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Reflexões Noturnas sobre a Vida

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- Não se vai embora você?
Impaciente comigo, o seu livro quase no fim visto que dia, guarde os papéis, a caneta e 
levante as sobrancelhas da mesa onde desenha as letras torcido na cadeira, quatro da manhã 
graças a Deus, quase cinco, acabou-se, na janela diante da sua uma senhora numa cadeira de 
baloiço que há-de cobri-lo com o xaile, você não imaginando que a morte uma pessoa real, sem 
mistério a defender-se do frio, o seu nome
- António
Ao mesmo, tempo que um barulhinho no vestíbulo, cochichos que o procuram na casa, 
espreitam o corredor, não o acham, os homens de casaco e gravata junto a si e um martelo, uma 
pistola, uma lâmina
(quatro horas da manhã graças a Deus, quase cinco)
E não tem importância visto que o seu livro no fim, tantos meses para chegar aqui e 
duvidando se chegaria de maneira que alegre-se, olhe a janela onde a senhora da cadeira de 
baloiço.
-António 
LEITURA COMPLEMENTAR
Para maior compreensão desse procedimento, leia o ensaio "Quem tem medo de Lobo Antunes 
[5]", escrito por Cid Ottoni Bylaardt.
Veja ainda o trecho de uma resenha de Urbano Tavares Rodrigues sobre A ordem natural das coisas. 
Observe, em particular, a expressão "Não há um herói nem um fulcro de narrativa":
TRECHO DE UMA RESENHA DE URBANO TAVARES RODRIGUES SOBRE A 
ORDEM NATURAL DAS COISAS 
A Ordem Natural das Coisas conta a história dos amores, das lutas, dos fracassos, das 
decadências dos membros de uma família rica, com casa apalaçada na Benfica de há mais de 
trinta anos. O título fala-nos das leis da Natureza que condenam à morte os seres humanos e 
votam ao insucesso as paixões de homens de cinquenta anos por meninas adolescentes. Não há 
um herói nem um fulcro de narrativa, que se tece das múltiplas histórias dos irmãos e irmãs (e do 
sobrinho bastardo) e ainda de outras personagens adjacentes, como o antigo mineiro semi-louco, 
na sua arteriosclerose adiantada, que por todo o lado abre furos com a picareta, em busca de 
ouro, ou do ex-agente da P.I.D.E reduzido a expedientes de miséria. É um romance truculento, 
como todos os de Lobo Antunes, associando uma grande carga afectiva ao grotesco, ao cáustico, 
ao imundo, na sua ânsia de comunicar a vida, no seu estendal de sofrimentos, físicos, morais, 
desejos, delírios e êxtases...
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