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INTERCULTURALIDADE E DIREITO 
INDÍGENA À EDUCAÇÃO - A 
POLÍTICA PÚBLICA DE FORMAÇÃO 
INTERCULTURAL DE PROFESSORES 
INDÍGENAS NO BRASIL
Vanessa Corsetti Gonçalves Teixeira1
Eliana dos Santos Costa Lana2
Resumo
Neste artigo temos como objetivo discutir a 
interculturalidade proposta na política pública de 
formação intercultural de professores indígenas no Brasil. 
Na primeira parte, analisamos os princípios consagrados 
no sistema internacional dos direitos indígenas, 
destacando a importância, para a consolidação do direito 
indígena à educação: (I) da participação nas decisões; 
(II) do respeito aos conhecimentos tradicionais e suas 
modalidades de transmissão e (III) da autonomia das 
populações indígenas no que respeita a seus objetivos 
socioculturais e com relação a suas futuras gerações. 
Na segunda parte, trazendo dados oi ciais e entrevistas 
com professores indígenas formados pelo programa de 
educação intercultural da USP, analisamos o estado atual 
desta dimensão do processo de consolidação do direito 
dos povos indígenas à educação no Brasil. Concluímos 
que, apesar de os conteúdos especíi cos da legislação serem 
adequados aos deveres assumidos no plano internacional, 
não atendem atualmente aos elementos necessários 
para tornarem efetivos os direitos dos povos indígenas 
1 Doutoranda em Filosoi a do Direito pela Universidade de São Paulo.
 vanessacgteixeira@yahoo.com.br
2 Docente da Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, São Paulo.
 elianaslana@hotmail.com
Educ. foco,
Juiz de Fora,
v. 17, n. 1, p. 119-150,
mar. / jun. 2012
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brasileiros no que respeita a uma das funções essenciais 
da educação dei nida na CF-1988: a formação cidadã e a 
participação no espaço público interétnico.
Palavras-chave: formação de professores indígenas, 
inclusão, interculturalidade.
INTRODUÇÃO
A interculturalidade pode ser entendida, em sentido 
amplo, como uma proposta de consolidação democrática 
nos Estados onde convivem diversas culturas (MONROE, 
2009). Superando o paradigma multiculturalista anglo-
saxão como projeto ético universal para a convivência entre 
as culturas e o tratamento ético da diversidade cultural, os 
princípios da proposta intercultural vêm-se desenvolvendo 
dentro de uma lógica bastante ampla. Existem noções de 
caráter mais classii catório que se limitam a descrever a 
dinâmica da diversidade cultural nos contextos nacionais 
especíi cos; existem concepções estritamente metodológicas 
da interculturalidade, entendida, por exemplo, como didática, 
ou mais amplamente, pedagogia; e ainda, uma proposta 
teórica que argumenta a favor da reconstrução dos direitos 
humanos universais como projeto ético emancipador sob o 
paradigma intercultural (SANTOS, 2006). É neste universo 
tão diverso de posições teóricas que se estão construindo as 
propostas interculturais para o tratamento da diversidade 
cultural.
Há que se reconhecer, contudo, que entre a diversidade 
de propostas teóricas e os paradigmas consagrados no sistema 
internacional de promoção e proteção dos direitos humanos 
– o mais próximo, na atualidade, a um tratamento universal 
das questões ético-jurídicas – existe um descompasso 
considerável.
Dessa forma, se é certo que se dei niu, tão cedo como 
a própria aprovação da Carta das Nações Unidas, que a 
convivência pacíi ca e harmoniosa entre as diferentes culturas 
era um objetivo fundamental da comunidade de Estados; e 
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que a diversidade cultural contém um valor intrínseco, não 
se preocupou com a dei nição jurídica de “cultura”, o que 
gera uma multiplicidade de acepções que se podem notar 
nos diversos textos normativos e mecanismos de proteção 
internacionais.3 Por outro lado, se as agências especializadas 
da Organização reconhecem o valor e a necessidade do 
diálogo intercultural, carecem ainda dos critérios para a sua 
utilização como método de decisão de conl itos e formulação 
de leis. Além disso, no campo especíi co dos direitos dos 
povos indígenas, ao mesmo tempo que se consagra o direito 
à autodeterminação e gestão do próprio futuro aos povos 
indígenas, os textos internacionais não dei nem parâmetros 
participativos para além do mecanismo da consulta, o que 
em última instância, implica na reprodução da hegemonia 
monocultural: ou se aceita ou se recusa, mas não se participa 
da formulação da pergunta fundamental sobre a qual se faz a 
consulta.
Nesse sentido, a discussão da interculturalidade nos 
direitos humanos – sistema dentro do qual se localizam os 
direitos dos povos indígenas – é, ainda, um debate aberto.
Neste trabalho analisamos, sob a ótica da 
interculturalidade, uma política pública cujo fundamento 
é a necessidade de uma educação diferenciada, direcionada 
aos nacionais indígenas, como parte do projeto estatal de 
formação para a cidadania. Dessa maneira, a formação 
intercultural dos professores indígenas será entendida aqui 
como uma das estratégias utilizadas pelo governo brasileiro 
para a consolidação de direitos e valores de cidadania e de um 
espaço interétnico democrático através da educação formal 
3 Para oferecer três exemplos de clara diferença estão: a noção de 
interculturalidade e diversidade das expressões culturais (UNESCO); a noção 
de cultura que subjaz aos princípios da Declaração das Nações Unidas sobre 
os Povos Indígenas, onde a ideia de cultura está intrinsecamente relacionada 
à da autoidentii cação étnica; e a noção de proteção dos sistemas culturais de 
conhecimento tradicional, que se está desenvolvendo no grupo de trabalho 
responsável pela temática na Organização Internacional da Propriedade 
Intelectual.
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obrigatória diferenciada (ver TEIXEIRA, 2010, y LANA, 
2009).4
1. DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS À EDUCAÇÃO E 
INTERCULTURALIDADE
No processo de ai rmação do direito dos povos indígenas 
à educação, consagrou-se a ideia de que essa educação não deve 
ser a mesma oferecida pelo Estado aos demais nacionais, mas 
que deve respeitar a condição de diferença cultural e linguística 
e as formas tradicionais de conhecimento, além de procurar 
oferecer igualdade de condições de acesso e qualidade do 
serviço público com relação aos demais nacionais do Estado. 
A isso se chamou educação diferenciada e, paulatinamente, 
ai rmou-se que deveria ser intercultural, apesar de que não se 
dei ne o que se quer dizer com o termo no texto normativo 
internacional obrigatório mais relevante sobre a matéria: o 
Convênio 169 da OIT, que se discute no seguinte ponto.
1.1. O Convênio 169 da OIT e o Direito dos Povos 
Indígenas à Educação Diferenciada
O Convênio 169 da OIT, aprovado em 19895, em seu 
órgão plenário e ratii cado posteriormente pela grande maioria 
4 Vale dizer algumas palavras iniciais sobre o direito indígena à educação no Brasil. 
Quando se refere a esse direito, está-se discutindo essencialmente o dever do Estado 
de oferecer, incentivar ou i nanciar a educação formal (escolar) para os nacionais 
indígenas. Especialmente está-se discutindo o dever de oferecer educação gratuita 
diferenciada nos primeiros oito anos de formação, e de oferecer programas de 
formação de quadros docentes e administrativos para os nacionais indígenas, como 
resultado do dever assumido no Convênio 169 da OIT. A literatura especializada 
acrescenta, ademais, o dever de levar em conta a especii cidade cultural dos povos 
indígenas nos momentos de formular e aplicar a política pública. Como se vê em: 
MARÉS (1998); GRUPIONI (2006); PACHECO (1987), entre outros.
5 O Convênio 169, dos mais relevantes instrumentos internacionais para o 
tratamento da questão indígena, pode serconsultado na íntegra em diversos 
endereços na rede internet. No sitio oi cial da OIT, o documento pode 
ser encontrado em PDF: http://www.oit.org.br/sites/default/i les/topic/
international_labour_standards/pub/convencao%20169_2011_292.pdf
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dos Estados Latino-Americanos, estabelece um rol de princípios 
que exclui para os Estados signatários a possibilidade de ignorar 
a diferença cultural ou depreciá-la objetivando sua supressão.
É com a aprovação do Convênio e a consequente proibição 
da formulação de políticas integracionistas que se consagram 
diversos deveres de prestação positiva do Estado com relação 
ao respeito à cultura e modos de vida indígenas. O Convênio 
coloca, entre suas considerações iniciais, as quais motivam a 
revisão do Convênio precedente sobre a matéria6, que:
“(..) a evolução do direito internacional desde 1957 e as 
mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas 
e tribais em todas as regiões do mundo fazem com que 
seja aconselhável adotar novas normas internacionais 
nesse assunto, a i m de se eliminar a orientação para a 
assimilação das normas anteriores (...) e reconhecendo 
as aspirações desses povos a assumir o controle de 
suas próprias instituições e formas de vida e seu 
desenvolvimento econômico, e manter e fortalecer suas 
identidades, línguas e religiões, dentro do âmbito dos 
Estados onde moram
Com relação às políticas para a educação, especialmente 
o parágrafo 2 do artigo 7°, dispõe:
“A melhoria das condições de vida e de trabalho e do 
nível de saúde e educação dos povos interessados, com a 
sua participação e cooperação, deverá ser prioritária nos 
planos de desenvolvimento econômico global das regiões 
onde eles moram. Os projetos especiais de desenvolvimento 
para essas regiões também deverão ser elaborados de forma 
a promoverem essa melhoria.”
Já em sua parte especíi ca, em seu artigo 27, o Convênio 
relaciona os dois elementos centrais do direito indígena à 
educação: os objetivos da educação diferenciada e a formação 
de professores:
6 O 107, de 1957, que tratava da questão indígena.
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“A autoridade competente deverá assegurar a formação 
de membros destes povos e a sua participação na 
formulação e execução de programas de educação, com 
vistas a transferir progressivamente para esses povos 
a responsabilidade de realização desses programas, 
quando for adequado.”.
Podemos dizer, em linhas gerais, que o texto do Convênio 
trabalha uma relação fundamental entre as questões do ensino 
referentes à proteção da língua materna, conhecimentos 
tradicionais e suas formas de transmissão e a livre-determinação 
dos objetivos para o desenvolvimento dos povos interessados e 
o que aqui denominamos educação diferenciada.7
Ademais, identii ca-se no texto que a educação indígena 
deverá também atender aos i ns de: (I) passar conhecimentos 
da língua nacional e informar sobre os direitos e obrigações 
da sociedade nacional como um todo e (II) em contrapartida, 
informar a população nacional não-indígena sobre as culturas 
indígenas de modo a eliminar os preconceitos.
Nesse sentido, pode-se ai rmar que os Estados que 
fazem parte do Convênio 169, aceitando-o como obrigatório, 
subscrevem, com relação à educação, o dever de formular 
política pública especíi ca nesse campo, em cooperação com os 
povos interessados;
I. tendo em conta os seguintes princípios: (a) atenção a 
suas necessidades particulares, (b) consideração de sua 
história, conhecimentos e técnicas, sistemas de valores 
e todas as demais aspirações sociais, econômicas e 
culturais, e (c) garantir a formação de membros desses 
povos e sua participação na formulação e execução de 
programas de educação e
II. atendendo aos objetivos de: 1. transferir progressivamente 
para esses povos a responsabilidade de realizar esses 
programas; 2. reconhecer o direito desses povos a criar 
suas próprias instituições e meios de educação; 3. ensino 
7 O termo é utilizado pela literatura especializada para se referir à Educação 
Intercultural Bilíngue.
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das crianças, incentivo ao uso, preservação e recuperação 
da língua materna do povo indígena; 4. ministrar 
conhecimentos gerais e aptidões que permitam participar 
plenamente e em condições de igualdade na vida de sua 
própria comunidade e na vida da comunidade nacional e 
5. fazer conhecer os direitos e obrigações especialmente no 
que se refere ao trabalho e às possibilidades econômicas, 
às questões de educação e saúde, aos serviços sociais e aos 
direitos que derivam do Convênio.
Não se pode olvidar que, entre os princípios gerais 
do Convênio, garante-se ao sujeito de direito indígena 
(o povo indígena) o direito de gerir seu próprio futuro, 
determinando que os governos estabeleçam ações coordenadas 
de desenvolvimento regional e global em acordo com os 
povos interessados. Destaca-se, i nalmente, a importância de 
se tornarem disponíveis recursos por parte do Estado e de se 
formularem programas de educação especíi cos com o i m de 
se combater o preconceito contra os povos indígenas.8
Assim, podemos identii car que a importância da 
formação de professores indígenas e da oferta de um programa 
especíi co de formação de professores para cada povo diz 
respeito tanto ao fundamento do direito à educação diferenciada 
nos termos do Convênio 169, que é o de gerir o próprio futuro, 
como aos princípios de participação e ao objetivo de transferir 
aos povos interessados a responsabilidade pela realização dos 
programas de educação.
Dessa forma, entende-se que a ideia de interculturalidade 
deve ser mais profundamente desenvolvida no âmbito interno 
dos Estados, na formulação e aplicação da política pública 
sobre a que versa o dever internacional assumido pelos Estados.
8 Um exemplo de política que atende a esse objetivo, no caso brasileiro, foi a 
aprovação e entrada em vigência da lei que determina a modii cação dos 
conteúdos dos livros didáticos das disciplinas de história e geograi a dos ensinos 
médio e fundamental da educação não-diferenciada. Lei 11.645/2008, 10 de 
março de 2008, que modii ca a lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, obrigando a 
inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Indígena no currículo oi cial das 
redes de ensino pública e privada.
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1. 2. Direito dos Povos Indígenas à Educação no 
Brasil
Em artigo publicado no ano de 2010 pela UPN, 
TEIXEIRA discute a proposta brasileira do tratamento da 
interculturalidade, a qual, conclui, está baseada em alguns 
objetivos fundamentais que dirigem o direito à educação 
para todos os cidadãos brasileiros, e outros que dão sentido 
especíi co à educação dirigida aos povos indígenas. Nesse 
sentido, o direito dos povos indígenas à educação expressa a 
busca pelo equilíbrio entre a igualdade de condições com os 
demais cidadãos brasileiros e o direito à diferença.
O sentido desse direito à igualdade está essencialmente 
relacionado à ampliação do acesso à educação de qualidade. 
De outro lado, o direito à diferença encontra seu norte 
na formulação de uma política especíi ca que permita a 
reprodução cultural, ao mesmo tempo que prepara os alunos 
dessa escola diferenciada para conviver em um espaço público 
interétnico.
Não obstante, como nota a co-autora deste texto em seu 
outro trabalho (LANA, 2009), a respeito deste espaço públicointerétnico não se diz nada mais que a necessidade de fortalecer 
a educação sobre os direitos humanos. Porém, o último plano 
nacional sobre educação em direitos humanos não dei ne 
objetivos mais detalhados que: o estímulo da relação democrática 
entre escola e comunidade; a luta contra a discriminação e a 
tolerância; o apoio às políticas dirigidas às populações indígenas; 
a garantia de formação inicial e continuada sobre os direitos 
humanos para os professores de ensino infantil e a melhora 
das condições de trabalho dos professores indígenas. Ademais, 
diversas questões especíi cas como a leitura do Estatuto da 
Criança e do Adolescente9 estão expressas no plano.
Não foram encontrados, contudo, estudos sobre 
como as legislações especíi cas de direitos humanos (idosos, 
9 Lei especíi ca sobre os direitos da criança e do adolescente.
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crianças e mulheres, por exemplo) estão sendo discutidas 
com os professores indígenas e é provável que os programas 
de formação não se tenham dedicado especii camente à 
formação nessas temáticas, o que se deduz da ausência de 
referência especíi ca nos informes oi ciais (TEIXEIRA, 
2010).
Assim, de uma perspectiva principiológica, a 
interculturalidade, na concepção consagrada nos textos 
oi ciais brasileiros, remete à ideia de uma convivência 
harmoniosa entre as culturas indígenas e a nacional em um 
espaço público democrático destinado a receber igualmente 
todas essas culturas, onde as políticas de educação devem 
servir para preparar as duas partes (alunos diferenciados 
por seu pertencimento às culturas indígenas e alunos não 
diferenciados, pertencentes aos demais setores sociedade 
nacional) para essa convivência harmoniosa. O cerne dessa 
proposta, jus-política, está na apropriação dos princípios de 
direitos humanos, concretizada no fortalecimento das ações 
especíi cas de educação em direitos humanos. Isso poderia 
ser dei nido como o objetivo fundamental da educação na 
proposta político-democrática da interculturalidade.
Sem embargo, existe também uma perspectiva 
metodológica da interculturalidade, concretizada nas linhas 
gerais e nas políticas especíi cas dirigidas à educação indígena 
que pretendem responder à pergunta, não menos complexa, 
mas talvez mais objetiva: como respeitar às culturas indígenas 
na educação formal?
O princípio guia para a resposta a esta indagação é a 
garantia de que sejam respeitados os conhecimentos indígenas 
e suas formas de produção e transmissão, com base nos 
compromissos assumidos internacionalmente. Como se dá 
a discussão da interculturalidade na educação indígena no 
Brasil? No próximo ponto, discutimos os textos normativos e 
as linhas fundamentais de debates sobre a questão na literatura 
especializada.
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2. LEGISLAÇÃO E EDUCAÇÃO INDÍGENA NO BRASIL
Observa-se que no Brasil a legislação dirigida à 
educação indígena tornou possível o desenvolvimento de 
um projeto de ensino formal diferenciado (escolar) cuja 
sistematização dos saberes deve ser culturalmente adequada 
às reivindicações desses povos. É dizer onde os professores das 
escolas, localizadas dentro das aldeias, e o calendário escolar 
sejam adaptados às atividades próprias da comunidade 
(GRUPIONI, 2001).
A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 209, 
§ 2º 10 reconhece o direito dos povos indígenas a utilizar suas 
línguas maternas na escola e a escolher os processos próprios 
de aprendizagem, ou seja, de preservar suas práticas culturais, 
línguas, crenças e tradições. É uma concepção relativamente 
recente e que demonstra a ruptura com o paradigma 
integracionista vigente até então.
A legislação também colocou os povos e comunidades 
como protagonistas da escola indígena, resguardando-lhes o 
direito a ter seus próprios membros indicados para tornarem-
se professores a partir de programas especíi cos de formação e 
titulação.
Assim, buscando cumprir com a obrigação assumida 
constitucional e internacionalmente, o Estado brasileiro teve 
como primeira tarefa a de providenciar um documento cuja 
função é dei nir parâmetros de uma política nacional para a 
educação indígena que se pretendia que fosse “diferenciada” 
da educação oferecida aos demais nacionais. Este documento, 
redigido em 1993 – “Diretrizes para a Política Nacional de 
Educação Escolar Indígena” – tem como objetivo principal 
orientar a atuação dos responsáveis pela educação indígena 
e estabelece princípios de uma prática pedagógica orientada 
10 A Constituição brasileira de 1988 em seu artigo 209, §2º dispõe: “O ensino 
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às 
comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos 
próprios de aprendizagem”.
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para o respeito à diversidade cultural dos povos indígenas, 
e para um modelo de formação próprio para os professores 
indígenas, para que possam assumir a docência e a gestão de 
suas próprias escolas.
Outra ação importante, resultado da formação de 
professores indígenas, foi a publicação de materiais didático-
pedagógicos elaborados pelos próprios povos interessados. 
Para dar continuidade aos avanços ocorridos até então, em 
1998, criou-se o Referencial Curricular Nacional para Escolas 
Indígenas (RCNEI).
De acordo com o MEC11 (2008), o documento apresenta 
uma primeira parte em que se reúnem os fundamentos 
históricos, políticos, legais, antropológicos e pedagógicos 
que estruturam a proposta da escola indígena intercultural, 
bilíngue e diferenciada. Na segunda parte, fazem-se sugestões 
de trabalho, a partir das áreas de conhecimento, para a 
construção dos currículos escolares indígenas especíi cos a 
cada realidade.
Esse documento orienta as novas práticas e apresenta 
considerações gerais sobre a educação escolar indígena, 
além de garantir a diversidade e multiplicidade das culturas 
indígenas, em proposta pedagógica de ensino-aprendizagem 
cujo objetivo é incentivar a educação intercultural e bilíngue.
2.1 Documentos que impulsionam a implementação 
da educação indígena.
Este novo modelo de educação indígena substituiu a 
escola formal como instituição que, desde o século XVI, 
faz parte da vida dos povos indígenas, e que foi introduzida 
pelos jesuítas da Companhia de Jesus ou, posteriormente, 
pelos diversos missionários que se sucederam desde então 
até a segunda metade do século XX, com o imperativo de 
11 Ministério da Educação do Brasil.
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catequizar e integrar os povos indígenas à sociedade não 
indígena.12
Grupioni (2009:37) argumenta que a escola que passa 
a ser reivindicada pelos povos indígenas a partir da década de 
1970 se deu, “em contraposição a uma escola que se constituía 
pela imposição do ensino da língua portuguesa, pelo acesso à 
cultura nacional e pela perspectiva da integração” e por esse 
motivo:
[...] se molda outro modelo de como deveria ser a 
nova escola indígena, caracterizada como uma escola 
comunitária (na qual a comunidade indígena deveria ter 
papel preponderante), diferenciada (das demais escolas 
brasileiras), especíi ca (própria a cada grupo indígena 
onde fosse instalada), intercultural (no estabelecimento 
de um diálogo entre conhecimentos ditos universais e 
indígenas) e bilíngue (com a consequente valorização 
das línguas maternas e não só de acesso à língua 
nacional)(GRUPIONI, 2009:37).
Com base, então, no direito dos povos indígenas à 
educação diferenciada, consagrado com a entrada em vigência 
da Constituição de 1988, inicia-se um processo de reforma 
na legislação secundária que acompanha as determinações 
constitucionais. O espírito da Carta Maior brasileira está 
presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBDEN), 
de 1996 que, em seu artigo 32°, § 3º, dispõe: “O ensino 
fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, 
12 Essa atitude “missionária” continua sendo preocupação dos povos indígenas em 
regiões onde a política pública de educação diferenciada não foi posta em prática, 
como ai rma Daniel Munduruku em seu artigo Entre a cruz e a espada: A presença 
missionária em terra indígena e o Estado Laico. “E o que pode nos parecer mais 
contraditório é justamente o fato de que a comprovação da destruição da alma 
indígena não é sui ciente para que o Estado, responsável direto pela assistência 
aos indígenas, tome uma providência no sentido de fazer valer a lei máxima 
que garante ser anticonstitucional a continuidade da presença missionária – sob 
qualquer denominação – em terra indígena. A sentença é simples: se o Estado 
é laico e os indígenas estão sob o cuidado dele, então não tem sentido manter 
instituições que fazem proselitismo religioso. Isso causa interferência direta na 
cultura destes povos sendo, portanto, um crime que pode virar etnocídio cultural e 
perda imediata da identidade étnica” www.danielmunduruku.com.br/artigos.html 
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assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas 
maternas e processos próprios de aprendizagem”.
Da mesma forma que na LBDEN, o Plano Nacional de 
Educação de 2001 também apresenta um capítulo (parte II, 
capítulo 9)13 dedicado à educação escolar indígena, no qual 
se estabelece como meta a oferta de programas educacionais 
aos povos indígenas para todas as séries do Ensino 
Fundamental e programas especíi cos para atender às escolas 
indígenas. Trata-se de documento que serve como guia para 
a implantação da escola indígena, cujo objetivo é atribuir aos 
Estados a responsabilidade legal pela educação indígena seja 
diretamente, seja através de delegação de responsabilidades 
a seus municípios, sob a coordenação geral e com o apoio 
i nanceiro do Ministério da Educação.
Não obstante os esforços e a especii cidade da legislação 
especíi ca, o projeto de tornar efetiva a escola diferenciada entre 
os indígenas ainda encontra dii culdades de ordem prática e 
resistências das esferas pertinentes do Estado em absorver as 
escolas indígenas.
Com relação à falta de autonomia da escola indígena e, 
em consequência, de seus professores, destaca-se (GRUPIONI, 
2009:212/213):
Os relatos de dii culdades, para verem aceito o que 
estão propondo ou realizando no âmbito de suas 
escolas, continuam frequentes por parte de professores 
indígenas em encontros e reuniões, revelando a 
consciência da situação de dependência face aos 
sistemas de ensino nos quais estão inseridos [...] e se os 
grupos indígenas continuarem presos ao que os sistemas 
13 “Assegurar a autonomia das escolas indígenas, tanto no que se refere ao projeto 
pedagógico quanto ao uso de recursos i nanceiros públicos para a manutenção 
do cotidiano escolar, garantindo a plena participação de cada comunidade 
indígena nas decisões relativas ao funcionamento da escola. Estabelecer, dentro 
de um ano, padrões mínimos mais l exíveis de infra-estrutura escolar para esses 
estabelecimentos, que garantam a adaptação às condições climáticas da região e, 
sempre que possível, as técnicas de edii cação próprias do grupo, de acordo com 
o uso social e concepções do espaço próprias de cada comunidade indígena, além 
de condições sanitárias e de higiene”.
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de ensino determinam para a escola indígena, pouco 
será conquistado em termos da proposição de novos 
modelos de escola.
Outra questão relevante que inl ui neste processo é a 
dii culdade dos órgãos públicos responsáveis pela educação 
indígena em entender a educação especíi ca e diferenciada, 
e a forma através da qual os professores indígenas atuam 
nas escolas. Desse modo, o que se vê são gestores públicos 
impondo políticas que contrariam a realidade sociocultural dos 
povos indígenas, prevalecendo, assim, os entraves burocráticos 
do sistema de ensino indígena. Estes acontecimentos nos 
levam a recorrer a GRUPIONI (2009:61) quando ai rma: 
“com o passar dos anos, vê-se alargar a distância entre o que está 
preconizado como proposta de uma educação diferenciada e os 
meios administrativos postos em prática para efetivá-los”.
2.2. A importância da formação dos professores 
indígenas
Juntamente aos problemas já citados, um dos principais 
desai os para que se consolide a proposta da educação 
escolar indígena é a formação dos professores indígenas, 
de modo a que seja pautada pelos princípios de respeito 
à diferença, GRUPIONI (2006). Além disso, não há 
que se olvidar que parte do compromisso assumido 
internacionalmente compreende, como garantia da 
qualidade da escola indígena, a possibilidade de ter à 
frente gestores e professores indígenas.
A formação especíi ca de professores indígenas não 
é uma reivindicação somente dos professores, mas de toda 
a comunidade, uma vez que até princípios do século XXI, 
muitos professores não possuíam formação superior ou 
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magistério e alguns nem sequer haviam concluído o ensino 
básico.14
Atualmente, o processo de formação dos professores 
indígenas é realizado por organizações não-governamentais 
(ONGs) e por órgãos públicos estatais e municipais, por 
intermédio de suas secretarias de educação.
A temática da formação de professores indígenas ganha 
cada vez mais força nas pautas de atuação do movimento 
indígena do país, na medida em que se percebe sua importância 
para a construção de escolas que se pretendam realmente 
indígenas (GRUPIONI, 2006, p.55). Desse modo, o Estado 
tenta responder a demanda de garantir aos povos indígenas 
o tipo de escola que, ao ser apropriada por eles, adquira um 
novo signii cado e corresponda ao modo de ser indígena (ou 
aos modos de ser indígenas, no caso brasileiro, de reconhecida 
multidiversidade).
Mas como essas propostas/projetos, uma vez postos em 
marcha pelo governo, foram recebidos pelos povos indígenas? 
Um exemplo relevante, pela amplitude das políticas realizadas 
é o caso dos guaranis do Estado de São Paulo.15 A presença da 
Instituição Escolar dentro da comunidade, segundo o Professor 
Guarani Antonio Macena,16 foi recebida pelos indígenas, em 
principio, com alguma desconi ança. Isso se deveu, de acordo 
com nossas entrevistas, ao fato de que as comunidades não 
sabiam se a presença da escola modii caria o seu cotidiano. 
14 Os programas para o Magistério Indígena se destinam a formar um tipo de 
professor que, em muitos casos, já atua na escola de sua comunidade e tem 
muito pouca experiência de escolarização formal: sempre traz em sua “bagagem” 
um amplo domínio dos conhecimentos acumulados por seu povo, mas seu 
conhecimento sobre os saberes acadêmicos é restrito (Grupioni,2006, p.25).
15 Os povos guaranis são dos mais numerosos na América do Sul e no Brasil. 
Para maiores informações sobre sua localização, etnograi a e características 
dos movimentos sociais acesse os sítios eletrônicos da Comissão Pró-Indio de 
São Paulo; do Centro de Trabalho Indigenista e da FUNAI. Os dois primeirossão organizações não-governamentais de longa e reconhecida relação com as 
comunidades guaranis do Estado de São Paulo e do sul do Brasil, o último é o 
órgão indigenista nacional.
16 Terra Indígena Rio Silveira, em Bertioga, litoral norte do Estado de São Paulo.
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Por isso, levou algum tempo para aceitarem a nova proposta 
de educação, cujo primeiro passo foi a instalação da escola em 
seu interior. A escola foi vista como algo alheio, e temia-se 
que pudesse ser um instrumento de interferência na cultura 
tradicional.
Nesse sentido, ainda hoje, alguns professores indígenas 
a percebem sob essa perspectiva. A professora Guarany Cora 
Martins, da escola da Terra Indígena Krukutu, no bairro 
de Parelheiros, São Paulo, receia que a escola possa ser um 
instrumento de interferência na cultura tradicional, e explica, 
em entrevista de março de 2009:
“Tenho medo que a escola seja uma forma de assimilação 
mais forte que a catequese, porque agora ela está dentro 
da aldeia, apesar de ser uma reivindicação nossa. Às vezes 
penso que continuam querendo que a gente perca nossa 
língua e nossa cultura. Fomos nós que pedimos a escola, 
para que as crianças não precisassem sair da aldeia para 
aprender a língua portuguesa. O motivo principal foi o 
choque cultural e linguístico que as crianças passavam 
quando chegavam à escola branca. Nossos pais queriam 
que aprendêssemos a língua portuguesa e por isso nos 
mandavam à escola, mas alguns de nós nunca tínhamos 
ouvido ou falado o português, e quando chegávamos à 
escola levávamos um choque. Por isso, muitos de nós 
não conseguimos terminar nem o ensino básico.”
E acrescenta: a escola diferenciada como está agora 
estaria mais próxima à cultura não indígena do que à “cultura 
indígena”17, já que a única coisa que afastaria uma cultura da 
outra é o ensino da língua nativa. Relata que é professora de 
português, guarani e matemática mas que o ensino da cultura 
guarani não é realizada porque a estrutura física da escola não 
é apropriada, é dizer, “não há como colocar a cultura indígena 
dentro de um prédio como este, entre quatro paredes”.
17 Neste ponto destacamos, por questão de clareza, que quando os professores 
entrevistados falam da “cultura indígena” se referem mais propriamente a sua 
cultura, a cultura Guarany.
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Ainda de acordo com essa professora, o formato da 
escola não oferece condições para os conhecimentos do dia-a-
dia do índio, do cotidiano de uma aldeia, de uma comunidade 
indígena. São muitas as vezes nas quais as crianças se mostram 
entediados dentro da classe. “Nesses momentos é preciso tirá-
las de lá e levá-las para fazer algo diferente, como pescar, por 
exemplo, que faz parte da cultura”.
A professora imagina a estrutura da escola dentro da 
comunidade de forma muito distinta da existente, por exemplo:
“Se tivesse em minhas mãos, escolher a escola, ou melhor, 
o espaço físico da escola, não seria assim como é. Seria 
uma casa sem paredes, apenas o teto para a proteção 
do sol e da chuva, em contato com a natureza, e assim 
poderia falar da nossa cultura e passar os ensinamentos 
para as crianças. Da maneira como está, não é possível. 
Nós já falamos sobre isso com os órgãos oi ciais, mas 
não somos ouvidos. Tenho certeza de que os povos 
indígenas têm condições de cuidar sozinhos de sua 
escola. Mas não temos autonomia para isso, pois temos 
que prestar contas o tempo todo, seja na questão da 
avaliação dos alunos, com a qual eu não concordo, seja 
com os documentos burocráticos que nos são exigidos o 
tempo todo. Por mim, desmontava o prédio da escola, 
porque acredito na educação pela convivência, na qual a 
criança vê, ouve, observa e repete, e não é preciso dizer 
“olha aqui, é assim que se faz”, ela simplesmente faz, no 
início errado, mas aos poucos vai aprendendo.”
O discurso dessa professora indica que ainda que os 
métodos, os conteúdos e os programas tenham sido adaptados 
ao que se pretende como interculturalidade, é o mesmo projeto 
de educação escolar como formação de crianças indígenas 
o que resulta não totalmente convincente, a partir de sua 
perspectiva. Por exemplo, a questão da formalidade das aulas 
e a burocracia administrativa da escola são indicadas como 
“contrárias à cultura”. A proposta da professora é bastante 
clara, ademais: o aprendizado a partir da cultura guarani se 
faz pela participação direta e a observação dos adultos em suas 
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atividades, a formação na cultura, então, se faz no convívio 
coletivo nos espaços comunais.
Nesse sentido, torna-se explícita a falta de participação 
indígena na formulação dos próprios objetivos fundamentais 
da educação escolar.
2.3 O papel do Professor Indígena
Nas palavras de Grupioni, o professor indígena tem duas 
funções especíi cas: ao mesmo tempo que prepara seus alunos 
para conhecer seus direitos dentro da sociedade nacional, deve 
garantir que esses continuem exercendo sua cidadania dentro 
da comunidade: “os professores indígenas, em seu processo de 
formação, têm que, o tempo todo, rel etir criticamente sobre as 
possíveis contradições embutidas nesse duplo objetivo, de modo 
a encontrar soluções para os conl itos e tensões daí resultantes” 
(GRUPIONI, 2006:24).
O professor indígena, assim, estaria encarregado tanto 
da elaboração do calendário escolar, como da elaboração do 
projeto político pedagógico de suas escolas. Não obstante, 
para respeitar o Referencial Curricular, devem-se estabelecer 
os objetivos educacionais, estruturar a grade curricular, 
escolher o conteúdo das disciplinas e qual o melhor sistema de 
avaliação, isso, também, parte das atribuições dos professores 
indígenas.
Essa não é tarefa fácil já que os órgãos oi ciais de ensino 
dos Estados por vezes pressionam os professores no que se 
refere ao cumprimento dos programas, sem compreender 
que os princípios pedagógicos dos povos indígenas têm seu 
fundamento em outras noções de aprendizagem, como se nota 
na declaração da professora Cora Martins, já comentada.
Ainda sobre o modelo de educação indígena praticado 
pelo Estado e suas instituições educacionais, podemos recorrer 
a BRAND (2009: 9/10), que percebe alguns riscos que podem 
advir da presença do Estado como responsável por um tipo de 
educação diferenciado da educação do sistema nacional.
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Existem, no entanto, alguns riscos a serem superados 
ou evitados pelos professores índios em seu trabalho 
na escola. O primeiro e o mais grave risco resulta do 
processo de institucionalização da escola e da i gura do 
professor indígena, com as consequentes imposições 
da burocracia que rege e condiciona a ação dos órgãos 
públicos. O reconhecimento legal da i gura do professor 
índio e sua transformação em funcionário público, 
embora, certamente, uma reivindicação dos próprios 
professores, traz embutido o risco de esvaziar a escola 
e o trabalho do professor de sua dimensão de serviço 
à comunidade, suas lutas pelo direito à terra e seus 
projetos de desenvolvimento dei nidos a partir de suas 
pautas culturais especíi cas, condicionando seu trabalho 
a imposições advindas do órgão contratador de seu 
trabalho, o Município ou o Estado.
O que se percebe das declarações dos professores e 
ai rmações dos estudiosos do assunto é a contradição presente 
nas comunidades indígenas hoje: a reivindicaçãoda política 
pública não gera os efeitos esperados, o que dá espaço para 
o aparecimento dos paradoxos que resultam da ausência de 
interculturalidade e diálogo intercultural real nos momentos 
anteriores à implementação da política. É exatamente por 
esse motivo que o Professor Sergio Lira, da Escola da Terra 
Indígena Uruity, na região do Vale do Ribeira, explica: cada 
comunidade tem sua especii cidade e apresenta necessidades 
distintas. Nesse caso, o currículo escolar deve ser pensado a 
partir dessa realidade, é dizer, das especii cidades decorrentes 
das contradições oriundas do contato das comunidades 
indígenas com a sociedade do entorno.
Novamente, BRAND (2009) dei ne da seguinte forma 
a importância da formação do professor indígena e de sua 
atuação frente à educação diferenciada intercultural e bilíngue, 
para a concretização de uma educação de qualidade para os 
povos indígenas:
Restringir-me-ei, nessa breve abordagem, ao professor 
indígena, na perspectiva de uma escola diferenciada. 
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Essa opção não é, certamente, aleatória, mas parte da 
constatação de que ele é o personagem de quem depende 
efetivamente a implementação de uma escola indígena 
de qualidade. Parte da convicção de que a melhor 
contribuição que, neste momento, os órgãos públicos 
e organizações de apoio podem dar às comunidades 
indígenas no campo da educação é oferecer as melhores 
condições para a formação desses professores. Há, 
certamente, outras urgências no campo da educação 
escolar indígena, mas todas elas dependem da presença, 
em sala de aula, de professores com clareza sobre o papel 
da escola e, portanto, de seu próprio papel, frente às 
expectativas e demandas de suas comunidades.
A percepção com relação à não correspondência entre a 
demanda indígena e a política pública se estende também ao 
campo da descrença na efetividade das leis do ordenamento 
como um todo. Como diz o professor Guarani Sergio Lira da 
Aldeia Uruity:
O cumprimento das leis depende de muita gente, o que 
torna difícil sua execução. Em algumas ocasiões somos 
ouvidos, como determina a lei, o que não garante que as 
coisas sejam feitas como o acordado, o que signii ca que, 
quando somos chamados para dar nossa opinião, é claro 
que somos ouvidos, mas é somente uma formalidade, pois 
no i nal os órgãos governamentais decidem e nós temos 
que obedecer, ou seja, nossa participação não muda nada.
As palavras desse professor indicam que a sensação 
que i ca das instâncias de participação é a de que não há real 
participação. Algumas razões podem ser, hipoteticamente, 
levantadas com relação à questão:
 não há real intenção de escutar os povos interessados;
 não há entendimento real das demandas desses povos
A partir de nossa perspectiva, apesar de considerar 
possível também a primeira hipótese, preferimos fazer aqui o 
exercício de desenvolver a veracidade da segunda.
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Nesse sentido, apesar do esforço, político e jurídico 
em gerar instancias de participação, estas instâncias estariam 
carentes de efetividade inter-comunicativa, de forma que 
não se estaria logrando “traduzir” as demandas na linguagem 
especíi ca das políticas. Denegando a possibilidade de diálogo 
sobre a necessidade de determinados elementos da política 
pública para a educação escolar, a instância participativa perde 
seu sentido e impossibilita a apropriação, pelos professores 
indígenas, do projeto político que subjaz à educação escolar.
Nessa perspectiva, muitos professores indígenas se 
preocupam com as transformações ocorridas na comunidade 
a partir da presença da escola nas aldeias. Destacam-se, não 
obstante, pontos positivos também, apesar da interferência 
nos costumes, como ai rma Sergio Lira, da aldeia Uruity, em 
Miracatu. Para esse professor, o fato de as crianças estudarem 
dentro de suas comunidades as protege contra a discriminação 
que os alunos indígenas sofriam nas escolas não indígenas, 
ou que ainda sofrem se pertencem a alguma das aldeias onde 
ainda não há escola.
Dessa forma, a escola, para o professor guarani, seria 
entendida como uma forma de aprender a língua portuguesa, 
somente, não para o aprendizado da cultura da etnia. Essa, como 
já se argumentou com as declarações dos professores indígenas, 
não é possível dentro de um ambiente fechado como o prédio 
da escola. Não obstante, a escola dentro da aldeia facilitaria o 
aprendizado da língua nacional, porque as crianças se sentiriam 
mais cômodas e estariam protegidas contra a discriminação.
Como pesquisadoras, nos i ca a pergunta: seria um 
dos objetivos da proposta da política de educação escolar o 
ensino da cultura da etnia no sentido de substituição de outros 
espaços formativos comunais? A legislação especíi ca parece 
inclinar-se para o sentido oposto. Na nossa forma de ver, a 
ideia de ensinar a cultura indígena na escola equivaleria a fazer 
da escola o mais importante espaço formativo da comunidade, 
centralizando os processos de ensino e aprendizagem. É dizer: 
se os professores estão preocupados porque não podem ensinar 
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a cultura indígena na escola não estaria isso relacionado a uma 
carência no debate crítico sobre o papel da escola como espaço 
de formação na comunidade?
Talvez as críticas de Cora Martins e Sergio Lira digam 
respeito à seguinte problemática, constante também do Plano 
de Educação em Direitos Humanos, como uma preocupação 
central: a relação entre a comunidade e a escola. O professor 
e administrador indígena têm clareza de seu papel? Ou, mais 
que isso, a construção desses papéis na comunidade indígena 
se dá de maneira tão marcada? Em outras palavras: opõe-se 
neste processo escola e comunidade? Essas perguntas, de difícil 
resposta, parecem-nos fundamentais no aparato de formação 
dos professores da educação diferenciada.
2.4 – Formação dos Professores Indígenas no 
Brasil: Alguns dados complementares
Em todas as regiões do Brasil surgiram, nos últimos anos, 
diferentes experiências na construção de projetos educacionais 
especíi cos para a formação de professores indígenas. Além de 
formar grupos de professores indígenas, como o COPIAM 
(Conselho dos Professores Indígenas da Amazônia), por 
exemplo, localizado em Manaus, os professores indígenas 
que trabalham nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste 
e Sudeste participam de encontros como o estudo dos 
Parâmetros em Ação de Educação Escolar Indígena, realizado 
em 2002, objetivando o ensino e a aprendizagem, bem como a 
rel exão sobre a prática pedagógica nas escolas indígenas. Este 
último projeto, i nanciado pelo MEC.
Devido à heterogeneidade e diversidade dos povos 
indígenas, de suas culturas e tradições, as soluções encontradas 
também devem ser diversas, o que torna mais complexo o 
processo.
O número de professores indígenas atualmente é muito 
maior do que há 20 anos. Não obstante, ainda há professores que 
não concluíram o Ensino Médio e poucos são os que cursaram 
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o magistério, ainda que o requisito básico para tornar efetiva 
a Educação Diferenciada Intercultural e Bilíngue dependa 
fundamentalmente da formação dos professores indígenas. 
Apesar dessa ai rmação, pode-se dizer que houve uma melhora 
signii cativa na formação dos professores indígenas desde que 
essa função passou a ser obrigação do MEC. Hoje são 10.928 
professoresindígenas (MEC, 2006)18.
Nesse sentido, há diferenças relevantes entre as regiões 
quanto ao número de professores e com relação ao nível de 
escolaridade desses professores que variam razoavelmente de 
região para região e em cada Estado. Cada situação exige uma 
resposta distinta, de modo que o professor indígena complete 
sua escolarização básica e se qualii que por meio de uma 
formação especíi ca para a atuação no magistério indígena. 
Ademais, hoje, com a nova legislação, exige-se dele, como dos 
demais professores do país, a titulação em nível superior.
A Agência Brasil, em 2007, apresentou a seguinte 
estatística oferecida pelo MEC: dos aproximadamente oito 
mil professores que ensinam nas escolas indígenas, 64% 
completaram o Ensino Médio e 13,2%, o Ensino Superior. 
Não obstante, a pesquisa indica que 12,1% dos professores 
somente têm completo o Ensino Fundamental e 9,9% nem 
sequer concluíram esse nível de ensino.
De acordo com a pesquisa, o Norte e o Nordeste são as 
regiões com número mais relevante de professores com menor 
escolaridade. Em relação à média nacional, a porcentagem 
de professores nesses estados com Ensino Fundamental 
incompleto é mais determinante que nos demais.
De acordo com o MEC, duas das principais ações da 
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade 
– SECAD – do Ministério da Educação para garantir a oferta de 
educação escolar de qualidade são as seguintes:
18 Apesar do crescimento no número de professores indígenas, segundo os dados do 
MEC, existem inúmeras escolas indígenas cujos professores não são indígenas, o 
que, em suma, quer dizer que subsiste o déi cit. O número de professores indígenas 
formados não atende à demanda. Em algumas aldeias, os professores não formados 
não recebem por seu trabalho, apesar de que trabalham nas escolas.
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 Formação Inicial e continuada de professores indígenas 
em nível médio (Magistério Indígena). Estes cursos têm, 
em média, a duração de cinco anos e são compostos, 
em sua grande parte, por etapas intensivas de ensino 
presencial (quando os professores indígenas deixam suas 
aldeias e, durante um mês, participam de atividades 
conjuntas em um centro de formação) e etapas de 
estudos autônomos, pesquisas e rel exão sobre a prática 
pedagógica nas aldeias. A SECAD/MEC oferece apoio 
técnico e i nanceiro para a realização dos cursos.
 Formação de Professores Indígenas em Nível Superior – 
Licenciaturas Interculturais. O Ministério da Educação 
abriu edital para viabilizar a implementação de Cursos 
de Licenciatura Intercultural em Universidades públicas 
federais e estaduais. O objetivo principal é garantir 
educação escolar de qualidade e ampliar a oferta dos 
quatro anos i nais do Ensino Fundamental e implantar o 
Ensino Médio nas terras indígenas.
Além dessas ações, existe a Comissão Nacional de 
Educação Escolar Indígena – CNEEI, instância de participação, 
proposição e deliberação com relação às políticas de educação 
escolar indígena desenvolvida pelo MEC. Essa Comissão está 
formada por quinze representantes indígenas indicados por 
organizações indígenas de todas as regiões do País.
CONCLUSÕES
A interculturalidade pode ser entendida como uma 
proposta de consolidação democrática, mas a diversidade 
de entendimentos teóricos sobre esse paradigma ainda não 
se encontra rel etida no direito internacional dos direitos 
humanos. Especii camente, da perspectiva ético-jurídica, as 
fórmulas bastantes abstratas assumidas nos textos normativos 
internacionais deixam um espaço discricionário aos Estados, 
que deve se integrar através de propostas jus-políticas de 
caráter especíi co interno.
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No caso brasileiro, a análise dos documentos oi ciais e 
textos normativos indicam a ideia de interculturalidade como 
princípio para a convivência harmoniosa entre as diversas 
culturas indígenas e a cultura hegemônica nacional em um 
espaço público democrático interétnico. A participação da 
educação nesta proposta jus-política (a participação, portanto, 
da educação na interculturalidade) remete à ideia de preparar 
os cidadãos, indígenas ou não-indígenas, para essa convivência 
harmoniosa. A educação em direitos humanos é considerada 
central nesta proposta, mas, atualmente, mostra-se uma 
lacuna de pesquisas sobre a aplicação de ações de educação em 
direitos humanos nos programas de formação dos professores 
indígenas. Isso indica a necessidade de pesquisa nessa área.
É necessário destacar que, da perspectiva dos direitos 
humanos e dos direitos dos povos indígenas, não se dei ne 
especii camente o que se quer dizer com educação intercultural 
ou interculturalidade na educação no plano internacional, de 
forma que também se anuncia um espaço discricionário para 
a ação Estatal. No caso brasileiro, o princípio que fundamenta 
o paradigma intercultural na educação é o respeito à cultura 
e às formas tradicionais de produção e transmissão do 
conhecimento. Esta poderia ser dei nida como uma perspectiva 
mais metodológica da interculturalidade, no sentido de que 
pretende responder à pergunta: como respeitar a cultura na 
educação formal?
O direito à educação diferenciada para os povos indígenas 
surge dentro do contexto da rediscussão dos paradigmas sobre os 
direitos dos povos indígenas. Da ideia de integração e superação 
da condição diferenciada que regravam a relação entre o Estado 
e seus povos indígenas, passa-se ao respeito à diferença e aos 
objetivos daqueles para seu futuro e desenvolvimento.
Como se viu, a formação dos professores indígenas 
corresponde a um dos mais importantes pontos da política 
pública no que respeita à efetividade do direito dos povos 
indígenas à educação, já que se relaciona diretamente com 
o direito à participação dos povos interessados nas políticas 
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públicas e ao dever de transferir a responsabilidade pela 
educação às comunidades interessadas.
A existência de um corpo docente preparado para 
ministrar aulas atento ao equilíbrio entre os conteúdos que 
contribuem para a participação da sociedade nacional e, 
ao mesmo tempo, a reprodução cultural – reai rmando ou 
redei nindo os objetivos internos de cada comunidade ou 
etnia – corresponde, na realidade, à própria possibilidade de 
optar pelo futuro e inserção digna na sociedade, respeitado, 
dessa forma, seu direito à própria cultura.
No que respeita à formação de professores, a política 
pública tem como um de seus pontos cruciais o equilíbrio 
entre o ensino bilíngue e o uso das técnicas tradicionais de 
transmissão do conhecimento. O ensino da língua materna 
é um dos elementos diferenciados da educação escolar 
indígena, de modo que é imprescindível que o professor seja 
de comunidade e tenha formação apropriada nas duas línguas 
(o português e a língua indígena). Não obstante, uma das 
principais reivindicações do povo guarani, que analisamos, 
é que a educação diferenciada não seja somente o ensino da 
língua materna, mas que inclua a forma de viver de cada povo. 
Esse, argumentamos, é parte de seu entendimento da ideia da 
interculturalidade e do bilinguismo.
O censo escolar do INEP/MEC de 2005 indica que a 
oferta de educação escolar indígena cresceu, especialmente 
nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Há que se 
perguntar, não obstante, se as taxas de matrícula indicam 
igualmente, um crescimento signii cativo em termos de 
recursos destinados à educação escolar indígena. Esses 
números, ao que parece, servem somente para enfeitar as 
estatísticas oi ciais, encobrindo comcores festivas uma 
realidade perversa (Bonin, 2006)19.
Há que se comentar, ainda, que o processo de expansão 
da oferta do Ensino Fundamental, que incluiu as comunidades 
19 Iara Tatiana Bonin. Membro do CIMI e Doutoranda do Programa de Pós-
graduação em Educação da UFRGS, 2006.
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indígenas e que se deu a partir da lei 9394/96 (LDBN) e do 
Plano Nacional de Educação de 2001, apresenta uma grande 
lacuna que carece de integração: a extensão da oferta de ensino 
médio e superior.
Os avanços obtidos nos últimos anos de oferta 
da educação escolar para os povos indígenas se devem 
especialmente à mobilização desses povos e das políticas 
de universalização do ensino básico no país. Outro ponto 
a ser destacado é o que diz respeito aos materiais didáticos 
especíi cos e as metodologias inovadoras que vêm ganhando 
espaço nas escolas indígenas de todo o país. Esse avanço 
deveria permitir que os povos indígenas pudessem escolher 
seus projetos pedagógicos e defender seus direitos e interesses.
Não obstante, para Berrantes (2007), o avanço 
quantitativo não foi acompanhado pela qualidade da escola 
indígena. De acordo com os dados preliminares levantados 
pela coordenação das organizações indígenas da Amazônia 
brasileira (COIAB), a grande parte das escolas indígenas na 
região Amazônica continua com antigos problemas, que vão 
desde a carência de alimentos e material escolar até a carência 
de prédios e professores qualii cados. Isso demonstra que 
existem problemas na gestão das políticas da educação escolar 
indígena.
Para Gersem Baniwa20, conselheiro na Câmara de 
Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, 
a solução para a questão passa por dois caminhos: o 
desenvolvimento de mecanismos para o cumprimento da 
legislação vigente e de formas de participação e controle social, 
que respeitem, sobretudo, as formas próprias de organização 
dos povos indígenas, como encontros, assembleias, congressos, 
mobilizações, que podem combinar-se com formas mais 
institucionalizadas como conselhos e comissões.
20 Gersem é professor Baniwa, que lê, escreve e fala as línguas indígenas Baniwa 
e Nheengatué. Natural do Estado de Amazonas, e originário da etnia Baniwa, 
Gersem é graduado em Filosoi a pela Universidade Federal do Amazonas e 
mestre em Antropologia pela Universidade de Brasília.
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Atualmente, não existe um modelo institucional 
que garanta a participação efetiva dos líderes indígenas no 
processo de formulação das políticas de educação escolar 
indígena. Os instrumentos desenvolvidos até o momento se 
mostram insui cientes, já que não existe espaço real para que 
as comunidades expressem suas demandas, que tomem parte 
da formulação dos programas e acompanhem as ações políticas 
que lhes dizem respeito, ainda que esse acompanhamento 
esteja garantido pelo Estado brasileiro no marco do Convênio 
169 da OIT.
Há que criar-se condições para que os povos indígenas 
possam elaborar suas diretrizes curriculares; repensar o 
modelo físico da escola, para que estas respeitem a realidade, 
conhecimentos e a cultura de cada comunidade; a produção 
do material didático e especíi co para as escolas indígenas 
deve ser de autoria dos próprios indígenas e, por i m, deve-
se garantir, na legislação, formas de participação e controle 
social nas políticas de educação escolar indígena, uma 
vez que o que se constata é que não se criaram órgãos ou 
modelos institucionais capazes de tornar efetivos os direitos 
educacionais indígenas.
É dever do governo federal brasileiro, por intermédio 
do MEC, dar o primeiro passo, instituindo o Conselho 
Nacional de Educação Escolar Indígena, como órgão 
regulamentar da política nacional de educação escolar 
indígena. É imprescindível, não obstante, que esse ato se 
realize com ampla participação de professores indígenas 
e outros atores relevantes na oferta da educação escolar 
indígena, de modo a propiciar a articulação mais efetiva dos 
sistemas de ensino, as universidades e as organizações de 
sociedade civil.
Os temas aqui levantados têm o objetivo de alimentar 
o debate, de forma que não se pretende que sejam exaustivos, 
mas que, ao contrário, indiquem áreas onde, no caso brasileiro, 
precisamos consolidar e construir conceitos. Ademais, 
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identii camos pelo menos duas pautas de pesquisa que podem 
ser expressas nas seguintes perguntas:
 A educação na interculturalidade: qual está sendo o papel 
das políticas educacionais na formação e consolidação do 
pretendido espaço público interétnico democrático?
 A interculturalidade na Educação: como está sendo 
visto o papel das escolas nas comunidades a partir de sua 
função formativa nas culturas tradicionais?
A discussão e tentativa de resolver essas indagações 
podem revelar um cenário mais amplo e participativo para a 
interculturalidade no Brasil.
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Entrevistas:
Antonio Macena – Professor da etnia Guarani, da Aldeia Rio Silveira, 
Bertioga, litoral de São Paulo. Março de 2008
Cora Augusto Martim – Professora da etnia Guarani, da Aldeia 
Krukutu, Parelheiros, São Paulo. Março de 2009.
Sergio Lira – Professor da etnia Guarani, da Aldeia Uruity, Miracatu, 
São Paulo. Abril de 2009
Sites Relacionados:
Estatísticas sobre Educação Escolar Indígena no Brasil. 
Disponível em:
http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf
http://www.agenciabras i l .gov.br/not ic ias/2007/04/19/
materia.2007-04-19.8689037092/view
http://portal.mec.gov.br/secad/index.php?option=content&task=vi
ew&id=37&Itemid=164
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INTERCULTURALITY AND THE INDIFENOUS RIGHT OF 
EDUCATION - THE PUBLIC POLICY OF INTERCULTURAL 
FORMATION OF INDIGENOUS TEACHERS IN BRAZIL
Abstract
In this essay we have as our goal to discuss the interculturality 
proposed on the public policy of intercultural formation of 
indigenous teachers in Brazil. In the i rst part, we analyze 
the undisputed principals on the international system of 
indigenous rights, highlighting the importance to the 
consolidation of the indigenous right to education: (I) on 
the participating on decisions; (II) on respect to traditional 
knowledge and their means of transmission and (III) on 
indigenous populations’ autonomy in respect to their social 
and cultural goals and regarding their future generations. In 
the second part, bringing oi cial data and interviews with 
indigenous teachers trained by the intercultural education 
program at USP, we analyze the current state of this 
dimension in the process of consolidating the indigenous 
peoples’ right to education in Brazil. We conclude that 
despite the fact that specii c contents of the legislation are 
suitable to the duties assumed on the international level, 
they do not currently cater to the necessary elements to 
make ef ective the Brazilian indigenous peoples’ rights in 
regards to one of the core functions of education dei ned on 
CF-1988: citizenship formation and participation on the 
inter-ethnic public space.
Key words: indigenous teacher formation; inclusion; 
interculturality.
Data de recebimento: março 2011
Data de aceite: junho 2011

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