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Universidade Estadual do Ceará (UECE) Faculdade de Veterinária (FAVET) Disciplina: Alimentação e Nutrição de Não Ruminantes Discente: Maria de Fatima Morais da Silva ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DE GATOS OBESOS INTRODUÇÃO De acordo com Paragon e Vassaire (2014), o gato doméstico (Felis silvestris catus) descende do gato selvagem africano (Felis silvestris libyca) e de outras espécies selvagens, como o gato Ornardo (Felis silvestris ornata). Sua relação com o homem começou há aproximadamente 3.000 anos atrás, no Egito, onde este animal era cultuado como entidade sagrada. Atualmente os gatos vêm ganhando bastante interesse e espaço como animais de companhia. Esse fato iniciou-se em decorrência das mudanças no estilo de vida da população, que começou a viver em moradias com menor espaço físico e passar mais tempo fora de casa, porém, sem perder a necessidade da companhia de um animal de estimação interativo, limpo e com certa independência. Apesar do longo convívio entre este felino e o homem as informações sobre suas necessidades nutricionais permaneceram negligenciadas por um longo período, levando ao aparecimento de doenças de origem nutricional. Dentre estas doenças, encontra-se a obesidade, que é caracterizada pelo acúmulo de quantidades excessivas de tecido adiposo no corpo, em relação à massa corporal magra. Este distúrbio nutricional é resultado de um é o resultado de um desequilíbrio entre energia consumida e energia gasta, o qual acarreta um persistente ganho calórico, sendo um importante fator de risco para o desenvolvimento de diversas doenças, tais como diabetes mellitus, danos osteoarticulares, afecções respiratórias e urinárias, dentre outras. Além disso, gatos obesos possuem maior risco em anestesias e cirurgias, o que pode limitar uma série de intervenções. A incidência da obesidade varia entre 22 e 44% dependendo do país e dos critérios de avaliação. No entanto, acredita-se que essa incidência tem aumentado nos últimos 15 anos. A obesidade nos gatos aumentou de maneira significativa nas últimas três décadas, apresentando prevalência de 11,5% de sobrepeso/obesidade a 39%, e é considerada uma das formas mais comuns de má nutrição na clínica de pequenos animais, e um dos distúrbios de maior importância, visto que está relacionado com uma série de patologias, além do agravamento de doenças já existentes e diminuição da longevidade dos animais. Dentre as prováveis causas da obesidade, a origem multifatorial é amplamente discutida, na qual é possível incluir fatores genéticos, predisposição racial, castração precoce, doenças endócrinas primárias e alguns fatores exócrinos, como oferta exagerada de alimentos palatáveis, uso de medicamentos que levam à polifagia, ausência de atividade física, estilo de vida atual e fatores ambientais que culminam com o sedentarismo. Em felinos, há claramente uma maior predisposição em machos, castrados, sem raça definida, de meia-idade, domiciliados, sedentários, alimentados à vontade e, que na maioria das vezes, não possuem contactantes. Todos esses fatores promovem um aumento na incidência da obesidade nas sociedades atuais, seja acometendo o homem e/ou seus animais de estimação. PARTICULARIDADES DA ESPÉCIE FELINA Os gatos são animais exclusivamente carnívoros, ou seja, sua alimentação básica consiste em tecido animal, água, índices altos de proteínas (>35%), baixos de carboidratos (<12%) e gordura (10%). Preferencialmente, o alimento do gato obeso deve ser úmido, pois a maior quantidade de água em sua composição favorece a saciedade, além de ser a dieta mais próxima àquela que o animal tem na vida selvagem. (elevados teores de água e de proteína). Além disso, o alimento úmido auxilia na prevenção de doenças do trato urinário inferior em felinos. Sabe-se que a ração seca apresenta uma significativa quantidade de carboidratos em sua composição, uma vez que este é responsável pela consistência sólida do grão. Os gatos metabolizam o carboidrato transformando-o rapidamente em gordura, portanto não é interessante níveis excessivos desse nutriente em sua alimentação. NUTRIÇÃO DE FELINOS E SUA ASSOCIAÇÃO COM A OBESIDADE A alimentação dos gatos consiste em tecido animal, compostos principalmente por proteínas, gorduras, água e baixos níveis de carboidratos. Dessa forma, os felinos desenvolveram um metabolismo energético dependente de elevada quantidade de proteínas. Nesses animais a atividade das enzimas responsáveis pelo catabolismo das proteínas, aminotransferases e do ciclo da ureia, é elevada, o que torna os felinos capazes de metabolizar e utilizar, de forma imediata, os aminoácidos como fonte de energia por meio da gliconeogênese. Esse tipo de metabolismo energético é vantajoso devido facilitar a manutenção dos níveis de glicose no sangue constantemente, inclusive durante o jejum. Porém, diferente de outros mamíferos, os gatos não possuem a capacidade de reduzir a atividade dessas enzimas em casos de dietas com baixos níveis de proteína, o que os torna vulneráveis às deficiências alimentares graves. Esses animais também requerem aminoácidos específicos em sua alimentação, como a taurina, arginina, metionina e cisteína. Pois estes aminoácidos não são sintetizados em níveis suficientes para o seu organismo. A arginina é amplamente utilizada no ciclo da ureia, responsável por transformar a amônia advinda do catabolismo das proteínas em ureia, que é menos tóxica ao organismo. Porém os gatos não conseguem reduzir a atividade do ciclo da ureia, que se mantém constante, exigindo desta forma quantidades consideráveis de arginina para seu funcionamento. A metionina e a cisteína também são importantes no metabolismo energético por serem aminoácidos catabolizados pela enzima piruvato, e oxidados para fornecerem energia ao organismo por meio da gliconeogênese. Na sua dieta, os felinos não necessitam de carboidratos, devido sua capacidade de metabolizá-los é limitada e exige adaptação. Porém, se bem processados, os carboidratos podem ser utilizados para balancear a dieta desses animais, sendo metabolizados e utilizados como fonte de energia. Os gatos não produzem a enzima glicoquinase, responsável pelo carreamento e pela fosforilação da glicose, no entanto eles liberam outras enzimas em maior quantidade para esta função, como a hexoquinase, a piruvatoquinase e a fosfofrutoquinase. Contudo, essas enzimas apresentam menor eficiência na metabolização da glicose em grandes quantidades. Além disso, os felinos não produzem a enzima amilase salivar, que inicia a metabolização de carboidratos quando estes entram em contato com a saliva, o que seria outro indicativo da dificuldade destes animais na metabolização de carboidratos. Desta forma, dietas ricas em carboidratos, principalmente derivados de arroz, oferecidas para felinos obesos, tendem a aumentar os níveis de glicose e insulina pós prandiais. Esse efeito, apesar de esperado, tende a reduzir a saciedade do animal e fazê- lo ingerir uma quantidade maior de ração nas próximas refeições, o que irá agravar o quadro de aumento exagerado de peso em decorrência da maior ingestão de calorias. É importante ressaltar que felinos domésticos apresentam a capacidade elevada de metabolizar gorduras na dieta, e essas são amplamente utilizadas na formulação de rações para dar palatabilidade ao alimento. CÁLCULO PARA PERDA DE PESO Existem diversas fórmulas disponíveis para o cálculo da estimativa dos requerimentos energéticos de manutenção diários (ou energia metabolizável) para gatos. A seguir duas delas são disponibilizadas, porém outras podem ser usadas para a mesma finalidade. O cálculo do requerimento energético diário (RED) se fundamenta no requerimento energético em repouso (RER) de um animal, modificado por um fator que leva em consideração sua atividade ou produção (p. ex.: crescimento, gestação, lactação ou trabalho). O RERé calculado elevando o peso corporal do paciente a uma potência de 0,75. Devemos lembrar que estes valores de requerimento energético devem ser utilizados como guias, ou ponto de partida para o cálculo energético de cada indivíduo, e não como valores absolutos. Figura 1: Requerimentos energéticos diários em gatos. Fonte: Gomes, André Pinheiro de Melo Abordagem clínica e nutricional da obesidade felina. Trabalho de conclusão de curso de graduação – Universidade de Brasília/Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária– Brasília, 2016. 46p. No entanto, não é incomum que alguns felinos necessitem receber menos do que 0,8 x RER para alcançar uma perda de peso. Nestes casos, o oferecimento de 0,6 a 0,7 x RER deve ser efetivo. Estes valores obtidos pelo cálculo RER (kcal) devem ser transformados em gramas ao dia, para que o proprietário forneça a alimentação na quantidade ideal calculada. Para isso necessita-se conhecer a densidade energética da ração que será utilizada. Ex: um animal com 4kg de peso corporal que deveria perder 1kg para atingir o peso ideal RER (Kcal) = [30 X (3) + 70] RER = 90 + 70 = 160 Kcal RED (perda de peso) = 0,8 X RER = 128 Kcal Ração úmida utilizada para a perda de peso com densidade energética aproximada (60 kcal/100 gramas): 100 gramas --------------------- 60 Kcal X gramas --------------------- 128 Kcal X = 213,33 gramas Este animal deve-se alimentar com 213 gramas de ração úmida ao dia. Ou Ração seca utilizada para a perda de peso com densidade energética aproximada (350 kcal/100 gramas): 100 gramas --------------------- 350 Kcal X gramas --------------------- 128 Kcal X = 36,6 gramas Este animal deve se alimentar com aproximadamente 37 gramas de ração seca ao dia. A quantidade de alimento calculada deve ser administrada ao longo de todo o dia, de maneira homogênea, para evitar transtornos obsessivos e irritabilidade durante o programa de redução de peso corporal. A transição dos alimentos deve ser progressiva, e devemos lembrar que, o ato de se alimentar promove gasto energético nos felinos (em torno de 10 a 15% do requerimento energético diário) além de conferir maior saciedade. Ressalta-se que, a adição de outros alimentos a uma dieta previamente balanceada, como a ração comercial, pode aumentar a ingesta calórica diária. Além disso, fornecer petiscos como forma de interação social e afetiva entre o tutor e o animal pode levar ao consumo excessivo de nutrientes, de forma a exceder suas necessidades energéticas. TRATAMENTO DA OBESIDADE FELINA Uma vez determinada a quantidade diária de kcal que o paciente precisará ingerir para alcançar seu peso alvo estimado, a recomendação da dieta a ser utilizada deve levar em consideração alguns aspectos. Preferências por sabores, apresentação úmida ou seca são fatores a serem considerados, assim como o custo. Uma dieta formulada para promover perda de peso deve garantir uma ingestão de nutrientes adequada apesar da restrição calórica. O teor de proteínas do alimento escolhido deve ser elevado a ponto de prevenir perda de massa magra durante o emagrecimento, bem como auxiliar a estimular a saciedade. Além disso, o teor de gordura deve ser reduzido, porém não em demasia sob o risco de tornar o alimento pouco palatável. Carboidratos simples devem ser reduzidos, uma vez que alimentos de elevado índice glicêmico saciam menos, e estimulam maior secreção de insulina e consequentemente seus efeitos lisogênicos e anti-catabólicos. Elevado teor de fibras e/ou carboidratos complexos também são importantes para reduzir a densidade calórica do alimento, e assim permitir que os tutores sirvam quantidades maiores de alimento, porém com menos calorias. O elevado teor de fibras insolúveis na dieta também é útil na ativação da saciedade, porém com a contrapartida de aumentar o volume e a frequência de defecação. Estratégias comportamentais são pontos chave no manejo da obesidade, e visam aumentar não só a adesão ao tratamento, mas também facilitar a obtenção de resultados, e especialmente tornar o processo menos doloroso para tutor e paciente. A dieta calculada para o paciente deve ser servida fracionada em pequenas refeições diárias, no mínimo duas, porém o ideal seriam quatro ou mais conforme o caso. Se um paciente precisa receber 180 gramas por dia, pode-se diariamente separar 180 g do alimento, e aos poucos ao longo do dia ir alimentando o animal com pequenas refeições a partir desta quantidade inicial, ou ainda, pesar 45 g do alimento para que 4 refeições de igual tamanho sejam oferecidas ao longo do dia. Esta medida auxilia na saciedade por aumentar o número de refeições, além de aumentar o gasto energético digestivo. É recomendável que os tutores preparem seus alimentos, e façam suas refeições longe dos animais em dieta de emagrecimento. Esta estratégia evita as investidas dos pacientes eventualmente pedindo comida, e auxilia a cortar velhos hábitos de administrar restos alimentares, ou pequenos petiscos durante as refeições. Como em qualquer programa de emagrecimento, devemos associar a prática de atividades físicas regulares, principalmente aeróbicas, à dieta. O estímulo pode ser por meio de brinquedos como bolas, penas na ponta de hastes, casas para animais, túneis, prateleiras, bolas de liberação gradual de alimento etc. (deve-se lembrar de contabilizar essa ração na quantidade diária). Estimular o animal a andar, pular e realizar atividades em geral é necessário e tudo deve ser realizado de forma a não traumatizar ou estressar ou estimular um comportamento agressivo por parte do paciente. CONCLUSÃO A prevalência da obesidade em felinos está se tornando uma epidemia e necessita da atenção de médicos veterinários por ser uma doença grave de caráter crônico, de difícil tratamento e estar associada ao desenvolvimento de enfermidades secundárias permanentes. Os gatos que já encontram-se com sobrepeso ou obesos necessitam de tratamento sério e contínuo. Porém não há resultados satisfatórios sem persistência e monitoração adequada, somado a isso, o tratamento conduzido de forma incorreta pode trazer problemas metabólicos graves, portanto o conhecimento sobre os aspectos gerais e particularidades da obesidade em felinos é imprescindível. REFERÊNCIAS • Gomes, André Pinheiro de Melo Abordagem clínica e nutricional da obesidade felina. Trabalho de conclusão de curso de graduação – Universidade de Brasília/Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária– Brasília, 2016. 46p. • GERMAN, A.J. The growing problem of obesity in dogs and cats. The Journal of Nutrition, Philadelphia, v. 136, p.1940S-1946S, 2006a • Jericó M.M., Lorenzini F.A., Kanayama K. Manual de obesidade canina e felina. Associação brasileira de endocrinologia veterinária, 2014. • LITERATURA. 2017. 59 f. TCC (Graduação) - Curso de Medicina Veterinária, Unifor-Mg, Formiga, 2017. • MENDES, Maria Luisa Rodrigues. A OBESIDADE NO GATO DOMÉSTICO (FELIS SILVESTRIS CATUS): UMA REVISÃO DE • ZORAN, D.L. Obesity in dogs and cats: A metabolic and endocrine disorder. Veterinary Clinics of North America: Small Animal Practice, Philadelphia, v. 40, p. 221-239, 2010. • ZORAN, D.L.; BUFFINGTON, C.A. Effects of nutrition choices and lifestyle changes on the well-being of cats, a carnivore that has moved indoors. Journal of the american veterinary medical association, v.239, p. 596-606, 2011.
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