações culturais em transportes públicos. Por todos estes motivos expostos, revela-se que o acórdão do TJRJ está claramente em flagrante desacordo com a Constituição Federal e com preceitos morais, ideais de justiça e de bom senso, tratando-se de uma decisão política e não jurídica. Percebe-se que os fundamentos que justificaram o acórdão são frágeis e não encontram aparente fundamentação legal, sendo, dessa maneira, uma decisão extremamente arbitrária. Nesse sentido, indaga-se: caso uma decisão por parte do Poder Judiciário, como o caso da presente aqui analisada, seja tão flagrantemente inconstitucional a ponto de a população, como um todo, conseguir identificar essa inconstitucionalidade/imoralidade/injustiça, seria 24 BRASIL. Lei ordinária 8.120/18. Regulamenta a manifestação cultural nas estações de barcas, trens e metrô no âmbito do estado do Rio de Janeiro e dá outras providências. Disponível em: <http://alerjln1. }alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/1dfc90b8f42a80cb832583160062dee9?OpenDo cument>. Acesso em: 7 abr. 2021. 25 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Ed. Saraiva, 2016, p. 182. 24 legítimo a sua não obediência por parte da população? Quais seriam os requisitos e limites para que essa possível desobediência civil ocorresse? É o que será analisado adiante neste trabalho. 3. DA OBRIGAÇÃO DE CUMPRIR A LEI Inicialmente, a fim de se compreender se uma lei ou decisão (injusta) deve ser obedecida ou não, será adotada a conceituação dada por Friedman de impacto legal: “By legal impact, we mean the impact of a legal act – a rule, a law, a decision – within the legal system”.26 Ou seja, quando ao longo deste trabalho nos referirmos a uma decisão ou lei, possivelmente injusta, nos referimos ao impacto legal que aquele ato legal, seja ele uma regra, uma lei ou uma decisão judicial, possui. Portanto, grosso modo, se poderia considerar que todos seriam sinônimos para fins de análise deste trabalho, pois todos produzem efeitos jurídicos, são normas válidas e produzem impacto legal. E, sendo uma lei, decisão, ou regra, moralmente injustaou claramente inconstitucional, discute-se o fato de que poderiam ser desobedecidas, desde que preencham os requisitos da desobediência civil, o que será analisado ao longo do trabalho. Deve-se ressaltar que, obviamente, regras, leis e decisões judiciais não são sinônimos, tecnicamente falando. Porém, o que se afirma é que os impactos legais de todas aquelas são os mesmos. Portanto, desde que um ato estatal, seja uma lei, uma decisão judicial, ou até mesmo uma instrução normativa, possua um caráter axiológico injusto, ou claramente inconstitucional, desde que preenchidos os requisitos da desobediência civil, o que se defende é que essa decisão/lei/regra, que possui impacto legal, pode ser desobedecida. Ademais, impacto significa o comportamento que é causado por uma lei ou decisão dada pelo governo e as mudanças que ocorrem após a sua ocorrência dentro do sistema legal. Friedman conceitua o tema: Impact has bens defined as behavior that is causally related to some law, decision, or other action of government, or action by a civil servant, policeman, or any other enforcer. […]The definition of impact given here is value-neutral. It is about changes that take place after, and because of, some activity within the legal system.27 Nesse sentido, indaga-se: por que a lei deve ser cumprida? O artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal é claro ao definir que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer 26 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 59. 27 Ibidem, p. 44. 25 alguma coisa senão em virtude de lei”28. Nesse sentido, se nenhum cidadão é obrigado a fazer algo senão em virtude de lei, da mesma maneira resulta que a lei obriga o cidadão, surgindo, assim, a obrigação deste em cumprir a lei, também denominada de dever político29. Porém, não são todas as vezes que a lei atende às aspirações da sociedade, visto que, por vezes, pode ser considerada injusta pelos cidadãos. Friedman, ao teorizar sobre a questão do porquê as pessoas obedecerem ou desobedecerem ao cumprimento das decisões judiciais, afirma: […] talking about the impact of judicial decisions, describe a two-step process. First, they say, comes the acceptance decision, “psychological reactions to a judicial policy,” acceptance or rejection based on what people think the decision means to them, how strongly these opinions are held, and what they think about the decision- maker. Then comes the behavioral response; that is, what the audience in question actually does as a result. […] The acceptance decision obviously depends on communication, on how the person or institution in question understands what is asked of her or it. […] When is there an actual acceptance decision? An acceptance decision is only something at the psychological level. A response might never follow, because of laziness, inertia, habit, or ideology. The actor has to make a conscious decision to obey, disobey, avoid, or adjust.30 Nessa baliza, existem três correntes que explicam sobre a obrigação do indivíduo de cumprir a lei, quais sejam, a obediência condicionada, a obediência incondicionada e a desobediência incondicionada, que serão a seguir explicitadas. 3.1 A obediência incondicionada Por essa corrente, a lei sempre deve ser obedecida, sem nenhuma exceção, pois é um elemento essencial para a própria existência do Estado e para a garantia da liberdade individual. Nesse sentido, conforme Abe Fortas: A conquista da liberdade é indispensável condição de vida humana, e, entretanto, a liberdade não pode existir a não ser que seja controlada e restringida. A balança que equilibra estes dois fatores é a lei. Portanto, temos que terminar como começamos, com o reconhecimento de que a norma da lei é a condição essencial da liberdade individual tal como o é da existência do Estado.31 28 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http ://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 abr. 2021. 29 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 1994, V. 1, p. 335. 30 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 94-95. 31 FORTAS, Abe. Do direito de discordar e da desobediência civil: uma alternativa para a violência. Rio de Janeiro: Cruzeiro, 1968, p. 59. 26 O filósofo Sócrates pode ser indicado como um dos exemplos dessa corrente, tendo em vista que foi julgado e condenado a morrer pela acusação de não acreditar nos deuses gregos reconhecidos pelo Estado, por supostamente introduzir divindades novas e por corromper a juventude com seus ideais. Uma condenação evidentemente injusta, puramente baseada em razões políticas. Em diálogo entre Sócrates e Críton, escrito por Platão, Críton tenta convencer Sócrates a fugir da prisão, e este nega o pedido por crer que uma injustiça não pode ser respondida também com injustiça. Nesse sentido, Sócrates acreditava que, caso fugisse, daria razão para aqueles que o acusavam de desvirtuar a juventude e daria um mau exemplo, de maneira que deixaria de ser um bom homem. Assim sendo, Sócrates aceitou a pena injusta pelo Estado e ingeriu o veneno de cicuta, morrendo envenenado. Essa ação vai ao encontro da corrente que defende a obediência irrestrita da lei, tendo em vista que Sócrates defende a obediência à lei independente de questões morais e políticas, porque apesar da decisão ser injusta, era válida32. 3.2 A obediência condicionada Há, todavia, uma corrente que defende a obediência da lei, porém permitindo a desobediência em casos excepcionalíssimos, de forma a condicionar essa desobediência a um flagrante de injustiça da lei. Insere-se nesta corrente o gênero “direito de resistência” e a espécie “desobediência civil” como uma forma de oposição às leis injustas. E em relação a leis injustas, insere-se nesse sentido também decisões judiciais injustas. Reitera-se, entretanto, que essa corrente não se presta à transgressão generalizada das leis, devendo ser analisado caso a caso. Conforme Brian Nix: “These theorists do not argue that we should never obey the law, or even that there are never moral reasons for doing what the law tells us to, only that the moral reasons must go beyond the simple declaration: ‘because the law says so”.33 Já Gabriela Perissinotto aduz que: Para os adeptos dessa teoria existiria um dever moral de obedecer à lei, uma vez que esta deveria estar em conformidade com o princípio da moralidade, isto é, ser justa. A 32 TEBBIT, Mark. Philosophy of Law: an introduction. New York: Routledge, 2005, p. 94. 33 BIX, Brian H. Legal Positivism. In: EDMUNSON, William A., GOLDING, Martin P. The Blackwell Guide to the Philosophy of Law and Legal Theory. New York: Blackwell Publishing, 2005, p. 172. 27 situação mais comum é que a obrigação prevista em lei de fato coincida com o que deveria ser feito em termos morais. Isso fica claro já que para a maioria das pessoas não se deve roubar ou matar porque seria errado e não apenas porque a lei proíbe, de modo que a lei atuaria nesse tipo de situação como mero reforço.34 Indo adiante, afirma que: Há, no entanto, casos em que a norma não contém carga moral e casos em que lei e moral não indicam as mesmas condutas – hipóteses em que essa corrente defende que a lei deveria ser desobedecida, de forma que prevalecesse a indicação moral, isto é, aquela que seja ética e justa.35 Essa posição é defendida por Abe Fortas, ex-Juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos: Sou um homem da lei. Dediquei-me a cumprir a lei e executarsuas ordens. Aceito sem discutir o princípio de que cada um de nós deve obedecer à lei; que cada um de nós é compelido a obedecer à lei imposta pelo seu governo. Mas, se eu tivesse vivido na Alemanha de Hitler, espero que me tivesse recusado a usar uma braçadeira, a gritar Heil Hitler, a concordar com o genocídio. Assim o espero, embora os éditos de Hitler fossem lei até que os exércitos aliados destruíram o III Reich.36 Outra questão a se analisar é se essa lei ou decisão judicial possui meios de ser efetiva pois, mesmo que esteja perfeitamente em vigor, pode acontecer o fato de a desobediência a estas ser tão frequente, tanto por questão de costume quanto por questão de não concordância moral com uma lei ou decisão, ao ponto de acarretar, na prática, a existência de um sistema dual37, que ocorre quando a lei em teoria é em um sentido, mas no caso concreto não há a sua observância. Um exemplo dessa afirmação foi quando houve o período da Prohibition, na década de 1920 nos Estados Unidos, mais conhecida como Lei Seca, quando o consumo de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos foi banido, de acordo com a 18ª emenda constitucional. Many studies have examined the impact of Prohibition – the so-called “noble experiment.” Temperance campaigns had bubbled up to the surface from time to time in the United States; after a century of agitation, the “dry” movement had become enormously powerful, politically speaking. “Drys” actually succeeded in amending the U.S. Constitution: The Prohibition Amendtment (number eighteen) prohibited the “manufacture, sale, or transportation of intoxicating liquors" in the United States. Prohibition went into effect in January 1920. But this “noble experiment” was gone 34 ALMEIDA, Gabriela Perissinotto de. A obrigação de cumprir a lei e a desobediência civil como forma de oposição às leis injustas. São Paulo, 2014, 106 f. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Filosofia do Direito e Disciplinas Básicas da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2014, p. 20. Disponível em: <http://www.tcc.sc.usp.br/tce/disponiveis/89/890010/tce-26052015- 205711/?&lang=br>. Acesso em: 12 abr. 2021. 35 Ibidem. 36 FORTAS, Abe. Do direito de discordar e da desobediência civil: uma alternativa para a violência. Rio de Janeiro: Cruzeiro, 1968, p. 9 -10. 37 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 79-80. 28 by the early 1930s. It was, in many ways, a failure. It certainly did not stamp out drinking. For many Americans, wine, beer, and even whiskey were part of their culture. Enforcement would have been a massive undertaking; it was probably always impossible. A vast apparatus of evasion and disobedience grew up in the cities (grifo nosso). 38 Nesse sentido, conforme Gabriela Perissinotto: Nota-se, assim, que a relativização do dever de obedecer à lei seria uma consequência natural dessa obrigação, que faria prevalecer a indicação em consonância com a moral ou aquela que fosse moralmente mais relevante em detrimento da prescrição legal considerada injusta. A fragilidade dessa tese, porém, reside na dificuldade de conceituar as leis injustas ou de estabelecer princípios e limites capazes de distingui- las das leis justas.39 Trata-se, assim, do direito de resistência do cidadão frente a uma lei estatal injusta. O filósofo inglês John Locke acreditava que “aqueles que excedessem a autoridade que a lei lhes conferiu e fizessem uso da força para agir em contrariedade à lei mereceriam a oposição dos cidadãos, a qual seria legítima”40. Todavia, são necessários certos requisitos para que essa possibilidade de resistência fosse possível, dentre esses: que o Estado subjugasse os indivíduos arbitrariamente, que a arbitrariedade ocorresse sem motivo, e que os indivíduos (resistentes) não recorressem ao uso da força, sendo uma garantia do cidadão em face das arbitrariedades dos governantes que extrapolassem os limites legais e, sem dúvida, como forma de instrumento capaz de promover o aperfeiçoamento do Estado41. Norberto Bobbio elenca alguns argumentos que visam justificar a (des)obediência condicionada da lei42. Segundo o autor, a primeira justificativa seria através do direito natural, que inicialmente possuía conotação religiosa, e, posteriormente, laicizada. O direito natural é interligado à ideia de lei moral, que é distinta da lei promulgada pela autoridade política, e superior a ela, devendo, assim, prevalecer e justificar qualquer transgressão da lei positivada. O segundo argumento trazido por Bobbio é o jusnaturalismo. Nesse sentido, essa doutrina defende a supremacia do indivíduo em relação ao Estado, e que este goza de direitos 38 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 78. 39 Ibidem, p. 21. 40 BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2010, p. 186. 41 COSTA, Nelson Nery. Teoria e realidade da desobediência civil. São Paulo: Editora Forense, 1990, p. 14. 42 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília; Editora UnB, 1994. V. 1, p. 338. 29 originários e inalienáveis, tendo em vista que foi criado pelos indivíduos para “proteger seus direitos fundamentais e assegurar a sua livre e pacífica convivência”43. E, como terceira justificativa, há “a ideia libertária de perversidade essencial de toda a forma de poder sobre o homem, especialmente do máximo poder que é o Estado”44. Por todo o exposto, percebe-se que, por essa vertente, a lei natural é associada ao princípio da moralidade, de maneira que a obediência fica condicionada à moralidade/constitucionalidade/justiça da lei. Nesse sentido, para fins de análise do acórdão do TJRJ já mencionado, ratifica-se a possibilidade e a pertinência dessa corrente, a qual será adotada para fins da conclusão deste estudo, afinal, conforme, Friedman: “Law is, after all, a reflection of social norms”45. 3.3 Desobediência incondicionada Ainda nessa discussão, existe uma terceira corrente, a teoria da desobediência incondicionada, a qual possui embasamento nos ideais anarquistas, ideia esta que, em linhas gerais, prega pela inexistência de qualquer forma de governo e da própria concepção de Estado. Nesse sentido, segundo essa corrente, lei alguma deveria existir ou ser cumprida, visto que emana do Estado e seria uma maneira de opressão. Pode-se diferenciar duas espécies de anarquismo: o anarquismo político, ou seja, a visão tradicional que prega a inexistência do Estado, e o anarquismo filosófico, que basicamente não prega a desobediência incondicionada da lei, apenas prega a inexistência de uma obrigação absoluta que imponha o cumprimento da lei, já que este deve depender de uma análise caso a caso. Não se adentrará muito na explicação deste tópico visto que o mais importante para análise deste trabalho será em relação à obediência condicionada, apenas mencionando-se a existência da desobediência incondicionada para meros fins teóricos e acadêmicos. 43 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília; Editora UnB, 1994. V. 1, p. 338. 44 Ibidem. 45 FRIEDMAN, Lawrence M. How Law Affects Behavior. Cambridge: Harvard University Press, 2016, p. 24. 30 4. SOBRE O DIREITO DE RESISTÊNCIA Na seara da obediência condicionada é onde se encontra o direito de resistência. Locke defende o direito de resistência associado à teoria da soberania limitada46 e, de acordo com o autor, essa limitação se daria pelo direito natural e pela separação dos poderes47, de modo quea violação desses limites determinaria as hipóteses de cabimento do direito de resistência e suas manifestações. No ordenamento jurídico brasileiro, lato sensu, nunca se positivou o direito de resistência48, até porque seria paradoxal que a Constituição da República trouxesse uma norma que permitisse seu próprio descumprimento. Nesse sentido, Hannah Arendt afirma que: “Há grande dificuldade dos juristas em explicar a compatibilidade da desobediência civil com o sistema legal do país, uma vez que ‘a lei não pode justificar a violação da lei’”49. No entanto, entende-se que o sistema constitucional aberto vigente no ordenamento jurídico brasileiro admite o reconhecimento implícito do direito de resistência, já que este derivaria de uma interpretação sistêmica da Constituição. Nesse sentido, o artigo 5º, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil seria o responsável por essa abertura, já que “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.50 Nessa baliza, o direito de resistência visa atuar preventivamente para inibir abusos de poder, e repressivamente para restaurar quando a ordem democrática é violada, principalmente tendo em vista o direito da liberdade de expressão e manifestação, visto que o artigo 5º, IV, da Constituição Federal afirma que: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”51. Não obstante, a Constituição Federal, no art. 5º, XVI, garante que “todos podem reunir- se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, 46 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2011, p. 55. 47 Ibidem, p. 56. 48 BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003, p. 28. 49 ARENDT, Hannah. Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 2017, p. 53. 50 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. 51 Ibidem. 31 desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”52. Além disso, o art. 1º, parágrafo único, da Constituição, afirma que “todo poder emana do povo [...]”, e, não menos importante, o art. 1º, III, da Constituição Federal dispõe que “a República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana”.53 Outro ponto importante a se salientar é que houve uma preocupação na Constituição Federal no sentido de que a obrigação do alistamento militar obrigatório pode ser resistida pelo cidadão, conforme abaixo transcrito: Art. 143. O serviço militar é obrigatório nos termos da lei. § 1º Às Forças Armadas compete, na forma da lei, atribuir serviço alternativo aos que, em tempos de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência, entendendo- se como tal o decorrente de crença religiosa e de convicção filosófica ou política, para se eximirem de atividades de caráter essencialmente militar.54 Por esses motivos, o direito de resistência derivaria dos princípios e garantias emanados da Constituição, como a dignidade da pessoa humana, a soberania popular, a cidadania, a liberdade, além dos próprios fundamentos do Estado Democrático de direito. Faz-se claro que o direito, a consciência humana, a moralidade ou mesmo as convicções políticas são razões motivadoras de resistência do cidadão ante o Estado. A própria Constituição prevê que o imperativo de consciência pode ser alegado em face de uma imposição coercitiva da lei. Portanto, evidencia-se, talvez, que o imperativo de consciência ou a desobediência civil possa ser alegada em outras normas que sejam conflitantes com a moralidade ou o próprio senso de justiça do indivíduo. Resistir ao governante, resistir a determinadas ordens legais, enfim, resistir ao poder político constituído representa um direito do povo, como resultante direto do princípio da soberania popular. Se “todo poder emana do povo”, a prática da resistência política manifesta-se aí protegida juridicamente, na linha da complementariedade entre mecanismo de democracia direta e de democracia representativa.55 Visto isto, adiante, neste trabalho, será realizada a diferenciação entre imperativo de consciência e a desobediência civil em si, tendo em vista que esses são pontos essenciais para compreender o tema e a legitimidade da existência da desobediência civil/direito de resistência 52 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. 53 Ibidem. 54 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 10 set. 2021. 55 MONTEIRO, Maurício Gentil. O direito de resistência na ordem jurídica constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 132. 32 em um Estado Democrático de Direito como forma de modificar e aprimorar as leis e o próprio Estado em si. Se em um Estado Democrático de Direito todo o poder político pertence ao povo, assim como é prelecionado na Constituição Federal, nada mais natural que o próprio povo possa se expressar e exercer a cidadania por meio do direito de resistência. E, não obstante, existem diversos tratados internacionais que reconhecem o direito de resistência, como por exemplo a Declaração de Independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: As revoluções norte-americana (1776) e francesa (1789), inspiradas pela legitimidade da resistência à opressão em face de parâmetros fornecidos pelo Direito Natural, buscaram, inicialmente, positivar o direito de resistência. Nesse viés, a Declaração de Independência dos EUA, de 4 de julho de 1776, afirma que é um direito e um dever do povo alterar, abolir, ou instituir um novo governo se ocorrem abusos ou usurpações despóticas. No mesmo sentido, lê-se no artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, que [...] a finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.56 E, como já mencionado, o objetivo da desobediência civil é justamente mostrar de forma pública a injustiça da lei e fazer com que o legislador a mude. De acordo com Bobbio, o desobediente civil não está transgredindo a lei, e sim realizando o seu dever de cidadão, deixando de cumprir leis injustas, sendo que mantém a fidelidade geral ao Estado, sendo a desobediência pontual57. Abe Fortas expressa essa questão: [...] o princípio de que a liberdade de crítica, de persuasão, de protesto, de discordância, de organizar, de reunir pacificamente, são tão imprescindíveis a um governo vivo e eficiente quanto o são para o bem-estar espiritual e material do indivíduo; e que o exercício dessa liberdade será protegido e encorajado e não poderá ser diminuído enquanto ao forma de sua aplicação não envolver ação violadora de normas prescritas para a proteção de outros no exercício de suas atividades pacíficas ou que incitem uma evidente e atual ameaça de violência ou ofensa a outros.59 56 CARVALHO, Juliana Brina Corrêa Lima de. A desobediência civil no pensamento político de Hannah Arendt: um direito fundamental. Espaço Jurídico Journal of Law, Joaçaba,