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Indaial – 2019 Teoria PolíTica ii Prof. Sandro Luiz Bazzanella Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Sandro Luiz Bazzanella Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: B364t Bazzanella, Sandro Luiz Teoria política II. / Sandro Luiz Bazzanella; Walter Marcos Knaesel Birkner. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 250 p.; il. ISBN 978-85-515-0405-5 1. Ciência política. - Brasil. I. Birkner, Walter Marcos Knaesel. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 320.09 III aPresenTação Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático de Teoria Política II. A partir daqui, começaremos a abordar as principais ideias de autores contemporâneos que, durante o século XX, foram fundamentais à constituição do pensamento político atual no Ocidente. Suas ideias serviram de norte orientador às ações políticas do século XX. É preciso dizer que o século XX foi absolutamente intenso do ponto de vista político. Duas grandes guerras mundiais marcaram a primeira metade desse século. O advento delas causou um grande sentimento de decepção acerca da esperança num progresso contínuo e sem recuos por parte da humanidade. Depois delas, renovaram-se esforços políticos no Ocidente, para a afirmação da democracia e do desenvolvimento econômico. E as ideias políticas continuaram sendo fundamentais. Nessa perspectiva, apresentaremos alguns dos principais autores e seus conceitos, refletindo legítimas aspirações pela liberdade, pela justiça e pelo desenvolvimento. Demonstraremos como essas ideias críticas e proposições estratégicas se manifestaram desde o início do século XX. Indicaremos como elas foram e continuam sendo definidoras dos atos políticos da civilização ocidental. Na Unidade 1 trataremos do fenômeno do poder e da política, por meio de autores que, direta ou indiretamente, usaram e/ou se orientaram por conceitos sociológicos como classes sociais, elites e instituições políticas. Além disso, tais autores orientaram-se pela perspectiva da conquista e da manutenção da hegemonia do poder, como principal objetivo das disputas políticas. Faremos a exposição de três tópicos. No Tópico 1, apresentaremos a instigante teoria das elites segundo três autores italianos: Vilfredo Pareto, Gaetano Mosca e o ítalo-germano Robert Michels. No Tópico 2, faremos a exposição sumária do pensamento do grande sociólogo alemão Max Weber e sua preocupação central com o fenômeno do poder. No Tópico 3, apresentaremos as primordiais contribuições à Ciência Política advindas do austríaco Joseph Schumpeter, dos norte-americanos Robert Dahl e Anthony Downs e do sueco Tage Lindbom. Na Unidade 2, teremos um encontro obrigatório com a renovação do pensamento marxista, principal norte teórico inspirador dos movimentos e partidos políticos das esquerdas em todo o mundo. Suas ideias, conceitos e proposições estratégicas foram fundamentais para a reorganização do ideário político e à conformação da ordem política democrática. Demonstram, entre tudo, a importante e sinuosa transição do pensamento revolucionário para o pensamento progressista. O que isso quer dizer é que a ideia da revolução socialista foi progressivamente substituída pela ideia das reformas progressivas e contínuas no combate às desigualdades. IV Com isso, cresceu o Estado Social e de Direito, uma conquista histórica da democracia. Isso é demonstrado nas ideias e análises politológicas dos autores que aqui apresentaremos. No Tópico 1, apresentaremos as ideias do filósofo italiano Antonio Gramsci e sua importância fundamental na renovação do marxismo e na reformulação de estratégias de conquista do poder e transformação da sociedade. No Tópico 2, abordaremos o desenvolvimento das ideias neomarxistas através de quatro autores, sendo eles: o sociólogo, filósofo e cientista político grego Nikos Poulantzas, o sociólogo alemão Claus Offe, o sociólogo polonês-americano Adam Przeworski e outro sociólogo alemão John Elster. E no Tópico 3, falaremos sobre o neoconstitucionalismo a partir dos seguintes autores: a historiadora, socióloga e cientista política estadunidense Theda Skocpol, do sociólogo estadunidense Charles Tilly, do cientista político estadunidense Peter Evans, do sociólogo canadense John Hall, do economista estadunidense Douglas North, do cientista político estadunidense William Riker e do igualmente estadunidense e cientista político Robert Putnam. Finalmente, na Unidade III, entraremos nas esferas da participação política e das noções de justiça e cidadania. Ali, perceberemos a afirmação de um conjunto de ideias progressistas que, através do incomensurável e valioso esforço de alguns autores, a Ciência Política se constituiu e ajudou a moldar e aperfeiçoar as instituições políticas do Ocidente. No Tópico 1, apresentaremos alguns dos principais autores do neo-republicanismo, entre eles, o filósofo canadense Charles Taylor, o historiador neozelandês, nascido na Inglaterra, John Pocock, o historiador britânico Quentin Skinner e o filósofo e cientista político irlandês Philip Pettit. No segundo tópico, abordaremos as principais ideias políticas do filósofo e sociólogo alemão, Jürgen Habermas e sua influência no pensamento democrático. E, no Tópico 3, apresentaremos o importante paradigma liberal através da concepção liberal igualitária do filósofo estadunidense John Rawls e do neoliberalismo político do filósofo nova-iorquino Robert Nozick. Boa leitura e bons estudos! Prof. Sandro Luiz Bazzanella Prof. Walter Marcos Knaesel Birkner V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. 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LEMBRETE VIII IX UNIDADE 1 – PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA ...............................................................................1 TÓPICO 1 – TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS ............................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 VILFREDO PARETO .............................................................................................................................4 2.1 SEU INTERESSE INTERDISCIPLINAR .........................................................................................6 2.2 A CIRCULAÇÃO DAS ELITES ......................................................................................................8 3 GAETANO MOSCA .............................................................................................................................12 4 ROBERT MICHELS E A LEI DE FERRO DAS OLIGARQUIAS ................................................17 4.1 PARTIDOS FORMAM OLIGARQUIAS .......................................................................................17 4.2 A LEI DE FERRO..............................................................................................................................19 4.3 A BUROCRATIZAÇÃO ..................................................................................................................20 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................23 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................24 TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA POLÍTICA DE WEBER ............................25 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................25 2 ASPECTOS BIOGRÁFICOS ..............................................................................................................26 3 ASPECTOS CONCEITUAIS ...............................................................................................................27 4 AÇÃO SOCIAL .....................................................................................................................................29 4.1 O TIPO IDEAL .................................................................................................................................32 5 A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO .................................................33 6 O CONCEITO DE ESTADO ..............................................................................................................34 6.1 FORMAS POLÍTICAS E FORMAS DE DOMINAÇÃO .............................................................35 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................................40 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................42 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................44 TÓPICO 3 – O PLURALISMO DE SCHUMPETER, DAHL, DOWNS E LINDBOM ................45 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................45 2 JOSEPH SCHUMPETER E DESTRUIÇÃO CRIATIVA ................................................................46 2.1 INTELECTUAIS, ELITES E A EXPANSÃO DO SOCIALISMO ................................................46 2.2 DESTRUIÇÃO CRIATIVA ..............................................................................................................48 2.3 DEMOCRACIA ................................................................................................................................49 2.4 ELITES ..............................................................................................................................................50 3 ROBERT DAHL E A DEMOCRACIA COMO ELA É ....................................................................51 3.1 O PODER É POLIÁRQUICO .........................................................................................................52 3.2 POLIARQUIA ...................................................................................................................................53 3.3 O TIPO IDEAL DE POLIARQUIA ................................................................................................55 4 ANTHONY DOWNS E A TEORIA ECONÔMICA DA DEMOCRACIA .................................56 4.1 TEORIA DA ESCOLHA PÚBLICA OU TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL .....................57 4.2 CRÍTICAS À TEORIA DA ESCOLHA RACIONAL ...................................................................60 sumário X 5 TAGE LIDBOM E A DESILUSÃO COM A SOCIALDEMOCRACIA SUECA ........................61 5.1 A CONTRADIÇÃO DO SOCIALISMO ........................................................................................63 5.2 DO SOCIALISMO AO CONSERVADORISMO CRISTÃO ........................................................64 5.3 EM BUSCA DE RESPOSTAS METAFÍSICAS ..............................................................................65 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................67 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................71 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................72 UNIDADE 2 – NEOMARXISMO E NEOINSTITUCIONALISMO ..............................................73 TÓPICO 1 – GEORG LUKÁCS, ROSA LUXEMBURGO E LOUIS ALTHUSSER ......................75 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................75 2 GEORG LUKÁCS (1885 – 1971) ..........................................................................................................76 2.1 REVOLUÇÃO RUSSA .....................................................................................................................77 2.2 HISTÓRIA E CONSCIÊNCIA DE CLASSE .................................................................................79 2.3 TESES SOBRE A SITUAÇÃO POLÍTICA E ECONÔMICA DA HUNGRIA E SOBRE AS TAREFAS DO PC HÚNGARO ...................................................................................81 2.4 A RENOVAÇÃO DO MARXISMO ...............................................................................................82 3 ROSA LUXEMBURGO (1871-1919) ...................................................................................................83 3.1 FILOSOFIA DA PRÁXIS .................................................................................................................85 3.2 REVOLUÇÃO ..................................................................................................................................87 3.3 DEMOCRACIA E REVOLUÇÃO ..................................................................................................89 4 LOUIS ALTHUSSER (1918 – 1990) ....................................................................................................91 4.1 CRÍTICA AO MARXISMO ROMÂNTICO ..................................................................................934.2 A IDEOLOGIA E OS APARELHOS IDEOLÓGICOS DO ESTADO .....................................................................................................................................96 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................99 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................101 TÓPICO 2 – NEOMARXISMO: HABERMAS, PRZEWORSKI, ELSTER ..................................103 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................103 2 JÜRGEN HABERMAS E A RADICALIZAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA ....103 2.1 TEORIA SOCIAL ...........................................................................................................................105 3 ADAM PRZEWORKI (1940) E A EFETIVIDADE DA SOCIALDEMOCRACIA ...................110 4 JON ELSTER E O MARXISMO ANALÍTICO...............................................................................115 4.1 INDIVIDUALISMO METODOLÓGICO ....................................................................................117 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................120 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................121 TÓPICO 3 – NEOINSTITUCIONALISMO: SKOCPOL, TILLY, EVANS, HALL, NORTH, RIKER EPUTNAM ...............................................................................................................123 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................123 2 NEOINSTITUCIONALISMO ..........................................................................................................123 3 THEDA SKOCPOL E A PERSPECTIVA TOCQUEVILIANA NA POLÍTICA .......................127 3.1 O NEOINSTITUCIONALISMO DE THEDA SKOCPOL E O PAPEL DO ESTADO ...........128 4 HARLES TILLY E SUAS CONTRIBUIÇÕES NEOINSTITUCIONALISTAS AO CONCEITO DE DEMOCRACIA .....................................................................................................130 5 PETER EVANS E O CONCEITO DE SINERGIAS .......................................................................134 6 PETER HALL E AS VARIAÇÕES DO NEOINSTITUCIONALISMO .....................................138 6.1 O NEOINSTITUCIONALISMO HISTÓRICO ...........................................................................139 6.2 O NEOINSTITUCIONALISMO DA ESCOLHA RACIONAL ................................................140 6.3 NEOINSTITUCIONALISMO SOCIOLÓGICO .........................................................................141 XI 7 DOUGLAS NORTH E A NOVA ECONOMIA INSTITUCIONAL ..........................................142 7.1 O ESTADO E A ECONOMIA NO INSTITUCIONALISMO DE DOUGLAS NORTH ........144 7.2 A AÇÃO INSTITUCIONAL DO ESTADO NA ECONOMIA .................................................145 8 WILLIAM HARRISON RIKER .......................................................................................................147 8.1 ESCOLHA PÚBLICA, ESCOLHA RACIONAL E RACIONALISMO ...................................148 9 ROBERT PUTNAM E O CAPITAL SOCIAL ................................................................................148 9.1 O NEOINSTITUCIONALISMO SOCIOLÓGICO DE PUTNAM ...........................................150 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................152 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................154 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................155 UNIDADE 3 – ESFERAS DE PARTICIPAÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA ..............................157 TÓPICO 1 – NEO-REPUBLICANISMO: TAYLOR, POCOCK, SKINNER, PETTIT ................159 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................159 2 CHARLES TAYLOR E A IDENTIDADE MODERNA .................................................................160 2.1 ATIVISMO POLÍTICO ...................................................................................................................161 2.2 SELF .................................................................................................................................................161 2.3 MORALIDADE ..............................................................................................................................162 3 JOHN POCOCK E O REPUBLICANISMO COMUNITARISTA ..............................................166 3.1 O CONTEXTUALISMO LINGUÍSTICO ....................................................................................167 3.2 O HUMANISMO CÍVICO E O IDEAL COMUNITARISTA ....................................................169 4 PHILIP PETTIT ...................................................................................................................................171 4.1 A LIBERDADE COMO NÃO-DOMINAÇÃO COMO O PRESSUPOSTO DO REPUBLICANISMO ...............................................................................................................174 4.2 O EXERCÍCIO DA CIDADANIA NO CONTEXTO REPUBLICANO ...................................176 5 QUENTIN ROBERT SKINNER .......................................................................................................178 5.1 A TEORIA POLÍTICA A HISTÓRIA E A FILOSOFIA .............................................................179 5.2 SKINNER E O PENSAMENTO POLÍTICO CONTEMPORÂNEO ........................................182 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................185 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................188 TÓPICO 2 – VON MISES, HAYEK E FRIEDMAN .........................................................................189 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................189 2 LUDWIG EDLER VON MISES ........................................................................................................190 2.1 O LIBERALISMO DE VON MISES E DOS ECONOMISTAS AUSTRO-AMERICANOS ......193 2.2 MERCADO E INFORMAÇÃO ....................................................................................................193 2.3 MISES E A CRÍTICA AO INTERVENCIONISMO ...................................................................194 2.4 VON MISES E A CONCEPÇÃO DE MERCADO .....................................................................197 2.5 MERCADO, CONHECIMENTO E A MASSIFICAÇÃO DO EMPREENDEDOR ...............198 3 O ECONOMISTA AUSTRÍACO FREDERICK AUGUST VON HAYEK ................................199 3.1 A NOTABILIDADE DO PENSAMENTO DE HAYEK .............................................................202 4 MILTON FRIEDMAN E A CONTINUAÇÃO DO CONSERVADORISMO LIBERAL ........206 4.1 LIBERDADE DEPENDE DE UM GOVERNO PEQUENO E DESCENTRALIZADO .........209 4.2 AUMENTAR OS GASTOS GOVERNAMENTAIS NÃO GERA CRESCIMENTO ..............210 4.3 DESIGUALDADE DE RENDA É NECESSÁRIA ......................................................................211 4.4 PROGRAMAS DE SERVIÇO SOCIAL INEFICIENTES DEVEM SER SUBSTITUÍDOS POR TRANSFERÊNCIAS DIRETAS AOS MAIS POBRES.......................................................212 4.5 CAPITALISMO E LIBERDADE ...................................................................................................213RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................216 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................219 XII TÓPICO 3 – PARADIGMA LIBERAL: O LIBERALISMO IGUALITÁRIO DE RAWLS E O NEOLIBERALISMO DE NOZICK ......................................................................221 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................221 2 JOHN RAWLS E O LIBERALISMO IGUALITÁRIO ..................................................................222 3 ROBERT NOZICK ..............................................................................................................................227 3.1 O CONTEXTO DE PUBLICAÇÃO DA OBRA: ANARQUISMO, ESTADO E UTOPIA .....229 3.2 OS POSTULADOS NEOLIBERAIS DE NOZICK .....................................................................233 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................238 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................241 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................243 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................245 1 UNIDADE 1 PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender que o poder é o principal objetivo da política e o principal objeto (de estudos) da Ciência Política; • notar a importância das classes sociais na organização de todas as sociedades; • identificar a importância da teoria das elites para a Ciência Política; • reconhecer a influência das instituições na vida das pessoas; • compreender que a busca pela hegemonia do poder é da natureza política; • descobrir que as ideias políticas moldam as instituições políticas; • reconhecer a influência das instituições na vida das pessoas. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de refoçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS TÓPICO 2 – CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLOGIA POLÍTICA DE WEBER TÓPICO 3 – O PLURALISMO DE SCHUMPETER, DAHL, DOWNS E LINDBOM Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 1 INTRODUÇÃO A teoria da elite constitui-se numa perspectiva teórica segundo a qual os assuntos de uma sociedade, nação ou mesmo uma pequena comunidade, são melhor gestados por um pequeno subconjunto de seus membros. Por conseguinte, é preciso admitir que, desde já, nas sociedades modernas a ausência de elites em sua organização e funcionamento é simplesmente impensável. Não obstante, a questão que subjaz à teoria da elite já estava presente na filosofia política clássica, e diz respeito à desigualdade na distribuição do poder, isto é, deve o poder relativo de qualquer grupo ser desproporcional ao seu tamanho relativo? A resposta remonta à Grécia Antiga, onde o poder desproporcional de certas minorias foi justificado em nome da sabedoria ou da virtude, como na tese dos governantes “guardiões”, de Platão. Inspirador das aristocracias, o filósofo defendia o governo dos “melhores homens” (os aristoi), afirmando que era natural que assim fosse. Todavia, trata-se de afirmação dedutiva, não comprovada empiricamente. O domínio de uma elite é defendido ao longo dos séculos por filósofos e literatos antigos, medievais e modernos. Não são poucos os que, ao longo da história, resistiram à ideia democrática do governo de pessoas comuns, que muitas vezes equivalia à ausência de ordem ou anarquia. Essa postura explicitamente antidemocrática era característica de escritores cristãos como Tomás de Aquino, o teólogo do século XIII. A palavra francesa élite, da qual o inglês moderno é tirado, significa simplesmente "os eleitos" ou "os escolhidos" (pelas forças divinas, por assim dizer). Portanto, o termo carrega a noção de que pessoas de notório saber e força devem governar e ter privilégios por vontade divina. Muito embora os discursos democráticos tenham se contraposto, não foi incomum que teses revolucionárias posteriores tenham se apoiado no elitismo, defendendo a liderança dos justos a tutelarem os indefesos. Nos séculos XVI e XVII, os calvinistas referiram-se às características pessoais superiores da aristocracia, afim de justificar a resistência armada contra monarcas ilegítimos. Na perspectiva democrática elitista, é útil lembrar que os puritanos representaram um exemplo característico dessa representação ideológica. Durante a guerra entre as forças coloniais inglesas e a resistência da colônia norte-americana, a independência dos Estados Unidos e a formulação de sua constituição também estiveram imbuídas deste elitismo democrático. Defensores da igualdade como Alexander Hamilton, James Madison e John Jay ainda assim defenderam os membros do Congresso dos EUA e da Suprema Corte como os homens virtuosos em defesa do povo. UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 4 Já pelo do século XIX, a necessidade de demonstrar aspectos empíricos do poder de minorias começava a se somar ao pensamento elitista tradicional. Os teóricos italianos da política Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca foram os pioneiros nas demonstrações historiográficas da tese elitista. Eles defenderam a tese de que elites são intrínsecas à história das nações e dos povos, demonstrando a reprodução e a transformação de grupos de elite. A famosa Lei de Ferro da Oligarquia, promovida pelo sociólogo e economista político italiano nascido na Alemanha, Robert Michels, foi ainda mais sistemática. Ele não apenas postulou a inevitabilidade da dominação das minorias, mas explicou logicamente como isso acontece nas organizações partidárias. Todos foram influenciados, neste ponto, pelo sociólogo alemão Max Weber, para quem a principal característica da conformação das sociedades é a luta pelo poder. O que significa oligarquia: a palavra vem do grego oligarkhía e significa “o governo de poucos”. E quem são esses poucos? Pode ser uma família, um pequeno grupo de amigos que constitui uma espécie de irmandade ou coisa que o valha. Na história política brasileira menciona-se bastante a presença das oligarquias rurais no comando do País. Trata-se das famílias de latifundiários herdeiros desde os tempos das capitanias hereditárias e que controlaram o poder até a proclamação da República, em 1889. NOTA 2 VILFREDO PARETO É considerado o maior economista italiano de todos os tempos, Vilfredo Pareto é também um autor importante na Ciência Política e na própria Sociologia, como na Estatística. Sua influência nessas ciências, tanto quanto na economia contemporânea, é reconhecidamente notável. Sua obra é considerada de grande relevância justamente pela influência interdisciplinar que adquiriu nas Ciências Sociais. De fato, pelo seu tipo de abordagem na economia, é um dos poucos cientistas sociais considerado um clássico em várias áreas das Humanidades. Nessa perspectiva, é justo reconhecer seu esforço intelectual muito bem-sucedido ao aproximar a Economia das denominadas Ciências Humanas. E, por essa extraordinária associação de qualidades, o “príncipe dos economistas italianos” tornou sua obra de indispensável leitura para a compreensão sobre a riqueza dos estudos interdisciplinaresentre economia, política e sociedade. TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 5 FIGURA 1 –VILFREDO PARETO FONTE: <https://c8.alamy.com/comppt/bkd25r/vilfredo-pareto-1571848-1981923-economista- italiano-sociologo-bkd25r.jpg>. Acesso em: 24 set. 2019. Vilfredo Pareto (1848-1923) nasceu em Paris, cidade onde seu pai, o genovês Raphael Pareto (1812-1888), refugiou-se quase duas décadas antes, vindo da Itália. O senhor Raphael era engenheiro hidráulico e exilou-se na França por motivos políticos. Sua mãe foi Marie Métenier, uma francesa descendente de uma abastada família da burguesia parisiense. Aos seus dez anos, sua família muda para a cidade italiana de Turim em 1858, onde Vilfredo mais tarde ingressará na Escola Técnica desta cidade. Lá estudou Matemática, Arte e Restauração, também veio o seu crescente interesse pelas coisas da economia, tendo ingressado na faculdade homônima. Na sequência, fez licenciatura em Engenharia, condição que lhe permitiria trabalhar em grandes empresas italianas, notadamente em Florença, onde passou a residir. Seus trabalhos na Engenharia, muito relacionados à busca pela otimização de recursos, o levaram a fazer importantes relações analíticas. Para Vilfredo Pareto, os engenheiros são predominantemente orientados por princípios da razão cientifica e experimental, enquanto os políticos, em geral, eram impulsionados por interesses e paixões e orientados pelos instintos e interesses. Não obstante, o caráter passional e interesseiro às ações desses últimos seria encoberto por uma aparência lógica e precisavam ser desveladas. O principal objetivo do economista e sociólogo italiano era estudar cientificamente a sociedade, procurando compreender o sentido das ações dos indivíduos, algo muito parecido com o pressuposto metodológico de Max Weber, com sua teoria da ação social. Esta pretensão é a característica investigativa geral de sua teoria social, entendida como uma teoria das elites. UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 6 Pareto era convicto de que nem o mais democrático dos partidos escapava do fato de que uma minoria sempre controlava a ferro e fogo o poder interno. Da mesma maneira, era absolutamente cético ao caráter democrático das revoluções. Para o autor, uma pequena elite estaria frequentemente por trás, a arquitetar e controlar as revoluções. Em uma de suas reflexões, afirma que é um fato conhecido que quase todas as revoluções não tem sido a obra de pessoas comuns, mas de uma aristocracia, e especialmente da parte decadente da aristocracia. NOTA 2.1 SEU INTERESSE INTERDISCIPLINAR Apesar de seu esforço em compreender a economia, Pareto concluiu que seria necessário voltar-se para a Sociologia, a fim de encontrar respostas que a Economia parecia não lhe dar acerca da ação humana. Seu esforço de pensar as coisas da Economia a partir da Sociologia resultou no Tratado de Sociologia Geral, publicado originalmente em 1916, e que o autor considerou sua principal obra. O livro é uma tentativa de responder sobre a natureza e a base da ação social. Argumenta-se ali que pessoas de capacidade intelectiva superior procuram, normalmente, desenvolver-se na direção de se notabilizarem socialmente. A partir desse pressuposto, segundo o autor, formam-se as classes sociais. No esforço de galgar o topo das camadas sociais, os indivíduos mais competitivos das classes baixas usariam suas melhores habilidades afim de ascenderem socialmente e aproveitarem as melhores oportunidades. Ao ascenderem, passam a competir com os membros das elites, disputando seus recursos e seu status, o que promoveria uma espécie de circulação das elites. Pareto trabalhava na perspectiva dual de ações lógicas e ações não lógicas. Como já dissemos, porém, via lógica e racionalidade nas ações de cunho econômico, esta reciproca não era verdadeira em relação às ações políticas. E decidiu lograr a compreensão cientifica das condutas não lógicas dos políticos e das ações políticas. O primeiro critério seria o da neutralidade, isto é, o de que, para compreender as ações, era preciso fazê-lo imparcialmente, isto é, sem julgamentos morais e passionais. Naturalmente, na perspectiva pretensamente científica das ciências sociais, não haveria como chegar a uma compreensão racional absoluta de outra maneira. Por extensão, sua aparente despreocupação moral estava em não acreditar que houvesse solução para o problema da conduta humana que, em política, teria sempre o componente dos interesses egoísticos e das paixões (ARON, 1999, p. 436). Nessa perspectiva, Pareto é um homem do seu tempo e acompanha a presunção da Sociologia nascente ao seu tempo, de obter a objetividade analítica necessária para ser aceita como ciência. Trata-se de uma postura importante TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 7 para a afirmação e credibilidade das Ciências Sociais, procurando, neste sentido, distanciar-se dos tratados morais, de caráter obviamente moral e dedutivo, passível dos erros de julgamento e suas consequências históricas. Pareto menosprezava e ironizava os propagadores das virtudes morais, afirmando que isso servia para compreender a política como ela é. Igualmente condenava os cientistas sociais com presunções filosóficas sobre os benefícios e as necessidades de atitudes moralmente adequadas para o firme destino da humanidade rumo ao progresso. A circulação das elites é o cerne de sua sociologia econômica e as elites políticas serão o alvo principal de sua análise crítica e pretensamente científica. O Tratado de Sociologia Geral, de Pareto, postula que em uma sociedade ideal, na qual a mobilidade social realmente fluísse, as elites seriam constituídas dos mais talentosos e merecedores de suas posições. Mas, nas sociedades contemporâneas e reais as elites são aquelas mais habilitadas a usar os dois tipos de dominação prevalecentes, quais sejam, força e persuasão. Com frequência, tais elites ainda gozam de privilégios importantes, como riqueza herdada e conexões familiares. Esse modelo de explicação sobre o comportamento das elites foi inspirado na teoria dos leões e das raposas, de Maquiavel. Por causa de sua teoria das elites, associada à hierarquização da desigualdade, o pensamento de Pareto tem sido associado, frequentemente, ao fascismo. Pareto observa que minorias privilegiadas existem em todas as sociedades, no interior das quais sempre haverá uma elite governante. Trata-se de uma afirmação categórica e, por assim dizer, incontestável, como qualquer um de nós pode observar. Muito embora possa no parecer óbvio uma afirmação assim, Pareto observava que era preciso insistir nisso, lembrando esse fato aos políticos no governo, aos aspirantes ao poder e aos governados. Explicava que tal lembrança era necessária pois, seja pela demagogia dos políticos como pelo autoengano coletivo, é comum que a igualdade e a harmonia sejam apresentadas e entendidas como características possíveis de serem alcançadas. Sempre é possível tê-los como objetivos, mas seu alcance estará sempre em algum ponto distante do almejado e sua conservação nunca está garantida. O fascismo foi um movimento político italiano que, na década de 1930, se organizou na forma de partido político, venceu as eleições e instaurou um regime totalitário. De cunho nacionalista e racista, o objetivo era estabelecer um império a partir de um governo centralizado, dirigido por Benito Leon Mussolini (1883-1945), considerado um líder carismático. O governo fascista submetia a sociedade a uma disciplina rígida e de obediência em nome dos interesses nacionais, que incluiam uma geopolítica de expansão territorial. O fascismo italiano foi fonte de inspiração ao nazismo. Leia entrevista do historiador Emilio Gentile sobre o assunto, concedida à Folha de São Paulo em 16 de julho de 2019, disponível em: www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/10/uso-banalizado- do-termo-fortalece-o-fascismo-afirma-historiador-italiano.shtml.NOTA UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 8 Era necessário dizê-lo, no entender de Pareto, em função de uma ilusão teoricamente estimulada na modernidade desde as utopias revolucionárias e reacionárias, incluindo o romantismo, da segunda metade do século XIX e início do século XX. Assim, tanto o socialismo como o fascismo prometiam avanços em ambas as direções. No caso do socialismo, a ênfase era na igualdade, sem esquecer da promessa de harmonia. Embora tenha havido variações interpretativas, a ideia socialista mais forte foi inspirada no marxismo e previa a luta pela igualdade, postergando a harmonia para o dia da realização da utopia. No caso do fascismo, eram principalmente as ideias de harmonia, de ordem e progresso que imperavam. Não se esquecia a promessa de igualdade, mas esta ia somente até certo ponto, já que a concepção de uma sociedade elitista estava no cerne do fascismo e, não por acaso, a teoria de Pareto acaba sendo associada a esta utopia conservadora. O socialismo é uma ideologia política que defende a coletivização da propriedade privada e os meios de produção. Presume o fim da sociedade de classes (capitalista e trabalhadores) e a instauração de uma sociedade igualitária, sem desigualdades sociais. NOTA O objetivo do economista italiano era insistir na não diferenciação entre os regimes. Sua tendência estava justamente em “desvalorizar as diferenças entre os regimes, entre as elites e entre os modos de governo” (ARON, 1999, p. 448). Conquanto as coisas mudassem de um governo para outro, de um regime para outro, essa condição permaneceria invariável. Nesse sentido, a história se repetiria indefinidamente, demonstrando uma de suas leis universais, as diferenças reais ou prometidas entre utopias e planos de governo seriam secundárias. Esse modo de interpretar a história, a conformação das sociedades e as ações que os indivíduos nelas têm, por extensão, a característica de desconsiderar as especificidades históricas existentes em cada sociedade. Circunstâncias, acontecimentos extraordinários e cultura estariam, portanto, igualmente em segundo plano. O que importa a Pareto é a Lei de Ferro da história política, qual seja a invariável existência de elites. 2.2 A CIRCULAÇÃO DAS ELITES A imagem da sociedade como sistema social é forjada por Pareto com convicção matemática. O autor a delineia como um grande sistema composto por subsistemas, tais quais o político, o econômico e o ideológico. Toda sociedade atravessa, segundo Pareto, recorrentes ciclos de equilíbrio, desestabilização, desequilíbrio e nova etapa de equilíbrio, assim sucessivamente. A história social seria marcada por esse movimento constante, que não seria sincronizado TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 9 entre as nações. Cada qual teria seu próprio tempo histórico, mas os ciclos seriam invariáveis entre elas. Por isso haveria diferenças entre elas, mas tais diferenças seriam apenas cronológicas na trajetória da evolução. Evidentemente, essa perspectiva inclui Vilfredo Pareto entre os pensadores sociais adeptos do evolucionismo e da Filosofia da História. O Evolucionismo é uma expressiva corrente de pensamento que sugere a evolução das espécies, como você já sabe. Nas Ciências Humanas, que inclui as Ciências Sociais, o evolucionismo está presente desde o surgimento da Sociologia e da Antropologia, por exemplo. Sua primeira vertente foi o darwinismo social, que significa a transferência do evolucionismo biológico para o pensamento social e político. A tese geral é de que, assim como na natureza, em sociedade também haveria um processo evolutivo que explicaria porque muitos indivíduos e sociedades se desenvolvem e outros e outras não. E uma das consequências da visão evolucionista entre os seres humanos em sociedade é a invariável presença dos mais fortes e mais aptos, o que culmina na justificação das elites e das desigualdades sociais. Já em relação à Filosofia da História, o evolucionismo está presente a partir do pressuposto geral de que a história da humanidade seria caracterizada por uma sucessão de etapas evolutivas. Assim, o curso da história humana teria um sentido, uma lógica linear e algumas leis universais, entre elas a lei dos mais fortes e mais aptos, o que valeria para indivíduos e para sociedades. IMPORTANT E Nessa direção, haveria um ciclo social global e dentro dele haveria ciclos complementares segmentados e específicos, como o político-militar, o econômico industrial e o religioso-ideológico-religioso. Para compreender como esses ciclos funcionam, é preciso observar como o autor analisa a anatomia desse grande e tri-composto sistema social. São três tipos de componentes humanos inter- relacionados: resíduos, que no seu entendimento, são propensões, tendências ou predisposições inerentes à natureza humana; interesses, que são fatores objetivos que funcionam para o atendimento às necessidades humanas; e derivações, que são as justificações e racionalizações que os seres humanos elaboram mentalmente a fim de justificar seus resíduos e interesses. Na perspectiva do economista e sociólogo italiano, os resíduos são elementos fundamentais que compõe o fator determinante da vida social. No interior da grande variedade de resíduos que os seres humanos manifestam, dois deles são de importância elementar, quais sejam: a força e a astúcia, que considera os mais característicos entre as elites. Dentro deles, há os resíduos de Classe I, também conhecidos como resíduos de combinação, que compreendem às características de personalidade, como o empreendedorismo, o ímpeto da inovação, a coragem para os riscos, a gana de vencer, a predisposição à novidade e originalidade, assim como a expansividade e o ativismo. Há também os resíduos UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 10 de Classe II, chamados de resíduos de persistência, que compreendem elementos como tradição, cautela, prudência, segurança, estabilidade e continuidade, lealdade, patriotismo e legalismo. Esses elementos convivem no interior de sociedades heterogêneas, isto é, compostas por indivíduos nos quais os resíduos se manifestam com diferentes ênfases no interior dessas sociedades. Sempre haverá elites compostas por pessoas que se destacam nos variados campos de atividades, notadamente nos três principais, as elites políticas — os governantes —, as elites econômicas — os empresários — e as elites ideológicas — os intelectuais. E, em cada uma delas, poderá haver uma predominância ora de resíduos de combinação, que são os de Classe I, ora os de persistência, os de Classe II. A principal característica das mudanças históricas no sistema social é impulsionada pela alternância cíclica das elites, por meio do processo de ascensão, decadência e substituição. Os dispositivos implícitos nesse processo são, precisamente, as ondas predominantes, ora dos resíduos de combinação — Classe I —, ora os resíduos de persistencia — Classe II. Dessa forma, é conveniente a lembrança de uma das frases mais emblemáticas de Pareto que, ao referir-se às mudanças sistêmicas globais afirma que “a história é o cemitério das aristocracias” (Pareto, s.d apud Sztompka, 1999, p. 261). Nesse momento, acontecem os ciclos de mudanças das elites nas três principais esferas de sua composição e atuação. As contribuições de Pareto repercutiram em vários campos. Para os cientistas políticos, sociólogos e economistas que estudam o conceito de desenvolvimento, é importante que saibam que a obra do autor é referência na chamada “teoria do bem- estar”, que discute os aspectos que levam as sociedades ao desenvolvimento e ao bem- estar, através de sua “Teoria do Ótimo”. O pressuposto geral é o de que o desenvolvimento só acontece se o nível de utilidade e bem-estar de uma pessoa aumenta sem que isso diminua a situação de outra. IMPORTANT E No ciclo político-militar, os principaispersonagens são os líderes fortes (os leões) e os gestores astutos (as raposas). Tomemos, como ponto de partida, os governos dos leões para a compreensão desses processos, ou ciclos, nas palavras de Pareto. Os governos estão apoiados em suas conquistas, nas guerras, no aumento dos seus territórios e na dominação sobre outros povos. As principais virtudes subjacentes são a lealdade, as tradições e o compromisso com a pátria. Os resíduos predominantes são os de persistencia — Classe II. Com o passar do tempo, entretanto, tais virtudes se mostrarão insuficientes. Durante os tempos pacíficos, outras virtudes aflorarão, relacionados aos resíduos de combinação — Classe I —, como a inovação e a disposição às mudanças. É quando aparecem TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 11 os líderes astutos (as raposas), que, aos poucos, infiltram-se na elite dominante e minam seu poder, até tornarem-se dominantes e provocarem a alternância. A hegemonia das raposas durará até o momento em que sua negligência às virtudes de persistência estiverem em risco e exigirem a nova ascensão dos leões. No ciclo econômico-industrial, o processo é similar. Envolve proprietários e especuladores ou homens de produção e poupança e homens de especulação e risco. Os de primeiro tipo, portadores dos resíduos de persistencia — Classe II —, no poder serão zelosos com a segurança da propriedade, com a minimização dos riscos, com investimentos seguros e rendas estáveis. Enquanto isso, os de combinação — Classe I —, serão os arrojados e dispostos, cujas atitudes tornam- se aparentemente necessárias e irresistíveis aos efeitos de estagnação, ou recessão, provocados pelo conservadorismo dos primeiros. Os descontentamentos com as justiças sociais geram pressões que impulsionam empreendedores, inovadores e especuladores a assumirem a elite econômica, solapando os conservadores. Depois de um certo tempo, um novo período de tensões resultantes da instabilidade e de incertezas quanto ao futuro, emerge novamente a restauração dos leões. No ciclo ideológico-religioso, sacerdotes guardiões dos valores religiosos se confrontam historicamente num movimento gondolar com os intelectuais portadores da razão e da ciência. Por um certo período, o ciclo dos guardiões de valores tradicionais de dogma e de temor ao sagrado serão hegemônicos, até que a inquietação herética faz a elite dos portadores dos resíduos de persistência serem superados pela nova elite emergente, os portadores de resíduos de combinação. O monopólio ideológico se esmorece, permitindo o surgimento de um pensamento alternativo que corrói o imperativo dos líderes de fé. Os intelectuais, dotados de razão e inovações técnicas, abrem perspectivas para novas expectativas de respostas na incapacidade ou insuficiência das respostas tradicionais. Com o tempo, também se encerra a capacidade de a ciência, a burocracia e toda a racionalidade da vida de responder aos anseios gerados durante o seu ciclo. E isso gera as condições de uma reação conservadora. A busca por respostas volta- se novamente ao irracional, ao místico e ao mágico, trazendo os sacerdotes de volta à hegemonia, com seus fundamentalismos e dogmatismos. Nesse sentido, com toda a consideração à riqueza da obra de Pareto, na perspectiva da Ciência Política, interessa-nos destacar o que foi mencionado acima. Sua teoria sobre as elites é tão simples quanto clara de compreender. Seu conceito de sociedade como um sistema social teve forte impacto sobre o desenvolvimento da Sociologia nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial. Essa perspectiva de análise da sociedade como um grande sistema integrado culmina na teoria de um dos maiores sociólogos norteamericanos, Talcot Parsons, adepto do evolucionismo sociológico, como Pareto também foi. O caráter elitista e determinista imputado à Pareto tem origem nos defensores da democracia, sobretudo quando relacionada à luta pela igualdade social. Um século depois, no entanto, sua obra continua sendo uma referência útil à Ciência Política. UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 12 Talcott Edgar Frederick Parsons (1902-1979) foi um sociólogo estadunidense. Seu trabalho teve grande influência nas décadas de 1950 e 1960. A mais proeminente tentativa de reviver o pensamento parsoniano, sob o título de Neofuncionalismo, pertence ao sociólogo Jeffrey Alexander, da Universidade Yale. FONTE: http://revistaestudospoliticos.com/wp-content/uploads/2015/04/Vol.5-N.2-p.345- 350.pdf. Acesso em 31 out. 2019. NOTA Pareto (1848-1923) foi categórico na sua crença na desigualdade natural, ideia básica para uma teoria das elites. Seu elitismo está expresso em frases definitivas como, por exemplo: “A afirmação de que homens são objetivamente iguais entre si é tão absurda que sequer há mérito em refutá-la”. “A natureza diversa dos homens, combinada com a necessidade de satisfazer, de alguma maneira, o sentimento de que desejam ser iguais, tem resultado no fato de que, nas democracias, eles têm se esforçado para dar a aparência de que o poder está nas pessoas, quando na realidade está nas elites”. IMPORTANT E 3 GAETANO MOSCA FIGURA 2 – GAETANO MOSCA FONTE: <https://en.wikipedia.org/wiki/Gaetano_Mosca#/media/File:GaetanoMosca.jpg>. Acesso em: 24 set. 2019. TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 13 Gaetano Mosca nasceu em Palermo, Sicília em primeiro de abril de 1858 e morreu em Roma, em oito de novembro de 1941. Foi jurista em seu país e também um teórico da política que, metodologicamente, apoiou-se na historiografia a fim de estudar as instituições políticas e formular a sua teoria das elites. Formulou a ideia-força de uma minoria política dominante que, da mesma maneira que Pareto, afirmava estar invariavelmente presente em qualquer sociedade e em qualquer tempo. Sua teoria teve, assim como a de seu compatriota Vilfredo Pareto, uma importante influência sobre as ideias do fascismo que, segundo alguns teóricos, teria compreendido mal seus pressupostos. Ao lado de Pareto e Robert Michels, sua obra inspirou vários estudos posteriores da Ciência Política sobre o processo de circulação de elites nas democracias e nos diferentes sistemas políticos. Podemos resumidamente definir o fascismo como um governo de cooptação das classes empresariais e trabalhadoras, de intervenção e controle sobre a política, a economia e a cultura. Por extensão, é também um governo planificador da organização econômica de um país. Planificar é constituir um plano de metas para intervir em certa realidade com o fim de organiza-la ou reorganiza-la. Na história política das nações, governar a partir de grandes planos de metas a serem executados foi bastante comum durante o século XX no Ocidente. A promessa da planificação governamental era resolver os problemas da sociedade a partir da intervenção e do controle do Estado sobre a política, a economia e a cultura. Invariavelmente, os governos fascistas adotaram a planificação, em resposta às insuficiências do liberalismo econômico e político. A Alemanha nazista, a Itália de Mussolini e a Espanha de Franco foram governos assim identificados. Não obstante, há muitas semelhanças entre o fascismo e o socialismo real da ex Uinão Soviética, entre outras experiências socialistas. Aliás, é preciso dizer que o fascismo surgiu a partir do socialismo italiano, do qual Mussolini e outros fascistas eram originários. Mas também é preciso dizer que existem experiências governamentais contemporâneas que podem ser assemelhadas ao conceito de fascismo. A principal característica que leva regimes diferentes a se assemelharem ao fascismo é o caráter intervencionista do Estado. Observe se, por exemplo, a afirmação atribuída à Benedito Mussolini: "Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado". Ele também disse: "O princípio básico da doutrina Fascista é sua concepção do Estado, de sua essência, desuas funções e de seus objetivos. Para o Fascismo, o Estado é absoluto; indivíduos e grupos, relativos". O artigo é de Lew Rockwell, chairman do Ludwig von Mises Institut, no Alabama-EUA, intitulado O que realmente é o fascismo. FONTE: <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1343>. Acesso em: 24 set. 2019. IMPORTANT E UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 14 Para uma cuidadosa definição conceitual, ler sobre o verbete sobre o “fascismo” no excelente Dicionário de Política (Bobbio et al., 1991, p. 466-474). Educado na Universidade de Palermo, Mosca ensinou Direito Constitucional (1885-1888) e também nas Universidades de Roma (1888-96) e Turim (1896-1908). Membro da Câmara dos Deputados da Itália a partir de 1908, serviu como subsecretário de Estado para as colônias de 1914 a 1916 e tornou- se senador vitalício pelo rei Victor Emmanuel III em 1919. Seu último discurso no Senado foi um ataque contra o líder fascista italiano Benito Mussolini, para decepção de todos os críticos vulgares que associaram as suas ideias ao fascismo italiano e outras experiências. O livro Teoria dos Governos e Governo Parlamentar, originalmente publicado em italiano em 1896, de Gaetano Mosca teve uma excepcional aceitação, sobretudo entre a classe política italiana. Nessa obra, como em outros escritos, o autor contraria o pensamento político de sua época e de seu país sobre a democracia. Mosca afirma com todas as letras que as sociedades são necessariamente governadas por minorias. Essas minorias são elites formadas harmonicamente ora por oligarquias militares, sacerdotais, hereditárias ou ainda por aristocracias de riqueza ou meritocráticas. Em seu longo esforço intelectual, o jurista e sociólogo italiano conseguiu demonstrar a necessária distância valorativa, tendo sido imparcial às mais diferentes filosofias políticas. Tratou como míticas todas as máximas proferidas pelos demagogos, como a vontade de Deus, a vontade do povo, a vontade soberana do Estado e a ditadura do proletariado. Com frequência, Gaetano Mosca foi acusado de maquiavelismo, embora reconhecesse o prestígio das ideias políticas de Nicolau Maquiavel (1469–1527), considerava-as impraticáveis em pleno século XX. Conquanto, teórico das elites, Mosca foi um declarado oponente do elitismo racista advogado pelos nazistas. Por outro lado, também foi severo crítico do marxismo, que em seu entendimento revelava a ojeriza que o filósofo Karl Marx tinha da democracia. Mas o próprio Mosca expressava sua desconfiança profunda à democracia, que ameaçava as instituições liberais na extensão do sufrágio aos estratos mais incultos. Mosca acreditava que a estabilidade duradoura da organização social estaria nos governos mistos, metade liberais, metade autocráticos. No interior desses, a tendência aristocrática é temperada por uma renovação gradual, mas contínua da classe dominante. Homens de baixo nível socioeconômico, mas ambiciosos e astutos estariam na origem da vontade e da capacidade de governar. A estrutura moral e legal das elites políticas — da mesma forma que na ciência política do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) —, o problema central na análise teórica de Gaetano Mosca é o poder. Nada em sociedade seria mais importante enquanto objeto de estudo das Ciências Sociais. O autor italiano se preocupa em compreender seus fundamentos, desde a necessidade de saber: quem o detém, por quais razões, com base em quais mecanismos de justificação e sua finalidade última. De toda maneira, ainda poderíamos dizer, em outras palavras, que Mosca apresenta ao seu leitor as origens, a formação, organização e consequências do poder. TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 15 A característica mais familiarmente convergente da teoria de Gaetano Mosca com outros teóricos das elites, entre alemães e italianos, é a afirmação categórica de que sempre haverá uma elite organizada a controlar o poder, onde houver Estado, onde houver Sociedade, incluindo os ambientes mais democráticos. Assim, independentemente da forma de estado que caracteriza um período histórico particular e a forma de governo expressa pela lei, haverá sempre uma maioria de indivíduos cuja sorte estará condicionada ao comando de uma minoria poderosa e suficientemente coesa a exercer o poder, submetendo outros à sua autoridade. Haverá sempre uma minoria organizada em detrimento ou em nome de uma maioria desorganizada. Nessa perspectiva, o jurista italiano observa que a classe política está no centro do sistema social. Sua tentativa analítica é oferecer ao leitor uma perspectiva orgânica da classe política, isto é, de que se trata invariavelmente de um organismo próprio. Não obstante, adverte também que “em todo governo devidamente estabelecido, a distribuição efetiva de poder político nem sempre corresponde ao poder da lei” (MOSCA, apud MARTINELLI, 2009, p. 7). Em outras palavras, há um poder paralelo ao daqueles que, em qualquer dos poderes institucionais, exercem o poder formal endossado pelas regras e leis. Trata-se do poder social dos que detêm posições significativas do ponto de vista econômico. São eles industriais, banqueiros e financistas, além de intelectuais e pessoas da esfera religiosa. Esses agentes do poder informal, mas real, exercem influência decisiva nos processos decisórios da coisa pública. Aqueles investidos de poder legal, Mosca denomina de a classe política no sentido estrito da palavra, enquanto os agentes do segundo grupo, o autor denomina de classe gerencial, consistindo da soma de todos os detentores de poder efetivo em relação à gestão de toda a Sociedade. Então, a classe gerencial é quem efetivamente decide e lidera, compondo uma estrutura heterogênea, com frequência invisível à sociedade, que dificilmente percebe a sua organicidade difusa, mas de poder de fato. Uma vez que a classe política tenha sido definida, Mosca questiona as razões para a legitimação do poder por ela estabelecido. Em outras palavras, é preciso entender, primeiramente, o que faz as pessoas aceitarem que sejam governadas por minorias. Não obstante, o jurista italiano prefere concentrar-se, como veremos, nos processos de métodos de desenvolvimento e organização da classe política. De acordo com a sua própria atitude pragmática e realista, ele considerou ser sua prioridade analítica a tarefa de explicar as relações de poder dentro da sociedade nacional. Ele identifica os princípios gerais sobre a base através da qual uma minoria organizada legitima seu poder aos olhos dos governados. Para tal finalidade, define a fórmula política pela qual a elite política justifica seu próprio poder: os que mandam, constroem em torno de si uma estrutura moral e legal a justificar seu poder e seus privilégios. Dois exemplos de fórmulas políticas que demonstrariam como legitimar e consolidar o poder são: o direito divino de reis e o princípio da soberania popular. Na perspectiva de Mosca, essas fórmulas têm a função de consolidar os escalões UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 16 do sistema político e garantir a coesão social. Na medida em que são percebidos como reais e aceitáveis por aqueles que não fazem parte da classe política, o direito calcado na religião e o exercício do poder em nome do povo são os fatores de legitimação, porque respaldados de crença popular. A existência de uma fórmula política é sempre necessária do ponto de vista da psicologia social. Isso acontece porque a necessidade de obedecer grandes princípios é inerente à natureza humana. Mosca afirma que “não é a fórmula política que determina a maneira como a classe política é estruturada. Pelo contrário, é a classe política que sempre adota a fórmula que melhor lhe convém” (MOSCA, apud MARTINELLI, 2009, p. 8). Esta afirmação radical e franca demonstra o desapego de Gaetano Mosca a qualquer ilusão sobre a política, mas é elucidativa no sentido de compreendera lógica da dominação. Ao longo da história, elites se sucedem no poder, ora preservando, ora modificando leis e regras apoiadas nos valores e crenças da sociedade com o principal propósito de garantir em primeiro lugar as suas conveniências corporativas. Para a comprovação disso, é suficiente considerar o destino de tantos regimes revolucionários que, em nome dos interesses soberanos do povo tornaram-se rapidamente despóticos e criminosos. Ou ainda, essa máxima nos ajuda a compreender as razões pelas quais uma minoria consegue manter o poder político por muito tempo, mesmo quando suas funções e seu status social já tenha perdido boa parte do sentido no funcionamento do sistema social. Portanto, não deve haver ilusões quanto à política. Esta é a advertência geral do jurista italiano Gaetano Mosca, um dos principais teóricos das elites. Sempre as haverá no poder, em qualquer sociedade, em qualquer tempo. Embora isso nos pareça óbvio, é bom lembrar que Mosca faz esta afirmação em um contexto histórico em que tanto no universo político, quanto no teórico, circulavam ideias revolucionárias, utópicas e românticas quanto às possibilidades de superação dos problemas relacionados às desigualdades sociais. Portanto, a advertência de autores como Mosca revela uma posição conservadora. Trata-se, não apenas de um realismo político, mas também de um esforço intelectual em defesa das instituições existentes. Em outras palavras, trata-se de uma postura contrária a qualquer ameaça revolucionária, que prometia uma ordem política em que, supostamente, as elites não seriam necessárias. Para Mosca, tratava-se de um engodo. Uma definição muito precisa da Teoria das Elites pode ser encontrada no Dicionário de Ciência Política, de Norberto Bobbio et al. Editora da UnB. IMPORTANT E TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 17 4 ROBERT MICHELS E A LEI DE FERRO DAS OLIGARQUIAS Sociólogo e economista italiano, nasceu de uma próspera família burguesa alemã, em Colônia, na Alemanha, em nove de janeiro de 1876, Robert Michels (1876-1936). Em sua juventude, aderiu ao socialismo, estudando economia e política e tornando-se professor na Itália. É bastante conhecido por sua excelente formulação da Lei de Ferro das Oligarquias. Por meio deste seu pressuposto sociológico, ele afirma que os partidos políticos e outras organizações associativas sempre levam à formação de elites. Em todas as organizações, segundo a sua perspectiva, formam-se oligarquias, se estabelecem organizações burocráticas e instauram-se, invariavelmente, o autoritarismo nas suas várias formas possíveis. FIGURA 3 – ROBERT MICHELS FONTE:<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/9/9c/Robert-michels. jpg/200px-Robert-michels.jpg>. Acesso em: 23 set. 2019. Robert Michels lecionou e ocupou cargos acadêmicos nas universidades de Turim, Basileia e Perugia. Sua obra mais conhecida é Zur Soziologie des Parteiwesens in der Modernen Demokratie — Partidos Políticos: um estudo sociológico das tendências oligárquicas da democracia moderna (1911), traduzido e publicado no Brasil com o nome de Sociologia dos partidos políticos. O livro apresenta suas percepções acerca do desenvolvimento das oligarquias. A existência deste fenômeno seria invariável, mesmo em organizações comprometidas com ideais democráticas, em função das necessidades organizacionais como a tomada de decisão rápida e a atividade em tempo integral. Em seus escritos posteriores, Michels passou a ver as elites de forma, não apenas inevitável, mas desejável, o que ajuda a explicar sua não oposição ao fascismo na Itália. 4.1 PARTIDOS FORMAM OLIGARQUIAS Como já dissemos anteriormente, a Lei de Ferro das Oligarquias é a tese do sociólogo teuto-itálico segundo as organizações, em geral sucumbem ao comando de uma elite, termo aqui entendido como sinônimo de oligarquia. Dessa lei não escapam as organizações mais democráticas, com as melhores propostas UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 18 de liberdade e participação de todos. A Lei de Ferro das Oligarquias afirma que a democracia organizacional é necessariamente uma contradição de si mesma. Assim, compromete-se com o interesse da maioria e com a ampla participação, mas favorece uma minoria dirigente. Esta elite, conquanto possa governar na direção do interesse geral, priorizará, antes de tudo, seus interesses de classe dirigente e encontrará formas de reduzir a participação dos outros. Embora o controle da elite torne a democracia interna insustentável, molda o desenvolvimento de longo prazo de todas as organizações numa direção conservadora. A Lei de Ferro das Oligarquias é o ponto analítico culminante do estudo comparativo sobre os partidos socialistas europeus, que o autor começou a desenvolver a partir de sua própria experiência no Partido Socialista Alemão. Influenciado pelas primorosas observações de Max Weber a respeito da burocracia, resolveu observar detidamente o funcionamento dos partidos. Da mesma maneira, aproximou suas reflexões das teorias de Pareto e Mosca, para concluir que, fundamentalmente, as oligarquias partidárias expressam os imperativos da organização moderna: liderança competente, autoridade centralizada e divisão de tarefas no interior da organização. Esses imperativos organizacionais geram uma burocracia profissional que por sua vez, origina uma elite com conhecimento, habilidades e status superiores. Essas elites ou oligarquias constituem uma divisão do trabalho que culmina no controle hierárquico dos principais recursos organizacionais, como a comunicação interna e o treinamento. Assim, exercem o poder sobre os outros membros e controlam quaisquer grupos dissidentes. A essa análise organizacional, Robert Michels aproximou a análise de cunho psicológico sobre a busca pelo poder da teoria da multidão, de Gustave Le Bon. A partir dessa perspectiva, o sociólogo teuto-italiano carrega tintas na ideia de que o exercício do poder converge sempre para a necessidade que as pessoas comuns têm de adorar e buscar orientações em seus líderes. O termo Teoria da Multidão foi cunhado pelo autor e tem uma relação com a psicologia das multidões, ou ainda a psicologia das massas. Trata-se de um ramo da psicologia social, que tem o objetivo geral de compreender os comportamentos individuais em meio às massas. ATENCAO Apesar disso, Robert Michels também compreende as vantagens da relação entre dominantes e dominados. Ele percebe que a legitimação dessa relação de mando e obediência reside na própria organicidade dos partidos. Assim, observa que a distância estabelecida pela elite entre ela e os outros membros também levaria as organizações à moderação estratégica. Portanto, as principais decisões TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 19 seriam normalmente tomadas com o intuito de preservação da organização partidária. Este seria o sentido de organicidade ao qual nos referimos. É quando seus membros agem sem desconsiderar a necessidade de manter o organismo do qual todos dependem, principalmente os que dele mais se beneficiam. Por essa razão, as elites agem de acordo com as prioridades de sobrevivência e estabilidade da organização, conferindo vida própria aos partidos. A ideia de organicidade implica em considerar algo como um organismo, e tem a ver com o conceito de Organicismo nas Ciências Sociais. E qual a definição de Organicismo? Trata-se de um recurso analítico, isto é, de um método de análise a partir do qual a observação da Sociedade e de suas organizações é feita em analogia a um organismo vivo. Desse modo, os indivíduos envolvidos na sociedade ou nas organizações são vistos como agentes cujas ações contém a função de preservação do organismo no qual estão inseridos. Nesse sentido, é como se a sociedade e suas organizações, como, por exemplo, os partidos políticos, os governos, as empresas etc. tivessem vida própria e seus integrantes fossemórgãos cuja função principal seria a de trabalhar pelo bem da organização. Assim, no exemplo dos partidos políticos, amplamente analisados por Robert Michels, as ações das minorias dirigentes não seriam apenas ações de preservação dos seus interesses. Seriam ações de preservação da própria organização. IMPORTANT E 4.2 A LEI DE FERRO O sociólogo Robert Michels é, um dos principais nomes da literatura política. Não apenas quando o assunto são as elites, mas, também, quando se trata dos partidos políticos. No cerne destes, segundo Michels, emergiam as elites mais poderosas, sobre as quais o autor dedicou muitos anos de seus estudos e lhes apontou o dedo na ferida. Nas suas palavras, “todos os partidos classistas, na sua origem, antes de iniciar a marcha para a conquista do poder, pronunciam sempre, perante o mundo, a declaração solene de querer libertar, não tanto a si próprios como a toda a Humanidade da presença de uma ameaça tirânica e querer substituir o regime injusto por um justo” (MICHELS, 1909 apud DELLA PORTA, 2003, p. 171). Essa promessa, em geral, não feita pelos partidos conservadores tradicionais, é um clichê entre os partidos ditos populares. Mas, na realidade, essa promessa não pode ser cumprida, devido à lógica inerente a cada organização. Segundo Michels, uma lei férrea promove a transformação das organizações partidárias. No começo elas são estruturas democráticas inclusivas, isto é, abertas à entrada de seus membros na base. Com o tempo, transformam-se UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 20 em estruturas que imperam uma elite, isto é, uma oligarquia de poucos membros. Ao contrário de absorverem as orientações da base e sistematizarem suas demandas em regras, essa minoria é o que estabelece regras de procedimentos, com vistas à preservação da organização partidária. É quando o objetivo final não é mais a promoção da justiça, mas, antes de tudo, à preservação da agremiação partidária, cujo objetivo dependerá sempre da existência de uma elite dirigente. Invariavelmente, as organizações partidárias tenderiam a seguir tal lógica, adaptando ou alterando estratégias e suas finalidades se necessário, desde que preservando o partido e, evidentemente, a estrutura oligárquica. É claro que um grupo no poder será, em algum momento, sucedido por outro, mas a estrutura de dominação permanecerá. Conforme Michels, “se existe uma lei sociológica a que todos os partidos estão sujeitos, pode ser sintetizada nesta breve fórmula: a organização é a mãe do poder dos eleitos sobre os eleitores” (MICHELS, 1909 apud DELLA PORTA, 2003, p. 170). E continua, logo em seguida, afirmando que “toda a organização de partido representa uma poderosa oligarquia que se apoia em pés democráticos” (MICHELS, 1909 apud DELLA PORTA, 2003, p. 170). A fim de conduzir uma organização partidária, assevera Michels, é preciso ter habilidades especiais, sendo esta condição que permite a uma elite minoritária a concentração do poder. Isso implica na inversão da relação de poder que, nos partidos políticos, inicia-se na base e culmina no topo. Nas palavras do autor, originalmente, o chefe é apenas o servidor das massas: a base da organização e a igualdade de direitos de todos os membros. Todos os membros da organização [...] têm o direito de voto, todos são elegíveis, todos os cargos são eletivos e todos os funcionários estão sob o controle geral constante, mantendo-se permanentemente revogáveis e destituíveis. Mas a especialização técnica, consequência necessária de todas as grandes organizações, cria a necessidade da chamada gestão burocrática e confia todos os poderes decisivos da massa, como os específicos diretivos, apenas aos chefes. Eles, no início dos órgãos executivos da vontade das massas, tornam-se independentes e emancipam-se delas. Assim, a organização leva ao termo a divisão de todos os partidos numa minoria dirigente e uma maioria direta (MICHELS, 1909 apud DELLA PORTA, 2003, p. 171-172). 4.3 A BUROCRATIZAÇÃO A oligarquia sedimenta seu poder pela capacidade de responder às necessidades de eficiência inerentes à toda e qualquer organização. Nessa perspectiva, o efeito inevitável é a burocratização, que será maior, quanto maior e mais complexa for a organização. Quando o número de integrantes é grande, correspondente será a necessidade de competências especializadas que comporão uma elite burocrática, cujo poder estará assentado no conhecimento das regras. Na perspectiva do autor, as agremiações partidárias são ambientes propícios ao surgimento daquilo que denomina diferenciações. O sociólogo que: TÓPICO 1 | TEORIA DAS ELITES: PARETO, MOSCA E MICHELS 21 [...] quanto mais se estende e ramifica o aparelho oficial do partido, ou seja, quanto maior o número dos membros, mais se enchem os seus cofres, mais aumenta a imagem do partido, mais se reduz o poder popular substituído pela omnipresença dos comitês e das comissões (MICHELS, 1909 apud DELLA PORTA, 2003, p. 172). Com isso, os partidos aumentam o poder de suas oligarquias, que administram e controlam os recursos necessários à sobrevivência da agremiação e, assim, instituem e perpetuam a desigualdade interna. A inserção na oligarquia altera a maneira de pensar dos próprios dirigentes partidários. Quem ocupa os cargos de relevo passa por um processo de aburguesamento, como denomina o sociólogo teuto italiano, afastando-se do povo e dos trabalhadores comuns. Nessa direção, da mesma maneira como os sindicatos classistas, as organizações partidárias oferecem cargos e salários, permitindo que alguns façam carreira. Esse processo exerce uma atração em nada desprezível em termos de poder, status e renda, significando a possibilidade de melhoria de vida a trabalhadores ambiciosos. As perspectivas do aparelhamento inevitável dos partidos, com suas regras e estruturas burocráticas, possibilitam a formação de uma pequena burguesia dirigente que fará de tudo para justificar essas estruturas e manter-se no poder em nome de princípios gerais públicos e fins organizacionais e fisiológicos. Aqueles integrantes do partido que, por sua vez, se elegem a cargos parlamentares, adquirem, cada vez mais, poder no partido. Mesmo entre esses, há os que, eleitos, demonstram, por certo tempo, alguma aversão às oligarquias de seus partidos. Mas, com o tempo, também esses parlamentares se convencem da importância das oligarquias das quais passam a fazer parte, sobretudo no trabalho de suporte as suas atividades externas e nas possibilidades de suas reeleições. Assim, diferente do que no início, os outrora contrariados passam a compreender, absorver e defender as vantagens pessoais que suas posições internas lhes oferecem. Além disso, percebem que a condição oligárquica da qual fazem parte precisa funcionar de maneira eficiente, para a preservação da finalidade última, a finalidade orgânica de preservação da organização, tão benéfica a todos, principalmente as suas oligarquias internas. A sobrevivência da organização, como finalidade última, faz com que os princípios iniciais e mais democráticos, assim como os fins republicanos ou ideológicos, também cedam. Estes tornam-se mais e mais moderados, para que possam adaptar-se ao ambiente interno e externo, orientados para a sobrevivência do partido ao invés da transformação e/ou do progresso da sociedade. De fato, trata-se, paradoxalmente, de uma substituição dos fins últimos. Nessa perspectiva, aparentemente anti-maquiavélica, os meios, a organização partidária, substituem os fins, os nobres interesses políticos, e tornam-se os fins. Michels foi muito perspicaz ao dizer certa vez que, ainda que os fins fossem democráticos, os meios não eram. A propósito da progressiva institucionalização do partido socialista que tanto observou, Robert Michels disse que: UNIDADE 1 | PODER E POLÍTICA: CLASSES SOCIAIS, ELITES, INSTITUIÇÕES E HEGEMONIA 22 Uma táctica energética e audaz poria tudo isto
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