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HISTÓRIA DO FEUDALISMO IGREJA CATÓLICA NA IDADE MÉDIA BAIXA IDADE MÉDIA - FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS EUROPEUS 1ª ANO PROFº ALEX GAMBOA A história do feudalismo – o surgimento desse conjunto de práticas de ordem econômica, social e política – remonta à crise do escravismo romano, quando ocorreu uma ruralização. A história do feudalismo está vinculada a dois fenômenos históricos: a crise do Império Romano e as invasões dos bárbaros. Denomina-se feudalismo o modo de produção dominante na Europa Ocidental durante a Idade Média (séculos V - XV), isto é, o modo de vida, com seus componentes econômicos, sociais, políticos e culturais, da população europeia no período mencionado. O feudalismo nasceu e se estruturou em uma fase histórica conhecida como Alta Idade Média (séculos V-X) e entrou em declínio na chamada Baixa Idade Média (séculos XI-XV), quando seus elementos mais característicos sofreram profundas transformações. Vale lembrar que o feudalismo assumiu características diferenciadas em diferentes regiões da Europa. CARACTERÍSTICAS GERAIS Economia autossuficiente: a agricultura era a principal atividade econômica na Idade Média e era praticada pelos servos nos feudos. Estes eram constituídos pelo castelo – onde residia o senhor, sua família e seus dependentes –, pelas terras cultivadas pelos servos e pela vila onde estes habitavam. Os servos, sujeitos à intensa tributação em troca da proteção fornecida pelos senhores feudais, produziam apenas o necessário para a subsistência do feudo, pois as técnicas agrícolas empregadas eram rudimentares e não havia mercado consumidor de excedentes. A economia feudal era, portanto, essencialmente rural: o comércio praticamente desapareceu e as cidades se despovoaram. Sociedade estamental: a sociedade feudal dividia- se em estamentos ou ordens. O critério de diferenciação social era a posse de terras e a função social. Assim, as categorias que compunham a sociedade feudal eram o clero (os que oravam), a nobreza (os que guerreavam) e os servos (os que trabalhavam). A mudança de grupo social era praticamente impossível e, portanto, tratava-se de uma sociedade estática. Descentralização política: o poder político, no sistema feudal, era descentralizado e exercido pelas categorias privilegiadas da sociedade (nobreza e clero), excluindo a grande maioria da população. Os senhores feudais monopolizavam o poder político e administrativo em seus feudos sem sofrer a interferência de qualquer outro poder. O rei era uma figura decorativa com jurisdição sobre seus domínios, exclusivamente. Relações de suserania e vassalagem: o suserano era o senhor feudal, dono das terras, que, em troca da proteção que oferecia aos servos e da permissão que lhes concedia para que produzissem em seus domínios, recebia a obediência e a fidelidade dos vassalos. O vassalo era também obrigado a pagar impostos ao suserano. As relações de suserania e vassalagem eram estabelecidas durante um ritual herdado das tradições germânicas denominado homenagem. Nessa cerimônia, o feudo (parcela de terra) era concedido ao vassalo, que, em troca, jurava fidelidade ao suserano, comprometendo-se a acompanhá-lo nas guerras. O suserano, por sua vez, jurava dar proteção ao vassalo. Relações servis de produção: os servos estavam sujeitos à intensa tributação em troca da proteção fornecida pelos senhores feudais e da concessão para trabalhar as terras e delas extrair sua subsistência. As obrigações servis mais comuns eram: • corveia: trabalho gratuito nas terras do senhor (manso senhorial) em alguns dias da semana; • talha: porcentagem da produção do manso servil; • banalidades: tributos cobrados pelo uso de instrumentos ou bens do senhor, como o moinho, o forno e o celeiro. Teocentrismo: na Idade Média, a cultura achava-se impregnada de elementos religiosos. A maior preocupação do homem medieval era agradar a Deus e, assim, conseguir a salvação de sua alma. A Igreja Católica difundia essa visão de mundo e garantia seu poder, ao apresentar-se como intermediária entre Deus e os homens. “Muitas instituições romanas e germânicas foram importantes na estruturação da ordem feudal. A clientela, que estabelecia as relações de dependência social entre os indivíduos na sociedade romana, constituiu a base sobre a qual se desenvolveram as relações de dependência do mundo feudal (senhor-servo). O colonato, outra herança romana, impôs a fixação do homem (colono) à terra. Instituído pelo governo imperial, o colonato originalmente objetivava conter o êxodo rural e a crise de abastecimento provocada pela falta de mão de obra escrava. Os colonos, embora juridicamente livres, não podiam abandonar as terras, submetendo-se à autoridade dos grandes proprietários rurais. Juntamente com o precarium (entrega de terras a um grande senhor em troca de proteção), o colonato constituiria a base da servidão medieval. O comitatus, instituição germânica que estabelecia a relação de lealdade entre os guerreiros e o chefe tribal, foi o alicerce das relações feudais de suserania e vassalagem.” (VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo, Scipione, 1997; p.110) Além do comitatus, o feudalismo herdou dos germânicos o direito consuetudinário, isto é, normas legais não escritas e baseadas nos usos e costumes, nas tradições dos povos. A militarização da sociedade medieval também é uma característica a ser enfatizada. O feudalismo nasceu em meio às ondas invasoras, aos ataques, saques e pilhagens dos povos germânicos, árabes, normandos e magiares. A defesa e a guerra tornaram-se atividades importantes para o homem da Idade Média. Por isso, a figura do cavaleiro e seu modo de vida e valores eram tão valorizados. IGREJA CATÓLICA NA IDADE MÉDIA A Igreja Católica na Idade Média era a instituição mais poderosa da Europa. A Igreja preservou certos costumes greco-romanos e foi também responsável pela sobrevivência da Europa Ocidental. Além de dominar o cenário religioso e influenciar o modo de pensar e as formas de comportamento da época, a Igreja Católica na Idade Média possuía grande poder econômico: era dona de um enorme patrimônio e de terras em grande quantidade. O movimento renascentista dos séculos XV e XVI chamava a Idade Média de “Idade das Trevas”, em uma clara demonstração de repúdio aos valores medievais. Segundo seus representantes, a intensa religiosidade do período e o controle exercido pela Igreja sobre a mentalidade e cultura, impediu ou dificultou a produção artístico-intelectual. A mentalidade predominante na Idade Média era teocêntrica. A religião era o centro das preocupações humanas e a vida terrena deveria ser uma preparação para se atingir a vida eterna. Dessa forma, os poderes da Igreja e de seus representantes eram enormes e, por isso, a instituição eclesiástica foi a principal produtora e irradiadora da cultura medieval. A imobilidade da sociedade medieval refletia-se na cultura. Assim, não havia especulação, curiosidade ou investigação. Os padrões éticos e estéticos eram ditados pelos religiosos e levavam ao imobilismo e ao conformismo. Assim, a produção artístico-cultural na Idade Média era impregnada de valores religiosos, predominantes na época. Arquitetura: aparecimento dos estilos românico e gótico na construção de igrejas e catedrais. O estilo românico é mais sólido e sombrio; o gótico, típico da Baixa Idade Média, é mais leve e iluminado. Igreja da idade média Literatura: a língua predominante na Idade Média era a usada nos ofícios sagrados, ou seja, o latim. Nos mosteiros, monges copistas dedicavam suas vidas a reproduzir obras em língua latina da Antiguidade, mas também clássicos em grego. Desenvolveram-se também apoesia épica, valorizando os ideais da cavalaria, e o trovadorismo, em sua forma romântica ou satírica. Artes: tanto a pintura como a escultura refletiam uma visão estática e religiosa do mundo. As figuras humanas eram reproduzidas segundo esses padrões e os temas religiosos eram os únicos permitidos. Vale destacar a produção de iluminuras – pequenas gravuras que ilustravam os textos sagrados. Filosofia: o principal filósofo medieval, responsável pelo fortalecimento de uma visão estática e conformista do mundo, foi São Tomás de Aquino, fundador da Escolástica. Segundo esse pensador, o conhecimento era resultado da união entre razão e fé, estando, portanto, acessível a alguns poucos escolhidos por Deus. Tal forma de pensar inviabilizava o desenvolvimento científico, pois desestimulava a especulação e a investigação. Tomás de Aquino A Igreja, portanto, era a grande responsável pela produção cultural da Idade Média. Essa instituição usufruía de grande prestígio e poder entre a população europeia medieval. Dividida em clero secular (“os que vivem no mundo” – párocos, bispos e cardeais) e clero regular (“os que seguem regras” – os habitantes dos mosteiros: monges e abades), a Igreja contava com uma rígida hierarquia que pressupunha respeito e obediência às ordens emanadas dos superiores. Havia leis eclesiásticas, que governavam a vida dos cristãos, e tribunais especiais, destinados a julgar os infratores. As ideias religiosas eram divulgadas pelos párocos, que viviam em contato direto com a população. Esses religiosos, porém, muitas vezes despreparados para a vida de sacrifícios que a Igreja impunha, ou desinteressados em fazê-los, acabavam por apresentar um comportamento pouco adequado aos olhos dos fiéis. Gradualmente, o clero tornou-se corrupto e decadente e muitos fiéis começaram a questioná-lo e, até mesmo, abandoná-lo. Nasceram as heresias – movimentos que questionavam o poder e a doutrina da Igreja e que, por esse motivo, foram violentamente perseguidas e combatidas. No interior do próprio clero, surgiram indivíduos comprometidos com a luta pela moralização do clero, como por exemplo, a Ordem de Cluny – seguidores de São Bento, ou beneditinos. A ordem de Cluny surgiu em 910 e, em pouco tempo, difundiu-se por toda a Europa. Seus objetivos eram moralizar, reformar e fortalecer a Igreja, por meio da normatização do comportamento clerical e da luta contra a interferência do poder temporal nos assuntos espirituais. Dirigindo-se para o Sacro Império Romano Germânico, condenava o Cesaropapismo (o controle da Igreja pelo Imperador: este nomeava não apenas os bispos – a nobreza clerical -, mas o próprio papa) e a simonia (o controle do clero local pela nobreza senhorial: os senhores feudais nomeavam bispos e curas, que vendiam cargos e controlavam a população). Os beneditinos condenavam, acima de tudo, a submissão do poder da Igreja ao poder do imperador na região do Sacro Império. A luta contra o poder imperial por parte da Igreja teve em Gregório VII, seu maior expoente. O papa Gregório VII entrou em choque violento com o poder temporal do imperador do Sacro Império, Henrique IV, em um episódio conhecido como a Querela das Investiduras. Percebendo que a origem dos males que assolavam a Igreja era o poder que o Imperador e os nobres possuíam para nomear pessoas despreparadas e corruptas para os postos eclesiásticos, o papa proibiu que isso continuasse a ocorrer (1075). Considerando-se prejudicado por não mais poder nomear papas, o imperador, Henrique IV, não acatou a ordem papal. Gregório VII excomungou o imperador, mas diante de seu pedido de perdão (Canossa, 1077), desculpou-o. Em 1122, as disputas entre a Igreja e o Império se acalmaram, com a assinatura da Concordata de Worms, que estabelecia que o Papa usufruiria da investidura espiritual e o imperador, da política. BAIXA IDADE MÉDIA - FORMAÇÃO DOS ESTADOS NACIONAIS EUROPEUS O período da história europeia conhecido como Baixa Idade Média (séculos X-XV) corresponde à crise do modo de produção feudal. Tal crise foi resultado de um profundo processo de transformações socioeconômicas, políticas e culturais, iniciado com o movimento das Cruzadas. Os principais sintomas da crise do feudalismo foram a dinamização econômica – com a substituição da economia de subsistência pela economia de mercado (renascimento comercial e urbano) –, o surgimento da burguesia – um novo grupo social, ligado às atividades mercantis e artesanais urbanas – e o fortalecimento do poder central dos reis, originando os Estados Nacionais Europeus. Esse processo de desorganização das estruturas feudais foi lento e gradual, atingindo seu ápice no século XIV e dando origem a um novo sistema econômico conhecido como capitalismo. As Cruzadas A Europa da Alta Idade Média, quando se estruturou o feudalismo, experimentou inúmeros ataques invasores que resultaram no isolamento geográfico e econômico da Europa em relação ao restante do mundo. Os ataques também contribuíram para manter a estabilidade do ritmo de crescimento populacional. A partir do século IX, porém, as invasões à Europa cessaram. Isso ocasionou um rápido crescimento demográfico, decorrente da queda da taxa de mortalidade e da alta da taxa de natalidade. A melhoria das técnicas de cultivo, a ampliação das áreas dedicadas à agricultura e a diminuição dos surtos epidêmicos foram decisivos para promover um rápido e constante aumento da população, que estava além do poder de absorção da estrutura do feudo. O resultado disso foi o crescimento, na Europa, de uma população marginal: abandonando os feudos pelas dificuldades de sobrevivência, muitos indivíduos passaram a vagar pelas estradas e percorrer vilarejos, ora promovendo saques e assaltos, ora pedindo esmolas. O banditismo e a mendicância tornaram-se frequentes, ameaçando a ordem feudal e atemorizando as populações dos feudos. Alguns desses servos expulsos dos feudos, porém, estabeleceram-se em aldeias, ou antigos núcleos urbanos, onde exerciam uma incipiente atividade comercial e artesanal. Preocupada com o aumento da população marginal e do perigo que ela representava para a ordem vigente, a elite feudal, liderada pela Igreja, enxergou uma forma de solucionar o problema do excedente demográfico na Europa. Nasceram, assim, as Cruzadas. As Cruzadas eram expedições militares-religiosas, convocadas pelo Papa Urbano II, cujo objetivo anunciado era libertar a Terra Santa, onde se encontra o Santo Sepulcro, que na época estava sob domínio muçulmano. Outras razões, no entanto, levaram os cristãos europeus a se engajarem no movimento: • o Império Bizantino esperava ajuda dos cristãos do Ocidente para impedir o avanço turco-otomano em direção ao seu território; • a Igreja Católica sonhava em ampliar e fortalecer seu poderio e uma vitória nas Cruzadas certamente lhe garantiria prestígio; • a nobreza feudal começava a sentir os efeitos do crescimento populacional, vendo suas terras se tornarem insuficientes para legar aos filhos; buscavam, assim, ampliar seus domínios territoriais; • os comerciantes das cidades italianas viram nas Cruzadas a chance de restabelecer os contatos com o Oriente, recuperando o acesso ao rentável comércio de especiarias; • os marginalizados não tinham nada a perder: ao aderir às Cruzadas, ganhavam importância social e, possivelmente, riqueza. • Com estas palavras o papa conclamou os cristãos europeus a participarem do movimento cruzadista: “Deixai os que outrora estavam acostumados a se baterem, impiedosamente, contra os fiéis, em guerras particulares, lutarem contra os infiéis [...] Deixai os que até aqui foram ladrões, tornarem-se soldados. Deixai aqueles, que outrora se bateram contra seus irmãos e parentes, lutarem agora contra os bárbaros,como devem. Deixai os que outrora foram mercenários, a baixos salários, receberem agora a recompensa eterna. Uma vez que a terra que vós habitais, fechada de todos os lados pelo mar e circundada por picos de montanhas, é demasiadamente pequena à vossa grande população: sua riqueza não abunda, mal fornece alimento necessário aos seus cultivadores [...] tomai o caminho do Santo Sepulcro; arrebatai aquela terra à raça perversa e submetei-a a vós mesmos. Essa terra em que, como diz a Escritura, ‘jorra leite e mel’ foi dada por Deus aos filhos de Israel. Jerusalém é o umbigo do mundo; a terra é mais que todas frutífera, como um novo paraíso de deleites. “(In VICENTINO, Cláudio. História Geral. São Paulo, Scipione, 1997; p.134) Entre 1096 e 1270, foram organizadas inúmeras Cruzadas como a dos Mendigos, a dos Nobres, a dos Reis e a das Crianças, entre outras. Se o sucesso militar não foi obtido, pois os cristãos fracassaram diante da resistência muçulmana, os efeitos do movimento cruzadista sobre a vida europeia entre os séculos XI e XV foram de extrema importância. Vale destacar: • o restabelecimento dos contatos entre Oriente e Ocidente através do mar Mediterrâneo; • o renascimento comercial e urbano; • o surgimento e fortalecimento de uma nova camada social, a burguesia; • o enfraquecimento do poder da nobreza feudal. O comércio e as cidades As Cruzadas reabriram o Mediterrâneo ao comércio com o Oriente. A partir das cidades italianas de Gênova e Veneza, surgiram rotas comerciais que se dirigiam tanto para Constantinopla e Alexandria, onde se obtinham as especiarias, quanto para o norte da Europa (mares Báltico e do Norte), onde essas especiarias eram consumidas. As rotas comerciais cruzavam o continente europeu, levando e trazendo mercadorias e, obviamente, enriquecendo aqueles que se dedicavam à prática do comércio. No cruzamento dessas rotas surgiram as feiras – locais onde se trocavam mercadorias e onde ocorria o câmbio de moedas. Essas feiras, surgidas no interior dos domínios feudais, tornaram-se permanentes e receberam o nome de burgos (cidades), nas quais viviam mercadores e artesãos, que eram abastecidos pela produção rural dos servos e que forneciam especiarias e artigos artesanais às populações vizinhas. Os nobres sofisticaram seus hábitos de consumo, desejando, cada vez mais, adquirir as exóticas mercadorias orientais. Para isso, concordaram em comutar o pagamento das obrigações em produtos ou serviços por dinheiro. Ao mesmo tempo, os servos contavam agora com uma alternativa de vida melhor, nas cidades. Muitos deles, portanto, abandonaram os feudos. A burguesia se fortalecia enquanto a nobreza perdia poder. Os comerciantes das cidades reuniam-se em associações mercantis conhecidas como hansas, das quais a mais famosa foi a Hansa Teutônica ou Liga Hanseática, que se desenvolveu na região dos mares Báltico e do Norte, reunindo mercadores de aproximadamente 80 cidades. A vida nas cidades era precária. As residências eram mal construídas, as ruas estreitas e sujas, o abastecimento de água deixava a desejar. Seus habitantes amontoavam-se em pequenos cômodos e estavam sujeitos a frequentes ondas epidêmicas. Os artesãos dos burgos também formaram associações para defender seus interesses. Essas associações eram denominadas corporações de ofício: reuniam artífices de uma mesma atividade. Cada corporação regulamentava a atividade de seus membros, controlando qualidade da matéria-prima, os preços de venda e, até mesmo, o número de oficiais dedicados a certo ofício. Nas oficinas artesanais, trabalhavam o mestre – proprietário da oficina e dos instrumentos de produção –, os aprendizes – jovens que, em troca do aprendizado, trabalhavam para o mestre – e os jornaleiros – indivíduos remunerados para auxiliar o mestre nas épocas de maior trabalho. Formação dos Estados Nacionais Europeus Enquanto nas cidades, a burguesia se desenvolvia e se fortalecia, no campo, a nobreza perdia o controle sobre a população. Ao mesmo tempo, a fragmentação do poder político, típica do feudalismo, prejudicava as atividades comerciais, devido à diversidade de padrões monetários, pesos e medidas e leis e à cobrança de pedágios nas estradas que passavam pelos feudos. A burguesia, objetivando remover os obstáculos ao pleno desenvolvimento de suas atividades, começou a investir na centralização do poder político do rei. Equipou-o com um exército mercenário (normalmente, estrangeiro), e permitiu que ele impusesse a tributação e a justiça real em todo o território e que definisse as fronteiras nacionais. A burguesia, preparada para o desempenho de atividades burocráticas, compunha parte da burocracia necessária para o controle do Estado, agora unificado e nacional. Em cada região da Europa, o processo de formação das Monarquias Nacionais seguiu ritmos e padrões diferentes. A formação da monarquia francesa A fragmentação do Império Carolíngio, promovida pelo Tratado de Verdun, foi seguida por uma fase de consolidação dos amplos poderes da nobreza. A partir do século XII, porém, quando a Europa começou a viver um rápido processo de transformações da estrutura feudal, houve uma tendência à centralização política no antigo território dos francos. A dinastia capetíngia, substituta da carolíngia, foi a responsável pela tarefa de superar a autonomia dos senhores feudais, instalando progressivamente um poder real forte e de caráter nacional. O rei Filipe Augusto (1180- 1223) foi o grande artífice da centralização política francesa, graças à irrecusável colaboração financeira da burguesia: organizou um exército nacional e permanente, expandiu as fronteiras do reino e criou um imposto nacional para subsidiar os gastos do Estado. No reinado de Luís IX (1226-1270), foi instituíram-se uma moeda nacional e tribunais reais – última instância de apelação, superando os tribunais locais. Filipe IV (1285-1314) prosseguiu a tarefa centralizadora herdada de seus antecessores e, entrando em choque com a Igreja, conseguiu fortalecer ainda mais os poderes do rei. A formação da monarquia inglesa O processo de centralização do poder político na Inglaterra seguiu um caminho diferente do da França. No século IX, o território inglês foi invadido pelos normandos, chefiados por Guilherme, o Conquistador. O poder central na Inglaterra nasceu forte: o rei, chefe militar, conseguiu impor um rígido controle sobre a nobreza britânica. A dinastia Plantageneta, substituta daquela fundada por Guilherme, no entanto, não foi capaz de manter a supremacia do poder central sobre os poderes locais dos nobres. Ao longo dos séculos XII-XIV, assistiu-se à uma lenta fragmentação dos poderes na Inglaterra. Os monarcas que mais contribuíram para isso foram: Ricardo Coração de Leão (1189-1198), cujo envolvimento nas Cruzadas o tornou um rei ausente, o que favoreceu as intenções particularistas dos nobres. João Sem Terra (1199-1216), que, em 1215, foi obrigado a jurar a Magna Carta. Devido aos gastos excessivos desse rei e do aumento dos impostos por ele promovidos, a nobreza conseguiu impor um documento que estabelecia que o rei não poderia criar nem aumentar impostos sem autorização prévia do Grande Conselho dos nobres. Limitava-se, assim, a autonomia financeira do Estado inglês. Magna Carta Henrique III, em cujo reinado nasceu o Parlamento inglês (1295) A formação da monarquia portuguesa A expansão marítimo-comercial europeia dos séculos XV e XVI, responsável pela chegada dos europeus à América, inseriu-se no quadro de crise do feudalismo europeu de fins da Idade Média. O papel pioneiro desempenhado por Portugal nesse processo está ligado às condições de superação dessa crise pelos lusitanos. A precoce centralização do poder político (formação da monarquia nacional)em Portugal foi decisiva para a superação dos entraves feudais que dificultavam o pleno desenvolvimento comercial da região. Portugal e a Guerra de Reconquista A Península Ibérica, situada no extremo oeste do continente europeu, esteve, ao longo de sua história, exposta a invasões. Seus primeiros habitantes – celtas e iberos – eram originários do norte da África. No século IX a.C., os fenícios, povo de navegadores e comerciantes, ocuparam a região, que se tornou a colônia de Cartago, cidade mercantil do norte africano. Ao final das Guerras Púnicas (século III a.C.), a vitória de Roma sobre os cartagineses determinou a incorporação da península ao Império Romano. No século V, as invasões germânicas, que contribuíram para o esfacelamento desse império, deram início ao domínio visigodo. Finalmente, no século VIII, os árabes muçulmanos, conhecidos na região como mouros, invadiram a península, onde permaneceram por cerca de mil anos. Os ibéricos sempre lutaram contra o domínio árabe, mas, a partir do século XI, essa luta converteu-se em guerra: a Guerra de Reconquista – processo que marcou profundamente a história portuguesa. Na Península Ibérica da Idade Média, graças à ocupação muçulmana, o feudalismo típico da Europa centro-ocidental não chegou a se cristalizar em todos os seus elementos. Havia uma incipiente centralização do poder em torno do rei já durante a Baixa Idade Média. O poder dos nobres, mesmo em seus domínios, era limitado pela autoridade real. O rei, para garantir a continuidade da luta contra os mouros, não concedia terras em caráter hereditário à nobreza. Com o objetivo de neutralizar o desejo de autoridade absoluta dos nobres, o rei oferecia relativa independência às cidades que estavam menos sujeitas ao controle senhorial. Finalmente, a servidão na Península Ibérica foi mais flexível que em outras partes da Europa medieval: o engajamento dos camponeses na luta contra os mouros determinou a escassez de mão de obra, obrigando os senhores feudais a remunerar os servos para obter trabalhadores. O “assalariamento” dos camponeses aumentava a produção agrícola, garantindo o abastecimento dos soldados em luta. Além disso, o ruralismo da economia feudal não se verificou de maneira tão forte em Portugal. Apesar da importância da produção agrária, fundamentada em azeite, cereais e vinho, desenvolveu-se no litoral lusitano uma significativa atividade marítimo-comercial, baseada na pesca, que fortaleceu o setor burguês da sociedade, interessado em superar as fracas características feudais que existiam na região. Portugal surgiu como reino independente em 1139. Da luta contra os mouros na Península Ibérica nasceram quatro reinos: Aragão, Castela, Leão e Navarra. Afonso VI, rei de Castela, obteve importantes vitórias contra os árabes e, para isso, contou com o apoio militar de alguns nobres franceses, que viam a Reconquista como uma forma de Cruzada. Entre eles, destacaram-se os irmãos Raimundo e Henrique de Borgonha. Em troca do auxílio oferecido ao rei de Castela, receberam as terras tomadas dos mouros. D. Henrique de Borgonha tornou-se senhor da região compreendida entre os rios Minho e Douro, denominada condado Portucalense, que, no entanto, permanecia sob jurisdição de Castela. Seu filho, D. Afonso Henriques, o Conquistador, expandiu as fronteiras do condado, vencendo os mouros, e atingiu a foz do rio Tejo, onde atualmente se encontra a cidade de Lisboa. Rompendo a tradição medieval, D. Afonso Henriques proclamou, em 1139, a autonomia do condado em relação à Castela, e se tornou o primeiro rei de Portugal, fundador da dinastia de Borgonha. Os monarcas da dinastia de Borgonha mantiveram a tendência centralizadora do poder e a submissão da nobreza iniciada por D. Afonso I. A expansão territorial prosseguiu: o domínio lusitano foi estendido até o sul da Península. Ao longo do século XIV, a burguesia comercial fortaleceu-se em detrimento do enfraquecimento da nobreza. Isso se deveu, sobretudo, à grave crise que assolou a Europa nesse século e que foi responsável pela superação do feudalismo europeu. Em virtude da crise agrícola, de ondas epidêmicas e de guerras, a população sofreu drástica redução. Isso resultou na intensificação da exploração dos servos, o que gerou revoltas camponesas. O clima de insegurança generalizou-se pelo continente, levando os mercadores da Itália e de Flandres a substituírem as rotas terrestres pela marítima. Com isso, as cidades portuárias de Lisboa e Porto ganharam importância, servindo de escala para as embarcações que navegavam pelo Mediterrâneo. A burguesia dessas cidades ganhou prestígio e riqueza. Por outro lado, os conflitos sociais no campo, motivados pela intensificação da exploração dos servos imposta pelos senhores, afrouxaram os laços de servidão e enfraqueceram a nobreza feudal. A Revolução de Avis O último rei da dinastia de Borgonha, D. Fernando, morreu em 1383 e não deixou filho homem. D. Beatriz, sua filha mais velha, era casada com o rei de Castela, D. João I. Se ela assumisse o trono lusitano, Portugal perderia sua autonomia, retornando ao domínio castelhano. Para evitar que isso ocorresse, houve uma intensa mobilização de diversos setores da sociedade lusa – sobretudo da burguesia, que desejava manter seu progresso econômico - , opondo-se frontalmente à nobreza feudal do país, que desejava reduzir a autoridade do rei. Enquanto a crise sucessória não se resolvia, D. Leonor, viúva de D. Fernando, assumiu o trono português, mostrando grande simpatia pela causa castelhana. A burguesia, liderada por Álvaro Pais e Nuno Álvares, passou a exigir que a coroa fosse cedida a D. João, Mestre de Avis, irmão bastardo de D. Fernando. O povo, estimulado pela burguesia, aclamou D. João, rei de Portugal. Os castelhanos invadiram o país, dando início a uma guerra civil: de um lado, enfileiravam-se as tropas de Castela e a nobreza fundiária; de outro, encontrava-se a burguesia comercial, a nobreza militar e a população pobre do campo e das cidades. Em 1385, após intensos conflitos, D. João foi oficialmente aclamado rei de Portugal pelas Cortes reunidas em Coimbra. A paz com Castela foi formalizada em 1411. A Revolução de Avis marcou o fim do processo de centralização política em Portugal: a nobreza, derrotada pela burguesia, submeteu-se à autoridade do rei que, por sua vez, defendia os interesses dos grupos mercantis. Nasceram, assim, as condições favoráveis para a expansão do comércio e para as navegações portuguesas. Assim, Portugal conseguiu, antes das demais nações europeias, centralizar fortemente o poder político em mãos do rei, condição necessária à expansão ultramarina. A crise do século XIV No século XIV, o feudalismo entrou em sua fase de agonia. Durante a Baixa Idade Média, o rápido crescimento populacional acabou sendo lentamente absorvido pelo comércio, pela melhoria das técnicas de cultivo e pela ampliação das áreas agrícolas, permitindo ao feudalismo uma sobrevida de três séculos. A partir do século XIV, a lenta contaminação da estrutura feudal por tais transformações havia comprometido a base do sistema, fadando-o à queda. Fatores externos ao feudalismo foram responsáveis pela aceleração de seu declínio, especialmente a acentuada queda da população ocorrida no início do século XIV. O declínio demográfico decorreu sobretudo da onda de fome que assolou a Europa, devido às más colheitas, e aos surtos epidêmicos, principalmente a Peste Negra, que dizimaram a população europeia no final da Idade Média. O decréscimo populacional levou ao aumento da exploração dos servos no campo e, consequentemente, à eclosão de rebeliões camponesas conhecidas como jacqueries. Ao mesmo tempo, restringiu o comércio, graças ao declínio do mercado consumidor. A Guerra dos Cem Anos(1337-1453) foi um elemento agravante nesse quadro de crise. Esse conflito envolveu a França e a Inglaterra e teve como causas imediatas: • a disputa pela posse da Flandres – região possuidora da mais numerosa indústria de tecidos da Europa. Importava a lã inglesa, enriquecendo os nobres ingleses. Os franceses, objetivando substituir a Inglaterra nesse lucrativo comércio, tentavam invadir a região; • a presença de feudos do rei da Inglaterra em território francês, que os reis da França, em pleno processo de fortalecimento de sua autoridade, almejavam anexar. A guerra desenrolou-se de forma equilibrada e devastadora por mais de um século, gerando insegurança e aprofundando os sintomas de crise vividos pela economia europeia. Pode-se concluir que a crise do século XIV significou a incompatibilidade entre o dinamismo econômico manifestado a partir do século XI e a estrutura estática do feudalismo. Esse sistema, por suas próprias características, foi incapaz de conviver com um acelerado ritmo de crescimento econômico e, consequentemente, desintegrou-se. A resposta à crise do século XIV foi a expansão marítima europeia, que buscava mercados e metais que mantivessem em ritmo acelerado o crescimento econômico europeu. Foi assim que nasceu o capitalismo comercial.