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Seiane Farias - Medicina INTRODUÇÃO Anteriormente denominada insuficiência renal aguda, a lesão renal aguda (LRA) possui altas taxas de morbimortalidade, apresenta altos custos para a saúde, com maior tempo de internação e possibilidade de evolução para doença renal crônica em longo prazo. A LRA caracteriza-se por redução abrupta/aguda (em horas a dias) da taxa de filtração glomerular ou do volume urinário, resultando na inabilidade de o rim exercer suas funções básicas de excreção das escórias nitrogenadas e manutenção da homeostase hidroeletrolítica do organismo. Frequentemente, é reversível, podendo se manter por tempo variável. CLASSIFICAÇÃO Classificação baseada na dosagem sérica da creatinina e no volume urinário: ETIOLOGIA A LRA pode ser de origem pré-renal, renal (ou intrínseca) ou pós-renal, a depender do nível de acometimento. Pré-renal (60 a 70%): Este quadro ocorre devido à redução da perfusão renal, por redução do fluxo plasmático renal e do ritmo de filtração glomerular. Há diminuição do volume circulante, como no caso de desidratação (p. ex., diarreia, vômitos, febre), sangramentos, uso de diuréticos e insuficiência cardíaca. Principais causas: hipotensão arterial, hipovolemia (hemorragias, diarréias, queimaduras). Fisiopatologia: quando há redução do fluxo sanguíneo renal, há ativação dos mecanismos compensatórios através do sistema renina- angiotensina-aldosterona para manutenção da TFG, a arteríola aferente sobre dilatação e a aferente vasoconstrição – a autorregulação possui um limite, quando é atingido o paciente entra em um estado de hipoperfusão renal, apresentando lesão renal, com possível evolução para necrose tubular aguda isquêmica; Caracteriza-se por redução da excreção urinária de sódio e de água, com elevação da osmolaridade urinária; Renal (intrínseca ou estrutural) (25 a 40%): É causada por fatores intrínsecos ao rim, sendo classificada de acordo com o principal local afetado: glomérulo; túbulos; interstício; e vasos. A principal causa é a necrose tubular aguda (NTA isquêmica e/ou tóxica). o A principal e mais frequente causa de necrose tubular aguda (NTA) é isquêmica e o seu principal fator causal tem origem pré- renal, como consequência da redução do fluxo sanguíneo não revertida, especialmente se houver comprometimento suficiente para provocar a morte das células tubulares. Depois das isquêmicas, as causas nefrotóxicas são as mais frequentes na LRA renal. o Os agentes incluem antibióticos aminoglicosídios, contrastes radiológicos e quimioterápicos, além de pigmentos (p. ex., mioglobina) e venenos ofídicos. o De modo geral, os medicamentos e as drogas podem causar diversos tipos de danos por: Modificações hemodinâmicas; Dano tubular direto; Reação alérgica, causando a nefrite intersticial aguda; Obstrução intratubular; Desenvolvimento da síndrome hemolítico-urêmica. Outras causas: nefrites tubulo-intersticiais (drogas, infecções), pielonefrites, glomerulonefrites e necrose cortical (hemorragias ginecológicas, peçonhas). Pós-renal (obstrutiva) (5 a 10%): Secundárias a obstrução intra ou extrarrenal por cálculos, traumas, coágulos, tumores e fibrose retroperitoneal. Pode ser observada em qualquer nível do trato urinário, porém, no acometimento de Seiane Farias - Medicina ureteres, depende da presença de obstrução bilateral. A obstrução pode ser causada por hiperplasia prostática benigna, neoplasia de próstata ou bexiga, distúrbios retroperitoneais, bexiga neurogênica, cálculos renais bilaterais, fibrose retroperitoneal, entre outros; Fisiopatologia: A elevação da pressão hidráulica da via urinária, de maneira ascendente, resulta na ação de vasoconstritores locais, de modo que a obstrução prolongada tem como consequência a lesão parenquimatosa. Dessa forma, a reversibilidade da LRA pós- renal depende do tempo de duração da obstrução. Acidentes ofídicos: - A insuficiência renal aguda (IRA) é a principal complicação dos acidentes ofídicos; - Aproximadamente 85% desses casos são causados por serpentes do gênero Bothrops1,3,4,10 e 7,7% pelo gênero Crotalus; -A diferenciação pode ocorrer com base nas manifestações clínicas (em geral, o acidente crotálico possui manifestações leves no local da picada e manifestações sistêmicas importantes, ao contrário do botrópico): -Patogênese Bothrops: a peçonha botrópica é capaz de provocar toxicidade tubular renal. Outros autores sugerem ação proteolítica direta do veneno sobre os glomérulos, que é acompanhada de alterações morfológicas; além das alterações sobre o sistema de coagulação, que podem levar à deposição de fibrina nos capilares glomerulares; possuem ação “fosfolipase A2 –like -> liberam o ácido araquidônico, que ativa fatores inflamatórios, com ação vasoativa e, portanto, são capazes de alterar a hemodinâmica glomerular e a taxa de filtração glomerular; -> Características da IRA: A IRA ocorre quase sempre nas primeiras 24 horas do acidente, podendo evoluir, porém, com redução do débito urinário apenas no segundo ou terceiro dia; A duração da fase oligúrica varia de 1 a 3 semanas; - Patogênese Crotalus: Como a peçonha é de excreção predominantemente renal, os mecanismos de concentração e transporte tubular favorecem a ocorrência de toxicidade celular direta; Também tem ação inflamatória no parênquima; -> Características da IRA: No acidente crotálico, a fase oligúrica tende a ter duração um pouco menor que no acidente botrópico; a maioria dos casos de IRA ocorre precocemente, antes das primeiras 24 horas; - Prevenção: soroterapia precoce e adequada; 2) evitar nefrotoxinas; 3) evitar hipovolemia; FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia das lesões renais isquêmica e tóxica, origens mais comuns de LRA intrínseca (renal), envolve alterações estruturais e bioquímicas que resultam no comprometimento vascular e/ou celular. A partir dessas alterações, ocorrem vasoconstrição, alteração da função e morte celular, descamação do epitélio tubular e obstrução intraluminal, vazamento transtubular do filtrado glomerular e inflamação. As principais alterações fisiopatológicas na LRA são: o Vasoconstrição intrarrenal: causada pelo desequilíbrio entre os fatores vasoconstritores e vasodilatadores, tanto de ação sistêmica quanto local. Mecanismo particularmente importante na LRA por nefrotóxicos, com ativação de hormônios vasoconstritores (angiotensina II, endotelina etc.) e/ou inibição de vasodilatadores (prostaglandinas, óxido nítrico etc.) o Lesão tubular: associada principalmente a uma redução dos níveis intracelulares de Seiane Farias - Medicina ATP e a lesões de reperfusão. A reversibilidade do dano às células tubulares dependerá da intensidade, do tempo de duração e do tipo do evento agressor. A possibilidade de reversão da LRA decorre da capacidade de regeneração e diferenciação das células tubulares renais, restabelecendo um epitélio íntegro e funcionante. Mesmo em situações mais graves com destruição de 90% das células epiteliais do túbulo proximal, os 10% de células remanescentes podem entrar em processo de proliferação, estimulados por hormônios e fatores de crescimento, recompondo a epitélio tubular. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Tradicionalmente, o curso clínico da LRA subdivide-se em quatro fases: inicial; oligúria; poliúrica; e recuperação funcional. Inicial: começa a partir do momento de exposição ao insulto, isquêmico ou tóxico. Tem duração variável e depende do tempo de exposição ao agente agressor. Nessa fase, o volume urinário pode estar normal ou diminuído, porém o rim começa a perder a capacidade de excretar adequadamente os compostos nitrogenados. Oligúria:também tem grau e duração variável; o Débito urinário inferior a 500 mℓ/dia; o A maioria dos pacientes que se recuperam de uma LRA desenvolve aumento da diurese após 10 a 14 dias do início da oligúria. o Ocasionalmente, não ocorre a fase de oligúria, caracterizando a chamada LRA não oligúrica. Nesse caso, a presença de volume urinário normal é justificada pela grande redução na reabsorção tubular de líquido, apesar da pequena filtração glomerular, surgindo fluxo urinário não oligúrico. Essa situação frequentemente é observada em associação a nefrotóxicos, agentes anestésicos e sepse. Poliúrica ou diurética: pode haver rápida elevação do volume urinário; magnitude da diurese independe do estado de hidratação do paciente e, habitualmente, representa a incapacidade dos túbulos regenerados em reabsorver sal e água. No entanto, a excreção urinária dos compostos nitrogenados não acompanha o aumento da excreção de sal e água, de modo que a concentração plasmática de creatinina e ureia continua a aumentar e os sintomas e a necessidade de terapia renal de substituição podem persistir. Recuperação funcional: ocorre após vários dias de diurese normal, com redução gradativa da ureia e creatinina. Manifestações por sistema Manifestações renais: uremia, pelo acumulo dos compostos nitrogenados, e alterações hidroeletrolíticas. É observado: o Alteração no balanço de água: o balanço hídrico positivo acumulado muito elevado pode repercutir na respiração/ventilação; o Alteração do balanço de sódio: durante a fase oligúrica, o balanço positivo de sódio pode levar à expansão de volume, hipertensão e insuficiência cardíaca. Pode haver depleção de volume e hipotensão arterial; o Alteração do balanço de potássio: a hiperpotassemia é a principal causa metabólica que leva o paciente com LRA ao óbito. A elevação do potássio (K+) sérico pode se dar na LRA por aumento do catabolismo endógeno de proteínas, por dano tecidual, sangramento intestinal e movimentação de K+ do intra para o extracelular pelo mecanismo-tampão dos estados acidóticos. A complicação mais temível da hiperpotassemia é a toxicidade cardíaca, manifestando-se com arritmias; Manifestações extrarrenais: o Podem haver ulceras gástricas ou duodenais, alterações cognitivas e de memória, alterações motoras (asterixes, tremores), convulsões, encefalopatia urêmica. COMPLICAÇÕES Pode evoluir para Insuficiência Renal Crônica; DIAGNÓSTICO Seiane Farias - Medicina História clínica; Exame físico: pode apresentar dispnéia, ortopnéia, edema, turgência jugular e estertoração pulmonar podem estar hipervolêmicos, enquanto aqueles com fraqueza muscular ou paralisia ascendente podem estar com hiperpotassemia. Exames laboratoriais: o Sangue: Elevação de escórias nitrogenadas (uréia, creatinina, ácido úrico), acidose metabólica, hipo ou hipernatremia, hiperpotassemia, hipo ou hipercalcemia e hiperfosfatemia e anemia normocítica e normocrômica. Deve-se utilizar o clearance estimado de creatinina para o estabelecimento do nível real da função renal; Na LRA pré-renal, observam-se retenção de água e sódio (Na+ urinário < 20 mEq/ℓ) e osmolaridade urinária elevada (> 500 mOsm); Na LRA renal, o sódio urinário apresenta-se elevado (> 40 mEq/ℓ) pela lesão tubular e a osmolaridade urinária tende a ser isosmótica ao plasma (< 350 mOsm). o Urina: Avaliação de osmolalidade, sódio, creatinina, uréia e sedimento urinário; Cilindros hialinos aparecem com mais frequência na LRA pré-renal, enquanto cilindros granulosos, discreta leucocitúria e grande quantidade de células tubulares podem ser observados na LRA renal. A presença de hemácias dismórficas e de cilindros hemáticos sugere a existência de glomerulonefrite aguda, podendo ser acompanhada de proteinúria moderada a acentuada. Exames de imagem: ultra-sonografia com doppler (tamanho, forma, ecogenicidade, simetria, número de rins, obstrução/estenose vascular e uropatia obstrutiva). o O tamanho renal reduzido e a ecogenicidade aumentada com perda da diferenciação corticomedular podem indicar doença renal preexistente; o Exames contrastados devem ser evitados, inclusive os exames de ressonância magnética nuclear devido ao risco de Fibrose Nefrogênica Sistêmica; Biópsia renal: Indicada apenas em casos selecionados. Estes incluem a causa desconhecida para o quadro, evolução atípica e/ou prolongada, suspeita de nefrite intersticial, necrose cortical, doença ateroembólica, glomerulonefrites agudas ou rapidamente progressivas e vasculites. TRATAMENTO Tratar as causas; Na LRA pré-renal, deve-se realizar a reposição volêmica de modo a restabelecer a quantidade de líquido perdido, associando-se a adequada correção eletrolítica. É necessário controlar o balanço de sódio por meio de dieta hipossódica; Medidas clínicas podem ser adotadas na vigência de hiperpotassemia, como uso de bicarbonato (na presença de acidose associada), uso de resinas trocadores de potássio (Sorcal® ou Kayexalate®), de solução polarizante (solução de insulina e glicose) e, na presença de alterações eletrocardiográficas, infusão IV de gliconato de cálcio (que exerce efeito temporário, de alguns minutos). Diálise nos casos de hiperpotassemia, hipervolemia, acidose metabólica grave e uremia;
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