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LEGISLAÇÃO PENAL APLICADA Mariana Gloria de Assis Revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna Bacharel em Direito Especialista em Direito Ambiental Nacional e Internacional e em Direito Público Mestre em Direito Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147 L514 Legislação penal aplicada / Mariana Gloria de Assis... [et al.] ; [revisão técnica: Gustavo da Silva Santanna]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. 418 p. : il. ; 22,5 cm ISBN 978-85-9502-433-5 1. Direito penal. I. Assis, Mariana Gloria de. CDU 343 Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir funcionário público para efeitos penais. Explicar as diversas espécies de peculato e distinguir corrupção passiva de ativa. Analisar os demais tipos penais dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral. Introdução Muito se fala sobre improbidade administrativa no caso de servidores públicos responsabilizados por atos desidiosos em sua função. Entretanto, muito antes da promulgação da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, o Código Penal brasileiro (CP) já apresentava os crimes cometidos contra a administração pública por servidores e por pessoas comuns. Essa dis- tinção entre os agentes se dá com base na responsabilidade subjetiva do agente público de agir de forma diligente, ética e proba em todas as funções com as quais foi investido ou que lhe foram delegadas pelo superior hierárquico. Neste capítulo, você vai ver que servidor público não é só a figura do agente concursado. Funcionários públicos são aqueles que possuem de- terminada ligação com a atuação da administração pública. Você também vai compreender que a alteridade dos crimes se dá quanto ao agente do fato e aos seus deveres para com o órgão. Além disso, quando se fala em crimes praticados contra a administração pública, é preciso conhecer os bens juridicamente tutelados pelos atos tipificados. A autoria é outro C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 1 15/05/2018 09:52:54 elemento essencial do crime. Nesse sentido se dá a formatação do Título XI do Código Penal, que possui três capítulos: o primeiro trata dos crimes praticados por funcionários públicos contra a administração em geral; o segundo, dos crimes praticados por particulares contra a administração em geral; e o terceiro, dos crimes praticados contra a administração da Justiça. Neste capítulo, você vai estudar o Capítulo I do Título XI do Código Penal e a sua articulação com as demais áreas do Direito Penal. Conceito de servidor público Anteriormente à Constituição Federal de 1988, a expressão utilizada para designar as pessoas que possuíam vínculo de trabalho com a administração pública era funcionário público. Após a promulgação da constituinte, essas fi guras passaram a ser chamadas de servidores públicos e agentes públicos. Entretanto, essa denominação não foi alterada no Código Penal brasileiro — Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Assim, se criou uma distinção entre o conceito de servidor público para o Direito Administrativo e para o Direito Penal. (BRASIL, 1940). Na prática, o servidor público é uma espécie de agente público, caracteri- zando-se por uma atuação permanente e profissional a serviço dos interesses da administração pública (RIO GRANDE DO SUL, 2011). Esses profissionais têm como particularidade a prestação de serviços diretamente no órgão ou entidade no qual foram lotados, mediante vínculo de emprego ou estatutário devidamente remunerado pelo erário: “Ainda que não tenha tomado posse do cargo, a pessoa poderá ser considerada funcionário público e assim enquadrar- -se nos crimes contra a administração pública” (NORONHA, 1978 apud MIRABETE, 2001, p. 308). Nesse sentido, observe que a definição apresentada pelo Código Penal brasileiro é mais ampla, abrangendo todos aqueles que — ainda que de forma transitória ou sem remuneração — exerçam cargo, função ou emprego público. Ademais, para efeitos de responsabilização criminal, o funcionário público vai se equiparar a todo aquele que venha a prestar serviços, mediante entidade paraestatal ou empresa prestadora de serviços contratada ou conveniada, em atividade tipicamente da administração. Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos2 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 2 15/05/2018 09:52:55 Funcionário público Art. 327 Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou fun- ção em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. § 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes pre- vistos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (BRASIL, 1940, documento on-line). Apesar de a definição de funcionário público apresentada pelo Código Penal também mencionar agentes com cargos eletivos, o Supremo Tribunal Federal manifestou-se quanto à impossibilidade de enquadrar nessa condição réu investido no mandato eletivo de deputado estadual para fins de exasperação da pena. Veja: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. RECOR- RENTE CONDENADA PELO DELITO DE PECULATO. ART. 312 DO CP. DOSIMETRIA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE EM RAZÃO DO GRAU DE RESPONSABILIDADE DO CARGO PÚBLICO EXER- CIDO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A condição de Deputada Estadual não se confunde com a qualidade funcional ativa exigida pelo tipo penal previsto no art. 312 do Código Penal, que leva em consideração, entre outras condicionantes, a circunstância de o agente ser funcionário público. A quebra do dever legal de representar fielmente os anseios da população e de quem se esperaria uma conduta compatível com as funções por ela exercidas, ligadas, entre outros aspectos, ao controle e à repressão de atos contrários à administração e ao patrimônio públicos, distancia-se, em termos de culpabilidade, da regra geral de moralidade e probidade administrativa imposta a todos os funcionários públicos, cujo conceito está inserido no art. 327 do Código Penal. Daí ser possível a elevação da pena-base em razão do grau de responsabilidade do cargo exercido pelo agente (1ª fase), sem que isso importe em bis in idem. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (RHC 125478, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, 2º Turma, Julg. 10/02/2015). (BRASIL, 2015, documento on-line). 3Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 3 15/05/2018 09:52:55 A responsabilização de funcionários de autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações é considerada uma corrente ampliativa do Direito Penal. Assim, esses funcionários se equiparam por arrastamento aos funcionários públicos. Sobre o tema, Di Pietro (1990, p. 305 apud MI- RABETE, 2001, p. 297) afirma que agente público é “toda pessoa física que presta serviço ao Estado e às pessoas jurídicas da administração indireta”. Assim, aqueles prestadores de serviços contratados para função típica da administração pública também serão funcionários públicos, porém a atividade contratada deve ser típica da administração pública. A atividade típica do Estado não tem uma definição legal, de modo que Hungria, Lacerda e Fragoso (1981) entende que ela é toda atividade material cuja responsabilidade a lei atribui ao Estado, diretamente ou por meio de seus delegados, para satisfação das necessidades coletivas. Em que pese o entendimento doutrinário sobre o tema, há que se considerar a posição jurisprudencialespecialmente em relação ao disposto no §1º do art. 327 do CP. Há resistência em incluir no conceito de funcionário público aqueles que exercem cargo, emprego ou função pública nas entidades para estatais (HUNGRIA; LACERDA; FRAGOSO, 1981). Essa corrente discute particularmente os casos de pessoas vinculadas a entidades que prestam serviços industriais ou comerciais que não são reflexo dos fins próprios do Estado (FRAGOSO, 1981, p. 393–394). A doutrina é unânime ao afirmar que nos crimes funcionais — como o peculato — não incide a agravante da violação ao dever funcional. Conforme ensina Mirabete (2001), a parte final do art. 61 do CP assevera a impossibilidade de agravamento da pena quando a circunstância é elemento do tipo penal, sob pena de bis in idem. Ou seja, não se pode aumentar a pena de um funcionário público condenado por crime contra a administração pública, em razão do dever de ser diligente e probo, se o motivo pelo qual a conduta está tipificada é, justamente, ter sido cometida por funcionário público contra o ente estatal. Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos4 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 4 15/05/2018 09:52:55 Peculato e corrupção Peculato O Título IX do Código Penal, ao versar sobre os crimes contra a administração pública, segmentou-os de acordo com o agente do fato. Isso porque a doutrina distingue os crimes funcionai sem próprios e impróprios. Ensina Mirabete (2001, p. 292): Os primeiros têm como elemento essencial a função pública, indispensável para que o fato constitua infração penal. Sem ela a conduta seria penalmente irrelevante. [...] os crimes funcionais impróprios são os que se destacam apenas por ser o sujeito ativo funcionário público. Se o agente não estivesse revestido dessa qualidade o crime seria outro. Assim, o crime tipificado como peculato possui diversas facetas. Ele tem como matriz principal a prática de ato ilícito por um agente público contra a administração à qual é vinculado, sendo hipótese de crime próprio, portanto. A primeira parte do art. 312 do Código Penal prevê o chamado peculato próprio, ou seja, a qualificação do crime por si. Ele ocorre quando o funcio- nário público se apropria de valores do erário ou bens utilizando de seu cargo para esse fim. Se ele não fosse funcionário público, seria hipótese dos crimes tipificados como apropriação de valores ou desvio. Por isso, o pressuposto material do crime é a posse (em sentido amplo, abrangendo guarda, depósito, arrecadação, administração, exação, custódia, etc.) (FRAGOSO, 1981). A primeira hipótese seria o caso daquele lotado no cargo de contador ou tesoureiro que transfere valores públicos para sua conta bancária particular em vez de pagar o título que originou o empenho dos valores, tratando-se de apropriação indébita. Art. 312 Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa. (BRASIL, 1940, documento on-line). 5Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 5 15/05/2018 09:52:55 O objetivo do tipo penal é a proteção ao patrimônio público ou ao interesse patrimonial do Estado. Entretanto, Mirabete (2001) ressalta que não é apenas o valor da coisa em si, mas o interesse do Estado, no sentido de zelar pela probidade e fidelidade da administração. A seguir, você pode ver os elementos do peculato próprio. Bem jurídico tutelado Patrimônio público e probidade administrativa; Proteção dos interesses do Estado. Sujeito ativo Funcionário público; Admite-se a participação de terceiro estranho à administração no con- curso de agentes. Sujeito passivo União, estados, municípios, autarquias, entidades paraestatais (empresas públicas, sociedades de econômica mista); Proprietário do bem apropriado ou desviado, se de terceiro em posse ou guarda do Estado. Tipo subjetivo Dolo e dolo específico de ter a coisa como se fosse sua. Consumação No momento em que o autor passa a ser o animus domini — crime instantâneo; Há corrente doutrinária que compreende tratar-se de crime material, na modalidade desvio — exigido o prejuízo. Tentativa Admite em todas as modalidades. Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos6 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 6 15/05/2018 09:52:55 Ação penal Pública incondicionada. A segunda parte do artigo fixa o peculato-desvio. Nele, o funcionário público desvia um bem público (sejam valores ou bens materiais) para benefício próprio ou alheio. Por exemplo, comete peculato-desvio aquele que, sendo responsável por efetuar pagamentos em nome da administração, não o faz ou liquida empenho de mercadoria não recebida; isso independentemente de o benefício ser para si — ficando com a coisa — ou para terceiro que a venda. O benefício do agente não precisa ser material, podendo ser moral, mediante aferição de outro tipo de vantagem que não a econômica (MIRABETE, 2001). Sobre o tema, versou o Supremo Tribunal Federal: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PECULATO. MODALIDADE DESVIO. ATIPICIDADE. INOCOR- RÊNCIA. DOLO ESPECÍFICO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. CONCEITO. [...]. In casu, Juiz Federal detinha em seu poder duas pistolas apreendidas no curso de processo-crime em tramitação perante a Vara da qual era titular. Ao entregar os armamentos a policial federal desviou bem de que tinha posse em razão da função em proveito deste, emprestando-lhe finalidade diversa da pretendida ao assumir a função de depositário fiel. [...] É cediço que “o verbo núcleo desviar tem o significado, nesse dispositivo legal, de alterar o destino natural do objeto material ou dar-lhe outro encaminhamento, ou, em outros termos no peculato-desvio o funcionário público dá ao objeto material aplicação diversa da que lhe foi determinada, em benefício próprio ou de outrem. Nessa figura não há o propósito de apropriar-se, que é identificado como animus remsibihabendi, podendo ser caracterizado o desvio proibido pelo tipo, com simples uso irregular da coisa pública, objeto material do peculato” (BITENCOURT, 2013, p. 47). O peculato de uso tem como característica a apropriação do bem para uso temporário, com animus de devolução imediata após o uso. Por isso não é considerado crime, tratando-se de fato atípico, conforme definição de Capez (2012). Se estiver ausente a elementar do funcionário público como agente, o crime é desqualificado e torna-se apropriação indébita. 7Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 7 15/05/2018 09:52:55 O peculato-furto é previsto no §1º do art. 312 do CP. Ele é definido como crime impróprio, uma vez que o sujeito ativo não é o funcionário, ele apenas concorre (auxilia) para a sua ocorrência. (BRASIL, 1940). Capez (2012, p. 617) é categórico ao dizer que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, “uma vez que é necessária a ciência do agente que se vale da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário público”. § 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. (BRASIL, 1940, documento on-line). Mirabete cita exemplo de peculato-furto apresentado por Noronha, que descreve a atuação do funcionário público em distrair o responsável pelo cofre da repartição pública para que o terceiro subtraia os valores lá existentes (NORONHA apud MIRABETE, 2001). Caso não seja consumada a ação, o terceiro responderá pela tentativa de peculato-furto. O peculato também admite a forma culposa. Ela ocorre quando o funcioná- rio público contribuipara a prática delituosa de alguém mediante negligência, imprudência ou imperícia. Veja: “§ 2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano”. (BRASIL, 1940, documento on-line). Mirabete (2001) ressalta que não se trata de concurso de agentes, mas de uma oportunidade criada por culpa do funcionário público. É preciso que esteja cabalmente provada a falta de cautela, a diligência e o agir desidioso do agente público. Obviamente que o agente que realizou um desses crimes deve ter se aproveitado das facilidades proporcionadas pelo comportamento culposo do funcionário, do contrário este não responderá por crime algum (CAPEZ, 2012, p. 618). O §3º do art. 312 do CP traz a possibilidade de a punibilidade ser extinta, desde que ocorra a reparação do dano — de forma integral — antes de a sentença transitar em julgado. Caso a reparação ocorra após o trânsito — quando já não há mais possibilidade de impetrar recursos —, reduzirá pela metade a pena imposta. (BRASIL, 1940). Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos8 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 8 15/05/2018 09:52:55 Você deve diferenciar a forma culposa do peculato mediante erro de outrem do peculato-estelionato. Alguns doutrinadores, como Mirabete e Noronha, compreendem que este último tipo permite a participação direta de um particular, mesmo que o texto legal mencione somente o funcionário público. Veja: “Art. 313 Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa”. (BRASIL, 1940, documento on-line). Esse erro descrito no tipo pode ser de direito ou de fato por aquele que disponibiliza a coisa ao sujeito ativo. Ele pode guardar relação com a própria coisa entregue, coma pessoa para quem foi entregue, coma quantidade da coisa a ser entregue, com a obrigação que leva à entrega, etc. — de forma que o erro pode ter sido cometido pelo particular ou pela administração (FARIA, 1959 apud MIRABETE, 2001, p. 309). Em que pese essa afirmação, aquele que obra em erro não concorre para o crime. A punibilidade se limita àquele que recebe a coisa, de forma que fica caracterizado o dolo. Haverá estelionato e não peculato mediante erro de outrem se o funcionário induziu a vítima ao enganado ou se, percebendo no momento do recebimento o equívoco, mantém o ofendido neste estado. Haverá concussão se a entrega não se faz espontaneamente, mas por exigência do funcionário. (MIRABETE, 2001, p. 310–311). Você não pode se esquecer da última espécie de peculato criada, o pe- culato eletrônico. Essa conduta foi tipificada a partir da informatização dos órgãos públicos, caracterizando uma mudança no modus operandi que tem por objetivo a proteção e a regularidade dos sistemas informatizados e dos bancos de dados do Estado. O primeiro tipo trata da hipótese de inserção de dados falsos em sistema de informações: Art. 313–A Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas infor- matizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). (BRASIL, 2000, documento on-line). 9Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 9 15/05/2018 09:52:55 Veja que existem quatro verbos nucleares de ação: inserir, alterar, excluir e facilitar. O agente transfigura a informação por conta própria ou facilita acesso ao terceiro— mediante vontade livre e consciente — no intuito de inserir o dado falso (CAPEZ, 2012, p. 620). É necessário estar presente o elemento subjetivo que consiste na obtenção de vantagem, para si ou para outrem, inclusive na hipótese da facilitação. O tipo admite a tentativa nos quatro núcleos. Observe ainda que o texto do diploma legal menciona expressamente funcionário autorizado. Não havendo essa prerrogativa, será cometido o crime dos arts. 297 ou 299 do CP. O segundo tipo de peculato eletrônico é a modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações. Art. 313–B Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade com- petente: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Pena — detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado. (BRASIL, 2000, documento on-line). Nesse caso, a autorização para acesso ao conteúdo não existe, mas a mo- dificação acontece. Tratando-se de crime próprio — que não admite terceiro como sujeito ativo principal— em que a ação pode gerar dano à administra- ção, apresenta-se como crime formal, cuja consumação é irrelevante. Eis o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema: Supressão de documento (CP, art. 305). Violação do painel do Senado. A obtenção do extrato de votação secreta, mediante alteração nos programas de informática, não se amolda ao tipo penal previsto no art. 305 do CP, mas caracteriza o crime previsto no art. 313-B da Lei 9989, de 14.07.2000. Impos- sibilidade de retroação da norma penal a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência (CF, art. 5º, XL). Extinção da punibilidade em relação ao crime de violação de sigilo funcional (CP, art. 325). Denúncia rejeitada por atipicidade de conduta. Inquérito 1879. (Inq 1879, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 10/09/2003). (BRASIL, 2004, documento on-line). Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos10 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 10 15/05/2018 09:52:56 Capez (2012) apresenta substanciosa distinção entre os tipos de peculato eletrônico feita por Monteiro (2000 apud CAPEZ, 2012, p. 621): No primeiro, o computador é o meio utilizado. No segundo, será ele próprio o objeto material. Aquele é conhecido como crime de informática comum, enquanto este seria crime de informática autêntico, visto que o computador é essencial para a existência do delito. O STF abordou os crimes contra a administração pública em uma das suas radionovelas. Você pode acessá-la no link a seguir: https://goo.gl/PfPQ3G Corrupção O crime tipifi cado no Código Penal como corrupção possui duas formas de ocorrência. Essas formas estão cingidas de acordo com o sujeito ativo do fato: no caso da corrupção passiva, o sujeito é o funcionário público; tratando-se de corrupção ativa, o sujeito ativo será o terceiro que não guarda vínculo com a administração. Nesse sentido, a matriz nuclear do ato (ou o verbo de ação) é o mesmo: utilização de vantagem indevida para obtenção de conduta diversa da origi- nalmente prevista, em prejuízo à administração pública. Assim, a corrupção passiva é o agir do funcionário público por meio de dois verbos: solicitar ou receber. Veja que, quando se fala em solicitar, não há qualquer tipo de ameaça para obtenção — seja implícita ou explícita. Capez (2012) ensina que a vítima cede por deliberada vontade. Art. 317 Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa. § 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica, infringindo dever funcional. 11Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 11 15/05/2018 09:52:56https://goo.gl/PfPQ3G § 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena — detenção, de três meses a um ano, ou multa. (BRASIL, 1940, do- cumento on-line). Quando diante do verbo solicitar, para a caracterização não é preciso que antes tenha ocorrido o delito da corrupção ativa; diferente do que ocorre com o verbo nuclear receber, que requer a atuação do terceiro. É importante você notar que tanto a solicitação quanto o recebimento podem ocorrer por interposta pessoa, ou seja, mediante auxílio de terceiro que não a vítima. Veja a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ): PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS “A” E “C”, ART. 105, CF. Corrupção ativa e corrupção passiva, nas modalidades de “dar” e “receber”. CONCURSO NECESSÁRIO. Absolvição do codenunciado detentor da prerrogativa de função. Aplicação do disposto no art. 81, do CPP. [...] 1. Nas formas de “dar” e “receber” — como também de “prometer” e “aceitar promessa” —, os tipos penais da corrupção ativa e passiva são interdependentes, ainda que o legislador tenha definido cada conduta em figura autônoma. Trata-se de hipótese de concurso necessário — diz-se ne- cessário porque integra a própria definição típica, diferentemente do concurso eventual do artigo 29, do CP. [...] 5. Imprescindível para a configuração do delito tipificado no artigo 317, do CP, não é a “realização ou a omissão” de ato de ofício, bastando a solicitação, recebimento ou aceitação da promessa de vantagem indevida, ainda que não efetivamente praticado, omitido ou retardado ato da esfera de atribuição do funcionário. A efetiva realização do ato é exigência típica constante do parágrafo primeiro do mesmo artigo e não do caput.[...]7. O “ato de ofício” presente expressamente no tipo pe- nal do artigo 333 e integrante também da definição do artigo 317 é um ato da competência do intraneus, ato que guarda relação com a função, e que assim deverá ser identificado. Essa é a identificação que requer o tipo: ato que guarda relação com o ofício, a função (“ainda que fora dela ou antes de assumi-la o funcionário público”). Não é preciso identificar o específico ato de ofício de interesse do corruptor, para o efeito do disposto no caput do art. 317, CP.8. O que importa para a figura típica do art. 317, CP, é a mercancia da função, demonstrada de maneira satisfatória, prescindindo- -se da necessidade de apontar e demonstrar um ato específico da função, dentro do âmbito dos atos possíveis de realização pelo funcionário. [...]. (REsp 440.106/RJ, Rel. Ministro PAULO MEDINA, 6º TURMA, julgado em 24/02/2005). (BRASIL, 2006, documento on-line). Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos12 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 12 15/05/2018 09:52:56 Esse crime é exceção à teoria monista (em que ambos os partícipes respon- dem pelo mesmo crime), de modo que o particular responde por um delito e o agente público, por outro. Apesar disso, via de regra o delito de corrupção é unilateral, tanto que existem as formas passiva e ativa, conforme a qualidade do agente (MIRABETE, 2001). A seguir, veja os elementos que integram a corrupção. Bem jurídico tutelado Protege a regularidade e a probidade na atuação do agente público. Sujeitos Agir mútuo do funcionário público (sujeito ativo) e um terceiro. Tipo objetivo Em três modalidades: quando o funcionário público solicita ou recebe, para si ou para outrem, vantagem indevida; Quando aceita promessa de vantagem; Quando solicita ou recebe, mesmo que fora da função ou antes de assumi-la. Tipo subjetivo Dolo (vontade); É crime formal que se consubstancia na simples solicitação, recebimento ou aceitação de promessa. Tentativa É admitida na hipótese de que a exigência não seja praticada por meio verbal (CAPEZ, 2012). Ação penal Pública incondicionada. 13Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 13 15/05/2018 09:52:56 Por sua vez, a corrupção ativa é o agir pelo terceiro não vinculado à ad- ministração pública, que para buscar o resultado pretendido oferta vantagem a funcionário público. Art. 333 Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.(Redação dada pela Lei nº 10.763, de 12.11.2003) Parágrafo único — A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vanta- gem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica, infringindo dever funcional. (BRASIL, 1940, documento on-line). Portanto, esse tipo penal tem por ação nuclear os verbos oferecer e pro- meter vantagem, que deve ser indevida, ocorrendo por meio de instrumento escrito, pela via falada, por gestos, atos e por interposta pessoa. Você deve notar que há uma distinção essencial entre os tipos, conforme descreve Capez (2012, p. 666): É que o próprio dispositivo penal é expresso no sentido de que o particular deve oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário para determiná- -lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, isto é, o ato deve ser praticado após o oferecimento ou promessa de vantagem, e não antes. O crime ocorre com a simples oferta, independentemente de o funcionário aceitá-la. Caso o faça, responderá pelo crime de corrupção passiva. Em entrevista concedida à TV Justiça, o advogado Antônio Rodrigo Machado fala sobre o combate ao crime de corrupção, explicitando a influência da corrupção no processo democrático. Assista no link a seguir: https://goo.gl/nrk17E Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos14 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 14 15/05/2018 09:52:56 https://goo.gl/nrk17E Outros crimes em espécie Além do peculato e da corrupção, que são os tipos penais mais conhecidos, quando se fala em crimes contra a administração pública, existem outras condutas tipifi cadas. Os crimes cometidos por funcionários públicos são denominados crimes funcionais próprios que exigem o funcionário público como sujeito ativo. Entretanto, conforme o art. 30 do CP, existe a conexão de elementares. Assim, se um particular, sabendo da situação da pessoa que é funcionária pública, participar do crime, poderá responder também pelo crime funcional na qualidade de coautor. Circunstâncias incomunicáveis De acordo com o art. 30, “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. (BRASIL, 1940, documento on-line). O Código Penal adota a teoria monista temperada, de modo que, exceto por poucas exceções, o coautor e o partícipe responderão pelo mesmo crime que o autor, desde que haja comunicação de elementar. Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento Veja o que afi rma o art. 314: “Extraviar livro ofi cial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente: Pena — reclusão, de um a quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave”. (BRASIL, 1940, documento on-line). O objeto juridicamente tutelado são os livros e documentos da administra- ção. Assim, esse delito constitui crime próprio e formal, que tem por sujeitos o funcionário público (sujeito ativo) e a administração (sujeito passivo), admitindo o concurso de agentes por participação criminosa. A tentativa é admitida quanto ao extravio e à inutilização (crimes pluris- subsistentes), mas não quanto à sonegação. 15Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 15 15/05/2018 09:52:56 Emprego irregular de verbas ou rendas públicas Está tipifi cado para resguardar a aplicação de verbas em conformidade legal. Trata-se de crime próprio, que admite concurso de agentes por participação criminosa.Veja o que afi rma o art. 315: “Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei: Pena — detenção, de um a três meses, ou multa”. (BRASIL, 1940, documento on-line). A subjetividade do tipo está vinculada ao dolo de destinar as verbas ou rendas em desacordo com a norma. Admite excludente de antijuridicidade em caso de estado de necessidade extrema. Concussão Protege a regularidade e a probidade na atuação do agente púbico e tem como tipo objetivo a exigência de vantagem indevida. É crime formal que se con- substancia na simples exigência da vantagem indevida — independentemente de ela ser devolvida, posteriormente, ou de não ocorrer prejuízo. Veja o que afirma o art. 316: “Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena — reclusão, de dois a oito anos, e multa”. (BRASIL, 1940, documento on-line). Esse tipo não admite tentativa. Ademais, é importante você observar alguns aspectos do crime de concussão. Um deles indica que a violência ou grave ameaça desqualifica o tipo penal, conforme a visão do STJ: [...] 2. Ainda que a conduta delituosa tenha sido praticada por funcionário público, o qual teria se valido dessa condição para a obtenção da vantagem indevida, o crime por ele cometido corresponde ao delito de extorsão e não ao de concussão, uma vez configurado o emprego de grave ameaça, circunstância elementar do delito de extorsão. Precedentes. (HC 54.776/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/09/2014). (BRASIL, 2014, documento on-line). Nesse aspecto, a desclassificação ocorre do crime de concussão para o de extorsão (crime classificado pela doutrina como impróprio, pois não depende da figura qualificada, no caso, de agente público). Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos16 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 16 15/05/2018 09:52:56 Excesso de exação É um crime especial que protege a regularidade e a probidade na atuação do agente púbico, em situação específi ca. É crime próprio, que tem por sujeito passivo a administração e, secundariamente, o cidadão atingido. Art. 316 [...] § 1ºSe o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) Pena— reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990) § 2º Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos: Pena — reclusão, de dois a doze anos, e multa. (BRASIL, 1940, documento on-line). A primeira parte do tipo corresponde a exigir exação indevida que não corresponde ao dispositivo legal. Já a segunda implica situação em que o tributo é devido, mas cobrado de forma vexatória. Tem como tipo subjetivo o dolo da vontade de exigir; enquanto o elemento subjetivo, a culpa, aparece na primeira parte da conduta (deveria saber indevido). É a desídia do agente. Por isso, constitui crime formal que se consubstancia com a mera exigência ou no gravame de emprego vexatório. A tentativa é admitida quando não utilizado o meio verbal. Facilitação de contrabando ou descaminho É o tipo penal especial que protege a regularidade e a probidade nas im- portações, exportações e impostos legais. É crime formal — consuma-se independentemente de se ter completado o contrabando ou descaminho. Veja: Art. 318 Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334): Pena — reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 8.137, de 27.12.1990). (BRASIL, 1940, documento on-line). 17Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 17 15/05/2018 09:52:56 Quando se tratar de conduta comissiva, admite tentativa. Não se fala em tentativa quando há omissão, pois o funcionário poderia impedir a sua ocor- rência. Você pode ver um exemplo da ocorrência do delito no julgado a seguir, oriundo do STJ: PENAL E PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO SUCURI. CORRUPÇÃO PASSIVA. FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO. QUADRILHA OU BANDO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. [...] 11. Cometem os delitos de corrupção passiva e facilitação de contrabando/ descaminho os agentes policiais que, mediante o recebimento de propinas, permitem a entrada de mercadorias contrabandeadas ou descaminhadas no território nacional. [...] Sendo assim, e pelas razões expostas, nego seguimento aos recursos especiais interpostos. (STJ. REsp n. 1.460-327 – PR. Recorrente Newton Ishii e outros. Rel. Min. Felix Fischer. Pub. 24/02/2016). (BRASIl, 2016, documento on-line) Prevaricação A prevaricação consiste em: Art. 319 Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sen- timento pessoal: Pena — detenção, de três meses a um ano, e multa. Art. 319–A Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007). Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano. (BRASIL, 1940, documento on-line). Esse tipo protege a regularidade e a probidade da administração, lesada pela omissão ou atividade irregular do agente. Ele se consuma, independentemente de estar sujeito a confirmação ou recurso. Admite a tentativa na conduta comissiva do verbo nuclear realizar (MIRABETE, 2001). O art. 319–A versa sobre a modalidade de crime omissivo em que o diretor da penitenciária ou o agente público que possui o dever de vedar acesso a aparelho telefônico permite sua utilização. É um crime omissivo próprio (como se comissivo fosse). Observe a jurisprudência: Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos18 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 18 15/05/2018 09:52:56 APELAÇÃO CRIMINAL. PREVARICAÇÃO. ARTIGO 319 DO CÓDIGO PENAL. FATO ATÍPICO. SENTENÇA CONDENATÓRIA REFORMADA. Para a caracterização do crime tipificado no artigo 319 do CP, é de rigor a comprovação do dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar as ações e omissões indicadas no tipo penal, assim como o dolo específico de “satisfazer interesse” ou “sentimento pessoal”, os quais não restaram de- monstrados, extreme de dúvidas, no caso dos autos. Impositiva a absolvição. RECURSO PROVIDO (Recurso Crime Nº 71005854856, Turma Recursal Criminal, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em 06/06/2016) (RIO GRANDE DO SUL, 2016, documento on-line). Condescendência criminosa Tem por objetivo a regularidade da administração. É a indulgência em subor- dinar funcionário que cometeu infração (crime omissivo puro). Na segunda parte do tipo, se o superior não tem competência, deve levar o caso a quem tenha. O crime é omissivo puro e não admite a tentativa. Art. 320 Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena — detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. (BRASIL, 1940, do- cumento on-line). Advocacia administrativa Pretende proteger a administração da infl uência ou prestígio daqueles agentes que intentam atuar em interesse privado. É crime formal que admite tentativa. Art. 321 Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário: Pena — detenção, de um a três meses, ou multa. Parágrafo único. Se o interesse é ilegítimo: Pena — detenção, de três meses a um ano, além da multa. (BRASIL, 1940, documento on-line). Abandono de função É tipo penal que visa à proteçãoda administração e ao desempenho regular de competências pelo agente. Difere do conceito de agente público, adotado pelo art. 327. 19Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 19 15/05/2018 09:52:57 Art. 323 Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei: Pena — detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. § 1º Se do fato resulta prejuízo público: Pena — detenção, de três meses a um ano, e multa. § 2º Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira: Pena — detenção, de um a três anos, e multa. (BRASIL, 1940, documento on-line). Exercício funcional ilegal, antecipado ou prolongado Esse é um crime próprio, praticado por servidor detentor de cargo público concursado (sujeito ativo) contra a administração (sujeito passivo). Porém, admite a participação do servidor aposentado ou de particular (MIRABETE, 2001, p. 349–350). Veja: Art. 324 Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou suspenso: Pena — detenção, de quinze dias a um mês, ou multa. Art. 325 Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva per- manecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena — detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. § 1º Nas mesmas penas deste artigo incorre quem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). § 2º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). Pena — reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000). (BRASIL, 1940, documento on-line). O crime está consumado quando qualquer pessoa não autorizada acaba tendo a ciência do segredo. Veja: APELAÇÃO. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VIOLA- ÇÃO DE SIGILO FUNCIONAL. ART. 325, § 1º, INC. I, DO CP. POLICIAL CIVIL. PERMITE OU FACILITA O ACESSO AO SISTEMA DE CON- SULTAS INTEGRADAS. (...) II – Demonstradas a materialidade e autoria Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos20 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 20 15/05/2018 09:52:57 do crime de violação de sigilo funcional, mediante permissão e facilitação de acesso, com o uso de dados pessoais do denunciado (ex-policial civil) no Sistema de Consultas Integradas da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul, efetivadas por pessoas não habilitadas, impositiva a manutenção da sentença condenatória. Número demasiado de acessos que se manteve mesmo após a prisão do denunciado. PRELIMINARES AFASTA- DAS. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Crime Nº 70053877676, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 25/07/2013). (RIO GRANDE DO SUL, 2013, documento on-line). Observe o disposto sobre a aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes contra a administração pública: “Súmula 599 – O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública” (BRASIL, 2017, documento on-line). Para complementar seu estudo sobre o tema, você pode ler no link a seguir a Edição nº 57 do Boletim de Jurisprudência em Teses, do Superior Tribunal de Justiça: https://goo.gl/Tj6QBH Entretanto, há exceção para a aplicação da Súmula nº 599: a jurisprudência é pacífica em admitir a aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho, previsto no art. 334 do CP (BRASIL, 1940). Esse crime faz parte do Título XI do Código Penal, tendo como sujeito passivo o Estado — tratando-se, portanto, de crime contra a administração pública. Assim dispôs o STJ: “a insignificância nos crimes de descaminho tem colorido próprio, diante das disposições trazidas na Lei n. 10.522/2002”, o que não ocorre com outros delitos, como o peculato, etc. (AgRg no REsp 1346879/SC, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 26/11/2013). (BRASIL, 2013, documento on-line). Mais do que isso, você deve notar a existência de decisões admitindo a aplicação do princípio em mais duas hipóteses: HC nº 107.370 e HC nº 112.388. Neles, a prática de crime contra a admi- nistração pública, por si só, não inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, exigindo-se a análise do caso concreto. Leia as decisões nos links a seguir. HC nº 107.370 https://goo.gl/52iq4Y HC nº 112.388 https://goo.gl/RWmzM4 21Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 21 15/05/2018 09:52:57 https://goo.gl/Tj6QBH https://goo.gl/52iq4Y https://goo.gl/RWmzM4 1. Considerando a definição de funcionário público disposta pelo art. 327 do Código Penal, identifique a alternativa que se enquadra nos vínculos previstos. a) Servidor público, agente político, estagiário e terceirizado b) Servidor público, estagiário, servidor temporário e agente político. c) Estagiário, agente político, terceirizado e servidor temporário. d) Terceirizado, estagiário, agente público e servidor público e) Terceirizado, servidor temporário, agente político, servidor público. 2. Identifique a alternativa que apresenta as hipóteses corretas do peculato. a) Peculato próprio e peculato impróprio. b) Peculato próprio, peculato- desvio e peculato-furto. c) Peculato próprio, peculato- desvio, peculato-furto e peculato eletrônico. d) Peculato próprio, peculato- desvio e peculato-estelionato. e) Peculato próprio e peculato-desvio. 3. Escolha a alternativa que melhor representa os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva. a) Na primeira, o sujeito ativo é um terceiro e na segunda, um funcionário público. b) A corrupção ativa caracteriza-se por demonstrar interesse em receber vantagem. c) A corrupção ativa é quando o agente público exige o pagamento de propina para fazer sua função. d) A corrupção ativa é crime e a corrupção passiva, não. e) O crime de corrupção passiva não admite tentativa. 4. Considere os verbos nucleares da frase “retardar ou deixar de praticar, praticá-lo contra disposição expressa de lei” e escolha a alternativa que contém o tipo penal descrito. a) Prevaricação. b) Facilitação de contrabando ou descaminho. c) Excesso de exação. d) Concussão. e) Condescendência criminosa. 5. João, na qualidade de chefe do departamento em que trabalham José e Pedro, ao tomar ciência de que estes desviaram para proveito próprio itens adquiridos pela administração pública para reforma de uma escola, chama-os para conversar. Depois de ouvir de ambos a promessa de que o ato não seria repetido, João deixa de efetuar registro nas respectivas fichas funcionais e de reportar o ocorrido ao seu superior hierárquico. No caso concreto, qual é a conduta tipificada praticada por João? a) Condescendência criminosa. b) Exercício funcional ilegal, antecipado ou prolongado. c) Advocacia administrativa. d) Facilitação. e) Corrupção ativa. Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos22 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 22 15/05/2018 09:52:58 BITENCOURT, C. Tratado de direito penal. 7. ed., Saraiva, São Paulo: 2013. p. 47 (v. 5). BRASIL. Decreto-Lei nº. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 13 abr. 2018. BRASIL. Lei nº. 9.983, de 14 de julho de 2000. Altera o Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezem- bro de 1940 – Código Penal e dá outras providências. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9983.htm>. Acesso em 1 maio 2018.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AG. REC. no Recurso Ordinário em Habeas Corpus: AgR RHC 125.478 ES. Relator: Min. Teori Zavascki. AGTE(S): Maria de Fátima Rocha Couzi. Órgão Julgador: Segunda Turma. Julgamento: 10 de fevereiro de 2015. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/178733321/agreg-no-recurso-ordinario- -em-habeas-corpus-agr-rhc-125478-es-espirito-santo-0000822-1220141000000>. Acesso em: 1 maio 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Inquérito: Inq. 1879. Relator (a): Min. Elle Gracie, Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Julgado em 10/09/2003. Disponível em: <https:// stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14744111/inquerito-inq-1879-df>. Acesso em: 1 maio 2018. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Ordinário em Habeas Corpus: RHC 103.559 SP. Relator: Min. Luiz Fux. RECTE. (S): Cesar Herman Rodrigues. Órgão Julgador: Primeira Turma. Julgamento: 19 de agosto de 2014. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com. br/jurisprudencia/25286556/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-103559-sp- -stf>. Acesso em: 1 maio 2018. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo: REsp 440.106/RJ. Órgão Julgador: T6 – Sexta Turma. Relator: Ministro Paulo Medina. Julgamento 24 de fevereiro de 2005. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7139451/recurso-especial- -resp-440106-rj-2002-0069457-3>. Acesso em: 1 maio 2018. CAPEZ, F. Código penal comentado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DI PIETRO. M. S. Z. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 1990. FARIA, B. de. Código penal brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 1959. FRAGOSO. H. C. Lições de direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1981. HUNGRIA, N.; LACERDA, R. C. de, FRAGOSO, H. C. Comentários ao código penal. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. MIRABETE, J. F. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 2001. MONTEIRO, A. L. Crimes contra a Previdência Social. São Paulo: Saraiva, 2000. 23Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 23 15/05/2018 09:52:58 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm http://planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9983.htm https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/178733321/agreg-no-recurso-ordinario- http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14744111/inquerito-inq-1879-df https://stf.jusbrasil.com/ https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7139451/recurso-especial- NORONHA. E. M. Código penal brasileiro comentado. São Paulo: Saraiva, 1978. RIO GRANDE DO SUL. Secretaria da Fazenda. Manual do gestor público: um guia de orientação ao gestor público. 2. ed. Porto Alegre: CORAG, 2011. p. 282. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação crime nº 70053877676. Órgão julgador: Quarta Câmara Criminal. Relator: Rogério Gesta Leal. Julgado em 25/07/2013. Disponível em: <https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurispruden- cia/112931471/ apelacao-crime-acr-70053877676-rs>. Acesso em: 1 maio 2018. Crimes contra a administração pública praticados por funcionários públicos24 C22_Legislacao_penal_aplicada.indd 24 15/05/2018 09:52:58 https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurispruden- Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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