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EXAME DA MARCHA O membro inferior desempenha funções vitais como a de deambulação e de sustentação do peso corporal; a sua integridade é essencial para que estas funções cotidianas se processem de maneira normal e eficaz. Como as patologias que acometem o membro inferior, frequentemente se manifestam mais claramente no decurso da marcha, devemos considerar os parâmetros de normalidade e anormalidade da marcha de modo a poder reconhecer e tratar as patologias que porventura existam. O ciclo normal da marcha se faz em duas fases: fase de acomodação de posição, quando o pé entra em contato com o solo; e uma fase de oscilação, quando o movimento é empreendido. A fase de acomodação de posição ocupa cerca de 60% do ciclo normal (sendo que destes 60%, 25% se dão com ambos os pés apoiados ao solo), os 40% restantes compreendem a fase de oscilação. Cada fase, por sua vez, se divide em componentes menores. Fase de Acomodação de Posição Fase de Oscilação 1. Apoio do Calcanhar 1. Aceleração 2. Aplanamento do Pé 2. Oscilação intermediária 3. Acomodação intermediária 3. Desaceleração 4. Impulso A maioria dos problemas se faz aparente durante a fase de acomodação de posição, já que nesta fase de sustentação do peso do corpo solicita grande esforço do membro inferior. O exame da marcha se inicia à entrada do paciente na sala de exame. Observe se há coxeamento ou deformidades óbvias do membro inferior que possam comprometer a marcha e tente averiguar em qual componente de que fase o problema se torna manifesto. Como cada componente possui características próprias, a evidenciação do componente acometido é um excelente início para a determinação da etiologia da doença. Ao examinar a marcha considere também estes parâmetros mensuráveis (de acordo com Inaman). 1. A extensão da base não deve exceder de 5 a 10 centímetros de um calcanhar a outro. Se você observar que o paciente deambula ampliando a base, deverá suspeitar de patologia. Em geral, os pacientes ampliam a base de sustentação quando se sentem tontos ou inseguros, talvez devido a cerebelopatias ou por diminuição da sensibilidade plantar. A amplitude normal da base é de cerca de cinco a dez centímetros. O passo mede aproximadamente quarenta centímetros. EXAME DA MARCHA 2. O centro de gravidade do corpo situa-se cerca de 5 centímetros à frente da segunda vértebra sacra. Na deambulação normal, o centro da gravidade não varia além de 5 centímetros em direção vertical. O controle da oscilação vertical mantém o padrão uniforme da marcha enquanto o corpo avança. O aumento da movimentação vertical pode ser indicativo de patologia. 3. O joelho deverá permanecer fletido durante todos os componentes da fase de acomodação de posição, exceto durante o componente de apoio do calcanhar, com isso impede o excessivo deslocamento vertical do centro de gravidade. Por exemplos, ao ser dado o impulso para o próximo passo, o tornozelo contando com 20º de flexão tende a elevar o centro de gravidade, neste instante o joelho flete cerca de 40º para contrabalançar. Os pacientes cujos joelhos estejam fixos em extensão poderão ser incapazes de contrabalançar o excesso de movimentação do tornozelo, perdendo a uniformidade da marcha. 4. A pelve e o tronco desviam-se lateralmente cerca de 2 centímetros do lado que sustentará o peso do corpo durante aquele passo, de modo a centralizar o peso do quadril. Na presença de hipotonia do músculo glúteo médio, este desvio lateral do tronco estará consideravelmente acentuado. 5. O comprimento de um passo é de aproximadamente 40 centímetros. Em presença de dor, na idade avançada, fadiga ou nas patologias intrínsecas do membro inferior, o comprimento do passo poderá diminuir. 6. A média dos adultos deambula em um ritmo de aproximadamente 90-120 passos por minuto, sendo que o dispêndio de energia é de cerca de 100 calorias por 1,5km. As alterações na uniformidade de coordenação da marcha reduzem a eficácia e aumentam o consumo de energia. Na velhice, fadiga ou em estados dolorosos o número de passos por minuto diminui. 7. Durante a fase de oscilação, a pelve roda 40ºà frente, enquanto que a articulação do quadril da extremidade oposta (que se mantém em posição de acomodação) atua como o fulcro da Durante a marcha, o centro de gravidade oscila verticalmente de cerca cinco centímetros. A pelve e o tronco se inclinam aproximadamente dois centímetros durante a marcha. EXAME DA MARCHA rotação. Normalmente, os pacientes não perfazem a rotação da articulação do quadril quando a mesma se encontra rígida ou dolorosa. A seguir, determinaremos como um componente da marcha, em particular, pode ser comprometido por patologias de cada uma das articulações do membro inferior durante a deambulação. FASE DE ACOMODAÇÃO DE POSIÇÃO A maioria dos problemas que ocorrem na fase de acomodação de posição resultam em dor levando o paciente a andar em marcha antálgica. Ele se apoiará na extremidade comprometida o menor tempo possível, podendo inclusive evitar completamente o componente que lhe causa dor. A fase de acomodação de posição comumente é dificultada por problemas de calçados, que poderão causar dor. A dor pode ser decorrente de encravamento das unas no sapato, forros ásperos ou forra de prumo ou de objetos no interior dos sapatos ou mesmo devido ao tamanho do calçado. Proceda ao exame da fase de acomodação por componentes, observado os problemas característicos de cada articulação. Apoio de Calcanhar PÉ. As dores no pé podem ser resultantes de esporão calcâneo, uma excrescência óssea que se salienta ao tubérculo medial na superfície plantar do osso calcâneo. Em geral, esta patologia causa dor muito aguda quando o paciente apoia o calcanhar firmemente. Com o Na fase de oscilação a pelve roda 40º para frente. A articulação coxofemoral oposta atua como um fulcro para este movimento. Ao tentar evitar o componente doloroso na marcha, o paciente deambula em marcha antálgica. EXAME DA MARCHA passar do tempo desenvolve-se sobre o esporão uma bolsa protetora, no entanto pode haver o aparecimento de bursite, o que poderá agravar a dor. Para obter alívio o paciente tentará evitar apoiar o calcanhar. JOELHO. Enquanto o calcanhar encontra apoio no solo, o joelho tende normalmente a estender-se; se, no entanto, o joelho não for capaz de estender-se por hipotonia do quadríceps (marcha do joelho estável) ou caso o joelho do paciente se mantenha fixo em flexão, o paciente poderá tentar fleti-lo com auxílio da mão. No caso de ele ser incapaz de realizar esta manobra, o joelho permanecerá instável durante o apoio do calcanhar. Aplanamento do Pé PÉ. Os flexores dorsais do pé (tibial anterior, extensor longo dos dedos e extensor longo do hálux) permitem o movimento de flexão plantar do pé através de extensões excêntricas, de modo que o pé se aplane uniformemente ao solo. Os pés dos pacientes de hipotonia ou atonia dos flexores dorsais entram em contato com o solo de uma só vez, após o apoio do calcanhar ao invés de irem se apoiando por partes gradativamente. os pacientes cujos tornozelos sejam anquilosados serão incapazes de perfazer o aplanamento do pé neste componente da marcha, conseguindo-o somente na acomodação intermediária. Acomodação Intermediária PÉ. Normalmente. o peso é distribuído igualmente por todas as partes do pé. Os pacientes de pés excessivamente planos ou de artrite subtalar podem desenvolver Uma espícula óssea avançando para fora do tubérculo medial, na superfície plantardo calcâneo, é frequentemente chamada de esporão calcâneo. A hipotonia do quadríceps leva à instabilidade do joelho durante o apoio do calcanhar, sendo que por vezes o paciente estenderá o joelho com auxílio da mão. A hipotonia dos dorsiflexores causam a queda brusca do pé após o apoio do calcanhar. EXAME DA MARCHA dor ao andarem por sobre solos irregulares; os que possuem abaixamento dos arcos transversos dos pés podem desenvolver calos dolorosos na projeção das extremidades metatarsianas. As calosidades formadas no dorso dos dedos podem sofrer atrito de encontro aos sapatos assim que os dedos começam a se agarrar ao solo. JOELHO. A contração da musculatura do quadríceps mantém o joelho estável, já que ele normalmente não se dispõe em linha reta. A hipotonia do quadríceps pode gerar flexão excessiva, bem como instabilidade relativa do joelho. QUADRL. Durante aa acomodação intermediária, o quadril se desloca aproximadamente 2 centímetros para o lado que sustenta o peso. A hipotonia do glúteo médio força o paciente a volver em direção ao lado comprometido de forma a situar o centro de gravidade no quadril; este movimento é uma abdução ou uma guinada do glúteo médio. A queda do arco longitudinal leva ao pé plano. As calosidades que se formam na cabeça dos metacarpos secundariamente à queda do arco transverso podem ser muito dolorosas. Um calo no dorso de dedos em garra pode ser doloroso na fase de acomodação de posição. EXAME DA MARCHA Em vigência de hipotonia do grande glúteo, o paciente deslocará o tórax posteriormente para manter a extensão do quadril (uma extensão ou guinada do grande glúteo). Impulso PÉ. Se o paciente for portador de osteoartrite ou rigidez parcial ou completa da articulação metatarsofalangeana (hálux rígido), ele será incapaz de hiperestender a articulação metacarpofalangeana do artelho, podendo ser forçado a dar impulso com a face lateral do pé, manobra esta que eventualmente acarreta dor. A dor poderá ser agravada como resultante do aumento da pressão nas extremidades metatarsianas caso tenham se desenvolvido calosidades secundarias à luxação articular (metatarsalgia). Calosidades entre o quarto e o quinto pododáctilos podem tornam-se excessivamente dolorosas por serem capazes de aumentar a pressão. Esta condição pode ser frequentemente diagnosticada através o exame dos sapatos; em vez das pregas transversas normais sobre os dedos, poderemos observar um pregamento obliquo por sobre os dedos e extremidade distal do pé. JOELHO. O gastrocnêmio, soleus e o flexor longo do hálux são fundamentais para o impulso; a hipotonia destes músculos poderá resultar em pé plano ou em marcha calcânea. A abdução do glúteo médio. A extensão do glúteo máximo. Esquerda: pregas oblíquas anormais nos calçados indicam rigidez. Direita: pregas transversas normais nos sapatos. EXAME DA MARCHA FASE DE OSCILAÇÃO Durante a fase de oscilação os problemas são bem menos evidentes que na fase de acomodação de posição, já que nesta fase o membro inferior não é submetido às funções de suporte e sustentação de peso. Aceleração PÉ. Os flexores dorsais do tornozelo são ativos durante toda a fase de oscilação. Eles auxiliam o encurtamento do membro abrindo caminho por manterem o tornozelo em posição neutra. JOELHO. A flexão máxima do joelho se dá entre a impulsão dos pododáctilos e a fase de oscilação intermediária, quando a flexão atinge cerca de 65º. Tem também por objetivo o encurtamento do membro. QUADRIL. A contração do quadríceps se inicia imediatamente antes da impulsão dos pododáctilos, para auxiliar a perna a mover-se para frente. Se o tônus da musculatura do quadríceps estiver diminuído, o paciente poderá rodar a pelve anteriormente fazendo uma movimentação exagerada para que a perna avance para frente. Oscilação Intermediária PÉ. Quando os flexores dorsais do quadril não estão funcionando, a ponta do sapato arranha o solo produzindo a marcha caracteristicamente escarvante. Como compensação, o paciente flexionará o quadril excessivamente para fletir o joelho, permitindo que o pé abra caminho (marcha anserina). Desaceleração JOELHO. A musculatura da coxa contrai para desacelerar a oscilação antes que o apoio do calcanhar se faça, desta forma o calcanhar poderá se apoiar tranquilamente em um movimento controlado. Em vigência de hipotonia da musculatura da coxa, o apoio do A perda da dorsiflexão do tornozelo leva o paciente a arrastar a ponta do sapato no chão. Marcha anserina: o joelho é elevado acima do normal para permitir que o pé abra caminho para a marcha. EXAME DA MARCHA calcanhar se fará de maneira abrupta, o que espessará o coxim do calcanhar e hiperestenderá o joelho (simulando marcha atáxica). SUMÁRIO Fase de Acomodação de Posição HIPOTONIA MUSCULAR 1) Os pacientes com hipotonia do tibial anterior (L4) terão marcha do tipo anserina. 2) Os pacientes com hipotonia do glúteo médio (L5) apresentarão abdução ou guinada do glúteo médio. 3) Os pacientes com hipotonia do grande glúteo (S1) apresentarão extensão ou guinada do grande glúteo. 4) Os pacientes com hipotonia do grupo muscular gastrocnêmio-soleus (S1 e S2) apresentarão marcha de pé plano sem que haja impulso dos pododáctilos. Marcha do pé plano sem impulso. EXAME DA MARCHA 5) Os pacientes com hipotonia do quadríceps (L2, L3 e L4) terão marcha do tipo atáxica, mantendo os joelhos estendidos. INSTABILIDADE 1) Os pacientes, com falta de equilíbrio, ampliarão a base de suas marchas além de 10 centímetros. 2) Os pacientes, com diminuição da sensibilidade plantar (por diabetes, sífilis ou neuropatias periféricas), ampliarão a base para ganhar equilíbrio. Além do que, eles olharão fixadamente para os pés de modo a orientá-los em relação ao espaço e ao solo. 3) Os pacientes de cerebelopatias poderão apresentar dificuldade em manter a oscilação normal, o que lhes obrigará a ampliar a base. 4) Os pacientes com deslocamento das cápsulas articulares do joelho apresentarão joelhos instáveis que subitamente poderão fixar-se em flexão exagerada. 5) Os pacientes com ruptura de menisco têm os joelhos instáveis, que tendem a se curvar. 6) Os pacientes com ruptura dos ligamentos colaterais também possuem joelhos instáveis, que têm tendencias a se curvar. DOR 1) Os pacientes, com problemas com os calçados, poderão apresentar dor durante todos os componentes da fase de acomodação de posição, o que resultará em uma marcha antálgica. 2) Os pacientes com esporão de calcâneo se queixarão de dor durante o componente de apoio com o calcanhar. 3) Os pacientes com osteoartrite do joelho ou do quadril poderão acusar dor em todos os componentes da fase de acomodação de posição. Em geral, eles permanecem o menor tempo possível neste ciclo da marcha devido à dor (marcha antálgica). 4) Os pacientes com hálux rígido não serão capazes de executar o componente de impulso adequadamente, por causa da dor resultando, pois, em marcha de pé plano. Compensação na marcha de uma rigidez articular. EXAME DA MARCHA RIGIDEZ ARTICULAR 1) Os pacientes com rigidez da articulação do tornozelo, joelho ou quadril, poderão apresentar dificuldades em todas as fases da marcha. Se somente umaa articulação se apresenta rígida, o paciente, em geral, será capaz de compensar esta limitação de modo que o distúrbionão se manifeste de forma marcante. Fase de Oscilação HIPOTONIA MUSCULAR 1) Os pacientes com hipotonia dos flexores dorsais do pé e tornozelos poderão desenvolver marcha anserina, na qual o joelho é elevado mais alto que o normal, de modo que o pé possa abrir caminho para a marcha. 2) Os pacientes com hipotonia do quadríceps serão incapazes de realizar o componente de aceleração sem que haja, como compensação, uma rotação anormal do quadril. 3) Os pacientes com hipotonia da musculatura da coxa serão capazes de desacelerar adequadamente antes de apoiar o calcanhar. RIGIDEZ ARTICULAR 1) A rigidez da articulação do joelho obrigará o paciente a elevar o quadril do lado acometido para que o pé possa abrir caminho para a marcha. O exame da marcha deverá ser integrado ao exame de membro inferior. Os membros superiores participam da marcha, já que os braços oscilam um após o outro contra-lateralmente ao membro inferior que desloca, propiciando uma cadencia uniforme à marcha. A rigidez do joelho pode obrigar o paciente a elevar o quadril para que o pé possa abrir caminho para a marcha.