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Brasília-DF. Análise de líquidos Biológicos Elaboração Monally Conceição Costa de Aquino Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS ..................................................................... 9 CAPÍTULO 1 MECANISMO DE FORMAÇÃO DOS DERRAMES CAVITÁRIOS ...................................................... 9 CAPÍTULO 2 COLHEITA DE DERRAMES CAVITÁRIOS ..................................................................................... 13 CAPÍTULO 3 ETAPAS DA ANÁLISE DOS LÍQUIDOS CAVITÁRIOS ...................................................................... 21 UNIDADE II CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES ............................................................................................................ 36 CAPÍTULO 1 PROCESSOS DE ACÚMULO DE FLUIDOS .................................................................................. 36 UNIDADE III DISTÚRBIOS SELECIONADOS ................................................................................................................ 45 CAPÍTULO 1 CLASSIFICAÇÕES ESPECÍFICAS............................................................................................... 45 UNIDADE IV CAPÍTULO 1 ANATOMIA, FISIOPATOLOGIA E EXAMES COMPATÍVEIS ............................................................. 60 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 80 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução F isiologicamente, apenas uma pequena quantidade de fluido está presente nas cavidades corporais dos animais, com o propósito de fornecer lubrificação entre as superfícies dos órgãos e servir como meio de transporte de eletrólitos e outras substâncias. O acúmulo patológico de efusões nas cavidades torácica, pericárdica e peritoneal dos animais ocorre por variadas condições. O conhecimento do tipo de fluido acumulado, juntamente a uma anamnese e exame clínico bem feitos, conduzirão – na maioria das vezes – a um diagnóstico seguro. Portanto, a análise laboratorial da efusão é de grande valor para a identificação do processo que causou seu acúmulo e, além disso, apresenta a vantagem de ser um exame prático, rápido e pouco dispendioso. Em certas situações, a análise do líquido tem valor diagnóstico como, por exemplo, quando é possível identificar uma neoplasia ou metástase ou um agente infeccioso por meio da avaliação citológica, ou quando é possível constatar uma ruptura de bexiga ou vesícula biliar por meio da avaliação bioquímica da amostra. Esse módulo abordará todas as etapas da análise de efusões cavitárias, desde a colheita, considerando o local e as particularidades entre diferentes espécies, recomendações acerca do armazenamento e envio da amostra, avaliação laboratorial, enfatizando a importância e execução de cada etapa e exame citológico, permitindo realizar a classificação e interpretação dos diferentes fluidos. Serão apresentadas imagens de exames citológicos, contribuindo, assim, para a identificação das mais variadas alterações, auxiliando no aprendizado do aluno. Objetivos » Conhecer a fisiopatogenia do acúmulo de líquidos nas cavidades corporais. » Classificar as efusões de acordo com a sua composição. » Reconhecer as principais alterações citológicas em cada tipo de efusão. » Avaliar e interpretar o exame de líquido sinovial. 8 9 UNIDADE I FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS CAPÍTULO 1 Mecanismo de formação dos derrames cavitários A serosa que reveste os espaços cavitários é composta por dois elementos principais: células mesoteliais e tecido conjuntivo. A camada de células mesoteliais fornece a maior parte da barreira de difusão e proteção entre os órgãos e a cavidade. As células mesoteliais sintetizam macromoléculas e enzimas do tecido conjuntivo, participam do transporte transcelular e estimulação hormonal. Além disto, possuem especialidades como microvilosidades apicais para aumentar sua superfície de contato e secretar glicoproteínas ricas em ácido hialurônico e fosfolipídios, os quais contribuem para diminuir o atrito entre as superfícies dos órgãos. Essas células possuem junções estreitas entre as células mesoteliais adjacentes e, portanto, a permeabilidade do mesotélio é semelhante à do tecido endotelial vascular. O volume de água corporal nos animais corresponde a cerca de 65% do peso total. Essa distribuição está dividida em dois compartimentos: o líquido extracelular e o líquido intracelular. O líquido extracelular corresponde aproximadamente a 24% do volume de líquido total e inclui o plasma (4%), o líquidotissular ou intersticial (15%) e o líquido transcelular (5%). Este último inclui o líquido presente nas cavidades corporais, vísceras ocas, olhos e nos produtos de secreção das várias glândulas, espaços sinoviais e o líquido cefalorraquidiano. Fisiologicamente, apenas uma pequena quantidade de fluido está presente nas cavidades corporais dos animais para fornecer lubrificação entre as superfícies 10 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS dos órgãos, bem como para fornecer meio de transporte de eletrólitos e outras substâncias. A quantidade de líquido presente nas cavidades é tão diminuta que sua colheita é inviável, principalmente em pequenos animais, variando em torno de 0,5 e 15 mL na cavidade peritoneal. O fluido normal da cavidade corporal é um ultrafiltrado seroso com baixa celularidade e baixa concentração de proteínas. A taxa de formação desse fluido é dependente dos gradientes de pressões hidrostática e oncótica entre os vasos e as cavidades corporais, permeabilidade vascular e integridade da drenagem linfática, de forma que qualquer alteração nessa interação pode favorecer o acúmulo de líquidos. Quando esse acúmulo se torna grave, como consequência, há formação de um tamponamento (uma barreira) e comprometimento das funções viscerais. A seguir serão demonstrados os principais mecanismos responsáveis pela formação de fluidos nos espaços peritoneal e torácico. Os principais mecanismos incluem a diminuição da pressão oncótica plasmática, a sobrecarga vascular, a obstrução linfática e o aumento da permeabilidade vascular. Aumento da pressão hidrostática capilar A pressão hidrostática nos capilares tende a forçar o líquido e as substâncias nele dissolvidas através dos poros capilares para os espaços intersticiais. A pressão hidrostática capilar pode ser elevada devido ao aumento na pressão arterial ou pela diminuição da resistência arteriolar. Quando o aumento da pressão hidrostática intravascular excede a pressão coloidosmótica capilar, ocorre extravasamento de líquido para o interstício. A hipertensão portal é uma causa frequente de formação de líquido peritoneal e ocasionalmente pleural. Assim como o aumento da pressão hidrostática nos capilares alveolares pode causar transudação de líquido para o parênquima pulmonar e para a pleura, a elevação da pressão hidrostática capilar pode resultar de insuficiência cardíaca congestiva ou estase portal, inflamação ou obstrução dos vasos por tumores ou nódulos e aumento da resistência pulmonar. 11 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Diminuição da pressão coloidosmótica As proteínas são os únicos constituintes dissolvidos no plasma e nos líquidos intersticiais que não atravessam facilmente os poros capilares. Dessa forma, elas são responsáveis pelas pressões osmóticas nos dois lados da membrana capilar. A pressão coloidosmótica exercida pelas proteínas plasmáticas tende a fazer com que o líquido se movimente por osmose dos espaços intersticiais para o sangue, o que impede a perda significativa de líquido do sangue para os espaços intersticiais. A diminuição da pressão coloidosmótica ocorre em consequência da hipoalbuminemia. A albumina é responsável por cerca de 75% da pressão oncótica, e os demais 25% correspondem às globulinas. Quando há hipoproteinemia acentuada, ocorre a saída de fluido para o interstício. As efusões secundárias relativas exclusivamente à diminuição da pressão oncótica são transudatos puros que têm concentração proteica e celularidade muito baixas. A hipoalbuminemia é causada pela diminuição da produção de albumina em pacientes com doença hepática, glomerulopatia ou enteropatia, havendo, portanto, perda proteica, diminuição da absorção intestinal e desnutrição grave. Concentrações de albumina menores que 1 g/dL são geralmente necessárias antes que a diminuição da pressão oncótica seja considerada a única causa da formação de efusões. Obstrução linfática O sistema linfático representa uma via por meio da qual o líquido pode fluir dos espaços intersticiais para o sangue. Quase todos os tecidos corporais possuem canais linfáticos especiais, que drenam o excesso de líquido diretamente dos espaços intersticiais para os vasos linfáticos e dele diretamente de volta ao sangue. O líquido que retorna à circulação pelos vasos linfáticos contém substâncias de alto peso molecular, como as proteínas. A concentração de proteína no líquido intersticial da maioria dos tecidos é, em média, cerca de 2 g/dL, e a da linfa que flui desses tecidos é próxima a esse valor. A linfa que se forma no fígado apresenta concentração elevada de proteína (aproximadamente 6 g/dL), e a 12 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS linfa formada no intestino tem concentração de proteína de valor inferior ao mencionado anteriormente (3 a 4 g/dL). Em condições normais, quando há retenção de líquido intersticial e menor reabsorção pelos vasos sanguíneos, há uma compensação pelo aumento da drenagem linfática. Quando a capacidade de compensação do sistema linfático for ultrapassada, ocorrerá o acúmulo de fluido. Alguns distúrbios podem colaborar para essa alteração, como no caso da ocorrência de neoplasias compressivas, processos inflamatórios e infecciosos nos linfonodos, os quais podem resultar em obstrução linfática. Aumento da permeabilidade vascular O aumento da permeabilidade vascular está relacionado à ação de substâncias mediadoras inflamatórias, como a histamina, bradicinina e leucotrienos, que causam alteração morfológica na parede endotelial, permitindo a exsudação de fluido rico em proteínas. Esse fenômeno, em geral, é acompanhado pela migração de leucócitos, principalmente os neutrófilos. A elevada pressão coloidosmótica intersticial, devido ao excesso de proteínas no tecido conjuntivo, provoca o aumento da quantidade de líquido tissular. Quando o processo inflamatório está associado à sepse, uma lesão vascular secundária aumenta a permeabilidade vascular. Em alguns casos, como as flebites e vasculites, a lesão primária ocorre no vaso. 13 CAPÍTULO 2 Colheita de derrames cavitários A maioria dos tutores não percebe a presença de efusão nos seus animais até que haja um grande acúmulo, causando alterações respiratórias. Pequenos animais com acúmulo de líquido cavitário torácico e abdominal geralmente apresentam um desconforto decorrente da dispneia, sendo este o sinal clínico mais comum. As técnicas de colheita de derrames cavitários são semelhantes entre as espécies, com pequenas modificações. A confirmação da presença de acúmulo de líquido deve ser confirmada a partir do exame físico e exames complementares de imagem, o qual também auxilia a determinar o melhor local para a punção. A colheita do líquido deve ser precedida por tricotomia ampla e antissepsia do local, como a que é realizada para procedimentos cirúrgicos. Esse cuidado visa evitar o desenvolvimento de infecções iatrogênicas secundárias à colheita. A punção é realizada pela inserção de agulhas hipodérmicas ou cateteres, com o auxílio de seringas e válvulas de três vias. Esse procedimento tem por objetivo a obtenção de amostras para análise laboratorial, e também valor terapêutico, por causar alívio do desconforto, devido ao grande volume de fluido presente em alguma cavidade do animal. O volume de líquido destinado ao exame de efusões pode variar entre 5 a 15mL. A obtenção de um volume muito reduzido pode prejudicar ou impossibilitar a realização ou repetição de alguma etapa da avaliação laboratorial. Abdominocentese A paracentese abdominal é considerada uma técnica invasiva de baixo risco, pois poucas são as complicações descritas na literatura. Para uma efusão de volume pequeno a moderado, uma agulha simples de paracentese é suficiente para obter a quantidade necessária para a análise do fluido. Volumes maiores são preferencialmente removidos utilizando um cateter acoplado a um equipo macrogotas,e o líquido abdominal é drenado por ação da gravidade, sem a necessidade de auxílio de sucção com seringa. 14 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Em pequenos animais, o paciente deve ser posicionado em decúbito lateral, e o local de punção indicado é na linha média ventral do abdômen, 1 a 2 cm caudal ao umbigo. Nesse local de inserção da agulha ou cateter, evita-se a gordura falciforme, que pode bloquear completamente a saída do fluido. Dependendo do porte do animal, a agulha utilizada geralmente é a 40x12 mm ou 20-22 gauge, ou ainda com o auxílio de um cateter plano ou fenestrado de 20 a 16 gauge, o qual aumenta a eficácia do procedimento. Para evitar que haja cistocentese acidental, recomenda-se o esvaziamento da bexiga antes do procedimento. A colheita por agulha não é considerada o melhor método quando se deseja retirar grande volume de fluido, pois pode ocorrer entupimento da agulha quando em contato com o omento. Caso não seja mais visível a saída do líquido, a agulha pode ser rotacionada ou pode ser acoplada uma seringa, aplicando-se uma leve pressão negativa para proceder o esvaziamento. Quando for utilizado um cateter sem agulha, pode-se ainda fazer uma compressão abdominal para aumentar o volume da colheita de líquido. Em casos de acúmulo de líquido após um procedimento cirúrgico, a agulha deve ser inserida a uma distância de pelo menos 1,5 cm do local da incisão. Dessa forma, evita-se que haja perfuração de alguma víscera abdominal a qual pode ter-se aderido à parede, junto ao processo cicatricial. A abdominocentese guiada por ultrassom permite a coleta de efusões mesmo quando há a presença de uma quantidade mínima de líquido. Nos ruminantes, a análise e colheita do líquido peritoneal são de grande auxílio no estabelecimento e/ou muitas vezes no diagnóstico e prognóstico de alguns distúrbios gastrointestinais, deslocamento abomasal, uroperitônio e até nos casos de hidropisia dos envoltórios fetais. Normalmente, utiliza-se para a centese abdominal uma agulha de calibre moderado 30x7 ou 40x12, dependendo da espécie animal. Contudo, o uso de trocarte ou de uma cânula de teta após a incisão da pele também pode ser indicado. A utilização de tranquilizantes em animais inquietos pode ser requerida, mas deve-se fazer com que o animal, de preferência, permaneça em posição quadrupedal. Em animais monogástricos, o líquido peritoneal é colhido no ponto mais ventral do abdome. No entanto, a mesma orientação anatomotopográfica não pode ser utilizada para os animais ruminantes adultos, já que resultaria na punção da parede 15 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I rumenal. É recomendável, portanto, que se colha o líquido peritoneal no local mais próximo de onde o problema está ocorrendo, devido à capacidade dos ruminantes restringirem os processos infecciosos e/ou inflamatórios em uma região específica da parede abdominal. Por exemplo, em um animal com suspeita de reticuloperitonite, a abdomincentese deve ser realizada na região em que se encontra o retículo, no quadrante abdominal cranial esquerdo, preferencialmente com o animal em posição quadrupedal. Em bovinos adultos, a melhor indicação para a centese é 5 cm à direita da cicatriz umbilical, tomando-se o máximo cuidado para não causar injúria com a agulha nos grandes vasos (Figura 1). Os bezerros devem ser posicionados em decúbito lateral esquerdo e dois locais podem ser utilizados para punção do fluido, sendo ligeiramente na região dorsal e caudal ao umbigo (não é incomum a perfuração do abomaso) e, caso não se obtenha sucesso, pode-se tentar o ponto mais central da região inguinal. A abdominocentese em caprinos e ovinos é feita para esclarecer a provável causa de uma distensão abdominal (ascite, uroperitônio, sobrecarga, hidropisia de anexos fetais). A ruptura de bexiga causada por urolitíase obstrutiva é uma causa frequente que acomete os animais machos. A punção é realizada no ponto mais ventral do abdome, de 2 a 4cm à direita da linha média, evitando a perfuração do rúmen. Figura 1. Local de coleta de líquido peritoneal em uma vaca com torção de ceco. Fonte: Alcindo, 2019. . 16 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS O acidente mais comum observado durante a realização da centese abdominal em grandes animais é a perfuração de uma alça intestinal, cujo conteúdo pode ser confundido com líquido peritoneal. Em algumas situações, o derrame de conteúdo intestinal na parede abdominal provoca o desenvolvimento de peritonite assintomática ou clínica, principalmente em bezerros. Nas doenças abdominais dos equinos, a avaliação do fluido na diferenciação de peritonites sépticas e assépticas é de extrema importância. Animais com endotoxemia também apresentam alterações nesse fluido. Nos cavalos com cólica, a análise do líquido peritoneal é um meio indireto de avaliação das alças intestinais, pois quando apresentam hipoxia em decorrência de torções, obstruções, infartos e/ou outras alterações, ocorrerá passagem de células e proteína para o líquido peritoneal, alterando sua composição normal. A colheita do líquido peritoneal em equinos é realizada a partir da inserção de uma agulha 40x12 mm de aproximadamente 10 cm caudalmente à apófise xifoide, no ponto mais ventral do abdome. Os animais são colocados em tronco de contenção apropriado, onde permanecem por alguns minutos para adaptação ao local. As duas técnicas mais utilizadas para a colheita do líquido peritoneal em equinos envolvem a mesma localização anatômina supracitada. A coleta deve ser precedida por tricotomia (15 x 15 cm) e técnicas adequadas de antissepsia. O procedimento deve ser realizado com a utilização de luvas estéreis para minimizar o risco de contaminação da cavidade. Na técnica mais utilizada, pode ser feito o uso de infiltração de anestésico local ou não, faz-se uma pequena incisão de pele e musculatura, introduzindo-se 2 cm de uma lâmina de bisturi, perfurando o peritônio. Com o auxílio de uma cânula mamária de bovino ou cateter urinário de cadela, coleta-se o fluido peritoneal (Figura 2). Essa técnica, além de evitar lecerações, devido à ponta romba da cânula, permite a obtenção de um maior volume de líquido, porém é um instrumento que demanda cuidados de esterilização. Na segunda técnica, a perfuração da linha branca, da musculatura e do peritônio é feita com uma agulha descartável 40 x 12, introduzindo-se cerca de 2 cm da agulha em um movimento único e, delicadamente, introduz-se a agulha, milímetro a milímetro, até o líquido começar a fluir (Figura 3). Apesar da facilidade da técnica e do material de fácil acesso para utilização (descartável), esse procedimento apresenta como desvantagens o maior número de acidentes de coleta, como, por exemplo, perfurações de alças intestinais, vasos sanguíneo e musculatura, e propicia um menor volume de líquido coletado. 17 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Figura 2. Técnica para coleta de líquido peritoneal em equinos, por meio de pequena incisão com um bisturi, na pele e musculatura, perfurando o peritônio e introduzindo uma cânula mamária romba. A B Fonte: (A) Feitosa, 2014 e (B) Jorde, 2010. Figura 3. Utilização de agulha descartável para a realização da abdominocentese. A B Fonte: (A) Feitosa, 2014. (B) Adair, s/d. s, Figura 4. Complicações da técnica de paracentese abdominal com o uso de agulha. (A) – perfuração de alça intestinal; (B) – tamanho insuficiente para transpassar a gordura retroperitoneal em animais obesos. A B Fonte: Feitosa, 2014. 18 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Pericardiocentese A pericardiocentese pode ser realizada com o animal posicionado em decúbito lateral esquerdo ou esternal, ou ainda em estação. A contenção deve ser adequada, tendo a opção de sedação, que se faz necessária muitas vezes para evitar acidentes como uma punção cardíacae laceração de vasos importantes. Uma ampla área do hemitórax direito, na região da terceira à oitava costela, é onde se realiza a tricotomia e antissepsia adequadas. A aplicação de anestésico local, como a infiltração na pleura com lidocaína, pode ser usada para diminuir o desconforto ocasionado pela penetração da agulha. A punção é geralmente realizada entre o quarto e quinto espaço intercostal, na junção costocondral. Faz-se a inserção com um cateter ou agulha (adequados ao tamanho do animal) conectados a uma torneira de 3 vias, um extensor e uma seringa (Figura 5), com uma aplicação suave de pressão negativa. O monitoramento por eletrocardiograma (ECG) é recomendado durante a pericardiocentese, uma vez que o contato cardíaco da agulha durante a coleta pode ocasionar arritmias. Em bovinos, a pericardiocentese deve ser realizada por um profissional experiente, a área onde será feita a punção deve ser detectada para demarcação de sua margem caudal, realizando-se a punção no primeiro espaço intercostal caudal a esta área. Utiliza-se agulha com mandril, calibre 15 ou 20, com 15 a 20 cm de comprimento, introduzida craniomedialmente até que se obtenha o fluido pericárdico. O local de entrada da agulha é próximo ao ângulo entre a cartilagem xifoide e o arco costal esquerdo. Figura 5. Equipamento básico para toracocentese, pericardiocentese ou abdominocentese – agulhas hipodérmicas, seringa, cateter, torneira de três vias e extensor. Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. 19 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Toracocentese A toracocentese é indicada para coleta de amostras para fins de diagnóstico em animais com com efusão pleural, remoção de líquido ou ar pleural para estabilização da condição com ventilação comprometida. Os derrames pleurais são tipicamente abundantes e bilaterais, mas podem ser discretos, unilaterais e/ ou compartimentados. Exames de imagens, como radiografias do tórax, ajudam a determinar o local afetado e a extensão tomada pela efusão. No caso em que o líquido torna-se compartimentado, esses exames de imagens podem auxiliar no compartimento em que se encontra o fluido e guiar o clínico com maior segurança para a realização da toracocentese. Já quando o derrame não é compartimentado, o animal é contido em decúbito esternal ou em estação. A tranquilização e/ou anestesia local não são necessárias para a colheita de uma pequena amostra para análise laboratorial. A sedação pode ser útil para diminuir o estresse do paciente, principalmente quando o intuito é proporcionar conforto respiratório ao animal. Pode ser necessária a drenagem de uma quantidade maior de líquido do tórax. Realizam-se a tricotomia e a antissepsia local, um anestésico local pode ser administrado no sítio da toracocentese, e o procedimento é realizado no terço inferior do tórax, próximo à junção costocondral, no sexto, sétimo ou oitavo espaço intercostal em pequenos animais. Em equinos, a região indicada para punção é no sexto espaço intercostal do lado esquerdo ou quinto espaço intercostal do lado direito do tórax (Figura 6), já para ruminantes e suínos, no quinto espaço no lado esquerdo ou quarto espaço intercostal no lado direito. Para minimizar o risco de injúrias e laceração dos vasos localizados na borda caudal da costela, a agulha utilizada deve ser inserida em um local que atinja a superfície cranial da costela, no entanto, a agulha e o cateter devem estar infiltrados abaixo da linha do derrame, assim o ar não será aspirado para dentro da cavidade torácica. No caso em que um volume maior de fluido tiver de ser removido ou tiver de ser retirada a seringa para novamente ser preenchido, uma válvula de três vias acoplada a um extensor deve ser utilizada. Se somente uma pequena amostra tiver de ser colhida, a seringa pode estar conectada ao cateter infiltrado. O fluido deve ser, então, aspirado delicadamente, e o cateter retirado com a seringa que estava nele conectada depois da aspiração. 20 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Figura 6. Colocação de tubo torácico, com localização dorsal, em uma égua árabe de 13 anos, apresentando abundante líquido pleural séptico associado à pleuropneumonia. Fonte: Equine Internal Medicine, 2018. 21 CAPÍTULO 3 Etapas da análise dos líquidos cavitários O aumento de líquido nas cavidades peritoneal, pleural e pericárdica é relativamente comum em medicina veterinária e pode ser resultante de uma variedade de enfermidades primárias. A colheita e análise desse fluido são consideradas exames práticos, rápidos e capazes de fornecer informações úteis que auxiliam na identificação da etiopatogenia. Esse exame é composto por três etapas: avaliação física, celular e bioquímica. A avaliação celular é dividida em análise quantitativa e qualitativa (ou citológica). Além dessas etapas do exame, a amostra de líquido também pode ser destinada a outros tipos de avaliações, tais como: molecular (PCR), ensaios imunológicos, eletroforese proteica, cultura microbiana, marcações imunocitoquímicas, dentre outras. A colheita e conservação da amostra realizadas de forma adequada são essenciais para que se tenha um resultado fidedigno. Manipulação da amostra Depois da colheita do líquido, este deve ser armazenado preferencialmente em dois tubos, um contendo anticoagulante EDTA e outro tubo estéril sem anticoagulante. O EDTA é o anticoagulante de escolha devido à sua conhecida capacidade de preservação da morfologia celular, portanto, a amostra armazenada no tubo com anticoagulante será utilizada para a contagem celular e avaliação citológica. Por outro lado, a amostra sem anticoagulante será utilizada para as determinações bioquímicas. Como o EDTA é bacteriostático, a amostra conservada nesse tubo não deve ser enviada para cultura microbiológica e, algumas vezes, somente depois da avaliação citológica haverá a indicação para a realização desse exame. Da mesma forma, as dosagens bioquímicas adicionais, como triglicerídeos, creatinina, lipase, amilase, bilirrubina, podem ser indicadas somente em determinadas situações. Para evitar que determinada análise laboratorial não seja feita em decorrência da indisponibilidade de amostra adequada, recomenda-se que a amostra seja sempre armazenada nos dois tubos indicados. 22 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS As amostras devem ser encaminhadas imediatamente ao laboratório sob refrigeração. Convém destacar que, com o intuito de prevenir alterações causadas por degeneração celular in vitro, os esfregaços para avaliação citológica devem ser preparados o mais cedo possível após a colheita do líquido. O envio concomitante de lâminas confeccionadas com o material fresco é ideal para que o patologista possa comparar a celularidade e o aspecto das células com aquele da amostra enviada, por vezes excedendo um período de 24 horas. Esse procedimento visa garantir a integridade das células e suas características morfológicas. Amostras mal conservadas e avaliadas, depois de um período superior a 24 horas, podem apresentar deterioração celular, picnose, hipersegmentação nuclear e proliferação de micro-organismos, muitas vezes tornando-se impossível a identificação do tipo celular. Após a confecção dos esfregaços, a amostra deve ser mantida refrigerada até a realização do exame. Após a confecção do esfregaço, este deve ser imediatamente seco ao ar, identificado e acondicionado em porta-lâmina, o qual deve ser mantido em temperatura ambiente até o envio ao laboratório. Recomenda-se enviar o material sem qualquer outro tipo de procedimento de fixação ou coloração, assim o patologista responsável pela análise do material poderá escolher o método de coloração que julgar mais apropriado para o tipo de amostra e suspeita clínica. O armazenamento de lâminas em temperaturas inferiores às do ambiente pode predispor à lise celular de forma direta ou por meio da formação degotículas de água em sua superfície. Ocasionalmente, será necessário realizar a correlação de uma determinada dosagem bioquímica na efusão com o nível presente no sangue. Dessa forma, deve-se considerar a necessidade de se coletar e enviar ao laboratório responsável pela análise da efusão, uma amostra de sangue total sem anticoagulante, dependendo do conjunto de suspeitas clínicas. Por vezes, durante a interpretação do resultado da análise de esfusões, alguns dados provenientes de um hemograma recente do animal – como volume globular, concentração e/ou morfologia de hemácias, plaquetas e leucócitos – são considerados úteis. Desse modo, a realização de um hemograma concomitantemente ao exame de efusões pode contribuir para a interpretação do caso clínico. Exame físico Antes de iniciar a etapa de análise dos parâmetros físicos do líquido cavitário, é importante se certificar de que a amostra se encontra em temperatura ambiente, pois a homogeneização de amostras refrigeradas pode causar ruptura celular. Além disso, a 23 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I mensuração da proteína total pode ser erroneamente interpretada, caso a amostra não seja processada em temperatura ambiente. No exame físico, serão avaliados parâmetros como cor e aspecto, atentando- se para a característica do líquido antes e depois da centrifugação da amostra, densidade e concentração proteica. A amostra deve ser examinada macroscopicamente quanto à coloração, aspecto, presença de coágulos, fibrina e grumos. A presença de coágulos no tubo com EDTA alerta para a celularidade possivelmente reduzida. Essa avaliação inicial é importante para que se possa definir a melhor forma de manipulação laboratorial do líquido. Por exemplo, em uma amostra com presença de partículas como fibrina ou grumos, a contagem de células não deve ser realizada em contador automático, devendo-se proceder à contagem manual em câmara de Neubauer. Da mesma forma, ao verificar que uma amostra apresenta elevada turbidez, a citocentrifugação para preparo da amostra citológica não terá o mesmo benefício que o de uma amostra límpida. Coloração e aspecto Fisiologicamente, o fluido cavitário tem coloração semelhante ao plasma. Em processos patológicos, essa coloração pode variar dependendo da composição do líquido, podendo ser incolor, amarelada, avermelhada, amarronzada, esverdeada, esbranquiçada. Quanto ao aspecto, as amostras de líquido cavitário podem ser classificadas em turvas ou límpidas. Amostras incolores e límpidas são aquelas provenientes de transudatos puros, enquanto as amostras de coloração amarelada podem sugerir transudato modificado ou uroperitôneo. Amostras avermelhadas podem ser resultantes de processos hemorrágicos ou por contaminação iatrogênica durante a coleta. A coloração esverdeada pode sugerir efusão biliosa, enquanto fluidos amarronzados podem ser classificados como exsudatos sépticos ou aspiração de conteúdo intestinal. Amostras turvas e esbranquiçadas podem se referir a uma efusão quilosa. Quanto à turbidez da amostra, esta pode ser decorrente da elevada celularidade, portanto, espera-se que depois da centrifugação do líquido ocorra sedimentação dos componentes celulares, proporcionando uma diferença visual entre o aspecto da amostra prévio e posterior à centrifugação, facilitando a realização do exame químico. 24 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Determinação das proteínas totais A concentração de proteínas nos fluidos corporais normais é menor que 2,5 g/dL. A determinação de proteínas totais das efusões pode ser obtida por refratometria ou análise bioquímica (técnica de biureto). Esse parâmetro é preferencialmente realizado a partir da amostra colhida em tubo seco, destinado a análises bioquímicas, pois alguns tubos com EDTA contêm aditivos para evitar a cristalização, o que pode causar um falso aumento da proteína. Em tubos com EDTA sem aditivos, quando a proporção da amostra anticoagulante é respeitada, ocorre pouca influência sobre a concentração de proteínas. Ambos os métodos podem ser utilizados e apresentam boa acurácia. Em amostras opacas e turvas, o líquido deve ser centrifugado e, dessa forma, a determinação é obtida a partir do sobrenadante. Se o sobrenadante permanecer corado pela hemoglobina/bilirrubina ou opaco devido à presença de lipídios, a leitura no refratômetro ou a análise bioquímica podem não ser confiáveis. Densidade específica A densidade específica frequentemente é obtida por meio de refratometria. No entanto, a escala para gravidade específica está calibrada para urina e pode se aproximar da gravidade específica de um líquido cavitário pobre em glicose e proteína, pois a maior parte do índice de refração do líquido se deve a eletrólitos, semelhante a uma amostra de urina. Recomenda-se a calibração periódica do refratômetro com água destilada. A densidade específica é um reflexo da quantidade de solutos dissolvidos no fluido, como proteínas totais, glicose, ureia, bilirrubina e eletrólitos. Contagem total de células A determinação da contagem total de células nucleadas (CTCN) pode ser feita tanto em contador automático como manualmente, utilizando-se o hemocitômetro. A presença de grumos, fragmentos e debris celulares pode causar erros nas contagens efetuadas por ambas as técnicas. Se as células nucleadas estiverem presentes em aglomerados, a CTCN será subestimada. A contagem de eritrócitos normalmente não é realizada, a menos que a contagem de células seja feita em contador automático. Dessa forma, esse dado será liberado automaticamente. 25 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Nos fluidos corporais normais dos animais, a quantidade de células é inferior a 3.000/µL, com a maioria das amostras sendo inferior a 1.000/µL. Exame citológico O tipo de esfregaço confeccionado para a análise citológica depende do aspecto e da celularidade do fluido. Para amostras com CTCN acima de 20.000/µL, pode ser preparado um esfregaço direto, utilizando-se a técnica comum para confecção de esfregaço sanguíneo (Figura 7) ou pela técnica de compressão (squash) (Figura 8). Conforme se verifica na Figura 7-A, as etapas para a confecção de um esfregaço linear são as seguintes: A – primeiramente, coloca-se uma gota da amostra de fluido sobre uma das extremidades da lâmina de microscopia e, em seguida, com o auxílio de uma lâmina extensora, recua-se suavemente para trás, até entrar em contato com a gota; B – ao entrar em contato com a gota, essa se espalha rapidamente na superfície da extensora; C e D – em um movimento único, desliza-se suavemente e rapidamente a extensora ao longo do comprimento da lâmina de preparação, produzindo o esfregaço citológico. As etapas para a confecção de um squash são demonstradas na Figura 7-B. Coloca-se uma gota da amostra de fluido sobre uma das extremidades da lâmina de microscopia e recobra-se a amostra com a lâmina extensora limpa; B – isso faz com que a amostra se espalhe naturalmente, tomando cuidado para não aplicar pressão excessiva sobre a extensora, o que pode propiciar ruptura celular; C e D – desloca-se suavemente a extensora ao longo do comprimento da lâmina de preparação, resultando em um esfregaço com uma borda suave. Figura 7. Etapas da confecção de um esfregaço linear. Fonte: Diagnóstico citológico e hematologia de cães e gatos, 2009. 26 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Figura 8. Etapas da confecção de um esfregaço pela técnica de compressão ou squash. Fonte: Diagnóstico citológico e hematologia de cães e gatos, 2009. Os esfregaços do sedimento são utilizados para amostras com baixa a moderada celularidade. Isto é feito centrifugando-se 2 mL ou mais de fluido em um tubo de fundo cônico, por 5 minutos e em uma velocidade de aproximadamente 1.500 rpm. O sobrenadante é, então, removido e pode ser utilizado para a determinação de proteínas. O sedimento é reconstituídoem algumas gotas do sobrenadante remanescente, homogeneizado e utilizado para o preparo de esfregaços, preferencialmente por compressão (squash), formando uma monocamada. Essa técnica favorece a distribuição celular mesmo quando as células estão agrupadas, de forma que os detalhes celulares podem ser adequadamente avaliados (Figura 9). Deve-se ter atenção para a força empregada na execução da técnica, para que não ocorra excessiva ruptura celular. Figura 9. (A) Amostras com baixa a moderada celularidade são preferencialmente concentradas a partir da centrifugação do líquido em um tubo de fundo cônico. (B) O sobrenadante é removido, e o sedimento é homogeneizado e utilizado para a preparação citológica, na forma de squash . A B Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. 27 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Na ausência da citocentrífuga, uma câmara de sedimentação que permita a concentração de células em amostras com baixa celularidade – a partir de um método gravitacional – pode ser adaptada. Essa técnica envolve a utilização de um pedaço de papel de filtro com um orifício central sobre uma lâmina de vidro e o cano de uma seringa de 1mL com a superfície que se acopla à agulha cortada. O uso de clipes de fichário é utilizado com o intuito de prender o cano da seringa ao papel de filtro e à lâmina. Um pequeno volume de fluido, aproximadamente 250µL, é colocado no cano da seringa e deixado em repouso por até 30 minutos. O excesso de fluido será absorvido pelo papel de filtro, e a gravidade concentrará as células no orifício central da lâmina (Figura 10). Figura 10. Um sistema de sedimentação gravitacional pode ser confeccionado utilizando papel de filtro, um furador, uma seringa, grampos de fichário e uma lâmina de vidro. Fonte: Almeida, 2019. Quando houver dúvida quanto ao tipo de preparação citológica, uma ou mais técnicas podem ser realizadas para que seja avaliada e selecionada a melhor lâmina para o exame citológico. Recomenda-se confeccionar pelo menos quatro lâminas, tomando-se o cuidado de secar a amostra ao ar, por meio de repetidos movimentos de um lado para outro. Assim, o material é fixado na lâmina e minimiza-se a formação de artefatos. As citocentrífugas são equipamentos utilizados para a concentração celular de líquido com baixa CTCN, usualmente menor que 1.000/µL. Um exemplo são os transudatos e o líquor, apresentando vantagens sobre a técnica de centrifugação supracitada. No entanto, o seu alto custo é um fator limitante para o seu uso (Figura 11). 28 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Os corantes mais utilizados são os derivados de Romanowsky, como o Wright-Giemsa e o panótico rápido. Este último tem uma boa aceitação devido à praticidade e costuma ser um dos mais utilizados. Em algumas situações, são requisitados corantes especiais, como a coloração de Gram, a coloração álcool-ácido resistente e toluidina. Depois da coloração, o material está pronto para a avaliação microscópica. A avaliação citológica de líquidos cavitários é uma das etapas mais susceptíveis a interferências pré-analíticas, seja pelo tempo prolongado até a realização do exame, seja pelo armazenamento em temperatura inadequada, por proporção inadequada ou não do uso de anticoagulante, seja pela realização de um esfregaço espesso ou sem bordas, entre outras. Figura 11. Utilização da citocentrífuga para a concentração celular de líquido com baixa celularidade. Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. Nas amostras citológicas com baixa celularidade, provenientes de fluidos claros e incolores, o exame microscópico geralmente fornece pouca informação. No entanto, para efusões com celularidade moderada a elevada, o exame microscópico é uma das partes mais importantes da análise. Por meio desse exame, é possível realizar a contagem diferencial das células nucleadas, estimando-se, assim, o percentual de cada tipo celular. Em alguns laboratórios, a contagem de células mesoteliais é incluída na contagem diferencial. Se elas não estiverem incluídas, torna-se mais difícil a interpretação da CTCN, e a concentração dos outros tipos celulares não pode ser calculada ou estimada de forma adequada. Quando há presença de aglomerados celulares de 29 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I diferentes tipos celulares, pode haver uma alteração na estimativa de contagem, dependendo da quantidade de aglomerados presentes na área de contagem. Durante o exame citológico, são avaliadas as características morfológicas das células, como tamanho, aspecto nuclear e citoplasmático, e presença de estruturas fagocitadas. A presença de debris, micro-organismos, presença de material amorfo ou proteináceo, pigmentos intra ou extracelulares devem ser descritos para auxiliar na interpretação do exame. As células rotineiramente observadas nas efusões são os neutrófilos, macrófagos, linfócitos, células mesoteliais, hemácias e plaquetas, ocasionalmente eosinófilos e mastócitos e em alguns casos células neoplásicas. Células mesoteliais As células mesoteliais estão presentes na camada serosa que reveste as cavidades corpóreas e as superfícies viscerais. Na análise citológica, as células mesoteliais podem ser verificadas distribuídas individualmente ou em pequenos aglomerados coesos. Estão presentes em número variável nas cavidades peritoneal, pleural e pericárdica, distribuídas individualmente ou em aglomerados. Possuem núcleo redondo a oval, com quantidade moderada a abundante de citoplasma azul claro (Figura 12). Figura 12. (A) Presença de uma célula mesotelial binucleada com citoplasma intensamente basofílico. (B) Grupo de células mesoteliais reativas, com citoplasma basofílico e cálix eosinofílico, com uma célula binucleada (seta). Fonte:arquivo pessoal da autora, s/d. Ocasionalmente, as células mesoteliais podem apresentar características reativas, como a presença de bordas citoplasmáticas com fímbrias de coloração rósea, intensa basofilia citoplasmática, binucleação, alteração de padrão de cromatina, nucléolos proeminentes, anisocariose, anisocitose e figuras de mitose. 30 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Células mesoteliais reativas podem apresentar uma morfologia tão alterada que podem mimetizar células neoplásicas. Esse achado está associado ao acúmulo de líquido por tempo prolongado ou quando há envolvimento de um processo inflamatório. Essas amostras devem ser cautelosamente avaliadas para evitar erros de interpretação. Neutrófilos Os neutrófilos devem estar ausentes ou presentes em pequena quantidade no fluido normal, porém, são encontrados em grande quantidade quando há acúmulo crônico de fluido ou em processos inflamatórios. Citologicamente, os neutrófilos podem ser classificados como degenerados ou não degenerados. Para que essa classificação seja feita adequadamente, deve-se evitar os neutrófilos localizados próximos à cauda do esfregaço, os quais podem parecer degenerados devido à força mecânica durante a preparação citológica. Outra alteração causada durante a confecção ocorre em amostras espessas ou viscosas, nas quais os neutrófilos podem não se distribuir adequadamente e sua segmentação nuclear torna-se menos evidente. Nesses casos, o núcleo aparece arredondado, lembrando um linfócito, mas a célula pode ser identificada devido ao contorno lobulado do núcleo. Nas partes mais delgadas do esfregaço, é possível visualizar neutrófilos com morfologia mais próxima da normalidade. A vacuolização citoplasmática pode ser um artefato induzido pelo EDTA. Os neutrófilos não degenerados são semelhantes àqueles encontrados no sangue periférico, com cromatina nuclear basofílica e fortemente condensada. Essas células podem sofrer várias alterações morfológicas nas efusões. As alterações de envelhecimento, como a hipersegmentação nuclear, são frequentemente observadas. Por vezes, o núcleo de neutrófilos maisvelhos apresenta longos filetes de material nuclear ligando os lobos, uma característica frequentemente observada em amostras centrifugadas. A alteração final do envelhecimento é a picnose do núcleo, com condensação da cromatina na forma de uma ou mais estruturas arredondadas densamente coradas. O estágio final da morte celular, a cariorrexe, pode ser observado pela presença de múltiplos segmentos nucleares picnóticos no centro da célula. As alterações do envelhecimento representam simplesmente a morte celular e não devem ser confundidas com alterações degenerativas. Muitas vezes, os neutrófilos velhos podem ser observados fagocitados por macrófagos. 31 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Nos exsudatos sépticos, causados principalmente por bactérias produtoras de endotoxinas, há predomínio de neutrófilos degenerados. A degeneração celular pode ser tão intensa que as células podem não ser reconhecidas como neutrófilos. A presença de vários neutrófilos com características degenerativas deve indicar a busca por agentes infecciosos naquele líquido, pois nem sempre é possível observar o agente durante a análise citológica. A principal alteração degenerativa é o inchaço nuclear, devido à degeneração hidrópica, onde o núcleo apresenta uma coloração eosinofílica clara e perde a lobulação, assemelhando- se a um bastão. Macrófagos Ao deixarem a circulação sanguínea, os monócitos são chamados de macrófagos. Os macrófagos são os tipos celulares mais comuns em fluidos normais (Figura 13). Essas células podem apresentar um formato de núcleo variável, mais comumente observado na forma oval ou reniforme, com citoplasma amplo, frequentemente vacuolizado, e pode conter células fagocitadas (hemácias e leucócitos) e micro-organismos. Por vezes, a diferenciação entre macrófagos e células mesoteliais pode ser difícil, no entanto a diferenciação desses tipos celulares raramente possui significado diagnóstico. Linfócitos Nos fluidos normais, são observados pequenos linfócitos semelhantes aos do sangue periférico. Os linfócitos são prevalentes nas efusões quilosas, que consistem primariamente de linfócitos pequenos. Quando estimulados, os linfócitos podem se tornar reativos, os quais podem ser verificados em efusões inflamatórias. Essas células reativas são ligeiramente maiores que o linfócito pequeno e possuem quantidade de citoplasma variável e intensamente basofílico e podem se tornar plasmocitoides. Alguns linfomas podem esfoliar células neoplásicas, as quais podem ser vistas no fluido em quantidade variável. Geralmente, trata-se de linfoblastos com tamanho ligeiramente maior que neutrófilos, citoplasma variável, moderadamente basofílico, núcleo com cromatina levemente frouxa e com nucléolos evidentes. 32 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Figura 13. (A) Macrófago grande (ao centro) com citoplasma intensamente vacuolizado e presença de restos celulares fagocitados. (B) Leucofagocitose (seta). A B Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. Hemácias e plaquetas As hemácias podem ser observadas em efusões secundárias a processos hemorrágicos ou por contaminação com sangue periférico. A diferenciação é importante, e pode ser feita com base nos sinais clínicos e pela análise da citologia da efusão. Esse assunto será abordado na Unidade III, sobre efusão hemorrágica. A presença de plaquetas sugere hemorragia recente ou contaminação do fluido com sangue periférico durante a colheita. Tipos celulares menos frequentes Os eosinófilos podem estar presentes em pequena quantidade em efusões. Quantidade moderada a elevada desse tipo celular está geralmente associada a processos patológicos subjacentes. As efusões eosinofílicas contêm mais de 10% de eosinófilos. Elas podem ser classificadas como transudatos modificados ou como exsudatos não sépticos. Os derrames pleurais eosinofílicos caninos podem estar associados à dirofilariose (Figura 14), à granulomatose eosinofílica disseminada, à mastocitose sistêmica, à pneumonia intersticial, ao linfoma, ao hemangiossarcoma e ao carcinoma. Em gatos, os derrames eosinofílicos podem estar associados a linfoma, mastocitose sistêmica e síndrome hipereosinofílica. Infiltrados pulmonares são comumente detectados por radiografia. Em alguns animais com doença pulmonar, o pneumotórax precede o desenvolvimento do derrame pleural eosinofílico. Animais com granulomas hepáticos eosinofílicos multifocais desenvolvem um derrame abdominal transudativo ou eosinofílico. 33 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Figura 14. Efusão de um cão com dirofilariose. (A) Presença de numerosos eosinófilos; (B) Presença de microfilária, mastócitos e eosinófilos. A B Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. Os mastócitos podem ocorrer em pequena quantidade nas efusões e podem estar associados a distúrbios inflamatórios. Os mastocitomas em cavidades corporais podem estar associados com efusões e podem esfoliar um grande número de células (Figura 15). As células neoplásicas podem ser visualizadas em efusões, podendo ainda ser de origem epitelial, mesenquimal ou de células redondas. As principais neoplasias que podem estar relacionadas ao acúmulo de líquidos cavitários são: os carcinomas, linfomas, mastocitomas, hemangiossarcomas e mesoteliomas. Figura 15. Efusão neoplásica de um felino que apresentava mastocitoma esplênico Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. 34 UNIDADE I │ FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS Outros achados No exame citológico, também pode ser verificada a presença de outros elementos, como a hemossiderina e cristais de hematoidina, que são oriundos da degradação da hemoglobina durante o processo de destruição e reciclagem das hemácias. A presença desses elementos fornece indícios citológicos associados a efusões hemorrágicas. Nas efusões biliosas, podem ser verificados pigmentos de bilirrubina no interior de macrófagos e também precipitado ao fundo da preparação citológica. Micro-organismos, como bactérias, fungos, leveduras e protozoários, podem ser observados em amostras de líquidos cavitários e, eventualmente, em alguns tipos de cestódeos e nematódeos. Outros testes O cultivo microbiológico pode ser recomendado quando a análise citológica for sugestiva de infecção. Amostras de fluidos colhidas em tubos estéreis podem ser armazenadas para culturas bacterianas aeróbias, anaeróbicas e cultura fúngica. Como o EDTA é bacteriostático, a amostra deve ser encaminhada em tubos secos estéreis ou na própria seringa. As culturas anaeróbias não são refrigeradas e devem ser processadas dentro de 24 horas depois da colheita. Os anaeróbios obrigatórios geralmente exigem de 48 a 72 horas para os resultados finais da cultura. Em alguns casos, com o intuito de caracterizar determinados tipos de efusões, outros testes laboratoriais são necessários, como a determinação de concentrações bioquímicas de bilirrubina, creatinina, colesterol, triglicerídeos, albumina e globulinas, lipase e amilase (Tabela 1). Em alguns laboratórios, essas dosagens bioquímicas já fazem parte do exame de líquido cavitário. Em outros, a dosagem só é realizada mediante a solicitação. É importante frisar que para uma correta interpretação desses resultados, deve-se fazer a avaliação sérica concomitantemente. Tabela 1. Testes de diagnóstico de suporte para distúrbios específicos. Determinação bioquímica Desordem Interpretação Amilase e lipase Pancreatite Atividade sérica da lipase/amilase quadruplica a concentração no soro. Bilirrubina Efusão biliosa Concentração no fluido maior que a do soro duas vezes. Creatinina Uroperitôneo Concentração no fluido maior que a do soro duas vezes ou mais. Triglicerídeos Efusão quilosa Concentração no fluido maior que a do soro duas vezes ou mais. Colesterol Efusão pseudoquilosa Concentração no fluido maior que a do soro duas vezes ou mais. Albumina e globulina Peritonite infecciosafelina Concentração gama-globulina na efusão: 1,0 g/dL Razão albumina/globulina na efusão: 0,9 Proteína total de efusão: 8,0 g/dL Fonte: própria autora, s/d.. 35 FISIOPATOGENIA DO ACÚMULO DE LÍQUIDOS CAVITÁRIOS │ UNIDADE I Substâncias solúveis em água, de baixo peso molecular, como a glicose e o lactato, se difundem rapidamente entre a corrente sanguínea e a cavidade torácica. As concentrações de glicose no líquido pleural no equino são relatadas como similares às do plasma. O aumento da glicólise anaeróbica por células metabolicamente ativas (leucócitos ou células neoplásicas) ou organismos bacterianos pode diminuir as concentrações de glicose no fluido. Dessa forma, a diminuição das concentrações de glicose no líquido pleural (< 40 mg/dl) é, portanto, útil na suspeita de sepse, mesmo em equinos com culturas de líquido pleural negativo. Espera-se que o aumento da glicólise anaeróbica aumente as concentrações de lactato, assim, a detecção de concentrações de lactato maiores do que uma amostra de sangue pareada (ou atividade de lactato desidrogenase > 1000 UI/l) fornece mais suporte para suspeita de sepse. A menos que as amostras sejam processadas imediatamente, os tubos contendo anticoagulante fluoreto são necessários para resultados precisos. Essa substância impede o metabolismo celular, prevenindo a depleção de glicose in vitro e a formação de lactato pelas células e bactérias depois da coleta. O líquido peritoneal normal contém uma quantidade insignificante de fibrinogênio e, portanto, não coagula. Para a mensuração de fibrinogênio no líquido cavitário, deve-se armazená-lo em um tubo contendo anticoagulante EDTA. O aumento da concentração de fibrinogênio no líquido pode ocorrer iatrogenicamente devido à contaminação com sangue durante a coleta da amostra ou patologicamente com exsudação. 36 UNIDADE IICLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES CAPÍTULO 1 Processos de acúmulo de fluidos Os líquidos podem ser classificados em transudatos, transudatos modificados e exsudatos, com base principalmente na determinação de proteínas, contagem total de células nucleadas e aspecto citológico. O objetivo dessa classificação é auxiliar o clínico veterinário na determinação do processo responsável pelo acúmulo de fluido. Os parâmetros utilizados para a classificação são basicamente três: concentração de proteínas, contagem total de células e citologia. A Figura 16 ilustra a concentração de proteínas e contagem total de células nucleadas. Embora muitas vezes não seja possível estabelecer um diagnóstico definitivo avaliando-se apenas as características do fluido, a identificação do tipo de efusão auxilia a priorizar diferenciais e direcionar o diagnóstico. Em alguns casos, a análise tem valor diagnóstico, como na presença de células neoplásicas, agentes infecciosos, dentre outros. Transudato Os derrames transudativos são tipicamente claros e incolores, comumente possuindo baixo teor de proteínas (< 2,5 g/dL) e baixa CTCN (< 1.000/µL). Citologicamente, esses fluidos contêm principalmente células mononucleares, como linfócitos, macrófagos e células mesoteliais, com menor número de neutrófilos íntegros e raras hemácias (Figura 16). Qualquer tipo de irritação nas cavidades corporais pode resultar em hiperplasia mesotelial e eventual descamação de células mesoteliais no líquido. 37 CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES │ UNIDADE II Figura 16. Transudato com baixa celularidade. (A) Células mesoteliais; (B) Neutrófilos e macrófagos. A B Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. O termo ascite deve ser reservado para o fluido com conteúdo proteico baixo ou moderado e celularidade baixa a moderada (transudato ou transudato modificado). Geralmente, a ascite está relacionada com distúrbios de origem hepática ou cardiovascular ou, ainda, enteropatia ou nefropatia com grande perda proteica. Quando o líquido apresentar constituição semelhante ao transudato modificado, deve-se levar em consideração a concentração de proteína. A transudação é considerada um processo passivo, porque o acúmulo de líquido não é o resultado da permeabilidade alterada do leito capilar. Os transudatos puros formam-se mais frequentemente como resultado da hipoproteinemia. A albumina mantém a pressão coloidosmótica do plasma no sistema vascular, prevenindo o extravasamento de fluido e promovendo a reabsorção do líquido dos compartimentos extravasculares, como as cavidades corporais. Os transudatos resultantes apenas de hipoalbuminemia são formados quando a concentração de albumina plasmática é igual ou inferior a 1 g/dL. Se a pressão hidrostática vascular estiver aumentada, os transudatos podem se acumular em concentrações séricas de albumina maiores que 1 g/dL. As principais condições clínicas que resultam na formação desse tipo de transudato incluem diminuição da produção de albumina, o que pode ser observado em pacientes com insuficiência hepática, desnutrição, má digestão ou má absorção. O aumento da perda de albumina pode ocorrer em nefropatias como a glomerulonefrite, síndrome nefrótica e amiloidose renal. A albumina também pode ser perdida no trato gastrointestinal em enteropatias, parasitismo e neoplasia intestinal. Em animais internados, com albumina próxima a 2 g/dL, a sobrecarga por fluidoterapia pode resultar em líquido transudativo. Um transudato com baixa contagem de proteínas e baixa celularidade também pode ser observado em animais com uroperitônio recente. 38 UNIDADE II │ CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES A classificação de um fluido como transudato puro delimita o diagnóstico e exclui causas inflamatórias. Figura 17. Algoritmo para classificação das efusões com base na determinação de proteínas totais e contagem total de células nucleadas. Concentração de proteínas e contagem total de células nucleadas EFUSÕES ABDOMINAL/ TORÁCICA/ PERICÁRDICA < 2,5 g/dl proteínas < 1.500 células/µl 2,5 a 7,5 g/dl proteínas 1.000 a 7000 células/µl > 3,0 g/dl proteínas 7.000 células/µl > 3,0 g/dl proteínas Contagem variável de células TRANSUDATO TRANSUDATO MODIFICADO EXSUDATO EFUSÕES HEMORRÁGICAS E NEOPLÁSICAS Fonte: Diagnóstico Citológico e Hematologia de Cães e Gatos, 2009. Transudato modificado Os transudatos modificados ocorrem por mecanismos transudativos, em que há extravasamento vascular e/ou permeabilidade dentro dos capilares ou linfáticos. A coloração pode variar de esbranquiçado, amarelado, âmbar a avermelhado dependendo da etiologia, e o aspecto costuma ser turvo. O conteúdo de proteína varia de 2,5 a 7,5 g/dL, e a CTCN pode variar de 2.500 a 7.000/µL. A citologia desse líquido depende da sua origem, sendo que a maioria das células nucleadas é mononuclear, como macrófagos, linfócitos e células mesoteliais reativas. Geralmente, apresenta neutrófilos íntegros em pequena quantidade e hemácias em quantidade variável (Figura 18). 39 CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES │ UNIDADE II Figura 18. Transudato modificado em cão com insuficiência cardíaca congestiva. Amostra com moderada celularidade (4.000/µL), com presença de macrófagos e neutrófilos. Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. Um transudato modificado pode ser um estágio transitório de uma efusão, caso o líquido permaneça na cavidade por tempo suficiente. O conteúdo de proteína e as células degeneradas estimulam a quimiotaxia de neutrófilos, alterando a classificação desse fluido para um exsudato não séptico. Portanto, algumas das condições que são descritas como causadoras de um transudato modificado também podem produzir um exsudato não séptico se os líquidos persistirem. Numerosas causas são responsáveis pela formação de transudatos modificados, como a insuficiência cardíaca congestiva (ICC), doença hepática, bloqueio dos vasos causado por neoplasias ou granulomas. Por esse motivo, esse tipo de efusão é considerado o de menor especificidade do ponto de vista clínico. Em outros casos, a análise do fluido pode fornecer um diagnóstico mais específico,por exemplo, quando há esfoliação de células neoplásicas ou quando há características compatíveis com efusão quilosa. A causa mais comum de transudatos modificados é a doença cardíaca, que pode resultar em acúmulo de líquido tanto na cavidade peritoneal como na torácica, sendo que a efusão peritoneal é mais comum no cão (Figura 19) e a torácica no felino, no qual há geralmente formação de efusão quilosa. 40 UNIDADE II │ CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES Figura 19. Cão da raça Boxer idoso com tamponamento cardíaco crônico e insuficiência cardíaca congestiva direita, secundária ao quimiodectoma. O abdome está distendido com ascite; perda crônica de massa magra é evidente ao longo da coluna, pelve e caixa torácica. Fonte: Nelson e Couto, 2015. Os transudatos modificados são frequentemente verificados em cavalos com cólica. Essa observação é comumente feita em casos que envolvem o intestino grosso. Mesmo em condições inflamatórias graves e hiperagudas, como a enterocolite necrosante, os valores do líquido peritoneal podem permanecer dentro dos limites normais, mesmo imediatamente antes da morte, em até 50% dos casos. À medida que o grau de isquemia intestinal aumenta em gravidade, ocorre a diapedese hemorrágica, e o líquido peritoneal torna-se progressivamente mais sanguinolento. As doenças neoplásicas podem causar o acúmulo de líquido por obstrução linfática, e as células neoplásicas podem estar presentes ou não. Os linfomas e carcinomas, quando localizados nas cavidades, podem esfoliar, favorecendo o diagnóstico. Pacientes com efusões hemorrágicas, sem histórico de traumas ou coagulopatias, devem ser investigados quanto à presença de neoplasias. Os transudatos modificados são comumente observados na peritonite infecciosa felina (PIF), tanto na cavidade abdominal quanto na torácica. Outras causas para o desenvolvimento de efusões transudativas modificadas incluem ruptura aguda de uma víscera oca, inicialmente peritonite química (uroperitôneo, pancreatite), ou quilotorax/quiloperitôneo. As efusões neoplásicas, causadas por PIF, uroperitôneo e quilotórax serão detalhadas na unidade sobre distúrbios selecionados. 41 CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES │ UNIDADE II Outras condições que podem resultar em transudatos modificados incluem hérnias diafragmáticas ou peritoneal; torção aguda de órgão; ruptura de bexiga, ureter e uretra; ruptura do ducto biliar; obstrução parcial ou total da veia cava cranial, veia cava caudal ou veia hepática por neoplasia ou trauma; pericardite ou qualquer doença que resulte em hipertensão portal intra-hepática. Exsudato Os exsudatos resultam do vazamento de líquido da vascularização anormal ou alterada. Isso geralmente ocorre devido a um processo inflamatório ou estímulo quimiotático dentro das cavidades corporais. O processo inflamatório aumenta a permeabilidade serosa e vascular, resultando em um líquido com alto teor de proteína e alta CTCN. Os exsudados podem variar de cor, do branco ao âmbar até o avermelhado e com aspecto turvo. O teor de proteína é geralmente maior que 3 g/dL, e a CTCN é tipicamente superior a 7.000/µL. O neutrófilo é geralmente a população celular predominante, indicando a presença de inflamação. Os neutrófilos são frequentemente acompanhados por números variáveis de outras células inflamatórias, incluindo macrófagos, linfócitos, eosinófilos e células mesoteliais (Figura 20). Os exsudatos podem ser classificados como sépticos ou assépticos, dependendo se os agentes infecciosos são identificados ou não no líquido. A classificação como exsudato séptico indica que micro-organismos foram identificados microscopicamente ou por técnicas de cultura. Os exsudatos não sépticos resultam de causas inflamatórias não infecciosas, incluindo condições que causam transudatos modificados que estão acumulados na cavidade por um longo período de tempo. 42 UNIDADE II │ CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES Figura 20. (A) Numerosos neutrófilos não degenerados, alguns linfócitos e macrófagos em exsudato de um cão; (B) Exsudato séptico mostrando neutrófilos degenerados e grande quantidade de bactérias livres e fagocitadas. A B Fonte:arquivo pessoal da autora, s/d. A morfologia dos neutrófilos pode dar uma indicação se o exsudato é séptico ou não. Quando há degeneração celular, a avaliação crítica da citologia do fluido para uma etiologia bacteriana é indicada. Entretanto, o fato de não se encontrar esse tipo de alteração, não descarta totalmente a causa infecciosa. As células picnóticas são mais tipicamente observadas em exsudatos não sépticos, indicando que houve morte celular lenta em um ambiente relativamente não tóxico. A picnose sozinha não deve alertar o clínico para a presença de sepse. Já a cariólise e a cariorrexe em grande quantidade, são alterações degenerativas que indicam uma morte celular rápida em um ambiente mais tóxico. Algumas bactérias com menor capacidade de produção de toxinas, como Actinomyces, podem estar associadas com neutrófilos não degenerados, assim como outros agentes, como Ehrlichia, Toxoplasma, Leishmania e vários fungos. Os exsudatos causados por inflamação séptica geralmente resultam da contaminação bacteriana secundária à perfuração do trato gastrointestinal ou cirurgias como a enterotomia, feridas penetrantes, migração de corpos estranhos, ruptura ou infecção do trato urogenital, translocação bacteriana através de tecido pulmonar doente ou tecido gastrointestinal hipoperfundido e disseminação hematógena secundária a infecções em diferentes tecidos. Animais com exsudato séptico requerem terapia imediata. Portanto, se houver suspeita de sepse, a avaliação citológica do fluido deve ser priorizada e é indicado o envio da amostra de exsudato para exame microbiológico para culturas anaeróbias e aeróbicas. Nessas situações, a citologia é frequentemente diagnóstica (identificação de bactérias intracelulares e extracelulares). 43 CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES │ UNIDADE II As células mesoteliais reativas podem estar presentes em quantidade variável nos exsudatos. Quando ativadas, essas células liberam uma variedade de citocinas e fatores de crescimento, tornando-se fagocíticas e liberando fatores oxidantes e proteases no exsudato. Por vezes, as células mesoteliais reativas podem compartilhar características citológicas semelhantes às de células neoplásicas e podem ser facilmente confundidas. Nesses casos, outros procedimentos diagnósticos, como imagens ou laparotomia exploratória, podem ser necessários para determinar uma etiologia. Como já foi mencionado, um transudato modificado pode eventualmente evoluir para um exsudato não séptico. Ocasionalmente, um exsudato pode ocorrer devido à grande esfoliação de células tumorais ou secundariamente a processos inflamatórios causados pela permanência de substâncias irritantes na cavidade, como urina, quilo, bilirrubina. Efusão pericárdica A cavidade pericárdica é um espaço potencial entre as camadas parietais e viscerais do pericárdio seroso, contendo um ultrafiltrado plasmático. O acúmulo de líquido no saco pericárdico, excedendo sua capacidade flexível, dificulta as pressões de enchimento atrial/ventricular direito, causando tamponamento cardíaco e comprometendo o retorno venoso, o enchimento ventricular, o volume sistólico e o débito cardíaco. Inicialmente, um aumento compensatório da frequência cardíaca e da resistência vascular periférica modera os efeitos sistêmicos do tamponamento cardíaco, mantendo a pressão arterial e o débito cardíaco normais. No entanto, à medida que o líquido se acumula e a pressão intrapericárdica aumenta, o enchimento atrial e ventricular esquerdo prejudicado levam à disfunção cardíaca esquerda e ao choque cardiogênico secundário a uma queda acentuada no débito cardíaco e na pressão arterial periférica. O volume de líquido pericárdico que provoca tamponamento sintomático varia com a velocidade de acúmulo, causa subjacente e o volume de líquido. Acúmulos rápidosde volumes podem causar abruptamente tamponamento, enquanto acúmulos mais lentos podem gerar maiores volumes, por exemplo, até 2 litros em cães de raças grandes, antes do início dos sinais clínicos. Animais com derrame pericárdico crônico eventualmente demonstram sinais clínicos consistentes com insuficiência cardíaca direita: letargia, intolerância ao exercício, 44 UNIDADE II │ CLASSIFICAÇÃO DAS EFUSÕES taquipneia, perda de peso e distensão abdominal. Animais com derrame pericárdico sintomático agudo podem apresentar colapso, síncope ou fraqueza precedida por esforço físico e requerem pericardiocentese de emergência. As principais causas de efusão pericárdica se devem à lesão do pericárdio ou pericardite. Esses derrames também podem ser classificados como transudatos, transudatos modificados e exsudatos. Normalmente, o líquido pericárdico é claro e amarelo pálido. O aspecto sanguinolento pode ser resultante de neoplasias ou hemorragias. O aspecto leitoso pode ser secundário a quilotórax ou ocorrer isoladamente. Quando classificados como transudatos, as efusões pericárdicas são associadas à insuficiência cardíaca, hipoalbuminemia, e insuficiência renal, enquanto efusões exsudativas resultam de processos inflamatórios secundários a infecção, neoplasias ou doenças autoimunes. No entanto, a maioria das efusões pericárdicas é hemorrágica e, na maioria das vezes, são resultado de neoplasias (principalmente hemangiossarcomas e quimiodectomas), hemorragia pericárdica idiopática, trauma, coagulopatias, ou ruptura espontânea do átrio esquerdo em sequela à insuficiência mitral com dilatação atrial esquerda grave. Em gatos, a maior parte dos casos de efusão pericárdica está relacionada à insuficiência cardíaca congestiva, seguido de PIF. Timomas, carcinomas da tireoide, adenocarcinoma metastático e mesoteliomas são neoplasias menos frequentes. A exclusão de inflamação e infecção por meio da avaliação citológica é muito importante. As células mesoteliais podem estar alteradas durante uma inflamação, mimetizando características malignas de neoplasias. 45 UNIDADE IIIDISTÚRBIOS SELECIONADOS CAPÍTULO 1 Classificações específicas Eventualmente, algumas efusões podem não ser classificadas como transudato, transudato modificado ou exsudato, pois a avaliação de parâmetros como proteína total, CTCN e análise citológica pode não ser capaz de indicar uma orientação diagnóstica bem definida ou elucidar a provável fisiopatogenia. A classificação de algumas dessas efusões, que serão estudadas apenas como exsudato, pode ser considerada uma informação imprecisa ou de pouca utilidade clínica. Por esse motivo, foi criada uma categoria adicional de distúrbios selecionados, com uma classificação mais específica. Para alguns desses tipos específicos de efusões, indica-se a mensuração de analitos bioquímicos específicos na amostra de líquido e/ou soro sanguíneo. Efusões infecciosas A identificação de organismos intracelulares fagocitados, geralmente bactérias, distingue um exsudato séptico de um não séptico. No entanto, a ausência de bactérias microscopicamente identificáveis nem sempre exclui a sepse, e pesquisas adicionais, como a cultura, são necessárias, principalmente quando são verificadas alterações degenerativas em neutrófilos. A presença de neutrófilos degenerados é um indicativo de sepse, mas o diagnóstico definitivo é feito com base na identificação de micro-organismos intracelulares. Bactérias extracelulares também podem ser observadas, mas deve-se tomar cuidado para não confundir com microrganismos contaminantes da pele do animal, do corante ou da lâmina. Esse exsudato pode variar em coloração de amarelado ao âmbar escuro, com elevada turbidez, alta concentração de proteína e CTCN. Citologicamente, há predomínio de 46 UNIDADE III │ DISTÚRBIOS SELECIONADOS neutrófilos degenerados quando a inflamação é decorrente de infecção bacteriana (Figura 21). Vale lembrar que nem todas as bactérias produzem toxinas capazes de induzir a degeneração celular. A maioria dos exsudatos sépticos envolve agentes bacterianos. No entanto, infecções por rickettsias, protozoários e agentes fúngicos também podem estar envolvidas. A identificação da espécie bacteriana e a terapia antimicrobiana apropriada devem ser determinadas por meio de cultura e antibiograma, respectivamente. As principais causas relacionadas à formação de exsudados sépticos são decorrentes de disseminação por via hematógena ou linfática dos micro-organismos, perfuração do trato intestinal, passagem de corpo estranho, pneumonia, cirurgias (ex: enterotomia), ruptura de abcessos pulmonares e hepáticos. Figura 21. Exsudato séptico. (A) Exsudato séptico decorrente de ruptura intestinal em um equino com cólica. Inúmeras células degeneradas e grande quantidade de bactérias; (B) Neutrófilos íntegros com pequena quantidade de bactérias. A B Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. Efusão quilosa Os derrames quilosos resultam do extravasamento de linfa dos vasos linfáticos que drenam o trato intestinal e passam pelo ducto torácico, sendo direcionados para as cavidades torácica e/ou abdominal. Esse fluido é composto por lipoproteínas ricas em triglicerídeos que são responsáveis pela aparência característica desse líquido de aspecto esbranquiçado e opaco. A CTCN e a concentração de proteína são semelhantes às de transudatos modificados. A determinação da proteína pode ser difícil de ser obtida devido à turbidez do fluido. 47 DISTÚRBIOS SELECIONADOS │ UNIDADE III As efusões quilosas são facilmente reconhecidas pelo seu aspecto esbranquiçado (Figura 22), mas também podem ser amareladas ou levemente avermelhadas, e podem ser confirmadas pela detecção de uma concentração de triglicerídeos superior a 100 mg/dL. Entretanto, animais caquéticos ou anoréxicos podem desenvolver transudação de um líquido contendo menos lipídeos e, assim, a efusão quilosa pode perder sua aparência leitosa e adquirir um aspecto semelhante ao soro sanguíneo. Convém destacar que como em algumas situações as efusões quilosas podem não apresentar características macroscópica e citológica características, a solução para essa questão é a dosagem concomitante de triglicerídeos e colesterol séricos e do fluido. A concentração de triglicerídeos costuma ser três vezes maior que do soro; ao contrário, a concentração de colesterol é maior no soro do que na efusão. A relação colesterol/triglicerídeos inferior a 1 geralmente é considerada característica de efusão quilosa. Devido à turbidez do líquido, torna-se difícil realizar as determinações bioquímicas mesmo depois da centrifugação da amostra. Nesse caso, deve-se tentar fazer diferentes diluições da amostra na tentativa de obter um resultado. Inicialmente, são classificados como transudatos modificados e apresentam população predominantemente de linfócitos pequenos e bem diferenciados (Figura 23-A). Com o passar do tempo, a população de macrófagos e neutrófilos aumenta em resposta ao processo inflamatório associado ao fluido e podem ser verificados macrófagos espumosos fagocitando gotículas de gordura (Figura 23-B). As sucessivas toracocenteses podem propiciar a ocorrência de infecção bacteriana. O corante Sudan pode ser utilizado para verificar a existência de lipídeo na amostra. Figura 22. Fluido pleural de um felino com aspecto leitoso. Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. 48 UNIDADE III │ DISTÚRBIOS SELECIONADOS Figura 23. (A) Predomínio de linfócitos; (B) Macrófagos fagocitando gotículas de lipídeos. A B Fonte: arquivo pessoal da autora, s/d. As efusões quilosas são mais comuns na cavidade torácica, e as causas envolvem lesões de vasos linfáticos decorrentes de traumatismo, obstrução linfática causada por neoplasias, granulomas ou processos inflamatórios no mediastino, doenças cardiovasculares, hérnia diafragmática, torção pulmonar ou causas idiopáticas. Efusões quilosas peritoneais são menos comuns. Efusão biliosa
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