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PROCESSOS PATOLÓGICOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir neoplasia benigna e maligna. > Diferenciar os fatores morfológicos relacionados às neoplasias benignas e malignas. > Classificar as modificações morfológicas associadas à gradação neo- plásica. Introdução O termo “neoplasia”, do grego neo (nova) e plasis (forma), significa neoforma- ção, novo crescimento. Um neoplasma é constituído de células que sofreram modificações nos seus mecanismos regulatórios de multiplicação, adquirindo, por isso, autonomia de crescimento e independência dos estímulos fisiológicos que o originaram. Seu crescimento ultrapassa e não é coordenado com o dos tecidos normais, persistindo da mesma maneira após a cessação dos estímulos que o desencadearam. Como toda a população de células dentro do tumor surge de uma célula isolada que sofreu uma alteração genética envolvida no controle do ciclo celular, costuma-se dizer que as neoplasias são clonais. Elas podem ser classificadas de acordo com alguns critérios, entre eles: comportamento clínico (neoplasias Aspectos das neoplasias benigna e maligna Lisiane Cervieri Mezzomo benignas e malignas); aspecto microscópico ou histomorfológico; e local de origem (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). Os distúrbios na proliferação celular que originam as neoplasias são resul- tado da interação entre os fatores genéticos associados a carcinógenos (como radiação ultravioleta e ionizante), substâncias químicas (como os componen- tes do fumo do tabaco) e carcinógenos biológicos (que incluem certos vírus, bactérias ou parasitos). Neste capítulo, você vai estudar o que são neoplasia benigna e neoplasia maligna e seus aspectos morfológicos. Além disso, vai conhecer a classificação das modificações morfológicas de acordo com a gradação neoplásica. Neoplasias benignas e malignas Um dos pontos mais importantes no estudo das neoplasias é o estabeleci- mento dos critérios de diferenciação entre cada uma das lesões, o que, algumas vezes, torna-se difícil. Pode-se dizer que, de acordo com o comportamento biológico, critérios histomorfológicos, características clínicas e as formas de evolução, elas podem ser agrupadas entre benignas e malignas (BRASILEIRO FILHO, 2018). Todos os tumores benignos e malignos apresentam dois componentes básicos: as células neoplásicas em proliferação, que constituem o parênquima; e o estroma de sustentação, formado por tecido conjuntivo e vasos sanguí- neos, que fornece a estrutura para o parênquima. As células parenquimatosas determinam o comportamento das neoplasias e suas consequências patoló- gicas, porém o crescimento e a evolução dos neoplasmas são criticamente dependentes do seu estroma (KUMAR et al., 2016). Observe nas Figuras 1 e 2 algumas diferenças morfológicas entre as neoplasias benignas e malignas para entender melhor as duas classificações. As Figuras 1 mostra o aspecto das neoplasias benignas e malignas e a forma que interagem com o tecido. Compare as diferenças entre os dois grupos de tumores em termos de: � integridade do tecido; � característica infiltrativa nas neoplasias malignas; � característica encapsulada nas neoplasias benignas; � necrose e possibilidade de disseminação linfática e hematogênica nas neoplasias malignas. Aspectos das neoplasias benigna e maligna2 Figura 1. Morfologia das neoplasias benignas e malignas. Fonte: Adaptada de Designua/Shutterstock.com. Superfície epitelial intacta Vasos linfáticos Cápsula Tumor benigno Tumor maligno Ulceração Necrose Invasão linfática Extravasamento pelo sangue Na Figura 2, os detalhes celulares estão explicados de forma geral, mos- trando as diferenças morfológicas nucleares das células normais e das células neoplásicas. Essas diferenças, teciduais e celulares auxiliam na gradação dos tumores e são as bases dos métodos laboratoriais de classificação das neoplasias, como histologia e citologia. Figura 2. Célula normal versus célula neoplásica. Fonte: Adaptada de gritsalak karalak/Shutterstock.com. Célula normal Célula neoplásica Nucléolo Núcleo Citoplasma Aspectos das neoplasias benigna e maligna 3 Confira a seguir os métodos de diagnóstico laboratorial das neoplasias. Exame citológico O exame citológico é um meio de diagnóstico das neoplasias, sobretudo as neoplasias malignas e suas lesões precursoras, como o exame citopatológico do câncer de colo uterino e suas lesões precursoras. É útil para avaliação citológica das lesões das cavidades serosas, dos tecidos com lesões que podem ser aspi- radas, como mama e tireoide, e das lesões de pele, próstata, estômago e rim. É utilizado também para avaliação de elementos descamados na urina. Além disso, é uma ferramenta útil para avaliação e triagem das lesões suspeitas na mucosa oral, como as decorrentes do HPV. A técnica consiste em raspagem, esfoliação ou aspiração das células da lesão e posterior coloração de Papanicolaou para avaliação da morfologia celular por microscopia óptica. A Figura 3 mostra células da mucosa oral coradas pela coloração de Papanicolaou. É possível distinguir os elementos celulares individuais e os limites nítidos das células escamosas. Figura 3. Células da mucosa oral coradas pela coloração de Papanicolaou. Fonte: Komsan Loonprom/Shutterstock.com. Exame anatomopatológico (biópsia) Nos exames anatomopatológicos, os fragmentos de tecidos são removidos dos locais suspeitos de lesão com o objetivo de avaliação e gradação da arquitetura tecidual. A coloração universal é a hematoxilina-eosina (HE), embora com frequ- ência sejam necessárias colorações especiais ou histoquímicas para auxiliar o diagnóstico. A avaliação anatomopatológica é realizada com microscopia óptica. A Figura 4 mostra um corte histológico do adenocarcinoma de cólon, onde é possível observar a arquitetura tecidual, as camadas epiteliais e a submucosa, porém os limites celulares não são nítidos. No adenocarcinoma, a arquitetura tecidual é desorganizada. Aspectos das neoplasias benigna e maligna4 Figura 4. Corte histológico do adenocarcinoma de cólon diagnosticado com exame anatomopatológico. Fonte: Kateryna Kon/Shutterstock.com. Métodos imuno-histoquímicos Os métodos imuno-histoquímicos utilizam anticorpos como reagentes para detectar antígenos em células ou tecidos. A visualização é realizada com o auxílio de microscopia óptica. A Figura 5 mostra a microscópica de um câncer de mama invasivo (infiltrativo). A técnica de imuno-histoquímica mostra a coloração positiva para o receptor de estrogênio (marrom escuro). Figura 5. Microscópica de um câncer de mama invasivo (infiltrativo). Fonte: David A Litman/Shutterstock.com. Aspectos das neoplasias benigna e maligna 5 Neoplasias benignas As neoplasias benignas, ou tumores benignos, crescem de forma organi- zada e expansiva. Apresentam limites nítidos e, apesar de não invadirem os tecidos vizinhos, podem comprimir os órgãos e estruturas adjacentes. Por isso, muitas vezes necessitam de remoção cirúrgica para minimizar as consequências clínicas. Nesses tipos de tumores, as células, em geral, crescem unidas entre si e formam uma massa tumoral geralmente esférica, bem-delimitada por uma cápsula de tecido conjuntivo, chamada cápsula fibrosa, que separa o tumor do tecido do hospedeiro — com exceção dos gliomas, tumores do tecido nervoso e tumores vasculares, que não têm cápsula e apresentam limites pouco precisos. Essa cápsula deriva principalmente do estroma do tecido do hospedeiro à medida que as células parenquimatosas atrofiam sob a pressão do tumor em expansão. Tal encapsulamento não impede o crescimento do tumor, mas mantém o neoplasma benigno como uma massa circunscrita, facilmente palpável e removível (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). Exemplos de tumores benignos incluem o lipoma (que tem origem no tecido gorduroso), o mioma (que tem origem no tecido muscular liso) e o adenoma (tumor benigno das glândulas) (BRASILEIRO FILHO, 2018). Em geral, os tumores benignostêm taxa de divisão celular pequena e baixo índice mitótico, tendo, consequentemente, uma taxa de crescimento lento. O lento crescimento desses tumores permite o adequado desenvolvimento de vasos sanguíneos, que asseguram uma boa nutrição das células tumorais. Por isso, degenerações, necrose e hemorragia são pouco comuns nesses casos. Quase todos os tumores benignos crescem como massas coesas, que permanecem localizadas em seus sítios de origem e não têm capacidade de se infiltrar, invadir ou metastatizar para locais distantes. Por isso, tumores benignos não levam a ulcerações. Também não comprometem a nutrição do hospedeiro, nem produzem substâncias que podem causar anemia ou caquexia (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). Além disso, não recidivam após a ressecção cirúrgica, com exceção do tumor pleomórfico de glândulas salivares. A remoção dos tumores benignos geralmente ocorre para confirmar que são tumores realmente benignos, garantir que não tenham chance de se tornarem cancerosos, aliviar os sintomas caso o tumor esteja em um local que leve a consequências clínicas indesejáveis ao paciente (como a produção de secreções hormonais que alteram a homeostase) ou à pressão por compressão de estruturas adjacentes. Exemplos incluem adenomas de hipófise, que têm como consequência a secreção hormonal, e tumores cerebrais benignos. Aspectos das neoplasias benigna e maligna6 Embora a maioria dos tumores benignos não causem danos, os que crescem no cérebro podem ser fatais se não forem removidos. Neoplasias malignas As neoplasias malignas, ou tumores malignos, manifestam um maior grau de autonomia comparadas às neoplasias benignas. São pouco delimitados, isto é, mal-demarcados, não têm cápsula e têm crescimento infiltrativo, sendo capazes de invadir tecidos vizinhos e provocar metástases a distância. Essas características se relacionam à resistência ao tratamento e são causas de morte do hospedeiro. As células neoplásicas malignas, em geral, têm alta taxa de multiplicação (alto índice mitótico) e, por isso, seu crescimento costuma ser rápido. O estroma e os vasos sanguíneos desenvolvem-se lentamente, resultando em necrose, degenerações, hemorragia e ulceração nessas lesões. Por isso, as neoplasias malignas geralmente sangram e apresentam áreas de necrose (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). As metástases (metastatis: mudança de lugar, transferência), implantes tumorais separados do tumor primário, caracterizam de modo inequívoco um tumor como sendo maligno. Com poucas exceções, todas as neoplasias malignas podem metastatizar. Em geral, quanto mais agressivo, de cresci- mento mais rápido e maior o tumor primário, maior a probabilidade de a neoplasia metastatizar ou de já ter metastatizado. Portanto, juntamente ao desenvolvimento de metástases, a invasividade é a característica mais segura que distingue os tumores benignos dos malignos (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). O termo “câncer” refere-se à neoplasia maligna, quando algumas das células crescem descontroladamente e se espalham para outras partes do corpo. É uma doença genética causada por mudanças nos genes que controlam o crescimento e diferenciação celular. Alguns tumores parecem evoluir em um estágio pré-invasivo, chamado carcinoma in situ. Isso ocorre nos tumores de pele, na mama e em alguns outros locais e é mais bem ilustrado pelo carcinoma da cérvice uterina. Os tumores epiteliais in situ mostram as mesmas características citológicas de malignidade sem invasão da membrana basal. Podem ser considerados uma Aspectos das neoplasias benigna e maligna 7 etapa anterior a um câncer invasivo: com o tempo, a maioria penetra na mem- brana basal e invade o estroma subepitelial, características que definem um carcinoma como sendo invasor (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). A Figura 6 ilustra a cascata metastática, uma sequência ordenada de alterações. Esse processo requer múltiplas etapas, entre eles a transloca- ção da célula cancerosa do seu local de origem original, sua multiplicação e sua sobrevivência. A Figura 6 ilustra as etapas sequenciais envolvidas na disseminação hematogênica de um tumor. As células tumorais penetram na membrana basal e invadem os tecidos adjacentes. As células tumorais inva- soras atingem o vaso sanguíneo, entram no fluxo sanguíneo e se disseminam, eventualmente dando origem ao tumor secundário em um local distinto do tumor original (tumor primário). Figura 6. Etapas sequenciais envolvidas na disseminação hematogênica de um tumor. Fonte: Adaptada de Novikov et al. (2021). Células tumorais Membrana basal Matriz extracelular Células endoteliais Vasos sanguíneos Aspectos das neoplasias benigna e maligna8 A disseminação metastática reduz muito a possibilidade de cura. Comu- mente, a causa de morte associada a neoplasias malignas pode ser atribuída à disseminação metastática do câncer (a metástase é responsável por 90% das mortes por câncer). Muitos tumores sólidos já sofreram metástase quando são diagnosticados (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016; NOVIKOV et al., 2021). A capacidade de se disseminar e formar metástases caracteriza de modo inequívoco um tumor como sendo maligno. Aspectos morfológicos das neoplasias benignas e malignas Alguns critérios morfológicos permitem distinguir os tumores benignos dos malignos. De forma geral, as células dos tumores benignos são quase sempre bem-diferenciadas e lembram suas células normais de origem. Já as células dos tumores malignos são relativamente diferenciadas, mas alguma perda da diferenciação está sempre presente (KUMAR et al., 2016). Observe no Quadro 1 algumas características que diferenciam as neopla- sias benignas e malignas, incluindo aspectos clínicos e morfológicos. Quadro 1. Características das neoplasias benignas e malignas Características Neoplasias benignas Neoplasias malignas Taxa de crescimento Baixa Alta Figuras de mitose Raras Frequentes Graus de diferenciação Bem-diferenciado Desde bem- diferenciado até anaplásicas (indiferenciados) Atipias celulares e arquiteturais Raras Frequentes Degeneração, necrose Ausentes Presentes (Continua) Aspectos das neoplasias benigna e maligna 9 Características Neoplasias benignas Neoplasias malignas Tipo de crescimento Expansivo Infiltrativo Cápsula Presente Geralmente ausente Limites da lesão Bem-definidos Imprecisos Efeitos locais e sistêmicos Geralmente inexpressivos Geralmente graves e às vezes letais Necrose Ausente ou escassa Presente Recidiva Em geral ausente Presente Metástases Ausentes Presentes Fonte: Adaptado de Brasileiro Filho (2018). As células neoplásicas malignas apresentam algumas características especí- ficas, como o aumento da relação núcleo-citoplasmática. As células neoplásicas, em geral, têm um núcleo mais volumoso do que as células normais. O formato nuclear é muito variável, podendo haver células bi ou multinucleadas. Normal- mente, nos núcleos, podem ser encontrados nucléolos grandes. Além disso, as células neoplásicas apresentam hipercromasia nuclear e morfologia nuclear anormal. A cromatina é irregular e mais compacta e está grosseiramente distri- buída ao longo da membrana nuclear. Os núcleos contêm DNA em abundância e apresentam uma coloração mais escura (hipercromática). Figuras de mitose tri ou multipolares são frequentes, tanto típicas quanto atípicas, bem como anomalias cromossômicas, refletindo a maior atividade proliferativa das células parenquimatosas. Mais importantes como características morfológicas de neoplasias malignas são as mitoses atípicas, bizarras, produzidas, às vezes, por fusos tripolares, quadripolares ou multipolares. Destaca-se também o pleomor- fismo celular. O citoplasma se altera, havendo muitas variações pronunciadas no volume e na forma das células. Em razão da perda da diferenciação celular, as células malignas apresentam atipias variadas, algumas vezes tornando- -se monstruosas ou perdendo seus aspectosmorfológicos característicos. A atipia acentuada e a perda completa das características morfológicas de uma célula caracterizam a anaplasia (falta de diferenciação, considerada um ponto fundamental da transformação maligna). As atipias celulares causam, também, atipias arquiteturais, ou histológicas, pois as células não se organizam segundo a orientação própria do tecido normal. Além disso, a orientação das células (Continuação) Aspectos das neoplasias benigna e maligna10 anaplásicas está acentuadamente alterada, isto é, há perda de polaridade normal. Camadas ou grandes massas de células tumorais crescem de maneira anárquica, desorganizada. Por fim, observa-se uma redução da adesividade. Como são menos aderidas entre si, as células cancerosas movimentam-se e infiltram o estroma e os tecidos adjacentes (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). Gradação neoplásica A gradação dos tumores baseia-se no grau de diferenciação das células tumorais e no número de mitoses. O primeiro refere-se à semelhança das células tumorais com as do tecido normal, que se supõe ter dado origem ao tumor. O termo “displasia” significa crescimento desordenado e refere-se a uma condição adquirida, caracterizada por alterações na proliferação e dife- renciação celulares (KUMAR et al., 2016). É um termo utilizado para descrever a presença de células anormais em um tecido ou órgão. A displasia não é câncer, mas às vezes pode se tornar um câncer. Pode ser leve, moderada ou severa/grave, dependendo da aparência anormal das células ao microscópio e de quanto do tecido ou órgão é afetado. É encontrada principalmente nos epitélios e caracteriza-se por diversas alterações, que incluem perda na uniformidade das células individuais e na sua orientação arquitetural. As células displásicas exibem pleomorfismo con- siderável e frequentemente contêm núcleos hipercromáticos anormalmente grandes para o tamanho da célula (hipercromasia). As figuras mitóticas são mais abundantes que o usual, apesar de quase sempre se restringirem aos padrões normais. Aparecem frequentemente em localizações anormais dentro do epitélio (KUMAR et al., 2016). Como exemplo, podemos citar as displasias do colo uterino, dos brônquios e da mucosa gástrica, que muitas vezes precedem os cânceres que se formam nesses tecidos. A displasia é um processo reversível, podendo estacionar ou, até mesmo, regredir. Portanto, não evolui obrigatoriamente para um câncer. Displasias leves a moderadas que não envolvem toda a espessura do epitélio podem regredir e, com a remoção das causas que deram origem a ela, o epitélio pode voltar ao normal. Porém quando mais grave a lesão, maior o risco de evolução para um câncer (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016). Aspectos das neoplasias benigna e maligna 11 Na displasia, a arquitetura tecidual pode estar desorganizada e, por exemplo, a maturação progressiva de células altas na camada basal para as escamas achatadas na superfície pode se perder e ser substituída por uma mistura de células com aspecto basal escuro no epitélio. Quando as alterações displásicas são acentuadas e envolvem toda a espessura do epitélio, mas a lesão permanece confinada ao tecido, são consideradas um neoplasma pré-invasivo, o carcinoma in situ. No momento em que as células displásicas se movem para além dos limites do tecido, o tumor é chamado de invasivo (KUMAR et al., 2016). Veja na Figura 7 a evolução das alterações displásicas no colo do útero, desde o epitélio normal até o carcinoma invasor. Em geral, essas alterações desenvolvem-se ao longo de anos. O colo do útero é a extremidade estreita e inferior do útero, que forma um canal entre o útero e a vagina. Figura 7. Alterações cervicais. Fonte: Adaptada de National Cancer Institute at the National Institutes of Health (NIH, 2022). Normal NIC 1 NIC 2, NIC 3, carcinoma in situ Câncer cervical Útero Cérvice Vagina As lesões cervicais se desenvolvem com frequência no colo do útero. As células do colo do útero passam por alterações morfológicas, que, como vimos, são chamadas de displasias. O último estágio é o carcinoma escamoso. Histologicamente, a Figura 7 mostra a evolução das lesões e do comprome- timento tecidual: as alterações morfológicas tornam-se mais acentuadas com a progressão das lesões. As lesões pré-cancerosas podem regredir ou evoluir para o câncer. Aspectos das neoplasias benigna e maligna12 Confira a seguir a gradação das displasias ilustrada na Figura 7. � NIC 1 (neoplasia intraepitelial cervical de grau 1): displasia leve. � NIC 2, NIC 3 (neoplasias intraepiteliais cervicais de graus 2 e 3), carcinoma in situ: displasias moderada e acentuada. O carcinoma in situ ocorre em muitas áreas, incluindo pele, cavidade oral, esôfago, brônquio e colo uterino. No epitélio glandular, lesões in situ se de- senvolvem na mama, no estômago, no endométrio e no intestino grosso. Nas mamas, o carcinoma ductal in situ pode preencher os ductos mamários, mas não progride para invasão tecidual localizada. Essas lesões são facilmente tratadas. A displasia epitelial pode ser visualizada pela citologia em microscopia óptica. Veja na Figura 8 a imagem de um raspado citológico epitelial com presença de células displásicas. Compare as características das células dis- plásicas com as células benignas presentes na lâmina. Observe as células escamosas epiteliais normais e o grupamento de quatro células displásicas com hipercromatismo, aumento do volume nuclear (aumento da relação núcleo-citoplasmática) e irregularidades na forma nuclear. Ao lado, com citoplasma orangeofílico, são vistas células escamosas normais com núcleos picnóticos. Figura 8. Células displásicas e células normais. Fonte: Komsan Loonprom/Shutterstock.com. Aspectos das neoplasias benigna e maligna 13 Não se sabe quanto tempo leva para que as lesões pré-invasivas se tornem invasivas. Certos carcinomas cervicais se originam de lesões pré-invasivas, levando vários anos até que progridam para carcinomas invasivos e me- tastáticos. Além disso, muitos casos de cânceres da cavidade orofaríngea originam-se a partir de lesões pré-malignas, que evoluem para malignas em cerca de 1% das lesões (RIVERA, 2015). As características genéticas individuais e fatores imunológicos influenciam a carcinogênese e a evolução das lesões (BRASILEIRO FILHO, 2018; KUMAR et al., 2016; NOVIKOV et al., 2021). Displasias leve, moderada e acentuada O carcinoma de células escamosas do colo do útero e suas lesões precursoras exemplificam bem os processos displásicos e sua evolução. Quando a desor- denação celular ocorre nas camadas mais basais do epitélio estratificado, trata-se de uma neoplasia intraepitelial cervical grau 1 (NIC I), isto é, uma lesão intraepitelial escamosa de baixo grau (anormalidades do epitélio no 1/3 proximal da membrana). É, como vimos na Figura 7, a displasia leve. Se a desordenação avança 2/3 proximais da membrana, há uma neoplasia intraepitelial cervical grau 2 (NIC 2), uma displasia moderada. Na neoplasia intraepitelial cervical grau 3 (NIC 3), lesão intraepitelial escamosa de alto grau, o desarranjo é observado em todas as camadas, sem romper a membrana basal. Também é chamada de displasia acentuada, ou carcinoma in situ (INCA, 2016; KUMAR et al., 2016). O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais comum em homens (depois do câncer de pele) em todo o mundo. Tem o potencial de se disseminar para outros tecidos, especialmente os ossos (via metástase). Três fatores aumentam a probabilidade de desenvolver câncer de próstata: ter idade superior a 65 anos, ter história familiar de câncer de próstata e ser afroamericano. Alguns sintomas primários dessa doença são problemas durante a micção (dor ou dificuldade em parar o jato de urina), dor lombar (devida a metástases nas vértebras) e ejaculação dolorosa (porque a próstata secreta fluido para o sêmen). Observe o exemplo a seguir. Um homem de 69 anos é encaminhado a um urologistareferindo disúria e outros sintomas que foram atribuídos a uma infecção do trato urinário. Os sintomas continuaram por mais de dois anos apesar do tratamento com antibi- óticos. O paciente procurou um urologista para uma segunda opinião. Seu nível de antígeno prostático específico (PSA) era de 9,8 ng/mL. A biópsia transretal confirmou o diagnóstico de adenocarcinoma de próstata clinicamente localizado. No pós-operatório, o nível de PSA permaneceu inferior a 0,5 ng/mL. Aspectos das neoplasias benigna e maligna14 Morfologicamente, o adenocarcinoma prostático exibe um padrão glandular arquitetônico anormal com distúrbio das relações epitelial-estromal benignas. O aumento nuclear e o aumento nucleolar são os principais critérios. A atipia nuclear em glândulas malignas se manifesta mais frequentemente como aumento do núcleo e nucléolos proeminentes. A aparência clássica de um núcleo de carcinoma prostático é um único grande núcleo com eliminação da cromatina e um macronucléolo com coloração profunda. Figura 9. Fotomicrografia da biópsia da próstata mostrando histologia de adenocarcinoma prostático. Fonte: David A Litman/Shutterstock.com. Essa classificação está bem estabelecida para o carcinoma cervical, mas as características morfológicas não são tão evidentes em todos os processos neoplásicos. Por exemplo, embora bastante semelhantes aos das lesões es- camosas cervicais, o diagnóstico e a graduação da displasia epitelial oral são baseados em uma combinação de alterações arquitetônicas e citológicas. Tal esquema tem sido resistido nas patologias oral e maxilofacial, porque, mesmo na presença de alterações citológicas graves, no epitélio oral muitas vezes há evidências de maturação normal com uma espessa camada superficial de queratina. Assim, a mudança de espessura total análoga à displasia severa cervical raramente é vista na boca. Nas lesões orais, quando as alterações citológicas são muito pronunciadas, a lesão deve ser classificada considerando esses critérios citológicos em conjunto com a arquitetura tecidual, e a lesão classificada considerando essa combinação. Mudanças consideradas parti- cularmente significativas incluem pleomorfismo nuclear e mitoses anormais (EL-NAGGAR et al., 2017; RANGANATHAN; KAVITHA, 2019; SPEIGHT, 2007). Aspectos das neoplasias benigna e maligna 15 Embora esteja estabelecido que lesões orais potencialmente malignas e displasia epitelial são estatisticamente mais propensas a progredir para câncer, os mecanismos reais são mal compreendidos e não é inevitável que uma lesão displásica progrida para câncer. Como vimos, os tumores representam um crescimento descontrolado de tecido. A diferença entre tumores benignos e malignos envolve basicamente as taxas de crescimento mais rápidas de tumores malignos, além de alterações microscópicas, que incluem a falta de organização do tecido normal e uma perda de diferenciação celular. Em contraste com as neoplasias benignas, as neoplasias malignas são localmente invasivas, têm um maior grau de anaplasia celular e capacidade de metastatizar regionalmente para os linfonodos ou distantemente para outros locais do corpo por via hematogênica. As neoplasias malignas são conhecidas coletivamente como cânceres. Os cânceres podem ser causados por vírus, exposição significativa à radiação, defeitos genéticos ou exposição a produtos químicos cancerígenos. Por exemplo, o uso de tabaco está fortemente associado ao carcinoma oral. O câncer é precedido por alterações displásicas, que significam crescimento e diferenciação anormais. Em patologia, o termo “displasia” é usado para descrever o crescimento desordenado e a maturação de células que não são normais, mas que não são obviamente malignas. Assim, a displasia é uma condição pré-maligna, ou seja, um precursor da neoplasia invasiva. Exemplos incluem a displasia cervical e das lesões orais. Pode ser dividida em leve, moderada e severa, baseada nos critérios morfológicos, e sua classificação leva em conta critérios citológicos e histológicos. O conhecimento da evolução das lesões neoplásicas, bem como das dife- renças gerais entre os tipos de neoplasias e sua gradação, é fundamental na formação profissional, especialmente considerando o contexto atual em que as neoplasias representam importante causa de morbidade e mortalidade em todo o mundo, acometendo uma parcela significativa da população e enquadrando-se como um dos principais problemas de saúde pública. Aspectos das neoplasias benigna e maligna16 Referências BRASILEIRO FILHO, G. Bogliolo: patologia geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. EL-NAGGAR, A. K. et al. WHO classification of head and neck tumours. 4th ed. Lyon: IARC, 2017. v. 9. INCA. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2016. 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A citologia como ferramenta auxiliar ao diagnóstico das lesões na cavidade oral e orofaríngea. NewsLab, 4 jun. 2021. Disponível em: https://newslab.com. br/secao-citologia-ed-165-a-citologia-como-ferramenta-auxiliar-ao-diagnostico-das- -lesoes-na-cavidade-oral-e-orofaringea/. Acesso em: 8 jan. 2022. OPAS. Câncer. OPAS, 2020. Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/cancer. Acesso em: 8 jan. 2022. Aspectos das neoplasias benigna e maligna 17 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os edito- res declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Aspectos das neoplasias benigna e maligna18