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Universidade de São Paulo PSICOFARMACOLOGIA CLÍNICA Prof. Dr. Moacyr Luiz Aizenstein Departamento de Farmacologia USP 2019 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) A26i Aizenstein, Moacyr Luiz. Introdução à psicofarmacologia clínica / Moacyr Luiz Aizenstein. – São Paulo, SP: ArteSam, 2019. 110 p. ISBN 978-85-471-0293-7 1. Psicofarmacologia. 2. Psicotrópicos. I. Título. CDD: 615.78 Ficha catalográfica elaborada por Débora Soares Vicente de Santana – Bibliotecária CRB-9/1914 Índice para catálogo sistemático: 1. Psicofarmacologia 615.78 3 ÍNDICE INTRODUÇÃO A PSICOFARMACOLOGIA ................................................................ 5 NEUROTRANSMISSORES .................................................................................. 19 DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS .................................................................. 29 ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO .................................................................................. 41 SEDATIVOS E HIPNÓTICOS .................................................................................. 53 ANSIOLÍTICOS E ANTIDEPRESSIVOS .................................................................... 67 FÁRMACOS ANTIPSICÓTICOS .............................................................................. 83 FÁRMACOS PSICOESTIMULANTES ....................................................................... 95 5 INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 7 INTRODUÇÃO A PSICOFARMACOLOGIA Fármaco é uma substância de estrutura química definida utilizada para alterar funções no organismo. Origina-se do termo grego Pharmakon que significa ao mesmo tempo remédio ou veneno dependendo da dose. A Farmacologia é o estudo do Fármaco e divide-se em Farmaco- cinética e Farmacodinâmica. A Farmacocinética estuda as diferentes etapas porque passam os fármacos desde sua administração até chegar ao seu local de ação. São elas: Absorção, Distribuição, Metabolismo e Excreção (ADME). Estes processos dependem de sua passagem pelas membranas ce- lulares. A membrana plasmática é formada por lipídios e proteínas que são permeáveis a água que podem trazer junto fármacos com moléculas pequenas de até 200 Daltons. Na maioria das vezes os fármacos atraves- sam as membranas através de um transporte passivo, que necessita de um gradiente de concentração (maior no meio externo), das diferenças de pH através das membranas, e do grau de lipossolubilidade do fármaco. A Farmacodinâmica estuda a relação entre a concentração do fár- maco no seu local de ação e a intensidade dos efeitos alcançados, para entender os mecanismos das ações bioquímicas e fisiológicas, os efeitos obtidos (desejados e adversos ), e as indicações terapêuticas dos fármacos. O fármaco é o princípio ativo do medicamento, aquele que altera uma função e vai provocar uma resposta do organismo. O medicamento possui além do fármaco, outras substâncias chamadas excipientes que são substâncias inertes utilizadas para melhorar a estabilidade, a disponibilida- de biológica do fármaco e a aceitabilidade do paciente. Medicamento inovador ou de referência é aquele que apresenta marca comercial e que obteve o primeiro registro para comercialização, sendo protegido de reproduções à partir de uma patente. Medicamento genérico é o medicamento intercambiável com o INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 8 medicamento de referência. Deve conter o mesmo fármaco, na mesma dose, forma farmacêutica e mesma via de administração do medica- mento de referência eleito pelo Ministério da Saúde. Sua qualidade é comprovada em testes de bioequivalência (estudo comparativo da biodisponibilidade). Biodisponibilidade é definida como a quantidade e velocidade com que o fármaco aparece na corrente circulatória após sua administração. Fármacos com a mesma biodisponibilidade são considerados bio- equivalentes. A Farmacocinética estuda as diferentes etapas porque passam os fármacos desde sua administração até chegar ao seu local de ação. Estas etapas são: 1- Absorção é a passagem do fármaco do seu local de administra- ção para a corrente circulatória. Os principais fatores que interferem na absorção oral são: forma farmacêutica; lipossolubilidade; velocidade de esvaziamento gástrico e in- teração com outros fármacos. Para formulações sólidas ( pós, cápsulas, comprimidos e drágeas) administradas por via oral, a absorção depende da dissolução do mate- rial, seguida da liberação do fármaco a ser absorvido, de onde será distri- buído através da circulação para seus locais de ação. Substâncias líquidas (soluções, suspensões e xaropes) serão absorvidas mais rapidamente do que as sólidas. Na administração oral os fármacos antes de chegarem a circulação geral podem ser levados pela veia porta para o fígado, sofrendo o metabo- lismo de primeira passagem que vai diminuir sua biodisponibilidade. A via parenteral (subcutânea, intramuscular e endovenosa) não so- fre metabolismo hepático de primeira passagem e apresenta maior biodis- ponibilidade, que é máxima no caso da administração endovenosa (100%). INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 9 Outras importantes vias de administração são: sublingual, retal, inalatória, intratecal e tópica (ocular, dérmica, vaginal e nasal). É importante assinalar que somente fármacos muito lipossolúveis, não ligados a proteínas plasmáticas e pouco ionizados, são capazes de pas- sar da corrente circulatória para o cérebro ou através da placenta, pois estes locais possuem verdadeiras “ barreiras de proteção”. 2- Distribuição. Na corrente sanguínea o fármaco distribui-se para os líquidos intracelulares e intersticiais, dependendo das propriedades fí- sico-químicas da substância.Os primeiros órgãos a receberem o fármaco são aqueles mais irrigados (coração, cérebro, rins, fígado ) e dependem do débito cardíaco e do fluxo regional. A distribuição para os músculos, pele e tecidos adiposos é mais lenta. Muitos fármacos circulam na corrente sanguínea ligados rever- sivelmente às proteínas plasmáticas. A albumina é a principal carrea- dora de fármacos ácidos e a glicoproteína alfa1 de fármacos básicos. Quando ligados, os fármacos não têm atividade farmacológica e são protegidos de metabolização e eliminação renal. Somente a forma livre do fármaco tem atividade e pode também ser metabolizada e sofrer eliminação renal. Alguns fármacos com propriedades físico-químicas semelhantes podem competir entre si pela ligação com o sítio protéico, gerando uma interação farmacocinética quando administrados simultaneamente e aumentando a forma livre de algum deles ou de ambos. Para fármacos de baixa segurança ( quando doses terapêuticas estão próximas de doses tóxicas), a alteração transitória de aumento da sua concentração na forma livre pode ser problemática. A redistribuição dos fármacos ocorre quando após sua ação inicial em órgãos ou tecidos primeiramente atingidos(p.ex. cérebro), migram para outros tecidos (p.ex. gorduras) e ficam lá armazenados por algum tempo. Depois voltam para a circulação sistêmica sendo novamente le- INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 10 vados aos órgãos, reproduzindo seus efeitos iniciais (p.ex. barbitúricos provocando a chamada ressaca barbitúrica). 3- Metabolismo. O metabolismo ou biotransformação dos fár- macos em compostos hidrofílicos é essencial para sua eliminação do or- ganismo. Em geral, as reações de biotransformação geram metabólitos inativos mais polares prontamente excretados do organismo. Entretan- to em alguns casos são formados metabólitos com atividade biológica e mesmo tóxica. As reações de biotransformação ocorrem principalmente no fíga- do, plasma, rins e pulmões, e se classificam como reações da fase 1 ( p.ex. oxidação, redução,etc. ) e fase 2 ( conjugação ). As reações de oxidação da fase 1 são catalisadas pelas enzimas da superfamília CYP (Citocromo P450). Nos seres humanos existem inúmeros genes que expressam dife- rentes CYPs (isoenzimas). Estas isoenzimas são agrupadasem famílias e subfamílias que são denominadas pela raiz CYP seguida de um número que designa a família, uma letra que designa a subfamília e um segundo número que descreve a isoforma. Como exemplo temos a CYP3A4 que é a principal isoenzima metabolizadora de fármacos. Existem nos indivíduos variações nas expressões das CYPs em ra- zão do polimorfismo genético, ocasionando diferenças nos efeitos de fár- macos em diferentes grupos étnicos. As interações relacionadas ao metabolismo de fármacos são res- ponsáveis por vários efeitos adversos ou ausência de efeitos quando se associam dois ou mais fármacos ao indivíduo. Isto geralmente ocorre quando os dois ou mais fármacos são metabolizados pela mesma enzima interferindo portanto um no metabolismo do outro pois a enzima ocorre em quantidades finitas, podendo não ser capaz de metabolizar os dois fár- macos simultaneamente. Alguns fármacos podem também inibir ou contrariamente induzir as isoenzimas CYPs independente de serem ou não seu substrato. Assim, INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 11 a sua administração associada a outro fármaco,substrato da mesma iso- enzima CYP, poderá resultar num aumento da concentração (indução), ou diminuição da concentração ( inibição ) da enzima e conseqüente variação na resposta. Denominamos estes fármacos de inibidores ou indutores en- zimáticos e deve-se evitar a sua administração simultâneamente a fárma- cos metabolizados pela mesma CYP. Outros fatores individuais que podem interferir no metabolismo de fármacos são: idade, sexo, doença hepática e como já visto polimorfis- mo genético e presença de inibidores/indutores enzimáticos. 4- Excreção. Os fármacos podem ser excretados do organismo na sua forma original ou como metabólitos. Com exceção dos pulmões o or- ganismo elimina melhor os fármacos na forma hidrofílica. O rim é o órgão mais importante na eliminação dos fármacos e seus metabólitos. As subs- tâncias excretadas nas fezes são substâncias geralmente não absorvidas após administração oral. A excreção pulmonar ocorre principalmente para substâncias voláteis. Outras vias de excreção são: suor, saliva, cabelo e o leite materno. Outros parâmetros importantes para o entendimento da farmaco- cinética são: depuração, volume de distribuição e meia vida ( t½). Depuração ou Clearance (Cl) se refere a quantidade de fármaco re- movida ou biotransformada do organismo. Em outras palavras correspon- de a remoção de um fármaco de um volume específico de fluido biológico na unidade de tempo ( mL/min ). Ocorre principalmente no fígado através do seu metabolismo e pela excreção renal, e é muito importante para o cálculo da posologia do medicamento prescrito. Volume de distribuição (Vd) avalia a quantidade total do fármaco no organismo tomando como base a sua concentração em um determi- nado compartimento, geralmente o plasma. Assim, o Vd de um fármaco fornece uma estimativa da extensão com que o fármaco se distribui nos espaços extravasculares. Fármacos hidrofílicos terão um grande volume INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 12 de distribuição pois se acumularão nos tecidos intersticiais enquanto que fármacos lipofílicos se acumularão em gorduras. Meia vida de eliminação (t½) de um fármaco representa o tempo necessário para que sua concentração plasmática decline à metade. Seu cálculo depende das variáveis Vd e Cl. A depuração, o volume de distribuição e a meia vida, estão rela- cionadas com as características físico-químicas dos fármacos e são infor- mações importantes para o estabelecimento da posologia utilizada para diferentes pacientes. A Farmacodinâmica estuda a relação entre a concentração do fár- maco no seu local de ação e a intensidade dos efeitos alcançados. Seu estudo pode fornecer as bases para a utilização racional de medicamentos. O conceito básico da farmacodinâmica resulta da curva dose-resposta, que reproduz graficamente o efeito de um fármaco como função da sua con- centração no receptor. Figura 1 – Relação dose /resposta de um fármaco Os efeitos produzidos pela maioria dos fármacos resultam da in- teração com componentes macromoleculares do organismo chamados receptores. Em geral os fármacos se ligam ao receptor e mudam sua configuração iniciando uma série de efeitos bioquímicos até produzirem POTÊNCIA DOSE (ESCALA log10) CU RV A EFICÁCIA MÁXIMA RE SP O ST A M ED ID A INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 13 uma resposta do sistema. A ligação ocorre quando há uma afinidade nas estruturas químicas entre o fármaco e o receptor. A segunda etapa cha- ma-se eficácia e é o resultado da extensão da mudança da configuração do receptor, provocada pela interação com o fármaco. O efeito farmacológico provoca uma resposta clínica (terapêutica ou adversa ). De acordo com a resposta provocada pela interação com o receptor o fármaco é classificado em: - Agonista pleno ( forte ), quando a interação provoca um efeito máximo. Ex.: fentanila. - Agonista parcial ( fraco ), quando a interação provoca um efeito intermediário. Ex.: buspirona. - Antagonista, quando a interação provoca um bloqueio. Ex.: halo- peridol. Os receptores não apenas iniciam a regulação dos processos bio- químicos e da função fisiológica como também estão sujeitos a controles reguladores que buscam o equilíbrio homeostático do sistema. A estimulação contínua dos receptores por agonistas farmaco- lógicos leva a um estado de dessensibilização, de modo que o efeito subseqüente à mesma concentração do fármaco produz uma menor resposta do sistema. Este fenômeno é chamado de tolerância funcio- nal, e há necessidade de aumento da dose do agonista para retornar aos efeitos iniciais. Contrariamente, o bloqueio contínuo dos receptores por antago- nistas farmacológicos leva a um estado de hipersensibilização, de modo que após a retirada do bloqueio o sistema responde de forma exacerbada a um estímulo. Para avaliarmos a eficácia e a segurança de um fármaco estabele- cemos o conceito de dose eficaz e dose tóxica. Dose Eficaz é a dose necessária para produzir o efeito desejado (p.ex. anestesia), em uma porcentagem da população estudada ( p.ex. 50%). Neste caso denominamos DE50 (dose eficaz em 50% da população). INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 14 Dose Tóxica é a dose necessária para produzir determinado efei- to tóxico ( p.ex. parada respiratória ) em uma porcentagem da população estudada ( p. ex.em 50% ). Neste caso denominamos DT50 (dose tóxica em 50% da população). Podemos também exprimir como dose letal ( DL50 ), se este for o parâmetro desejado Índice Terapêutico é a expressão matemática entre a relação da dose tóxica ou letal e a dose terapêutica ou eficaz de um fármaco ( DL50 / DE50 ) e fornece o grau de segurança de um fármaco. Assim, quanto maior o valor desta equação tanto maior a segurança de um fármaco, pois a dose tóxica será muito maior que a dose terapêutica, e difícil de ser atingida. Figura 2 – Representação das curvas de DE e DL de um fármaco. Índice Terapêutico JANELA TERAPÊUTICA Diferentes indivíduos variam na resposta aos efeitos de mesmas concentrações de fármacos. Na próxima figura está representado o com- portamento de um fármaco em um indivíduo, em relação ao seu efeito em função do tempo após administração. INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 15 Percebe-se que foi necessário certo tempo após a administração para que o fármaco atingisse uma concentração na corrente circulatória suficiente para início do efeito pretendido ( concentração mínima eficaz para o efeito desejado ). A concentração continua a subir até atingir seu efeito máximo e depois começa a cair provavelmente devido ao seu meta- bolismo e eliminação. A distância entre a concentração mínima eficaz e o efeito má- ximo obtido caracteriza a Intensidade do efeito. Já a distância entre o efeito máximo e a concentração para o efeito tóxico determina a segu- rança, pois quanto maior esta distância mais seguro o fármaco. Portanto, a janela terapêutica é o intervalo entre amenor concen- tração que produz efeito terapêutico e o limite para início da toxicidade do fármaco. Estes valores são obtidos em ensaios clínicos com voluntários e pacientes e permite estabelecer a posologia do medicamento para a popu- lação adulta em geral. Figura 3 – Representação da janela terapêutica de um fármaco. INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 16 Assim os estudos das relações farmacocinéticas (PK) e farmacodi- nâmicas (PD), se constituem na base racional da Farmacoterapia, que é o ramo da ciência relacionada a aplicação de medicamentos com o obje- tivo de prevenir, controlar ou curar doenças. Como os parâmetros farma- cocinéticos e os farmacodinâmicos variam entre indivíduos ( idade, raça, sexo, etc. ) é necessário adaptar-se os conceitos gerais para cada indivíduo em particular visando o uso racional de medicamentos. Importante assinalar que todos conhecimentos utilizados na tera- pêutica devem resultar de evidências obtidas com rigor científico. Psicofarmacologia Clínica é o ramo da neurociência que estu- da o uso de fármacos para o tratamento dos transtornos mentais. Ela envolve o estudo científico do comportamento humano, sua base bio- lógica, e a interação do fármaco com o substrato fisiológico, produzin- do mudanças terapêuticas de curto e longo prazo no tratamento das desordens mentais. Ela estuda uma gama enorme de substâncias com diferentes pro- priedades psicoativas, focando primariamente nas suas interações quími- cas com o Sistema Nervoso Central (SNC). Os psicofármacos interagem com sítios específicos (receptores) encontrados no sistema nervoso induzindo mudanças nas suas funções fi- siológicas. A interação entre os fármacos e os receptores referem-se a sua ação, e as mudanças que provocam na sua função constituem os efeitos do fármaco. Estes fármacos podem se originar de fontes naturais como plan- tas e animais ou através de processos químicos obtidos em laboratório. INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 17 BIBLIOGRAFIA Blumenthal DK & Garrison JC. Farmacodinâmica: mecanismos de ação dos fármacos. In: Brunton LL, Chabner BA, Knollmann BC eds. Goodman & Gil- man. As Bases Farmacológicas da Terapêutica 12a ed. Porto Alegre, Art- med 2012; p. 41. Buxton ILO & Benet LZ. Farmacocinética: a dinâmica da absorção, distri- buição, ação e eliminação dos fármacos. In: Brunton LL, Chabner BA, Knoll- mann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêuti- ca 12a ed. Porto Alegre, Artmed 2012; p. 17. Gonzalez FJ, Coughtrie M, Tukey RH. Metabolismo dos fármacos.In: Brun- ton LL, Chabner BA,Knollmann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Far- macológicas da Terapêutica 12a ed. Porto Alegre, Artmed 2012; p. 123. INTRODUÇÃO À PSICOFARMACOLOGIA 19 NEUROTRANSMISSORES 21 NEUROTRANSMISSORES O Sistema Nervoso Central (SNC) é responsável pela maioria das funções de controle do organismo humano integrando todas as mensagens recebidas pelo corpo e coordenando suas funções ou ações. Os sistemas neurais são capazes de regular sua própria atividade, assim como a atividade de outros sistemas por meio de substâncias quí- micas, os chamados neurotransmissores ( NT ).Os neurônios podem ser classificados segundo o NT que sintetizam e liberam. Os NT atuam nas sinapses, que são estruturas celulares especiali- zadas que permitem a comunicação altamente específica entre os bilhões de neurônios que compõem o SNC dos mamíferos. O conhecimento da estrutura e funcionamento das sinapses é fun- damental no estudo da Psicofarmacologia, pois a imensa maioria dos psi- cofármacos exerce seus efeitos por interferir na atividade sináptica. Para identificação dos neurotransmissores centrais alguns critérios devem ser observados, como: 1- sua ocorrência nos terminais pré-sinápticos; 2- sua liberação simultânea a atividade neural; 3- quando aplicados experimentalmente em células pós-sinápticas devem reproduzir efeitos idênticos a estimulação pré-sináptica. Os NT podem produzir efeitos variáveis de acordo com o contexto dos eventos sinápticos, excitando ou inibindo circuitos neurais específicos. Do ponto de vista eletrofisiológico as ações dos NT podem ser resumidas em ações excitatórias ou inibitórias. Nas sinapses excitatórias, após a interação do NT com os recep- tores ocorre abertura de canais iônicos permitindo a entrada de íons po- sitivos aumentando a excitabilidade das membranas provocando uma despolarização por toda célula e difusão do potencial de ação, ocorrendo transmissão do impulso. NEUROTRANSMISSORES 22 Nas sinapses inibitórias ocorre entrada de íons negativos reduzin- do a excitabilidade das membranas provocando uma hiperpolarização e impedindo a criação de um potencial de ação, ocorrendo inibição do im- pulso. Fig 1 – Sinapse excitatória As etapas da transmissão química no SNC se iniciam com a síntese do NT no próprio terminal pré-sináptico por enzimas e precursores levados a este local. Após a síntese os NT, quando forem aminas biogênicas (adre- nalina, noradrenalina, serotonina e dopamina), serão armazenados em ve- sículas pequenas. Já a síntese de NT peptídeos (p.ex.endorfinas) envolve a formação de moléculas precursoras (propeptideos) no retículo endoplas- mático rugoso, situado no corpo celular, e posterior armazenamento em vesículas grandes. Com a chegada do potencial de ação na membrana dos neurônios pré-sinápticos, são abertos canais para entrada de íons Cálcio, favore- cendo a migração das vesículas e fusão com a membrana e conseqüen- te liberação do NT por exocitose para a fenda sináptica. Os NT assim NEUROTRANSMISSORES 23 liberados podem se ligar a receptores específicos localizados pós ou pré sinapticamente. A interação do NT com receptores localizados no neurônio pós- -sináptico altera suas propriedades elétricas facilitando ou dificultando a geração do potencial de ação. Em sinapses nas quais o NT despolariza a membrana é gerado um potencial pós-sináptico excitatório ( PEPS ). Quan- do o NT hiperpolariza a membrana é gerado um potencial inibitório pós- sináptico ( PIPS ). A interação do NT com receptores localizados no próprio neurônio pré-sináptico pode alterar a síntese e liberação do NT, e estes receptores são chamados de auto-receptores por inibirem a atividade pré-sináptica. Em seguida os NT são rapidamente removidos da fenda sináptica seja por difusão passiva, seja por mecanismos especializados de meta- bolismo e de captação existentes tanto em neurônios como em células da glia. PRINCIPAIS NEUROTRANSMISSORES NO SNC Ácido gama-aminobutírico (GABA). É o principal NT inibitório do SNC. O organismo sintetiza o GABA a partir do glutamato, utilizando a en- zima L-ácido glutâmico descarboxilase e piridoxal fosfato (que é a forma ativa da vitamina B6) como cofator. Este processo converte o principal NT excitatório (glutamato) no principal inibitório (GABA). Seus receptores são de dois tipos ( GABAA e GABAB ), e o mais im- portante é o GABA A que apresenta canais para íons Cloreto (Cl -) que se abrem após a ligação do NT liberado nos neurônios pré-sináptico. A entra- da dos íons Cl- no neurônio pós-sináptico reduz a excitabilidade das mem- branas provocando uma hiperpolarização e impedindo a criação de um potencial de ação e levando a uma inibição do impulso. O receptor GABAB está ligado aos canais de Potássio NEUROTRANSMISSORES 24 A função do GABA é o de inibir ou reduzir a atividade neural. Tem um importante papel no controle do comportamento, cognição, estres- se, ansiedade e medo. Alguns fármacos podem mimetizar ou aumentar os efeitos do GABA que encontra-se distribuído por todo SNC. Participa nos efeitos dos fármacos sedativos, hipnóticos e anticonvulsivantes. Glicina. É um NT inibitório, e localiza-se principalmente no tronco cerebral, na medula espinal e na retina. Quando os receptores de glicina são ativados ocorre entrada de íons cloreto causando um potencial ini- bitório pós-sináptico (PIPS).Existem vários subtipos de receptores para a Glicina,mas sua função não é bem conhecida. A estricnina é um potente antagonista dos receptores ionotrópicos da glicina causando convulsões através deste mecanismo. Glutamato ( Glu). É o mais importante NT excitatório do SNC em mamíferos. É sintetizado a partir da glutamina pela enzima glutaminase. É também um precursor do GABA pela ação da enzima glutamato descarbo- xilase. Como NT é armazenado em vesículas nas sinapses sendo liberado pelo impulso nervoso atuando em dois tipos de receptores, o ionotrópico ligado a canais iônicos e o metabotrópico, ligado à proteína G. Os recepto- res ionotrópicos por sua vez classificam-se em AMPA ( amino-3 hidróxi-5 metil- ácido-4 isoxazolepropionico ) e NMDA (N-metil-D-aspartato), de- pendendo de sua afinidade por estas duas substâncias. O glutamato parece interferir no desenvolvimento neural, na plas- ticidade sináptica, no aprendizado e na memória, na epilepsia, na isque- mia neural, na tolerância e na dependência a drogas, na dor neuropática, na ansiedade e na depressão Devido a sua grande distribuição pelo SNC, existe grande interesse no desenvolvimento de fármacos que atuem nestes locais.Tem sido postu- lado que alterações nestes sistemas possam estar relacionados com doen- ças degenerativas, esquizofrenia e epilepsia. NEUROTRANSMISSORES 25 Acetilcolina (Ach). A síntese desse neurotransmissor ocorre nos neurônios colinérgicos através da acetilação da colina, com acetil coen- zima A (acetil-CoA) funcionando como doador de grupos acetil e catali- sada pela enzima colina-acetiltransferase (CAT). Seus efeitos são resul- tantes da interação com receptores nicotínicos e muscarínicos. No SNC a Ach possui efeitos na plasticidade neural, no despertar e na atenção,no aprendizado e na memória e no processo de recompensa É um NT de distribuição difusa no SNC. A lesão do sistema colinérgico no cérebro está associada com o prejuízo da memória presente em pacientes com a doença de Alzheimer. È também um importante NT atuando no striatum, que é parte dos gânglios da base. Liberada por interneurônios colinér- gicos está alinhada com a atividade da DA em neurônios da substância negra e mostra-se alterada na doença de Parkinson e outros alterações do movimento. Dopamina (DA). É sintetizada a partir do aminoácido tirosina que é convertido a dihidroxifenilalanina (DOPA) pela enzima tirosina hidroxila- se. Em seguida DOPA é descarboxilada formando dopamina (DA) que per- tence quimicamente ao grupo das catecolaminas, (estrutura química que possui duas hidroxilas ligadas ao núcleo benzeno). Exerce efeitos genera- lizados principalmente no SNC atuando nos processos motores, no apren- dizado, memória, emoção e processos cognitivos. Está também envolvida nos efeitos farmacológicos da anfetamina e cocaína, e demonstrou-se que todas drogas de abuso tem a propriedade de estimular sua liberação no núcleo accumbens. Sua distribuição no SNC se concentra nas chamadas vias dopami- nérgicas relacionadas a diferentes atividades controladas principalmente pelo receptor D2, que são: A via nigroestriatal tem feixes de neurônios localizados na subs- tância negra que se projetam para regiões do estriado. Lesões nesta via são responsáveis pela fisiopatologia da doença de Parkinson. NEUROTRANSMISSORES 26 A via mesocorticolímbica com feixes nos núcleos da base se pro- jetando para regiões do sistema límbico ( amígdala, área septal e córtex límbico),com importante papel na patologia da esquizofrenia. A via tuberoinfundibular com projeções do hipotálamo para a hipófise, controla a secreção dos hormônios do crescimento e da prolactina. Noradrenalina (NE). É uma catecolamina sintetizada no “ locus coeruleus “ no tronco cerebral à partir do aminoácido tirosina que é con- vertido a dihidroxifenilalanina (DOPA) pela enzima tirosina hidroxilase. Em seguida DOPA é descarboxilada formando dopamina (DA) que é hi- droxilada pela dopamina beta-hidroxilase formando NE. Está distribuída principalmente em várias regiões cerebrais, mas principalmente no hi- potálamo e em regiões límbicas, identificando-se como NT importante nos processos adaptativos que caracterizam as emoções. Participa nos processos de sono/vigília e no mecanismo de estresse/desconforto. Várias doenças psiquiátricas incluindo depressão, esquizofrenia, ansiedade e TDAH estão relacionadas a atividade noradrenérgica. Hoje sabe-se que fármacos antidepressivos são capazes de blo- quear a recaptação neuronal da NE, aumentando seus níveis na fenda sináptica. Serotonina. É uma indolamina, também conhecida como 5- hi- dróxitriptamina (5HT ) obtida à partir do aminoácido triptofano que é hidroxilado formando 5-hidróxitriptofano e depois descarboxilado for- mando a serotonina.Ocorre principalmente nos neurônios dos núcleos da rafe que se projetam para o cérebro anterior e medula. Sua presença no SNC foi descrita em 1954 época em que se observou os efeitos blo- queadores do LSD ( dietilamida do ácido lisérgico ) sobre suas ações. Isto levou a noção de que seus efeitos poderiam alterar o humor, o que de certa forma se confirmou mais tarde. Hoje sabe-se que fármacos antide- NEUROTRANSMISSORES 27 pressivos são capazes de bloquear a recaptação neuronal da serotonina, aumentando seus níveis na fenda sináptica. Histamina. A histamina pertence à classe das aminas biogênicas e é sintetizada a partir do aminoácido histidina, sob ação da L-histidi- na decarboxilase (HDC), a qual contém piridoxal fosfato (vitamina B6). Os neurônios histaminérgicos estão localizados no hipotálamo posterior e enviam tratos descendentes e ascendentes longos para todo o SNC. O sistema histaminérgico que é abundante na periferia, no SNC participa na regulação do despertar, da temperatura corporal e da dinâmica vascu- lar.Seus efeitos estão relacionados em aumentar a excitabilidade do SNC e seus neurônios quando ativados aumentam o estado de vigília, o que explica a sedação causada pelo seu bloqueio central. Peptídeos. Foram descobertos na década de 1980. Sintetizados no retículo citoplasmático liso, onde o propeptídeo clivado migra através de vesículas do citoplasma até o terminal, onde vai ser liberado, não exis- tindo mecanismos de recaptura. Estão presentes nos tecidos em concen- trações bem menores do que as dos NT clássicos. São capazes de regular a atividade neural, isoladamente ou em conjunto com outros NT. Mais de 100 diferentes neuropeptídeos foram isolados, e os mais estudados no SNC são: VIP (peptídeo intestinal vasoativo); CCK (colecistoquinina); Encefalinas (endorfinas); Substância P e Somatostatina. Inúmeras evi- dências demonstram seu envolvimento, diretamente ou através de suas interações com NT clássicos, em doenças mentais, como no transtorno de ansiedade e na depressão. Os psicofármacos atuam no SNC geralmente através dos NT, seja aumentando ou diminuindo sua liberação, inibindo sua recaptura e seu metabolismo ou bloqueando seu armazenamento. Atuam nos seus sítios receptores como agonistas ou antagonistas farmacológicos NEUROTRANSMISSORES 28 BIBLIOGRAFIA DeLucia R, Aizenstein ML, Planeta CS. Introdução a Farmacologia do Sis- tema Nervoso Central. In: DeLucia R & Oliveira-Filho RM. Farmacologia Integrada 2ª ed.São Paulo, Revinter 2004; p.199. Molinoff PB. Neurotransmissão e SNC. In: Brunton LL, Chabner BA, Knollmann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Tera- pêutica 12ª ed. Porto Alegre, Artmed 2012; p.363. Sanders-Bush E & Hazelwood L. 5-Hidroxitriptamina ( serotonina ) e do- pamine. In: Brunton LL, Chabner BA,Knollmann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêutica 12ª ed. Porto Alegre, Art- med 2012; p.335. NEUROTRANSMISSORES 29 DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 31 DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS Os psicofármacos há muito vem sendo usados com a finalidade do indivíduo obter prazer, descontração e euforia, ou para ali-viar ansiedade, dor, depressão, frustração e outras sensações. A maioria destes fármacos pode causardependência e levar ao uso sem controle. A dependência de substâncias psicoativas é um fenômeno com- plexo com causas e conseqüências relacionadas a vários fatores, que incluem desde mecanismos moleculares até aspectos sociais. Nenhum fator isoladamente pode predizer se uma pessoa se tornará dependente da substância.O risco para ocorrência de dependência é influenciado pe- las características do indivíduo, da droga e do ambiente. O uso abusivo e a dependência de substâncias psicoativas re- sultam em graves problemas individuais e sociais. Embora o problema maior ocorra com o uso de substâncias ilícitas, não se deve esquecer que o uso de substâncias cujo consumo é aprovado ou tolerado ( p.ex. álcool, nicotina,opióides e sedativos ) podem gerar problemas mais graves que as drogas ilícitas. As substâncias psicoativas de maior consumo no Brasil em ordem decrescente são: álcool, nicotina, maconha e cocaína. ( Tabela 1 ) DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 32 Tabela 1 – Prevalência (%) no uso de substâncias lícitas e ilícitas entre pessoas de 12 a 65 anos na vida, nos últimos 12 meses e nos últimos 30 dias Substância na vida 12 meses 30 dias Bebidas alcoólicas 66,4 43,1 30,1 Cigarros industrializados 33,5 15,4 13,5 Maconha/Haxixe/Skank 7,7 2,5 1,5 Cocaína 3,1 0,9 0,3 Crack 0,9 0,3 0,1 Solventes 2,8 0,2 0,1 Ecstasy/MDMA 0,7 0,2 0,0 Heroína 0,3 0,1 0,0 LSD 0,8 0,2 0,0 Quetamina 0,2 0,1 0,1 Chá de Ayahusca 0,4 0,1 0,1 Fonte: ICICT, Fiocruz. III levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, 2017 CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO O Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais na sua 5ª edição – DSM-5 utiliza a terminologia “transtornos por uso de substâncias” para definir a dependência. Dependendo da forma de uso e da relação que o indivíduo estabe- lece com a substância e com as conseqüências do seu uso, pode-se carac- terizar três padrões de uso: uso ocasional (ou controlado) ; uso abusivo ( ou nocivo) e uso compulsivo ( ou dependência ). O uso ocasional refere-se a manutenção de um uso regular, que não interfere com as atividades habituais do indivíduo. O uso abusivo é um padrão mal adaptado com conseqüências adversas recorrentes e signi- DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 33 ficativas. O uso compulsivo é um modo de consumo prejudicial em vários aspectos ao indivíduo. Dependência é definida como uma síndrome comportamental no qual o uso da substância psicoativa adquiriu prioridade na vida do indiví- duo. Assim, a dependência é caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas indicativos de que o indivíduo perdeu o controle do seu uso, mas o mantém apesar das conseqüências adversas. Atualmente acredita-se que o uso de substâncias psicoativas de- corre de suas propriedades reforçadoras. Essas substâncias podem promo- ver efeitos reforçadores positivos para sua obtenção, ou efeitos reforçado- res negativos para suprimir os efeitos da sua retirada. TEORIAS NEUROBIOLÓGICAS DA DEPENDÊNCIA DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 1- Teoria do reforço negativo Nos primeiros estudos sistemáticos com o objetivo de entender a farmacodependência predominaram as investigações das conseqüências aversivas decorrentes da interrupção do uso das drogas que causavam to- lerância e síndrome de abstinência. Tolerância caracteriza-se pela diminuição dos efeitos de uma dose fixa de uma substância no decorrer da administração prolongada, ou ain- da, pela necessidade de aumentar a dose para obtenção dos mesmos efei- tos iniciais. A tolerância resulta da alteração do equilíbrio ou homeostase de circuitos neuronais, de tal forma que eles atingem novos pontos de equilíbrio na presença de inibição ou estimulação por uma determinada substância. O processo de alteração da homeostase decorre do fenômeno denominado, neuroadaptação. DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 34 Os mecanismos da neuroadaptação estão relacionados à capa- cidade das drogas induzirem alterações na: (a) liberação de neurotrans- missores, (b) na densidade de receptores, ou (c) nos processos de aco- plamento e transdução das vias neurais afetadas pelas drogas. Com o desenvolvimento da neuroadaptação, o organismo requer a administração continuada da substância para manter as suas funções. Quando ocorre a suspensão abrupta do uso da substância, o sistema ex- pressa seu desequilíbrio dando origem a síndrome de abstinência. Os sintomas dessa síndrome são contrários ao que ocorriam na vigência da substância psicoativa, e desaparecem com a reintrodu- ção desta substância.Os sinais e sintomas da síndrome de abstinência são característicos de cada substância, com exceção do desejo intenso (“fissura” pela droga) que é comum na síndrome de abstinência de to- das as substâncias psicoativas que causam dependência. Como os sinais e sintomas da síndrome de abstinência são su- primidos pelo uso da droga, foi proposto que os indivíduos dependentes manteriam o uso da substância para evitar o desconforto da retirada. Nesse contexto a droga atuaria como um reforçador negativo. Esta teoria perdeu sua importância pela observação de algumas limitações para ex- plicar o abuso e a dependência de substâncias psicoativas, entre elas: a) seres humanos e animais auto-administram opióides e outras drogas na ausência de síndrome de abstinência; b) muitas substâncias utilizadas na terapêutica (p.ex.beta blo- queadores, antidepressivos e antipsicóticos) produzem tolerância e síndrome de abstinência, mas não induzem ao uso compulsivo; c) o tratamento da síndrome de abstinência é pouco eficaz no tratamento da dependência; d) a síndrome de abstinência tem duração limitada, entretanto, existe uma alta tendência de recaída após vários anos de interrupção do uso da substância psicoativa, quando os sintomas de abstinência não estão mais presentes. DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 35 2- Teoria do reforço positivo Wise e Bozarth em 1987, propuseram que todas as substâncias psicoativas que induzem dependência têm em comum a propriedade de causar efeitos euforizantes ou prazerosos e, desta forma, atuariam como reforçadores positivos. A teoria do reforço positivo propõe que a auto- -administração da substância psicoativa é mantida por causa do estado prazeroso que ela produz, e não porque alivia um estado de desconforto. SUBSTRATO NEURAL RELACIONADO A DEPENDÊNCIA Evidências indicam que o efeito reforçador positivo das drogas é decorrente da ativação de um substrato neurobiológico comum, o siste- ma dopaminérgico mesocorticolímbico. Assim estudos de microdiálise demonstraram que a administração de várias substâncias psicoativas que produzem dependência, aumentam a liberação de dopamina (DA) no nú- cleo accumbens. Estudos de neuroimagem em seres humanos confirmaram os re- sultados experimentais, mostrando que psicoestimulantes ativam o siste- ma mesocorticolímbico, e esta ativação está associada à sensação subjeti- va de euforia. As substâncias que causam dependência, embora possuam me- canismos de ação diferentes, têm em comum a propriedade de aumen- tar a liberação de dopamina no núcleo accumbens, evento que tem sido relacionado aos efeitos reforçadores positivos que progridem até a insta- lação da dependência. Em conformidade com esta observação sabemos que os psicoestimulantes atuam diretamente nos terminais dopaminérgicos, a cocaína bloqueando a recaptura de DA na fenda sináptica, enquanto que a anfetamina aumenta sua liberação. Os opióides ligam-se em receptores DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 36 mu em interneurônios gabaérgicos na área tegmental ventral provocando diminuição na liberação de ácido gama aminobutírico (GABA), o que desi- nibe os neurônios da área tegmental ventral, aumentando assim a libera- ção de DA no núcleo accumbens.O etanol, também ativa receptores GABA no núcleo accumbens, aumentando liberação de DA neste local. A nicotina parece ativar de modo direto os neurônios dopaminérgicos, ao interagir com receptores colinérgicos nicotínicos localizados nestes neurônios.Finalmente, sabe-se que os neurônios dopaminérgicos também são inervados por vias glutamatérgicas provenientes da córtex pré-frontal, hipocampo e amígdala. Assim é provável que o glutamato igualmente re- gule o comportamento de auto-administração. Devido ao conhecido papel da amígdala e do hipocampo na aprendizagem e na memória, é possível que vias glutamatérgicas relacionadas com tais estruturas veiculem as im- portantes influências do condicionamento( aprendizado ) sobre a auto-ad- ministração de substâncias psicoativas. VULNERABILIDADE E RISCO DE DEPENDÊNCIA Embora as substâncias psicoativas possam levar os indivíduos a desenvolverem dependência, por interferirem em mecanismos neurobio- lógicos fundamentais, outros fatores são necessários para que isto real- mente ocorra. Essas variáveis podem ser agrupadas genericamente em três categorias: a) substância ; b) indivíduo ; c) ambiente. Assim, a variabilidade é determinada por fatores de natureza múltipla, a saber: personalidade, transtorno psiquiátrico coexistente, idade, fatores genéticos e ambiente físico e social. Uma pessoa pode se tornar dependente por causa de um destes fatores, ou no caso mais co- mum, por interação entre eles. Os fatores relacionados a substância psicoativa podem ser influen- ciados pelo custo e pela facilidade de acesso a mesma. A vulnerabilida- DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 37 de para o desenvolvimento de dependência também está relacionada a rapidez com que o início dos efeitos se dá após a administração, fatores portanto relacionados a via de administração e a farmacocinética. Assim verifica-se que as substâncias dotadas de maior potencial de produzir de- pendência são aquelas cujo acesso ao SNC é rápido. Isto garante proximi- dade temporal entre a resposta e o reforço, o que aumenta a força da con- tingência e facilita a aquisição do comportamento de auto-administração. Entre os fatores relacionados à variabilidade individual, as varia- ções farmacocinéticas e farmacodinâmicas consequentes ao polimorfismo genético na síntese de enzimas,transportadores e receptores, podem con- tribuir para as diferenças nos efeitos reforçadores e na euforia observadas em indivíduos que fazem uso de substâncias psicoativas. Outro fator de risco importante é a comorbidade. Os usuários de drogas frequentemente apresentam transtornos psiquiátricos, que podem facilitar a procura de substâncias psicoativas para aliviar seus sentimentos. Por exemplo a depressão favorece o uso de nicotina e de psicoestimulan- tes e a ansiedade generalizada leva ao uso de álcool o que favorece o de- senvolvimento de alcoolismo. Assim, o risco de um indivíduo perder o controle do uso de drogas e tornar-se dependente também está relacionado, em larga medida, a fa- tores agrupados no conceito de personalidade. Outros fatores que influenciam o risco de dependência devem-se a aspectos ambientais. Fatores do ambiente familiar e social são marcantes, as- sim como o contexto da época e os valores culturais. A influência do estresse ambiental e social aumenta a vulnerabilidade ao abuso e dependência de subs- tâncias psicoativas. A exposição ao estresse também está associada à recaída ao uso de substâncias psicoativas, mesmo após longos períodos de abstinência. Intrigante é entender que o efeito reforçador das drogas explica o uso ocasional, mas não explica por que o indivíduo dependente utiliza as substâncias de modo compulsivo, quando as consequências negativas (saúde, família, trabalho ) superam o efeito prazeroso. DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 38 O mecanismo relacionado a transição do uso ocasional para o uso compulsivo envolve neuroadaptações em circuitos neurais específicos que levam ao comportamento característico da dependência, a despeito das consequências adversas. Assim, postula-se que inicialmente o uso da droga ativa o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico. Com o uso repetido a droga sensibiliza circuitos neurais responsáveis pela função básica do incentivo motivacional. Assim, a sensibilização resultaria em aumento da saliência que o SNC atribui aos efeitos específicos da droga e aos estímulos a eles associados. O aumento excessivo da saliência seria responsável pelo “querer” patológico pela droga. A sensibilização do incentivo está relacionada a neuroadaptações duradouras no SNC e, dessa forma, explicaria também a “fissura” e a recaída ao uso da substância, mesmo na ausência dos sinais e sintomas da abstinência. É importante ressaltar que reforço positivo, tolerância, neuro- adaptação, síndrome de abstinência e sensibilização do incentivo são fenômenos complementares e em conjunto trazem elementos impor- tantes para compreensão dos mecanismos neurais da dependência de substâncias psicoativas. TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA A SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS No tratamento da dependência ocorrem duas etapas, a primeira se constitui na retirada (desintoxicação) e a segunda mais difícil, na ma- nutenção. Em geral a retirada é bem sucedida, porém o índice de recaída é elevado. O tratamento de manutenção, que é o mais difícil, deve incluir farmacoterapia, psicoterapia e intervenção social. Uma das abordagens farmacológicas mais empregadas é a terapia de reposição ou substituição, que consiste em usar uma substância com mecanismo de ação semelhante, porém com propriedades farmacociné- DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 39 ticas diferentes e menos indutora de efeitos prazerosos. A substância de substituição deve ter sua ação sobre o SNC de forma lenta, diminuindo os efeitos euforizantes. A ação da substância deve ser prolongada evitan- do tomadas repetidas, o que diminui o efeito reforçador da mesma. Deve também impedir a ocorrência dos sintomas graves da abstinência. Para o tratamento do etilismo, usa-se em geral um benzodiazepí- nico de meia vida longa, como o clordiazepóxido, para substituir o álco- ol. Agentes aversivos, como o dissulfiram que bloqueia a enzima aldeído desidrogenase e acumula aldeído, só deve ser utilizado com a anuência do paciente devido seus graves efeitos adversos.Outro fármaco é a nal- trexona, um bloqueador de receptores opióides que parece bloquear as propriedades reforçadoras do etanol. O acamprosato atua como agonista gabaérgico prevenindo as recaídas ao uso de etanol. A retirada dos psicoestimulantes ( anfetamínicos e cocaí- na) pode ser acompanhada de depressão do humor. Neste caso usam- -se antidepressivos. Na síndrome de abstinência aguda de opióides substitui-se por metadona, que tem meia vida prolongada e menor ação euforizante. De- pois retira-se a metadona lentamente. Outra abordagem consiste na admi- nistração de clonidina que reduz os efeitos adversos da abstinência. Para retirada de benzodiazepínicos o ideal é reduzir a quantidade gradualmente, levando em consideração a dose que vinha sendo utilizada, seu tempo de utilização e a situação clínica do paciente. As diversas técnicas psicoterapêuticas também se constituem numa importante abordagem no tratamento da dependência. Objetivo importante das técnicas comportamentais ou psicoterápicas tradicionais é reduzir efeitos do condicionamento de estímulos e situações associadas ao uso da droga. Outras técnicas que vêm sendo empregadas são a psico- terapia motivacional, a psicoterapia interpessoal e a cognitiva. O apoio social, representado pelos familiares, amigos e grupos de apoio, favorece o bom resultado do tratamento. DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 40 RECAÍDA A dependência de substâncias psicoativas é marcada por frequen- tes episódios de recaída em pacientes que tentam se abster do uso das drogas. A recaída é um dos aspectos que mais dificultam o tratamento da dependência. A “fissura” (desejo compulsivo) e a recaída podem ser precipitadas por uma única exposição à substância ou a estímulos ambientais e objetos a ela associados, e ainda pela exposição a situações aversivas ou estressan- tes. A recaída pode acontecer após longos períodos de interrupção do usoda substância. BIBLIOGRAFIA O´Brien CP. Adição a drogas.In: Brunton LL, Chabner BA, Knollmann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêutica 12a ed. Por- to Alegre, Artmed 2012; p. 649. Planeta CS & DeLucia R. Farmacodependência. In DeLucia R, Oliveira-Filho RM eds. Farmacologia Integrada 2ª Ed. São Paulo, Revinter 2004; p.277. Planeta CS & Graeff FG. Abuso e dependência de substâncias psicoativas. In Graeff FG & Guimarães FS eds. Fundamentos da Psicofarmacologia 2a Ed. São Paulo, Atheneu 2012; p.245. DEPENDÊNCIA E ABUSO DE DROGAS 41 ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 43 ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO ASPECTOS FARMACOLÓGICOS O uso de bebidas alcoólicas no Brasil é bastante difundido e fonte de preocupação entre as autoridades, seja pelo seu uso abusivo quanto pelo seu uso social em festas e celebrações populares, com impacto na segurança e na saúde pública. Estudos do início deste século revelam que no Brasil, 77% dos homens e 60% das mulheres já fizeram uso de álcool na vida, totali- zando aproximadamente 68% da população brasileira entre 12 e 65 anos de idade. Quanto ao uso regular de bebidas alcoólicas (mínimo de 3 a 4 vezes por semana, incluindo aqueles que bebem diariamente), 9,1% dos homens e 1,7% das mulheres fazem uso regular de álcool, tota- lizando em 5,2% o número de indivíduos que bebem regularmente. Quanto a prevalência de dependentes de álcool, 17,1% dos ho- mens e 5,7% das mulheres são dependentes, totalizando em 11,2% a porcentagem de dependentes alcoólicos. O número maior de depen- dentes encontra-se nas faixas etária dos 18 aos 24 anos em que 23,7% dos homens e 7,4% das mulheres são considerados dependentes. O padrão de consumo do álcool (quantidade e frequência) en- tre os indivíduos os classifica em: • Bebedores leves: aqueles que entre os homens ingerem até 2 doses diárias, e entre as mulheres 1 dose diária. • Bebedores pesados: aqueles que entre os homens ingerem mais de 2 doses diárias, e entre as mulheres mais do que 1 dose diária. • Bebedores embriagados: aqueles que ingerem entre os ho- mens mais de 4 doses, e entre as mulheres mais de 3 doses, num intervalo de 2 horas. ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 44 • Bebedores dependentes: aqueles que perdem o controle do uso. Assim, conhecendo-se o padrão de uso dos indivíduos os pro- fissionais da saúde podem avaliar o potencial de risco e os possíveis danos individuais e sociais deste comportamento. Fatores genéticos e o contato anterior com o álcool são de- terminantes na velocidade do seu metabolismo, e vão determinar a concentração sérica, contribuindo com a predisposição do indivíduo em se tornar dependente e também sua susceptibilidade para as mor- bidades decorrentes do abuso desta substância. Estima-se que entre 50% e 60% dos indivíduos dependentes, possuam parentes de primeiro grau considerados etilistas. Isto de- monstra a importância dos fatores hereditários no desenvolvimento desta doença, em que o genótipo e o ambiente predispõem a depen- dência. Dentre os fatores ambientais a impulsividade, agressividade e a depressão são os fatores fenotípicos mais importantes. Este co- nhecimento pode facilitar a implantação de programas de prevenção e desenvolver tratamentos para esta morbidade. ABSORÇÃO O álcool é uma pequena molécula solúvel em água pouco ab- sorvida no estômago e rapidamente absorvida no intestino delgado (70-80%) e distribuída para todo o organismo. Sua velocidade de ab- sorção é maior com estômago vazio.Retardam sua velocidade de ab- sorção vários fatores, como o alimento, que no caso particular dos carboidratos reduz em quase ¾ a concentração sanguínea quando comparada ao estômago vazio. Entre os homens ocorre um maior metabolismo gástrico do etanol, portanto menor absorção do que entre as mulheres. ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 45 Os antagonistas de receptores histaminérgicos ( H2 ) como a cimetidina e a ranitidina e o ácido acetil salicílico inibem a ação da enzima álcool desidrogenase ( ADH ) que metaboliza o álcool já no estômago, aumentando a sua biodisponibilidade. Fármacos que aceleram o esvaziamento gástrico como a me- toclopramida, eritromicina e cisaprida, aceleram a absorção do eta- nol, enquanto aqueles que retardam a motilidade, como a loperami- da, retardam sua absorção no intestino. Figura 1 – Curva comparativa dos níveis de álcool, em função do tempo, na corrente circulatória, quando da ingestão em jejum e após alimentação. ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 46 DISTRIBUIÇÃO E ELIMINAÇÃO O álcool se distribui através da água do organismo e a maio- ria dos tecidos, como cérebro,coração, pulmões, recebem a mesma quantidade da encontrada no sangue. A exceção é o fígado, que re- cebe quantidades maiores através da veia porta onde flui o sangue direto do tubo gastrintestinal. Sua meia vida de distribuição é rápida ( 7-8 minutos ) para ór- gãos intensamente irrigados como cérebro, coração e pulmões. Pos- sui alta solubilidade na água corpórea e seu volume de distribuição ( Vd ) é maior em homens ( 0.65 L/kg ) do que em mulheres (0.5L/ kg), o que torna a concentração sanguínea nas mulheres maior do que a dos homens. Sua eliminação na forma inalterada ( 2% a 10% ) ocorre nos pulmões, rins, suor e leite materno. BIOTRANSFORMAÇÃO No fígado, 90-98% do etanol é convertido a acetaldeido, numa velocidade aproximada de 7-10g de etanol / hora para um adulto de 70 kg. As enzimas responsáveis por este metabolismo são a álcool desidrogenase (ADH- 90%), e a citocromo oxidase (CYP2E1-10%). A ingestão aguda do etanol, concomitante com a administra- ção de fármacos metabolizados pela CYP2E1, pode aumentar a con- centração plasmática de ambos. Entre os fármacos destacam-se os anestésicos nitrogenados, varfarina, fenitoina, cafeina, acetaminofe- no, isoniazida, amitriptilina e fenobarbital, entre outros. Por outro lado a ingestão crônica de etanol, que é um in- dutor da síntese da enzima CYP2E1 aumentando de 2 a 3 vezes sua atividade, vai provocar uma diminuição na concentração plasmáti- ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 47 ca dos fármacos metabolizados por esta enzima, prejudicando seu efeito terapêutico. MECANISMO DE AÇÃO DO ETANOL O etanol é um depressor do SNC por atuar potencializando os efeitos inibitórios do ácido gama-aminobutírico (GABA), e inibindo os efeitos do glutamato, principal neurotransmissor excitatório do SNC. Seus principais efeitos inibitórios incluem sedação, hipnose e perda das inibições comportamentais. A ativação dos receptores GABA, distribuídos por todo SNC, provoca a abertura dos canais de cloreto,e consequente hiperpo- larização da membrana, produzindo um potencial inibitório pós-si- náptico (PIPS). No caso de uso prolongado do etanol, ocorre uma dessensibilização ( “down-regulation” ) dos receptores, o que expli- caria a ocorrência de parte da tolerância ao uso crônico ( há tam- bém tolerância farmacocinética), e aos sintomas decorrentes da sua retirada abrupta. Recentemente foi demonstrado que o etanol aumenta a libe- ração de endorfinas no núcleo accumbens, área implicada nos pro- cessos de recompensa, e portanto na indução de dependência. Este efeito euforizante também poderia explicar a utilização de naltrexona ( antagonista opióide ) no tratamento de dependentes ao etanol. PRINCIPAIS EFEITOS DO ETANOL Os efeitos do etanol são decorrentes da sua concentração sanguí- nea conforme podemos observar na tabela 1 ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 48 Tabela 1 – Principais efeitos do etanol O teor alcoólico varia nas diferentes bebidas. Na tabela 2 obser- vamos a relação entre o conteúdo alcoólico no vinho, cerveja e destilados em geral. 45 -regulation”) dos receptores, o que explicaria a ocorrência de parte da tolerância ao uso crônico (há também tolerância farmacocinética), e aos sintomas decorrentes da sua retirada abrupta. PRINCIPAIS EFEITOS DO ETANOL Os efeitos do etanol são decorrentes da sua concentração sanguí- nea conforme podemos observar na tabela 1 CONCENTRAÇÃO SANGUÍNEA MG/ 100ML EFEITOS 0.02 - 0.04 relaxamento, alegria, calor e rubor 0.05 tontura, desinibição, diminuição do controle dos pensamentos e da capacidade de julgamento 0.06 prejuízo da avaliação das capacidades individuais e do processo de tomada de decisões 0.08 comprometimento da coordenação motora, diminuição dos reflexos, dormência na face, braços e pernas. 0.10 lentificação dos reflexos, prejuizo do controle dos movimentos voluntários 0.20 controle motor e emocional afetados, fala pastosa, perda do equilíbrio,visão dupla 0.30 confusão mental e perda da consciência 0.40 perda da consciência, pele fria e úmida 0.50 depressão respiratória, coma, morte Tabela 1 - Principais efeitos do etanol ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 49 Tabela 2 – Unidades de álcool em cada dose de bebida PRINCIPAIS EFEITOS DO ETANOL Ações no Sistema Nervoso Central Por ser um depressor do SNC, o álcool produz um efeito ansiolítico e provoca desinibição comportamental em uma ampla faixa de doses. Em baixos níveis prevalece euforia, desinibição, percepção alterada e incoor- denação motora. Na intoxicação as ocorrências variam do afeto expansivo e alegre até oscilações descontroladas do humor com componentes de violência. Com a intoxicação mais grave, a função do SNC geralmente é deprimida predominando uma condição de anestesia geral com grave de- pressão respiratória. Ações no Sistema Cardiovascular O ato de beber sistematicamente com moderação pode diminuir o risco de doenças coronarianas.Deve-se isto em parte a vários fatores, como: diminuição da hipertensão; aumento da lipoproteína de alta den- sidade ( HDL ); redução do fibrinogênio ; aumento da fibrinólise ; inibição 46 O teor alcoólico varia nas diferentes bebidas. Na tabela 2 observamos a relação entre o conteúdo alcoólico no vinho, cerveja e destilados em geral. BEBIDA VOLUME TEOR ALCOÓLICO QUANTIDADE DE ÁLCOOL GRAMAS DE ÁLCOOL DOSE taça vinho tinto 150mL 12% 18,0mL 14,4g 1 lata cerveja 350mL 5% 17.5mL 14,0g 1 dose destilado 40mL 40% 16,0mL 12,8g 1 Tabela 2. Unidades de álcool em cada dose de bebida PRINCIPAIS EFEITOS DO ETANOL AÇÕES NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Por ser um depressor do SNC, o álcool produz um efeito ansiolíti- co e provoca desinibição comportamental em uma ampla faixa de doses. Na intoxicação as ocorrências variam do afeto expansivo e alegre até os- cilações descontroladas do humor com componentes de violência. Com a intoxicação mais grave, a função do SNC geralmente é deprimida predomi- nando uma condição de anestesia geral com grave depressão respiratória. AÇÕES NO SISTEMA CARDIOVASCULAR O ato de beber sistematicamente com moderação pode diminuir o risco de doenças coronarianas. Deve-se isto em parte a vários fatores, ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 50 da atividade plaquetária ; efeito antioxidante e diminuição de marcado- res da inflamação ( proteína reativa C ).No entanto estes efeitos benéficos desaparecem em indivíduos que ingerem grandes quantidades de etanol, que causa elevação da pressão arterial, pode provocar arritmias cardíacas, cardiopatia e acidente vascular encefálico. Ações no Aparelho Digestório No esôfago concentrações baixas de álcool causam pouca altera- ção, no entanto altas concentrações levam a disfunção esofágica com risco de desenvolver câncer. Concentrações altas no estômago podem causar gastrite aguda e crônica. Entre os efeitos agudos pode causar dor epigástrica e estimular as secreções gástricas. Alguns etilistas têm diarréia crônica causada pela má absorção no intestino delgado. Pancreatite aguda e crônica é consequência da ingestão excessiva de álcool. No fígado os principais efeitos são infiltração gorduro- sa, hepatite e cirrose. OUTROS EFEITO DO ETANOL Devido ao fato dos etilistas não ingerirem alimentos adequadamen- te, sérias deficiências nutricionais ocorrem. A neuropatia periférica, psicose de Korsakoff e a encefalopatia de Wernicke são causadas provavelmente por deficiência de vitaminas do complexo B, principalmente tiamina. Na função sexual podem causar impotência masculina. Embora em doses baixas possam inicialmente aumentar o libido, levam posteriormen- te ao prejuízo na atividade sexual. No sistema urinário inibem a liberação do hormônio antidiurético (ADH). A ingestão diária de etanol em doses altas está associada à redu- ção da força muscular, e podem apresentar alterações eletromiográficas com miopatia da musculatura esquelética, semelhante a miocardiopatia alcoólica. ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 51 Síndrome de abstinência A interrupção abrupta provoca graves sintomas e deve ser evita- da e substituída por uma retirada planejada acompanhada de tratamento farmacológico e psicoterapêutico. Dentre os efeitos da abstinência podem ocorrer: tremor, taquicardia, ansiedade, vômito, hipertermia, alucinações, delírio e convulsões. Tratamento do alcoolismo O tratamento farmacológico pode se utilizar de várias substâncias com mecanismos de ação diversos como principalmente: dissulfiram ( ini- bidor da enzima aldeído desidrogenase ); naltrexona ( antagonista de re- ceptor opióide ) ; acamprosato, benzodiazepínicos e gabapentina (todos agonistas diretos ou indiretos do receptor de GABA). O tratamento psicoterápico procura identificar os fatores de risco, es- timula as mudanças de hábito e procura também a presença de comorbida- des.Sempre de grande valia é o apoio das reuniões dos alcoólatras anônimos. BIBLIOGRAFIA Schuckit MA. Etanol e Metanol. In: Brunton LL, Chabner BA,Knollmann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêutica 12a ed. Porto Alegre, Artmed 2012; p. 629. O´Brien CP. Adição a drogas. In: Brunton LL, Chabner BA,Knollmann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêutica 12a ed. Por- to Alegre, Artmed 2012; p.649. DeLucia R. Álcool etílico In: DeLucia R & Oliveira-Filho RM. Farmacologia Integrada 2ª ed.São Paulo, Revinter 2004; p.221. ETANOL / ÁLCOOL ETÍLICO 53 SEDATIVOS E HIPNÓTICOS 55 SEDATIVOS - HIPNÓTICOS Os fármacos sedativos deprimem o Sistema Nervoso Central (SNC), diminuindo a excitabilidade e acalmando o paciente, en-quanto os hipnóticos produzem sonolência e induzem e mantém o sono. Como estas funções frequentemente se superpõem, e porque fármacos desta classe geralmente produzem efeitos crescentes em fun- ção da dose utilizada ( variando de ansiolítico até perda da consciência) eles são referidos como sedativos-hipnóticos. Assim podemos incluir neste grupo agentes que produzem: Efeito Sedativo: diminuição da atividade geral e da excitação acal- mando o paciente. Efeito Hipnótico: indução e manutenção de um estado de sono se- melhante ao sono em suas características encéfalográficas A sedação pode ser também o efeito adverso de alguns fármacos, embora não sejam depressores gerais do SNC, como exemplo os anti-his- tamínicos e os neurolépticos. SONO: CARACTERÍSTICAS O sono é um estado de inconsciência, em que o indivíduo pode ser despertado. Fisiologicamente necessário, mas não totalmente compreen- dido, embora saiba-se que a sua falta torna-se prejudicial a saúde pois al- tera o sistema imunológico, prejudica o funcionamento do SNC (memória e aprendizado) e o crescimento celular. O sono é de duração variável e em adultos tem média de 6-8 horas. É dividido em cinco estágios, sendo que cada um deles apresen- ta características fisiológicas específicas. Os estágios formam um ciclo, durando aproximadamente cerca de 90 minutos cada. Desta forma, um ciclo do sono é repetido de quatro a cinco vezes por noite. No início os SEDATIVOS E HIPNóTICOS 56 olhos cerrados produzem um relaxamento com ondas cerebrais rítmi- cas ( alfa ) de 10 ciclos por segundo. Os estágios do sono são: • Estágio 1 ( Introdutório ): É a fase de sonolência, onde o indivíduo co- meça a sentir as primeiras sensações do sono. Dura em média de 5 a 15 minutos. Nessa fase a pessoa pode ser facilmente despertada. É também chamado detransição onde predominam ondas teta que ocorrem de 4 a 7 ciclos /segundo. • Estágio 2 ( Sono leve ): Ocupa aproximadamente 50% do ciclo onde no eletroencefalograma ( EEG ) predominam ondas alfa e teta. A ativi- dade cerebral é reduzida, relaxam-se os músculos e a temperatura do corpo cai. • Estágio 3 e 4.Ocupa 20% do total de horas de sono. Costuma-se agru- pá-los no mesmo estágio. São muito semelhantes e diferenciam-se apenas em relação ao nível de profundidade do sono 4, que é um pou- co maior. É um estágio com predomínio de atividade de ondas lentas (delta). Também chamado de fase não MOR ( Movimentos Oculares Rápidos ). A fase do não MOR é muito importante para o corpo,consi- derada fase de reparo e renovação. Nela, a hipófise libera o hormônio do crescimento (GH)responsável pelo crescimento tecidual e reparo muscular e ocorre ativação do sistema imunológico. É nesta fase que realmente existe descanso profundo e menor atividade neural, e nesta fase torna-se difícil acordar o indivíduo.Esta fase é mais abundante em crianças e menor em idosos. • Estágio 5 - MOR ou sono paradoxal. Ocupa 20% do ciclo completo. É caracterizado pela intensa atividade cortical, muito semelhante ao esta- do de vigília, onde ocorrem movimentos oculares rápidos, o que explica o nome do estágio. Aumenta o número de batimentos cardíacos e a tem- SEDATIVOS E HIPNóTICOS 57 peratura corpórea. Esta fase ocorre aproximadamente a cada 90 minutos e sua freqüência aumenta no final do período de sono. É no sono MOR que ocorrem os sonhos. Embora a fase do MOR não resulte em um des- canso profundo, ela é importante para nosso equilíbrio emocional.Acre- dita-se que nesta fase são revelados conflitos ocultos e desejos reprimi- dos. É importante para a consolidação do aprendizado e da memória e a organização do pensamento. INSÔNIA A insônia primária, que se caracteriza por uma dificuldade de dor- mir (insônia inicial), não relacionada a uso de medicamentos ou problemas de saúde, está associada com um maior tempo para adormecer, constantes acordar durante o sono ou uma menor duração do sono (insônia terminal). Isto leva a uma pior qualidade do sono resultando em fadiga, irritabilidade e perda da memória, contribuindo para prejudicar a atividade diária dos indivíduos, que podem necessitar de medicação. As principais causas da insônia são: • apnéia, diabetes, doença cardíaca, doença renal, hipertireoidismo. • estresse, depressão, ansiedade, bipolar, doenças neurológicas. • dores ocasionais ou crônicas, • efeitos colaterais de fármacos, • usos de nicotina, cafeína e álcool, • alterações no ciclo circadiano, • alterações comportamentais (alimentação, mudança de hábitos, exercícios, sonecas diurnas, etc.) Entre os fármacos que prejudicam o sono temos: • Anti-hipertensivos: Propranolol, Clonidina • Corticosteróides: Prednisona SEDATIVOS E HIPNóTICOS 58 • Anti-depressivos (ISRS): Fluoxetina, Sertralina • Psicoestimulantes: Anfetamina, Ritalina • Antiasmáticos: Teofilina • Hormônio tireoideo: Levotiroxina Para prevenir a insônia algumas medidas são extremamente úteis como manter um horário constante entre dormir e acordar, deitar relaxa- do e tranqüilo sem televisão no quarto. Evitar exercícios físicos, refeições pesadas, café, álcool e fumo próximos ao horário de deitar e sonecas diurnas em excesso. OUTROS DISTÚRBIOS DO SONO Mioclonia noturna também chamada de movimento periódico dos membros durante o sono, não deve ser confundida com os chama- dos espasmos hipnagógicos que ocorrem na passagem da fase 1 para a fase 2 do sono. Este distúrbio que consiste de movimentos involuntários dos membros, principalmente das pernas, decorre de descargas muscu- lares únicas ou repetitivas que levam ao despertar. Síndrome das pernas inquietas ou síndrome de Ekbom, é um dis- túrbio que se caracteriza por alterações da sensibilidade e agitação motora involuntária dos membros inferiores, mas que pode acometer também os braços nos casos mais graves. Sonambulismo é um distúrbio que se manifesta durante o es- tágio 4 mais profundo do sono, o sono de ondas lentas não-MOR. Classificado como uma parassonia, o transtorno se caracteriza pela realização de atividades motoras sem a pessoa ter consciência plena do que está fazendo, uma vez que parte de suas funções cerebrais SEDATIVOS E HIPNóTICOS 59 continua adormecida, e ela permanece num estado de transição en- tre o sono e a vigília. Terror noturno é um distúrbio do sono caracterizado por gritos du- rante o sono acompanhado do semblante de terror como se a pessoa es- tivesse vendo algo aterrador e culminando em um despertar abrupto com um grito de pânico e respiração rápida.O terror noturno habitualmente inicia durante a primeira fase do sono e dura cerca de 1 a 10 minutos e acomete principalmente crianças. FARMACOLOGIA DOS SEDATIVOS E HIPNÓTICOS Quando a ansiedade ou a insônia e outros distúrbios do sono se mantiverem por algum tempo, e se desejarmos um alívio rápido destes sintomas, o tratamento farmacológico torna-se indicado. Estes fármacos devem ser utilizados por um curto período de tempo ou numa forma in- termitente sempre na menor dose efetiva. Os compostos mais indicados são os chamados benzodiazepínicos (BDZ), e os não benzodiazepínicos ( compostos Z ), que são bem mais segu- ros que os barbitúricos e mais efetivos que os antidepressivos com carac- terísticas sedativas. A escolha do fármaco adequado deve considerar o tipo de sedação ou hipnose necessária e as características individuais do paciente. BENZODIAZEPÍNICOS A introdução do clordiazepóxido na medicina em 1961 deu início a era dos BDZ. Todos os outros benzodiazepínicos introduzidos a partir desta época possuem propriedades sedativo-hipnóticas em graus varia- dos. Substituíram os barbitúricos que eram utilizados anteriormente, SEDATIVOS E HIPNóTICOS 60 principalmente devido a sua maior segurança pelo fato de não produzi- rem depressão intensa sobre o Centro Respiratório, Embora os BDZ exerçam efeitos clínicos qualitativamente simila- res entre si, há em seus espectros farmacodinâmicos e em suas proprie- dades farmacocinéticas importantes diferenças quantitativas que deter- minam sua utilização. Acredita-se que diferentes mecanismos de ação contribuam para os diferentes efeitos sedativo-hipnótico observados: hipnose, relaxamento muscular, anticonvulsivante. Embora todos sejam resultantes da interação dos BDZ com diferentes subunidades do recep- tor do ácido gama-aminobutírico (GABA). O termo BDZ deriva da terminologia dada a estrutura química des- tes compostos que possuem um anel benzeno ligado a um anel diazepíni- co.Várias modificações na estrutura do sistema resultam em compostos com atividades similares, embora com diferentes aplicações clínicas que veremos adiante. MECANISMO DE AÇÃO: Os BDZ atuam seletivamente em sítios alostéricos do receptor GABA responsáveis pela transmissão sináptica inibitória no SNC. Os BDZ potencializam a ação inibitória do GABA por facilitarem a abertura dos ca- nais de íons cloreto ativados pelo GABA. Com isso provocam uma hiperpo- larização gerando uma inibição na transmissão do impulso nervoso. FARMACOCINÉTICA DOS BDZ Os BDZ são metabolizados pelas enzimas do citocromo P450 ( CYP), particularmente pelas isoenzimas CYP3A4 e CYP2C19. Alguns fárma- cos como a eritromicina, claritromicina, ritonavir, itraconazol, cetoconazol, SEDATIVOS E HIPNóTICOS 61 nefazodona e o grapefruit são inibidores da CYP3A4 e quando utilizados conjuntamente aos BDZ podem aumentar seus níveis plasmáticos. Como os metabólitos ativos de alguns BDZ são metabolizados lentamente, a duração na ação de muitos BDZ está mais relacionada com o metabólito do que com a substância original. Por exemplo, a meia vida ( t½ ) do flurazepam no plasma é de 2-3 horas, mas a do seu metabólito ativo o N-desalquilflurazepam é de 50 horas ou mais, portanto ele se constitui num BDZ delonga duração. Por outro lado como o lorazepam não forma metabólitos ativos, sua meia vida é de apenas 8-12 horas se constituindo num composto de meia vida curta. PRINCIPAIS USOS Em geral os usos terapêuticos de um determinado BDZ dependem da sua meia vida. Aqueles utilizados para indução do sono devem ter uma meia vida curta, enquanto que os utilizados para insônia terminal (matuti- na) devem ser de média duração. Como anticonvulsivantes ou relaxantes musculares devem ter longa duração. Agentes utilizados como ansiolíticos devem ser de longa duração, inclusive no tratamento do etilismo. Os BDZ em doses terapêuticas não apresentam efeitos depressores respiratórios,exceto entre crianças e idosos que são mais sensíveis e po- dem sofrer este efeito. No aparelho cardiovascular doses pré-anestésicas diminuem a pressão arterial e aumentam o débito cardíaco. No trato di- gestório diminuem as secreções. PRINCIPAIS EFEITOS ADVERSOS No pico de concentração plasmática as doses hipnóticas podem provocar diferentes graus de tontura, lassitude, incoordenação motora, SEDATIVOS E HIPNóTICOS 62 confusão mental e amnésia anterógrada. Outros efeitos adversos comuns são fraqueza, dor de cabeça, visão turva, náusea e vômito. Efeitos paradoxais como ataxia, ansiedade, irritabilidade e ta- quicardia podem ocorrer nas primeiras semanas do tratamento. Devi- do aos efeitos músculos-relaxantes e a amnésia anterógrada, não se aconselha sua utilização em idosos que são pacientes sensíveis para estes efeitos O uso crônico de BDZ pode levar a ocorrência de dependência e síndrome de abstinência na sua retirada. O flumazenil é um antagonista específico dos BDZ. Ele se liga a sítios alostéricos específicos do receptor GABA antagonizando a ligação dos BDZ e outros compostos, bloqueando ou revertendo seus efeitos. Sua administração se dá por via endovenosa, e seus efeitos duram de 30 a 60 minutos aproximadamente. Seu principal uso ocorre na suspeita de in- toxicação por BDZ ou para reverter os efeitos sedativos prolongados nos procedimentos terapêuticos. COMPOSTOS Z Incluem-se nesta classe de fármacos: zolpidem, zaleplona e zopli- cona. Embora os compostos Z não sejam estruturalmente relacionados aos BDZ, seu efeito terapêutico como hipnótico é devido aos efeitos ago- nistas no mesmo sítio alostérico do receptor GABA em que atuam os BDZ. Sua ação é mais rápida e menos duradoura do que a dos BDZ, e também devem ser usados por um curto período de tempo ou de forma intermitente. Em comparação aos BDZ os compostos Z são menos efica- zes como anticonvulsivantes e relaxantes musculares.Durante a última década os compostos Z têm substituído os BDZ no tratamento da insônia inicial, por apresentarem menos efeitos adversos e menor indução de tolerância e dependência. SEDATIVOS E HIPNóTICOS 63 60 COMPOSTO USOS COMENTÁRIOS MEIA VIDA (H) DOSES SEDATIVO- HIPNÓTICAS Alprazolam Transtornos de ansiedade; Pânico Abstinência grave 10 - 15 0.5 - 10 mg Clonazepam Anticonvulsi-vante Desenvolve tolerância rápida 5 - 30 30 - 100 mg Clordiazepó- xido Abstinência álcool; Trans- torno de ansie- dade Forma metabólito ativo meia vida 36 - 100h 6 - 48 5 - 100 mg Diazepam Transtorno de ansiedade; pré anestésico; status epileticus Forma metabólito ativo meia vida 36 - 100h 20- 40 5 - 50 mg Flurazepam Insônia Forma metabólito ativo meia vida 40 - 100 h 2 - 5 15 - 30 mg Lorazepam Transtorno de ansiedade; Pré- anestésico Metabolizado somente por conjugação= inativo 10- 15 2 - 4 mg Midazolam Pré-anestésico Meia-vida curta 1-2 5 - 50 mg Oxazepam Transtorno de ansiedade; Metabolizado somente por conjugação= inativo 5 - 15 50- 150 mg Triazolam Insônia Meia vida curta 2 - 5 0.12 - 0.25 mg Tabela 1. Principais benzodiazepínicos Tabela 1 – Principais BDZ, e usos terapêuticos SEDATIVOS E HIPNóTICOS 64 MELATONINA Ramelteon ( Rozerem ®) - Estimula os mesmos receptores da me- latonina no núcleo supraquiasmático ( onde ocorre controle do ciclo circa- diano), foi aprovada para comercialização no Brasil pela ANVISA em 2017, para tratamento da insônia inicial transitória e crônica, produzindo um avanço de fase no ritmo circadiano endógeno. Apresenta início rápido de ação com meia vida ( t½ ) curta. Ùtil para insônia inicial. Pode provocar piora nos sintomas da depressão, ton- tura e pode levar a insuficiência hepática. ANTAGONISTAS DA OREXINA Suvorexant – Bloqueia receptores da orexina (hipocretina), um neu- rotransmissor relacionado a manutenção da vigília. Possui meia vida (t ½) longa e é indicado para insônia terminal ( diurna ). Seus principais efeitos adversos – sonolência diurna, tontura, dores de cabeça e sonhos bizarros. ANTIDEPRESSIVOS Podem ajudar quando a insônia for uma manifestação de um esta- do depressivo, mas normalmente não promovem o sono em pacientes não deprimidos. Uma possível exceção é a trazodona, um antidepressivo com mínimos efeitos anticolinérgicos, útil em pacientes idosos. BARBITÚRICOS Os barbitúricos (ou derivados do ácido barbitúrico) foram por mui- SEDATIVOS E HIPNóTICOS 65 to tempo os fármacos de escolha para o tratamento da insônia. O declínio de seu uso deu-se por ser um fármaco de baixo Índice Terapêutico (IT) com ação inibidora sobre o Centro Respiratório, também por causar intensa neuroadaptação, e principalmente pelo aparecimento de novos fármacos como os BDZ. Hoje em dia, os barbitúricos ainda são utilizados no trata- mento de distúrbios convulsivos e na indução da anestesia geral. Assim como os BDZ, os barbitúricos intensificam a ligação do GABA com seus receptores aumentando a entrada de íons negativos (cloretos) nas células e causando uma hiperpolarização e consequente efeito inibitório. Os barbitúricos podem causar todos os graus de depressão do SNC variando desde leve sedação a anestesia, e suas indicações clínicas baseiam-se em suas propriedades farmacocinéticas. Alguns deles, como o fenobarbital e o mefobarbital, têm atividade anticonvulsivante e são muito usados no tratamento profilático da epilepsia. Seus efeitos sobre a ansie- dade são inferiores a dos BDZ. Doses hipnóticas de barbitúricos aumentam o tempo e alteram os estágios de sono. Utilizados cronicamente causam tolerância farmacociné- tica e farmacodinâmica e sua retirada abrupta causa síndrome de absti- nência severa. TRAZODONA É um antidepressivo atípico que difere dos atuais antidepressivos atualmente disponíveis. Utilizado como antidepressivo sedativo tem se constituído numa boa opção para distúrbios do sono em pacientes com estresse pós-traumático. Seus efeitos hipnóticos decorrem de sua tríplice ação sedativa em receptores serotoninérgicos ( 5-HT2A ), histaminérgicos ( H1 ) e adrenérgicos ( alfa ). Apresenta meia vida curta, não provoca ganho de peso nem alterações na atividade sexual. SEDATIVOS E HIPNóTICOS 66 BIBLIOGRAFIA Riss J, Cloyd J, Gates J,& Collins S. Benzodiazepines in epilepsy: pharma- cology and pharmacokinetics. Acta Neurologica Scandinava, 118 ( 2 ): 69, 2008. Shelton RC & O´Donell JM. Tratamento farmacológico da depressão e dos transtornos de ansiedade. In: Brunton LL, Chabner BA,Knollmann BC eds. Goodman & Gilman. As Bases Farmacológicas da Terapêutica 12a ed. Por- to Alegre, Artmed 2012; p. 17. Finkel R, Cubeddu LX, Clark MA. Fármacos ansiolíticos e hipnóticos. In: Far- macologia Ilustrada 4a.ed. São Paulo, Artmed 2010; p105 SEDATIVOS E HIPNóTICOS 67 ANSIOLÍTICOS E ANTIDEPRESSIVOS 69 ANSIOLÍTICOS E ANTIDEPRESSIVOS A depressão é um transtorno comum que afeta toda a huma-nidade. Segundo a Organização Mundial da Saúde- OMS em 2015 havia 322 milhões de pessoas com algum tipo de depres- são no mundo. No Brasil 5.8% da população sofre com este problema, enquanto que a média mundial é de 4.4%. Ainda segundo a OMS o número de pessoas com transtorno de ansiedade era de 264 milhões em 2015. No Brasil 9.3% da população sofre deste
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