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A ANSIEDADE A palavra ansiolítico tem sentido figurado, pois, li- teralmente, significa "o que decompõe a ansiedade". O termo passou a ser largamente empregado a partir da dé- cada de 1970 para designar o grupo de fármacos utili- zados no tratamento da ansiedade patológica. Antes, uti- lizava-se a expressão ''tranqüilizantes menores", em con- traste com os "tranqüilizantes maiores", ou "neuro- lépticos", indicados para o tratamento da esquizofrenia. A ansiedade é considerada uma emoção semelhante ao medo. Porém, enquanto o medo é conseqüência de uma situação definida, na ansiedade a fonte do perigo é incerta ou desconhecida. A ansiedade manifesta-se em diferentes planos, sendo o afetivo o mais importante. No plano cognitivo, 1 a ansie- dade manifesta-se por pensamentos de que algo errado vai ocorrer, produzindo um estado de preocupação que, quando intensificado, interfere sensivelmente na capaci- dade de concentração e no desempenho das atividades intelectuais do indivíduo. O nível de vigilância toma-se exacerbado, dificultando a conciliação do sono, que, qua.n- do ocorre, é agitado e entrecortado por períodos de des- pertar, caracterizando um estado de intermitência. Além das manifestações psicológicas, a ansiedade e o medo produzem alterações fisiológicas no organismo. Entre elas está a ativação do sistema nervoso simpático, com aumento da freqüência de batimentos e da força de contração do coração. A respiração também é afetada, com a sensação de falta de ar ou sufocação. O sistema nervoso parassimpático pode ser ativado, gerando hiper- secreção gástrica, aumento da motilidade intestinal e ur- gência para micção e defecação. Existe sempre uma relação direta entre o nível de ansiedade e a eficiência no desempenho das tarefas inte- lectuais. Assim, quando essa emoção atinge níveis muito altos, o desempenho intelectual estará sempre compro- metido. Portanto, certos estados de ansiedade são consi- derados transtornos psíquicos e, como tais, tomam-se ob- jeto de tratamento psicológico e/ ou farmacológico. 1Cognitivo: relativo à cognição, ou seja, tem o significado de aquisição do conhecimento; ação de conhecer. r Fármacos ansiolíticos Os transtornos de ansiedade podem ser classifica- dos nos seguintes tipos: 1. Transtornos com situação de pânico: Sem agorafobia:2 correspondem aos ataques de pâ- nico, recorrentes e inesperados, gerando no indiví- duo uma preocupação persistente. O estado de pâni- co é caracterizado pelo início súbito de apreensão intensa, medo ou terror, freqüentemente associado a uma situação de catástrofe iminente. Com agorafobia: o termo agorafobia corresponde ao medo ou à esquiva de lugares e situações em que a fuga é difícil ou embaraçosa, ou em uma situação em que é difícil conseguir ajuda, sempre na eventua- lidade de ataque ou de pânico. 2. Agorafobia sem ataques de pânico. 3. Fobias: o termo fobia é usado para indicar um esta- do de angústia, impossível de ser dominado, que se traduz por violenta reação de esquiva que sobrevém de modo relativamente persistente, quando deter- minados tipos de objetos ou situações se fazem pre- sentes, imaginados ou mencionados. As fobias po- dem ser: Simples: correspondem a uma situação de medo in- tenso, pela exposição a objetos ou situações que le- vam a um comportamento de esquiva. Exemplos de estúnulos ou condições fóbicas : claustrofobia = lu- gares fechados; acrofobia = altura; eritrofobia = sangue ou ferimentos. Sociais: são motivadas pela exposição a certos tipos de situações sociais ou de desempenho, que provocam comportamentos de esquiva, como falar em público. 4. Transtornos obsessivo-compulsivos: são caracteriza- dos como preocupações constantes e recorrentes (ob- sessões), que causam ansiedade e desconforto acen- tuado, com comportamento estereotipado do pacien- te e o cumprimento de rituais com o intuito de ali- viar a ansiedade. 5. Transtornos de estresse pós-traumáticos: são carac- terizados pela lembrança de acontecimentos extre- 2Agorafobia: medo mórbido de se achar sozinho em grandes espaços abertos; corresponde ao antônimo de claustrofobia. 338 Lourival Larini mamente traumáticos (acidentes, agressões físicas e calamidades), acompanhados de vigilância extrema e de esquiva a qualquer situação ou estímulo que levem a urna associação ao trauma. 6. Transtornos de estresse agudo: são semelhantes aos transtornos de estresse pós-traumáticos, ocorrendo imediatamente após o trauma. 7. Transtornos de ansiedade induzidos por situações di- ~ . . versas: ocorrem por preocupaçao excessiva e persis- tente com fatos e situações do cotidiano ou são causa- dos pelo uso abusivo de determinadas drogas e ocor- rem no período de abstinência. Os principais trans- tornos de ansiedade induzidos são os seguintes: Por urna situação clínica inespecífica. Pelo uso freqüente de certos medicamentos e de dro- gas de abuso. Em usuários de maconha, é comum a ocorrência de urna crise de abstinência caracteriza- da por ansiedade moderada. Por separação física (p. ex., crianças subitamente afastadas da mãe ou de urna pessoa com forte liga- ção sentimental). Por aversão sexual. 8. Não-especificados: correspondem aos transtornos de ansiedade intensa ou esquiva fóbica que não se en- quadram em nenhuma das situações colocadas ante- riormente. NEUROTRANSMISSÃO GABAÉRGICA O GABA é considerado o neurotransmissor mais abundante do sistema nervoso central, onde cerca de 30 a 40% de todas as sinapses estão envolvidas com a trans- missão deste mensageiro. O GABA ocorre em concentra- ções maiores no cérebro, especialmente no tecido nigroes- triatal (cerca de 10 µ.rnol/g de tecido) e por toda a subs- tância cinzenta (2 a 5 µ.rnol/g de tecido). Considera-se que o GABA funcione corno neuro- transmissor inibitório em diversas vias do sistema nervo- so central. Os estudos mais detalhados foram realizados no cerebelo, no córtex frontal, no hipocarnpo e no estriado. O GABA é formado a partir do glutarnato (HOOC- CH2-CH2-CH(NH2)-COOH) pela ação da enzima ácido glu- tamicodescarboxi.lase e rnetabolizado por transarninação, onde o grupo arnínico é transferido para o ácido a-oxo- glutárico, com formação de ácido succínico, em reação catalisada pela enzima GABA-tran.saminase. A GABA- transaminase é inibida pela vigabatrina, um composto utilizado no tratamento da epilepsia. Os principais receptores do GABA são o GABAA e o GABA8 • O receptor GABAA é estimulado pelo rnuscirnol e bloqueado pela bicuculina; enquanto o GABA8 é estimu- lado pelo baclofen e antagonizado pelo faclofen. O recep- tor GABAA tem sido implicado nos estados de ansiedade, pois sua função é afetada diretamente pelos compostos benzodiazepínicos. Esse receptor é formado por cinco subunidades protéicas, que se unem para delimitar um canal iônico, específico para o transporte dos íons cloreto. Devido ao gradiente de concentração, forma-se urna cor- rente de íons c1- dirigida para o interior da célula. O influ- xo dos íons c1- promove a hiperpolarização da membra- na, dificultando a sua despolarização por influências excitatórias, resultando em inibição do tipo pós-sináptica. Na sua porção extracelular, o receptor GABAA contém os sítios de ligação do GABA. Por sua vez, o receptor GABA8 é acoplado a urna proteína G. Os compostos benzodiazepínicos ligam-se a sítios es- pecíficos, de alta afinidade, localizados na membrana ce- lular, que são distintos, porém adjacentes, ao receptor GABAA. A interação dos compostos benzodiazepínicos com seus receptores específicos aumenta a afinidade dos re- ceptores GABAA com o seu neurotransmissor, ocasionan- do a abertura dos canais adjacentes, possibilitando a en- trada dos íons cloreto. Esse fato, por sua vez, acarreta o aumento da hiperpolarização da célula e posterior dimi- nuição da despolarização do neurônio (diminuição da excitabilidade neuronal). A identificação de receptores benzodiazepínicos no sistema nervoso central sugere a existência de ligantes endógenos,isto é, de substâncias produzidas pelo pró- prio organismo que se combinam com esses receptores na regulação das funções neurais. São compostos polipep- tídicos com propriedades ansiogênicas quando administra- dos em animais de laboratório e que, ao que parece, regu- lam a memória e a ansiedade em condições fisiológicas. Os compostos barbitúricos também facilitam a ação do GABA em muitos locais do sistema nervoso central, mas, ao contrário do que ocorre com os compostos ben- zodiazepínicos, promovem um aumento na duração do tempo de abertura dos canais de c1-. O diazeparn aumen- ta a freqüência das aberturas dos canais, sem grande efei- to sobre o tempo de duração da abertura. Por sua vez, o fenobarbital prolonga o tempo durante o qual os canais ficam abertos, sem grande efeito sobre a freqüência das aberturas. , E importante destacar que os barbitúricos não são tão seletivos em suas ações quanto os benzodiazepínicos, pois eles também deprimem as ações dos neurotrans- missores excitatórios (glutarnato e aspartato) e têm efei- tos não-sinápticos sobre as membranas, paralelamente aos seus efeitos sobre a transmissão GABA. Essa multiplicidade de locais de ação dos barbitúricos pode ser a base de sua capacidade de induzir anestesia plena e efeitos depressores centrais mais acentuados, com estreita margem de segu- rança, em comparação aos benzodiazepínicos. As ações de outros compostos hipnótico-sedativos, corno o rneprobarnato, sob o ponto de vista eletrofisio- lógico, não foram extensivamente estudadas; porém, pa- recem não estar relacionadas à neurotransrnissão do GABA. Os receptores GABA8 possuem localização pré e pós- sináptica, sendo semelhantes aos receptores rnetabo- trópicos de glutarnato. Exercem seus efeitos ao inibir os canais de cálcio dependentes de voltagem, reduzindo, assim, a liberação dos neurotransmissores armazenados nas rnicrovesículas das células pré-sinápticas. Também promovem a abertura dos canais de potássio, reduzindo a excitabilidade neuronal. FÁRMACOS ANSIOLÍTICOS Existem vários compostos com propriedades quí- micas e farmacológicas diferentes capazes de produzir depressão reversível no sistema nervoso central, com destaque especial para os compostos benzodiazepínicos, as imidazopiridinas e outros compostos de uso mais restrito. Compostos benzodiazepínicos Estes compostos representam um marco no trata- mento da ansiedade e da insônia e foram, durante muito tempo, os medicamentos mais prescritos em todo o mun- do, levando em conta todas as enfermidades humanas. Depois, com a comprovação de que o consumo elevado foi o motivo do uso abusivo dos compostos benzodia- zepínicos, houve diminuição sensível nas prescrições. Os benzodiazepínicos, quando administrados por períodos prolongados, podem levar a um estado de dependência e à tolerância. Generalidades e usos Além do tratamento da ansiedade aguda e dos esta- dos depressivos, os compostos benzodiazepínicos são empregados nas seguintes situações: a) no tratamento da síndrome de abstinência que ocorre no alcoolismo (clordiazepóxido, diazepam e oxa- zepam); b) como adjuvantes em procedimentos cirúrgicos, para aliviar a ansiedade e a tensão (diazepam, clordiazepó- xido e midazolam); c) como sedativos ansiolíticos (alprazolam, bromazepam, clordiazepóxido, lorazepam e oxazepam); d) na sedação consciente (diazepam); e) no tratamento de distúrbios do sono (insônia) (flura- zepam, quazepam, estazolam, temazepam e triazolam, entre os principais, e bromazepam, diazepam, clor- diazepóxido, lorazepam, midazolam e nitrazepam, en- tre outros); f) nas crises convulsivas graves e recorrentes, na epilep- sia (diazepam, clonazepam e nitrazepam); g) nas crises mioclônicas (síndrome de Lennox-Gastaut), tônico-clônicas e nos tremores (clordiazepóxido, diazepam e lorazepam); h) nos espasmos dos músculos esqueléticos (diazepam, clonazepam, lorazepam e midazolam); i) na cefaléia tensional; e j) no tratamento da amnésia anterógrada, quando a per- da da memória acontece depois de fato motivador. Fármacos e medicamentos 339 A insônia pode ser de origem física, fisiológica, psi- cológica, psiquiátrica e farmacológica. O seu tratamento, antes da administração dos fármacos benzodiazepínicos, requer a identificação da causa, com observação especial para as seguintes situações propiciadoras: a) ausência de hábitos saudáveis na higiene do sono; b) ingestão excessiva de bebidas alcoólicas; c) ingestão excessiva de bebidas xânticas, especialmente café; d) ocorrência de estados depressivos e de estresse; e) dores musculares; f) uso de fármacos que podem condicionar ou agravar a . "' . 1nson1a; e g) impotência sexual. O tratamento da insônia com os fármacos benzodia- zepínicos deve ser recomendado somente depois de ava-, liada com precisão a situação motivadora da insônia. E válido destacar que a chamada insônia crônica é sempre motivada por situações físicas, psiquiátricas ou psicológi- cas. O uso dos fármacos benzodiazepínicos deve ser evi- tado ou minimizado em indivíduos que exercem ativida- des profissionais, como motoristas, operadores de máqui- nas que exigem atenção constante (serras elétricas, fresas, desempenadeiras, etc.), pilotos de aviões e outros. De acordo com a duração dos sintomas, a insônia é classificada em três categorias: 1. a insônia transitória, com duração de 2 a 3 dias, motivada por situações estressantes ambientais, co- mo o cansaço devido à diferença de fuso horário ou o trabalho semanal em turnos diferenciados. Nessa situação, é indicado o tratamento com fármacos ben- zodiazepínicos em doses diárias mínimas, antes do deitar, durante o período máximo de três dias; 2. a insônia de curto prazo, com duração máxima de três semanas, motivada por situações pessoais como a possibilidade da perda de emprego, a existência de doenças graves em pessoas afetivamente ligadas ou morte de pessoas próximas. Nessa situação, faz-se necessário o tratamento com fármacos benzodiaze- pínicos no período máximo de 1 O dias, podendo ser associado ao tratamento psicológico especializado. O uso prolongado da terapia com benzodiazepínicos nessas situações deve ser rigorosamente avaliado; 3. a insônia de longo prazo, que permanece por mais de três semanas, motivada por situações diversas, requer sempre o tratamento psicológico especia- lizado, além do uso de fármacos benzodiazepínicos. As situações motivadoras da insônia a longo prazo incluem o uso de drogas, especialmente os compostos es- timulantes centrais (xantinas, anfetaminas e cocaína) e o álcool etílico (bebidas alcoólicas), a síndrome de apnéia noturna, a impotência sexual e outras situações patológi-, cas. E sempre necessário distinguir a insônia do dormir mal. Essa distinção pode ser feita levando em conta os 340 Lourival Larini hábitos saudáveis recomendados para a higiene do sono e as condições físicas do ambiente que o paciente dispõe para dormir. Entretanto, a insônia não é apenas a dimi- nuição do número total de horas de sono de um indiví- duo. Existem variações individuais em termos de necessi- dades diárias de sono, sendo a média de 6 a 8 horas. Os compostos benzodiazepínicos são os fármacos mais cornurnente utilizados no tratamento dos distúrbios do sono e corno ansiolíticos em idosos. No entanto, é im- portante destacar que esses pacientes mostram aumento de sensibilidade a determinados compostos benzodia- zepínicos, especialmente ao diazeparn e ao nitrazeparn. As alterações farmacocinéticas que ocorrem com a pro- gressão da idade para os compostos benzodiazepínicos estão consolidadas somente para as alterações que ocor- rem na ligação desses compostos com a albumina plas-, rnática. E conhecido que, no idoso, ocorre a redução da concentração plasmática da albumina, favorecendo o au- mento da fração livre do composto na circulação sistêrnica, responsável pela atividade farmacológica no sistema ner- voso central. Os estudos em animais demonstramque a maior sensibilidade aos benzodiazepínicos no animal idoso é conseqüência de urna maior concentração desses com- postos no cérebro. Estudos realizados com o nitrazeparn demonstram concentração 2 a 3 vezes mais alta no cére- bro de animais idosos. Estudos em voluntários, com a ad- ministração de 10 rng de nitrazeparn, demonstram que não ocorrem mudanças significativas nos processos far- rnacocinéticos, avaliados ao mesmo tempo em idosos e jovens. Entretanto, nesse mesmo protocolo experimental, os testes psicomotores, realizados 12, 36 e 60 horas após a administração do nitrazeparn, demonstram que o idoso está sujeito a maior probabilidade de erros, quando com- parado com o indivíduo classificado corno jovem. Alguns especialistas entendem que a sensibilidade aumentada do idoso aos fármacos benzodiazepínicos é motivada pelas alterações que ocorrem, com a evolução da idade, na bar- reira hernatencefálica, favorecendo a maior concentração do composto no cérebro. Estrutura química Os compostos benzodiazepínicos são derivados da 1,4-benzodiazepina e têm em comum urna dupla ligação entre o N4 e o C5 do anel heterocíclico, um radical fenil ou halofenil e um halogênio ou grupo nitro em C7• Em função de sua estrutura química, são classificados em: a) compostos 5-aril-1,4-benzodiazepínicos; b) compostos diazol-1,4-benzodiazepínicos; e c) compostos triazol-1,4-benzodiazepínicos (ver Figura 15.1eTabela15.1). Na Figura 15.2, são mostradas as fórmulas estrutu- rais de outros compostos benzodiazepínicos. Em função da meia-vida de excreção, os compostos benzodiazepínicos podem ser classificados em: a) compostos de ação curta, com meia-vida menor do que 6 horas (triazolarn, brotizolarn, rnidazolarn e oxazeparn); b) compostos de ação intermediária, com meia-vida de 6 a 24 horas (alprazolarn, lorazeparn, ternazeparn, flunitrazeparn e estazolarn); e c) compostos com ação prolongada, com meia-vida maior que 24 horas e clordiazepóxido, diazeparn, flurazeparn, nitrazeparn e quazeparn). Em relação à estrutura química e atividade dessa clas- se de compostos, ternos: a) somente os compostos com radicais substituintes na posição C 7 (-Cl; -Br; -N0 2 ; -CN; -CF 3 ) apresentam ati- vidade ansiolítica; b) as mesmas substituições nos carbonos 6, 8 ou 9 resul- tam em acentuada diminuição da atividade; c) a introdução de um grupamento rnetila em N 1 resulta no aumento da atividade farmacológica do composto; d) as substituições em meta e para no anel aromático li- gado ao C 5 geram acentuada diminuição da atividade; ao contrário, substituições em orto por halogênios con- duzem a urna elevada atividade; e) a troca do oxigênio no C 2 por enxofre resulta em redu- ção da potência ansiolítica; f) a hidrogenação na dupla ligação entre N 4 e C 5 reduz a atividade; g) o anel fenil em C 5 é essencial para a atividade an- siolítica. Farmacocinética e doses usuais Os compostos benzodiazepínicos são rapidamente absorvidos a partir do trato gastrintestinal e, após a ab- sorção, submetidos a processos complexos de biotrans- formação, especialmente N-desrnetilação e oxidação na posição 3 (ver Figura 15.2), produzindo rnetabólitos, muitas vezes ativos, que são, em grande parte, excretados conjugados com os substratos endógenos. Depois da administração oral de doses de 1 O rng de diazeparn, cerca de 70o/o do composto é excretado na uri- na e 10%, nas fezes. A urina contém cerca de 3% da dose na forma de oxazeparn conjugado com o UDPGA, 10% na forma de composto N-desrnetilado, 10% do composto 3- hidroxilado na forma conjugada e de 1 a 2% na forma inalterada. O principal produto na bile é o N-desrne- tildiazeparn (NDDZ). A circulação êntero-hepática do dia- zeparn e de seus produtos de biotransforrnação pode ser parcialmente responsável pelos efeitos prolongados do composto. O oxazeparn conjugado com o UDPGA em ní- vel hepático é excretado na bile, sofrendo hidrólise nos intestinos, com liberação do composto ativo que é, poste- riormente, reabsorvido. Fármacos e medicamentos 341 Tabela 15.1 VIAS DE ADMINISTRAÇÃO E USOS TERAP~UTICOS DOS BENZODIAZEPINICOS Vias de Dose diária Compostos administração Usos terapêuticos t112 (horas) usual (mg) Alprazolam: Frontal®, Xanax®, etc. Oral Distúrbios de ansiedade, agorafobia 12 ± 2 0,25 a 0,50 Bromazepam: Lexotan®, Deptran®, Oral Insônia, distúrbios de ansiedade 25 ± 5 1,5 a 10 Relaxil®, Somalium® Clobazam: Frisium®, etc. Oral Distúrbios de ansiedade, terapia - 15 a 60 complementar no tratamento da epilepsia Clordiazepóxido: Librium®, Tensil®, Oral, IM, IV Distúrbios de ansiedade, tratamento de 15 ± 3 20 a 100 Psicosedin®, etc. abstinência alcoólica, pré-medicação anestésica Clonazepam: Clonopin®, Rivotril®, etc. Oral Distúrbios convulsivos, tratamento - 1,5 a 4 auxiliar na mania aguda e em determinados distúrbios do movimento Clorazepato: Tranxilene®, etc. Oral Distúrbios de ansiedade, convulsões 2,0 ± 1 3 a 20 Diazepam: Calmociteno®, Diazelong®, Oral, IM, IV Distúrbios de ansiedade, epilepsia, 45 ± 10 5 a 15 Dienpax®, Kiatrium®, Pacitran® relaxamento da musculatura esquelética, Usempax: Valium® pré-medicação anestésica Estazolam: Noctal® Oral Insônia 15 ± 5 1a2 Flurazepam: Dalmane®, Dalmadorm®, Oral Insônia 70 ± 20 15 a 30 Lunipax®, etc. Flunitrazepam: Rohypnol®, etc. Oral Insônia - 0,5 a 2 Halazepam Oral Distúrbios de ansiedade 14 50 a 150 Lorazepam: Mesmerin®, Ativan®, Oral, IM, IV Distúrbios de ansiedade, medicação 15 ± 3 2 a 10 Lorax®, Lorium®, Lorasentil®, etc. pré-anestésica Midazolam IV, IM Medicação pré-anestésica e cirúrgica 2,0 ± 0,5 7,5 a 15 Nitrazepam: Mogadon®, Nitrazepol®, Oral Insônia 20 ± 5 5 a 10 Nitrenpax®, Sonebon®, etc. Oxazepam: Adumbram®, Ansiepax®, Oral Distúrbios de ansiedade 8,0 ± 2 15 a 30 Espasmox®, Notaral®, Oxazepol®, Pacienx®, Tensolisin®, etc. Quazepam Oral Insônia 35 ± 5 7,5 a 15 Prazepam Oral Distúrbios de ansiedade - 20 a 40 Temazepam: Levanxol®, Oral Insônia 10 ± 3 7,5 a 30 Temazepax®, etc. Triazolam: Halcion® Oral Insônia 3,0 ± 1 0,125 a 0,25 A B e -....;:::::::=N CI -....;:::::::=N CI -...;:::::::=N FIGURA 15.1 Compostos benzodiazepínicos: (A) aril-1,4-benzo-diazepínicos; (B) diazol-1,4-benzodiazepínicos (midazolam) e (C) triazol-1,4-benzodiazepínicos (triazolam). 342 Lourival Larini CI CI CI 1 CI CI .d- Alprazolam - N \ N §N ~ Estazolam Halazepam o yH3 O N--.(/ ~N Lormetazepa m Prazepam CI CI Br OH CI o N o .d- Clobazam CH3 \ N ~ --==N F Fludiazepam o CI Haloxazolam CI Nordazepam CH2CF3 1 s N---.~/ Quazepam CI CI o .d- Camazepam CH3 \ N ~ Flunitrazepa m o N Ketazolam F o 9H3 O N---.u Nímetazepam OH Temazepam FIGURA 15.2 Fórmulas estruturais dos diversos compostos benzodiazepínicos. HO/j O N---.t OH --=N -;/" F 1 ~ Doxefazepam N(C2H5)2 N CI --==N F Flurazepam H o CI Loprazolam ~N CI Pínazepam CI .---::N Tetrazepam QUADR015.1 Hábitos saudáveis recomendados na higiene do sono (ou condições ideais para o sono repousante) 1. Mantenha regularidade nos horários de deitar e levantar. 2. O sono perfeito é aquele considerado repousante, devendo ter urna duração ideal para cada pessoa, nunca encurtada ou prolongada. 3. O ambiente do dormitório deve ser escuro, tranqüilo e apre- sentar temperatura agradável. 4. O ambiente reservado para o sono deve ser destinado somen- te para esta finalidade e para a atividade sexual. 5. Desenvolva o seu próprio ritual nos momentos antecedentes ao sono (leitura, música suave, banho de imersão, ingestão de chás calmantes, etc.). 6. Evite deitar logo após urna refeição farta ou com fome. Ao entardecer; é sempre aconselhável a ingestão de lanches, sa- ladas e sopas leves. 7. Não abuse das bebidas alcoólicas após o entardecer, pois o efeito diurético do álcool leva à intermitência do sono. 8. Nãotorne fármacos estimulantes, diuréticos e bebidas esti- mulantes ao deitar. 9. Não fume no período que antecede o sono. 10. O relógio deve ser um instrumento secundário na compo- sição do ambiente de dormir. Quando necessário, dê pre- ferência para os aparelhos silenciosos, sem o característico "tic-tac". 11. Evite sonecas desnecessárias durante o dia. 12. Faça exercícios físicos regularmente, de preferência pela manhã. Em indivíduos normais, a meia-vida do oxazepam é calculada como sendo de 6 a 1 O horas. Por sua vez, o diazepam apresenta meia-vida de 35 a 55 horas. Em indivíduos submetidos a tratamento contínuo com o diazepam, observa-se o aumento considerável da concentração plasmática de N-desmetildiazepam (NDDZ) e o acúmulo deste composto no cérebro. Esse fato mostra que o diazepam atua como indutor enzimático em nível microssomal, estimulando a própria biotransformação. A dose diária usual do diazepam oscila de 5 a 15 mg, por via oral, preferentemente durante as refeições. Em idosos, as doses diárias devem ser reduzidas pela meta- de. Apresenta risco D na gravidez. O lorazepam é rapidamente excretado após a admi- nistração oral, cerca de 70o/o da dose pode ser recuperada na urina e 1 º/o nas fezes após quatro dias de administra- ção. A sua biotransformação compreende, fundamental- mente, a conjugação com o UDPGA. A conjugação com o UDPGA constitui também a principal via de biotrans- formação do oxazepam. O lorazepam apresenta meia-vida de 12 a 18 horas. , E utilizado nas situações definidas a seguir, com as doses indicadas, tomadas durante as refeições: a) No tratamento da ansiedade: iniciar com 2 a 3 mg por dia, em doses divididas. A dose de manutenção deve Fármacos e medicamentos 343 estar situada entre 1 e 1 O mg, dependendo da respos- ta do paciente. b) No tratamento da insônia: administrar 1 a 2 mg, em dose única, pela via oral, ao deitar. c) Como medicação pré-operatória: administrar 2 a 4 mg na noite que antecede a cirurgia e/ou 1 a 2 horas an- tes do procedimento cirúrgico. d) Em pacientes idosos ou debilitados: administrar 1 a 2 mg ao dia, pela via oral, em doses divididas. O lorazepam está disponível em comprimidos de 1 e 2 mg (Lorax®, Max-pax®, Mesmerin®). O seu risco na gra- videz é classificado na letra D. Não deve ser utilizado du- rante a amamentação. Além das reações de N-dealcoilação e hidroxilação na posição 3, outras vias metabólicas podem ocorrer, em função da estrutura do composto benzodiazepínico. As- sim, o nitrazepam é convertido no correspondente deri- vado aminado por redução do nitro-grupo, derivado este que sofre, posteriormente, uma reação de N-acetilação. A absorção oral do nitrazepam oscila entre 50 e 95% da dose total, ligando-se intensamente às proteínas plas- máticas. Apresenta meia-vida biológica de 21 horas, quan- do administrado pela via endovenosa, e de 25 horas quan- do administrado pela via oral. Em função dessa longa duração de ação, ocorrem efeitos residuais durante o seu emprego no tratamento da insônia. O seu uso é recomen- dado em situações de insônia intermediária ou de curto prazo, em doses diárias orais de 5 a 10 mg, tomadas antes de deitar. Em idosos, as doses diárias devem ser ajustadas para 2,5 a 5 mg. O clordiazepóxido é biotransformado por clivagem hidrolítica do grupo metilamino, dando origem ao demo- xepam que, posteriormente, sofre ruptura no anel hetero- cíclico. Nesse composto, a N-desmetilação também ocorre, e o produto formado pode ser considerado um intermediá- rio na formação do demoxepam. O demoxepam sofre redu- ção na função N-óxido, originando o composto 7-cloro- 1,2-diidro-3H-5-fenil-l,4,-benzodiazepina-2-ona, que, através de hidroxilação na posição 3, dá origem ao oxazepam. O clordiazepóxido está disponível em comprimidos , de 10 e 20 mg e em solução injetável de 100 mg. E indica- do no tratamento dos transtornos de ansiedade, no trata- mento da síndrome de abstinência que ocorre no alcoolis- mo e como pré-medicação anestésica. A sua meia-vida é de 12 a 18 horas. Apresenta risco D na gravidez e não deve ser utilizado durante a amamentação. O temazepam é completamente biotransformado no organismo por meio de N-desmetilação e conjugação com substrato endógeno, sendo 80% da dose administrada excretada na urina e 12%, nas fezes. Também ocorre a excreção biliar, e a sua circulação êntero-hepática pode ser considerada como responsável por seus efeitos pro- longados. Nesse sentido, além do próprio temazepam e de seu produto N-desmetilado, que são reabsorvidos, o 344 Lourival Larini composto conjugado, sofrendo desconjugação, libera, no trato gastrintestinal, o composto ativo, passível de ser reabsorvido. O temazepam é indicado no tratamento da insônia, em dose oral única tomada ao deitar, em doses de 15 a 30 mg. Em função da ocorrência comum de efeitos colate- rais, é aconselhável, em algumas situações, o início do tratamento da insônia em doses orais únicas de 7,5 mg. Por sua tolerabilidade, é considerado como fármaco de escolha no tratamento da insônia em idosos. Em alguns compostos, além da hidroxilação na posi- ção 3, há também a hidroxilação do radical fenil ligado à posição 5. Essa via de biotransformação ocorre, entre ou- tros, com o oxazepam, o diazepam, o medazepam, o tema- zepam, o clordiazepóxido e o nitrazepam. Os compostos brotizolam e triazolam são absorvi- dos de forma rápida e eficaz, por meio da administração pela via oral. Ambos apresentam meia-vida de excreção bastante curta (brotizolam = 3,5 a 8 horas, e triazolam = 2 a 4 horas). A biotransformação dos dois compostos com- preende a oxidação do grupo metil no anel triazol, com formação de derivados a-hidroxilados, e oxidação na po- sição 3, com formação de 3-hidroxibrotizolam e 3-hidro- xitriazolam. Esses produtos de biotransformação são excretados de forma conjugada com o UDPGA e o PAPS. Depois da administração oral do brotizolam, apenas cerca de 1 o/o do composto é excretado de forma inalterada, durante o período de oito horas. Para o triazolam, após a administração oral, o com- posto é excretado sob a forma de derivado a-hidroxilado e, em proporções bastante reduzidas, como metabólito oxidado na posição 3 (3-hidroxitriazolam). O triazolam é especialmente indicado no tratamen- to da insônia, em doses orais de O, 125 a 0,250 mg ao deitar. Durante o tratamento, podem ocorrer amnésia e comportamento paradoxal. Por isso, em alguns países, existem controvérsias sobre a aceitação do triazolam como , medicação no tratamento da insônia. E aceitável o seu uso, com restrições, em doses máximas de 0,25 mg diá- rias. A FDA recomenda o seu uso com cautela, incluindo uma declaração por escrito na sua distribuição ao paciente. O flunitrazepam é utilizado como indutor do sono em doses de 0,5 a 2 mg ao dia. Em doses acima de 1 mg ao dia, pode ocorrer sedação residual. Em idosos, a dose deve ser empregada sempre na menor concentração pos- sível. Está disponível no mercado em comprimidos de 1 mg. A sua meia-vida oscila de 10 a 20 horas. O fluni- trazepam não deve ser utilizado durante a amamentação e apresenta risco D na gravidez. Durante o tratamento, podem ocorrer reações paradoxais e perda de memória. O flurazepam é indicado como sedativo hipnótico e indutor do sono. Está disponível em comprimidos de 30 mg (Dalmadorm®). A dose usual recomendada oscila de 15 a 30 mg, pela via oral, tomada ao deitar. Apresenta longa ação hipnótica, que oscila de 50 a 100 horas, moti- vada por sua biotransformação com formação de um metabólito ativo, resultante de um processo de N-desal- quilação. Por essa razão, não é recomendável o emprego no tratamento da insônia. Além disso, o seu uso diário pode causar um efeito cumulativo muito grave. O quazepam é um composto benzodiazepínico indi- cado no tratamento da ansiedade e da insônia, em doses , orais diárias de 7,5 a 15 mg, tomadas ao deitar. E biotrans- formado, com formação do metabólito ativo dealquil-flurazepam, com longa duração de ação. Por isso, em fun- ção do efeito cumulativo e da necessidade do emprego de doses diárias no tratamento da insônia, a sua administra- ção deve ser realizada sempre na menor dosagem possí- vel. Durante o tratamento, podem ocorrer secura na boca, dor de cabeça, fadiga, tontura e dispepsia. O estazolam é indicado no tratamento da insônia em doses orais únicas de 1 a 2 mg, sempre ao deitar. A sua eficácia no tratamento da insônia em doses de 2 mg é comparável à do flurazepam em doses de 30 mg, apre- sentando, no entanto, meia-vida de 10 a 20 horas ou de 12 a 15 horas, conforme diferentes publicações na litera- tura especializada. Essa pequena meia-vida faz com que esse composto seja preferível, quando comparado com outros benzodiazepínicos de duração de ação prolonga- da. Está disponível no mercado com o nome de Noctal®, em comprimidos de 2 mg. O estazolam não deve ser em- pregado em hipótese alguma durante a gravidez e duran- te a amamentação. O bromazepam é um fármaco bastante empregado na clínica médica, especialmente no tratamento da insô-, nia e da ansiedade. E encontrado no mercado em compri- midos de 3 e 6 mg, sob diversos nomes (Novazepam®, Bromazepam®, Deptran®, Lexotan®, Nervium®, Relaxil®, Somalium®, Neurilam®, Brozepax®, etc.). Em adultos, a dose usual oscila de 1,5 a 3 mg, até três vezes ao dia, com dose máxima diária de 10 mg. O bromazepam não deve ser utilizado durante a gravidez e a amamentação. Está também disponível em associação com o fármaco sulpirida (bromazepam 1 mg + sulpirida 25 mg), para o tratamen- to da ansiedade. A sulpirida é um composto altamente seletivo para os receptores D2 da dopamina, sendo classi- ficado como antipsicótico. O alprazolam é um triazolbenzodiazepínico com in- dicações ansiolítica e sedativo-hipnótica. Está disponível em comprimidos de 0,25, 0,50, 1e2 mg (Apraz®, Frontal®, Tranquinal®). O composto é facilmente absorvido pela via oral, com biodisponibilidade de 80%. Apresenta meia-vida de eliminação de 11 horas em pessoas jovens e de 19 ho- ras em idosos. O composto é oxidado no organismo, com formação de a-hidroxialprazolam, rapidamente excretado na urina de forma conjugada. A dose recomendada, no tratamento da ansiedade, é de 0,25 a 0,50 mg, três vezes ao dia, devendo ser reduzida pela metade em idosos. O lormetazepam é um composto de ação interme- diária (meia-vida de 8 a 12 horas) indicado no tratamen- to da chamada insônia inicial. Está disponível em duas preparações: em comprimidos e em cápsulas gelatinosas. A dose diária usual é de 1 a 2 mg, pela via oral, antes de deitar. Em idosos, a dose recomendada é de 0,5 mg. Toxicidade Em geral, os compostos benzodiazepínicos apresen- tam baixa toxicidade, especialmente quando administra- dos de forma isolada. Todavia, essa toxicidade pode ser significativamente aumentada quando da combinação com o álcool etílico e com barbitúricos. A ação tóxica dos compostos benzodiazepínicos é notada apenas quando da ingestão de doses elevadas, e a ataxia constitui o principal sintoma da intoxicação. Tam- bém ocorre depressão respiratória, especialmente em pa- cientes com doenças obstrutivas do aparelho respirató- rio. Em doses terapêuticas ocorrem transtornos psico- motores e comprometimento da memória. Tais efeitos têm maior ocorrência quando do emprego de compostos de excreção lenta, especialmente quando usados por longo prazo e em idosos. Os efeitos residuais são comuns quan- do são usados o nitrazepam e o diazepam. Os pacientes idosos são mais suscetíveis à depressão do sistema nervo- so central, com maior ocorrência de estado confusional e ataxia, que podem ocasionar quedas e fraturas. Os compostos benzodiazepínicos provocam o estado de dependência física em grau variável, conforme o com- posto considerado e a duração do tratamento. A depen- dência psicológica é mais comum do que a física, podendo ocorrer com qualquer dose. A tolerância aos efeitos hip- nóticos desenvolve-se rapidamente, algumas vezes depois de apenas alguns dias de tratamento. Na abstinência, po- dem ocorrer depressão, agitação, insônia e agravamento do estado psicopatológico. Há também aumento da irrita- bilidade e do estado agressivo, efeitos estes que são mais acentuados com os compostos de ação ultracurta, como o triazolam. As diferenças existentes entre os compostos em relação à possibilidade de provocarem maior ou menor grau de estado de dependência estão relacionadas às di- ferenças farmacocinéticas existentes entre eles (efeitos cu- mulativos, meia-vida biológica, distribuição, etc.). Com a interrupção súbita da administração dos fár- macos benzodiazepínicos, é comum a ocorrência de síndrome de abstinência. Por isso, recomenda-se reduzir a dose posológica sempre de forma gradual (5 a lOo/o ao dia, por 10 a 14 dias). Uma população com característi- cas comportamentais similares foi estudada na Addiction Research Fondation, composta por 42 usuários de ben- zodiazepínicos com tratamento de pelo menos três me- ses. Ao serem comparados os efeitos da descontinuidade do tratamento, de maneira gradual ou abrupta, obser- vou-se a ocorrência de síndrome mais grave no grupo cuja descontinuidade foi abrupta e, ainda, sintomas mais intensos e mais aversivos que surgiram rapidamente após a interrupção de benzodiazepínico de meia-vida mais curta. Fármacos e medicamentos 345 Entre os sintomas mais freqüentes relacionados com a suspensão de tranqüilizantes benzodiazepínicos, podem ser destacados os seguintes: 1. manifestações autonômicas, como tremores, taqui- cardia e sudorese; 2. espasmos musculares; 3. cefaléia; 4. distúrbios gastrintestinais; 5. distúrbios no sono, com insônia e alteração do pa- drão de sono; 6. hipersensibilidade ao som e à luz; 7. ansiedade; 8. perda acentuada de peso. lmidazopiridinas Este grupo de compostos ansiolíticos está represen- tado pelo zolpidem e pelo alpidem, indicados na Figura 15.3. Embora não apresentem a estrutura 1,4-benzodia- zepina, têm elevada afinidade para com os receptores benzodiazepínicos no cérebro. O zolpidem facilita o início do sono, ao mesmo tem- po que aumenta a sua duração. Em adição ao seu rápido início de ação na indução do sono, o zolpidem apresenta meia-vida curta de eliminação. O composto não causa o chamado efeito rebote. Além disso, em usuários, a depen- dência, quando manifesta, é mínima. Os efeitos secundá- rios que ocorrem são mínimos (de 3 a 5% dos pacientes) e incluem dor de cabeça, tonturas, náuseas, vômitos e do- res gastrintestinais. Ao contrário dos compostos benzodiazepínicos, os imidazopiridínicos não apresentam atividade anticon- vulsiva e relaxante muscular. O zolpidem apresenta efei- to primário ansiolítico e não-sedativo. A sua meia-vida é de 1,5 a 2,5 horas em indivíduos saudáveis. O zolpidem é usualmente administrado por via oral, ao deitar, em do- ses de 5 a 20 mg. A dose usual é de 10 mg diários, reduzi- da para 5 mg diários em pacientes com mais de 65 anos. Em pacientes idosos e naqueles com insuficiência hepáti- o Zolpidem: R, = CH3 , R2 = CH3 ; R3 = CH3 Alpidem: R1 "' CI, R2 "' CI, R3 ;;;; CH2CH2CH3 FIGURA 15.3 Zolpidem e alpidem. 346 Lourival Larini ca e renal, a dose-limite é de 10 mg diários. A duração do tratamento deve ser definida em função da indicação, sen- do de 2 a 5 dias nos casos de insônia ocasional e de 2 a 3 semanas nos outros casos de insônia. O zolpidem é espe- cialmente indicado para pacientes nos quais o uso dos benzodiazepínicos possa induzir efeitos adversos pela depressão do sistema nervoso central e do aparelho respi- ratório. Entretanto, o zolpidem pode causar uma exacer- bação da síndrome de apnéia obstrutiva, conhecida pela sigla OSAS (obstructive sleep apnoea syndrome). Em ido- sos, têm sido relatados casos de confusão mental e que- das, especialmente quando do emprego de doses de 20 mg diárias. O zolpidem está disponível em comprimidos de 10 mg (Lioram®, Stilnox®). Estudos em animaisnão evidenciaram efeitos teratogênicos para o zolpidem. O seu uso deve ser evitado no período da amamentação. Du- rante o seu emprego, deve ser evitado o uso de bebidas alcoólicas, de barbitúricos, da clozapina e de outros depressores do sistema nervoso central. Outros compostos São também administrados no tratamento da insô- nia, embora restritamente, o meprobamato, a zopiclona (Imovane®, Neurolil®), a zaleprona (Sonata®), o eto- midato (Hypnomidate®) e o clometiazol. O meprobamato é um ansiolítico de uso bastante restrito no tratamento da ansiedade, disponível em for- mas farmacêuticas orais, em comprimidos e cápsulas de liberação prolongada. Em associação com o ácido ace- tilsalicílico, é indicado como coadjuvante no tratamento a curto prazo da dor acompanhada de tensão e/ ou ansie- dade, em pacientes com enfermidades musculoesque- léticas ou na cefaléia tensional. Está disponível em com- primidos contendo 200 mg de meprobamato e 325 mg de ácido acetilsalicílico. I 2-metil-2(2-hidroxipropil) propano-1 ,3-diol dicarbamato FIGURA 15.4 Biotransformação do meprobamato. O meprobamato é rapidamente absorvido pelo trato gastrintestinal, atingindo concentração máxima no san- gue em 1 a 2 horas após a ingestão. A sua biotransformação compreende a oxidação dos radicais metil e propil, com formação de compostos hidroxilados, e a conjugação di- reta com o UDPGA. O meprobamato é lentamente excre- tado, sendo possível encontrar na urina, 24 horas após a ingestão, cerca de 10% do composto inalterado. Os níveis sangüíneos terapêuticos oscilam de 1 a 2 mg/100 mL, e a concentração sangüínea de 20 mg/100 mL significa a absorção de doses potencialmente letais. O uso prolongado do meprobamato é acompanhado de tolerância e dependência física, com o aparecimento de convulsões na síndrome de abstinência. Quando utili- zado durante o primeiro mês da gravidez, o meprobamato aumenta o risco de malformações congênitas. O composto zopiclona (Imovane®, Neurolil®, Sere- nex®, etc.) apresenta alta afinidade para com os recep- tores benzodiazepínicos no cérebro. Em doses de 7,5 a 15 mg, aumenta o tempo de duração e a eficiência do sono. Em muitas situações, uma única dose oral de 7,5 mg, administrada 30 a 60 minutos antes de deitar, é sufi- ciente no tratamento da insônia. Em pacientes com mais de 65 anos, essa dosagem deve ser reduzida pela metade (cerca de 3,5 mg). No tratamento da insônia, a zopiclona não produz efeitos residuais ao despertar e também não altera as funções cognitivas. A interrupção do tratamento não produz efeito rebote e síndrome de abstinência. O composto é contra-indicado em casos de insuficiência res- piratória, insuficiência renal e insuficiência hepática gra- ve. Por ser excretado no leite matemo, não deve ser usa- do durante a amamentação. Apesar de não causar depen- dência, o uso terapêutico da zopiclona deve ter acompa- nhamento médico constante. Em doses terapêuticas, não ocorre interferência nos parâmetros respiratórios e car- diovasculares. Durante o uso da zopiclona, é comum a ocorrência de gosto amargo e boca seca. Meprobamato H 2-hidroxímetil 2n-propil propano-1 ,3-diol decarbanato COOH 0 -----« OH OH H O fármaco zopiclona apresenta estrutura pirrol-3,4,b- pirazina, não relacionada aos compostos benzodiaze- pínicos. Entretanto, apresenta espectro de atividade ca- racterizado por efeitos ansiolíticos, hipnóticos, anticonvul- sivantes e miorrelaxantes, semelhante àqueles produzi- dos pelos compostos benzodiazepínicos. A zopiclona é rapidamente absorvida depois da ad- ministração oral. A administração oral de 7,5 mg em vo- luntários proporciona concentração plasmática máxima de 60 a 70 ,ug/L em 30 a 90 minutos. A sua biodisponi- bilidade oral é de 70o/o no homem, sugerindo a ausência, ao menos significativa, de efeito pré-sistêmico de primei- ra passagem. Depois da absorção oral, é completamente biotransformada por oxidação (11 % da dose), com for- mação de um metabólito ativo, N-desmetilação (15% da dose), com formação de um metabólito inativo, e des- carboxilação, gerando um produto hidroxilado que é conjugado com substratos endógenos. Essas vias de biotransformação estão indicadas na Figura 15.5. A excreção completa da zopiclona e de seus metabólitos, após a administração oral, ocorre depois de 24 a 48 ho- ras. A meia-vida de excreção da zopiclona e de seu metabólito ativo, formado por meio de oxidação, é de 3,5 a 6 horas. A rápida excreção da zopiclona e de seu metabólito ativo talvez seja o motivo que explique a au- sência de efeitos indesejáveis ao levantar, como cansaço, sonolência e cefaléia. Estudos com voluntários saudáveis demonstram que o uso de álcool eti1ico em associação com a zopiclona não interfere na habilidade psicomotora. O álcool etílico também não interfere na concentração plasmática da zopiclona. A zaleplona é indicada no tratamento da insônia, com propriedades hipnótico-sedativas. Apesar de apresen- o Fármacos e medicamentos 347 tar baixa incidência de efeitos adversos em relação aos outros compostos de ação hipnótica, o seu uso não deve ser superior a 10 dias. Entre os efeitos adversos mais fre- qüentes, destacam-se o aparecimento de astenia, anorexia, constipação, dispepsia, amnésia, tontura, alteração da personalidade, alterações visuais e ansiedade. A zaleplona não deve ser usada durante a gravidez e a lactação. Após a administração oral, sofre absorção rápida e quase completa, com pico de concentração plasmática após uma hora. Os alimentos com alto teor de gordura prejudicam a absorção do composto. Cerca de 70% da dose oral administrada é recuperada na urina em 48 ho- ras, na forma de metabólitos conjugados. A dose recomendada para adultos é de 10 a 20 mg ao deitar, devendo ser reduzida para 5 mg em idosos. Não é necessário o ajuste da dose em pacientes com insuficiên- cia renal leve ou moderada. A zaleplona não deve ser uti- lizada em pacientes com insuficiência hepática grave. Está disponível em cápsulas de 5 e 10 mg (Sonata®). O uso concomitante de bebidas alcoólicas potencia- liza o efeito da zaleplona. A cimetidina aumenta a con- centração plasmática máxima e a área sob a curva da zaleplona, enquanto a rifampicina reduz efetivamente a sua biodisponibilidade. O etomidato (Hypnomidate®) é utilizado como hip- nótico sedativo na indução da anestesia, estando disponí- vel em apresentações injetáveis, na dose de 20 mg/10 mL. A sua dose anestésica recomendável é de 0,2 a 0,6 mg/ kg. Apresenta curta duração de ação, em virtude de seu rápido metabolismo, por esterases no fígado e no plasma. A sua administração repetida não provoca acúmulo no organismo. Todavia, o etomidato apresenta várias des- vantagens importantes: N ~ .,'l>-----1 Produtos inativos N ~ ó N o N Oxidação N ~ 1 • ~ CI ~ OOC-N N~H3 \__/ o Metabólito N-óxido (ativo) (11 % da dose) Produtos inativos N 1 ó N FIGURA 15.5 Vias de biotransformação da zopiclona. o OH Hidrólise (maior via) N Desmetilação ~ • ~ CI ~ OOC-N N-CH3 \__/ Zopiclona 1 o N N ~ .,Q>-----1 N ,'lei ~ OOC- N NH \__/ Metabólito N-desmetil (inativo) (1 Sºib da dose) Produtos inativos 348 Lourival Larini a) provoca dor no local da injeção, que pode ser reduzi- da mediante pré-tratamento com analgésico opióide intravenoso, corno a fentanila e a alfentanila; b) movimentos mioclônicos involuntários; e c) inibição reversível da esteroidogênese (um efeito de- pendente de dose, que não representa grave problema com doses isoladas ou com administração intermiten- te infreqüente). A despeito dessas desvantagens, o etornidato é va- lioso em algumas circunstâncias, corno causador de alte- rações cardiorrespiratórias mínimas durante a indução da anestesia, podendo ser utilizado em pacientes com doen- ça cardiovascular. Além disso, possui a vantagem de não liberar histarnina, diferentemente do tiopental, do rne- toexital e da morfina, podendoser utilizado em pacientes com asma e naqueles com tendência hereditária a desen- volver manifestações alérgicas. O clornetiazol, ou clormetiazol, tem sido indicado no tratamento da síndrome de abstinência provocada pelo alcoolismo, no delirium tremens e nos estados de agita- ção. Embora seja um composto estruturalmente relacio- nado à vitamina B1, não existem evidências de que seu modo de ação ocorra por meio de um efeito que envolva essa vitamina. O seu mecanismo de ação ainda não foi estabelecido. O clornetiazol é utilizado por via oral nas seguintes dosagens: a) corno sedativo: 2SO a SOO rng ao deitar; b) corno ansiolítico: 2SO rng, três vezes ao dia; c) na abstinência aguda de álcool: 7SO rng a cada seis horas, durante dois dias, seguidos de SOO rng a cada seis horas durante três dias e 2SO rng, a cada seis ho- ras, durante quatro dias, no máximo por nove dias. O efeito adverso mais comum consiste em irritação nasal, provocando espirros logo após a administração do medicamento. Além disso, podem ocorrer irritação conjun- tiva!, náuseas e vômitos. Os efeitos do clornetiazol são potencializados por outros fármacos que atuam sobre o sistema nervoso central, corno os benzodia.zepínicos e o álcool etílico. A cirnetidina inibe a biotransforrnação do clornetiazol, reduzindo a necessidade posológica. Duran- te o tratamento, os pacientes devem ser alertados para terem cuidado ao dirigir veículos e operar máquinas pe- • ngosas. O composto anti-histarnínico difenidrarnina pode também ser utilizado corno sedativo. A difenidrarnina está disponível no mercado farmacêutico para uso injetável em ampolas contendo 10 rng/rnL (Difenidrin®) e em di- versas associações, corno, por exemplo, as seguintes: a) corno cloreto de arnônio (Benadril®, Bequidril®, Difedril®, Tossilerg®); b) com aminofilina e guaifenesina (Alergo Filinal®); c) com nafazolina e neornicina (Rhinosept®); d) com cloreto de arnônio e citrato de sódio em pastilhas (Benalet®, Endcoff®). REFERÊNCIAS ASHTON, H. Guidelines for the rational use of benzodiazepines. Drugs, v. 48, n. 1, p. 25-40, 1994. CHEBID, M.; JOHNSTON, G. A. R. The ABC of GABA receptors: a brief review. Clinical and Experimental Pharmacology and Physiology, V. 26, Il. 11, p. 937-940, 1999. GOA, KL.; HEEL, R. C. Zopiclone. A review of its pharrnacodynamic and pharrnacokinetic properties and therapeutic efficacy as an hypnotic. Drugs, v. 33, p. 48-65, 1986. GREENBLATI, D.J. 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