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HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES “A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma ação integrada de suas atividades educacionais, visando à geração, sistematização e disseminação do conhecimento, para formar profissionais empreendedores que promovam a transformação e o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida. Missão da Faculdade Católica Paulista Av. Cristo Rei, 305 - Banzato, CEP 17515-200 Marília - São Paulo. www.uca.edu.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. Todos os gráficos, tabelas e elementos são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência, sendo de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 3 SUMÁRIO AULA 01 AULA 02 AULA 03 AULA 04 AULA 05 AULA 06 AULA 07 AULA 08 AULA 09 AULA 10 AULA 11 AULA 12 AULA 13 AULA 14 AULA 15 05 14 22 29 36 45 53 63 70 77 85 93 102 110 117 SABERES ESPACIAIS PRODUZIDOS AO LONGO DA HISTÓRIA A GEOGRAFIA E A ERA DAS “LUZES” SOCIEDADES DE GEOGRAFIA SÉCULO XIX: INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA UNIVERSITÁRIA GEOGRAFIA CLÁSSICA ALEMÃ A GEOGRAFIA DE RATZEL E SEUS DESDOBRAMENTOS PAUL VIDAL DE LA BLACHE E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA NA FRANÇA A TRADIÇÃO VIDALIANA GEOGRAFIA CLÁSSICA NORTE-AMERICANA: O RACIONALISMO DE RICHARD HARTSHORNE GEOGRAFIA TEORÉTICO-QUANTITATIVA: EM BUSCA DE UM SABER PRAGMÁTICO GEOGRAFIA HUMANISTA DE YI-FU TUAN MARXISMO E ESPAÇO GEOGRÁFICO: A GEOGRAFIA CRÍTICA A GEOGRAFIA CULTURAL DE CARL SAUER NOVA GEOGRAFIA CULTURAL CONCEITOS BÁSICOS DA GEOGRAFIA HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 4 INTRODUÇÃO Desde a antiguidade, o ser humano produz conhecimentos sobre o espaço. No entanto, o que entendemos por “Geografia” se refere a um saber específico, elaborado no ambiente acadêmico e escolar. Nas aulas que se seguem, vamos entender como o conjunto de conhecimentos, elaborados ao longo da história sobre a superfície terrestre, transformou-se em uma ciência, com conceitos e métodos próprios. Para isso, vamos conhecer alguns dos principais teóricos que produziram conhecimentos geográficos, e também, suas definições sobre o que seria a “Geografia”. Vamos estudar as correntes de pensamento surgidas desde o momento em que a geografia começou a ser ensinada nas universidades. Afinal, desde quando a geografia surge como ciência, diferentes visões sobre seus métodos e objetivos foram sendo elaboradas ao longo dos anos. Nesse contexto, surge a corrente conhecida como “Geografia Clássica” no final do século XIX; a “Geografia Quantitativa” no início do século XX; a “Geografia Humanista”, a “Geografia Cultural” e a “Geografia Crítica” ao longo do século XX. Cada uma dessas correntes possui bases teóricas específicas. O estudo dessas escolas acadêmicas é fundamental para entender como concebemos a ciência geográfica hoje, com todas as suas nuances e suas particularidades. Por fim, vamos aprender também sobre as correntes do pensamento filosófico, e de outras áreas do conhecimento, que inspiraram mudanças no modo de conceber a definição de Geografia. Vamos nessa! HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 5 AULA 1 SABERES ESPACIAIS PRODUZIDOS AO LONGO DA HISTÓRIA Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/close-up-do-globo-335393/ Desde a Antiguidade, a humanidade produz conhecimentos sobre o espaço: descrições de lugares, elaboração de mapas, construção de teorias sobre as dimensões da Terra etc. Para se ter uma noção, o mapa mais antigo que se tem registro data de 6000 anos antes da Era Comum (ou “antes de Cristo”)1. Pensar o espaço pode ser considerada uma ação iminente da condição humana. Nesse sentido, desde o momento em que nascemos, produzimos sentimentos, percepções e pensamentos sobre o espaço. Seja o lugar em que vivemos ou o espaço que estamos conhecendo em determinada situação, produzimos percepções sobre ele. Assim, para os propósitos desta aula, denominaremos esses conhecimentos genéricos sobre o espaço de saberes espaciais. 1 Tal mapa foi descoberto na Turquia, durante escavações realizadas na década de 1960. A representação cartográfica teria sido traçada pelo povoado neolítico de Çatal Höyük, na região centro-ocidental do país. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 6 A partir do século XIX, os saberes espaciais foram sistematizados como ciência. Ou seja, iniciou-se um processo de elaboração da Geografia como um novo campo científico, com métodos e conceitos próprios. Esse processo possibilitou a institucionalização de um novo campo acadêmico e disciplinar: a ciência geográfica. ANOTE ISSO O que costumamos entender por “Geografia” refere-se à ciência geográfica. Ou seja, refere-se a esse saber institucionalizado no ambiente acadêmico/científico e escolar. A geografia como a ciência que conhecemos atualmente, é sistematizada no seio de instituições ocidentais: nas Sociedades de Geografias e, principalmente, na Universidade. Nesta aula, traçaremos o desenvolvimento do pensamento geográfico levando em consideração a Europa como contexto espaço-temporal privilegiado de reflexão. Deste modo, ao tratarmos dos saberes geográficos na Antiguidade, por exemplo, enfatizaremos os conhecimentos produzidos na Grécia antiga. Tal enfoque é uma forma de fazer com que vocês, alunos, entendam os caminhos que levaram à institucionalização do conhecimento geográfico no continente europeu. O modelo de geografia sistematizado na Europa, por sua vez, foi expandido para o restante do mundo. Entretanto, é preciso ter em mente que muitas sociedades não-ocidentais desenvolveram saberes espaciais sofisticados ao longo dos séculos, como a civilização egípcia e o Império Árabe. Mais do que isso, o desenvolvimento do pensamento geográfico no continente europeu é caracterizado também pela troca de conhecimentos entre diferentes povos (é sabido, por exemplo, que muitos textos e mapas produzidos pelos antigos gregos foram traduzidos pelos árabes). Para entender o desenvolvimento da geografia, nunca podemos perder de vista essa informação. 1.1. Antiguidade: Grécia Antiga Desde a chamada antiguidade clássica, produziam-se saberes espaciais bastante complexos e sofisticados. Os filósofos gregos antigos produziram detalhados registros descritivos de lugares distintos do planeta. Além disso, eles também realizaram importantes reflexões sobre questões como a forma e as dimensões da Terra (saberes que, hoje, são incluídos no campo de ensino da geografia). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 7 Desde, pelo menos, o século V a. C., filósofos como Platão e Aristóteles já acreditavam que a Terra poderia ser esférica2. Além disso, alguns filósofos gregos chegaram a tentar medir a circunferência da Terra, com base em cálculos matemáticos da época. Foi o caso Eratóstenes (276 aC – 195 aC), considerado por alguns como “pai da Geografia”, quem mediu a circunferência do planeta e chegou num valor muito próximo do aceito nos dias atuais: 39.700km3. Os gregos antigos também traçaram subdivisões do globo terrestre em linhas paralelas, chamadas por eles de climata, mas, diferentemente das zonas climáticas que conhecemos hoje, eram zonas com significado astronômico e matemático: Essas zonas, ao contrário dos climas modernos, tinham um significado geográfico e astronômico e não meteorológico. A duração do dia mais longo era pouco mais ou menos a mesma para todas as terras no interior de uma zona. Climata derivava da palavra grega clima, que significava “inclinação”, visto que a duração do dia era sempre determinadapela inclinação do Sol era visto em cada lugar. Na zona próxima do pólo, o dia mais longo durava mais de 20 horas, enquanto perto do equador a luz do dia nunca durava mais de 12 horas. No meio havia zonas onde o dia mais longo durava todos os vários diferenciais (BOORSTIN, 1989, p.3). Estrabão (64 a.C – 25 a.C) apontou especificidades climáticas para essas zonas, já que o filósofo “insistia em que as climata tórridas de ambos os lados do equador, onde o Sol permanecia diretamente por cima durante meio mês em cada ano, tinham uma fauna e flora características” (BOORSTIN, 1989, p.3). Já o filósofo Hiparco (190 -120 a.C.) combinou essas linhas paralelas (climata) com linhas meridionais, criando um “mapa mundi” baseado em observações de latitude e longitude. Este filósofo subdividiu a Terra em 360 partes, com linhas meridionais com intervalos de 112, 5 km (próximo à dimensão em graus formulada pelos geógrafos modernos). Finalmente, foi Ptolomeu (90-168 d.C.) quem aperfeiçoou os conhecimentos espaciais produzidos por todos esses pensadores. Ptolomeu é famoso pelo seu modelo de representação do universo em que a Terra se encontra no centro, sendo orbitada pelo Sol, Lua e demais astros. No entanto, seus estudos vão além desse modelo. Na obra Geografia, o filósofo indicou latitudes e longitudes de milhares de pontos do planeta. Dados obtidos, em sua maioria, por estimativas matemáticas. Seguindo os passos de 2 Inclusive, na obra Phoebo de Platão, encontra-se o primeiro testemunho dessa evidência. 3 O valor correto seria 40.008km. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 8 Hiparco, Ptolomeu subdividiu as 360 partes do globo em partes menores (minutos), e estas partes, em novas subdivisões (segundos), em modelo semelhante ao adotado nos dias atuais4. TÍtulo: Mapa do mundo por Ptolomeu Fonte:https://visualhunt.com/f7/photo/2710790868/c4425b4dbc/ Além dessas teorias sobre as dimensões e outras características físicas do planeta Terra, os filósofos gregos também realizaram reflexões sobre o espaço de outra natureza, mas que também podem ser entendidas como “saberes espaciais”. Trata- se dos relatos de viagens produzidas por filósofos como Heródoto e Estrabão, os quais elaboraram descrições bastante ricas acerca de regiões do mundo conhecido. Heródoto, considerado pai da História, descreveu a região que se estendia desde a África Subsaariana, passando pela Europa até a Índia na obra mais famosa: História. Enquanto Estrabão, autor da obra Geografia, realizou estudo descritivo de todo o mundo conhecido em 17 volumes. 4 A título de curiosidade, Ptolomeu também teria sido responsável por estabelecer a convenção de orien- tar os mapas com o norte voltado para cima e o sul para baixo, assim como o oeste à esquerda e o leste à direita. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 9 ANOTE ISSO No âmbito dos saberes espaciais produzidos desde a Antiguidade, podemos classificá-los em dois tipos. Em primeiro lugar, o estudo da Terra como um todo. Em segundo lugar, a descrição e estudo de partes do mundo conhecido. O primeiro enfoque podemos denominar Cosmografia. Já essa geografia mais descritiva, relacionada ao estudo de regiões específicas, podemos denominar Corografia. São distintos enfoques que estarão presentes no desenvolvimento do pensamento geográfico ao longo da história. Tais conceitos podem ser aproximados das noções de Geografia Geral e Geografia Regional, respectivamente. • Cosmografia (“Geografia Geral”) Estudo da forma e da dimensão da Terra. Saber que dialoga com a Astronomia e a Cartografia. Filósofos gregos que praticavam “Geografia Geral”: Anaximandro (650 – 615 a.C.), Eratóstenes (276 – 196 a.C.), Hiparco (190 -120 a.C.) e Ptolomeu (90-168 d.C.). • Corografia (“Geografia Regional”) Descrição dos lugares e de tudo o que nele existe. Trata-se dos saberes espaciais produzidos por viajantes, governantes e militares. Saber que dialoga com a História, Etnografia, Fisiografia e História Natural. Filósofos gregos que praticaram “Geografia Regional”: Heródoto (484 – 425 a. C.) e Estrabão (64 a.C. – 21 d.C.). 1.2. Idade Média A Idade Média é um período descrito por estudiosos do pensamento geográfico como de poucos avanços nas técnicas de representação do espaço e, de forma geral, na produção de saberes espaciais. Isso porque o mundo conhecido era pensado estritamente com base em ideias presentes na cosmologia cristã. Sendo assim, acreditava-se que as respostas para toda e qualquer questão estavam na Bíblia. Deste modo, pouco se questionava sobre as dimensões do nosso planeta, por exemplo. Até mesmo porque acreditava-se que a Terra era plana. O período da Idade Média na Europa também foi caracterizado por certa estagnação no que se refere aos deslocamentos geográficos. Nesse sentido, pouco se produziu em termos de conhecimentos sobre lugares distantes. Quanto à cartografia, os mapas produzidos nesse período também seguiam preceitos da cosmologia cristã. Assim, uma representação espacial comum naquele período era HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 10 o chamado mapa T.O. Nessa representação de mundo, a Terra é plana e representada como um disco dividido por uma corrente de água em forma de “T”. O continente asiático era posicionado acima do “T” no mapa, enquanto a Europa estava posicionada abaixo e à esquerda. A África, por outro lado, localizava-se por baixo e à direita. Nessa representação de mundo, o oceano rodeava todo o “disco”. A África e a Europa estavam separadas pelo mar mediterrâneo. Enquanto os rios Danúbio e Nilo separavam a Ásia dos outros continentes, formando a barra horizontal do “T”, tal como na figura abaixo: Título: Mapa da Terra habitada produzido na Idade Média. Fonte:https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/70/T_and_O_map_Guntherus_Ziner_1472.jpg Enquanto os europeus vivenciaram poucos avanços no que se refere à cartografia e demais estudos sobre o espaço, outros povos, por outro lado, socializaram conhecimentos espaciais de maneira distinta. Em sua expansão pelo Oriente Próximo, os árabes, por exemplo, produziram mapas e descrições geográficas bastante ricas. Destacam-se, nesse cenário, as produções de viajantes como Ibn Batuta, Ibn Jalden e Al-Adrisi (CAPEL & URTEAGA, 1982). Também foram os árabes os principais intermediários entre o mundo cristão e os chineses. Estes últimos também foram responsáveis pela produção de saberes HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 11 espaciais bastante elaborados, tendo em vista as demandas por informações sobre o espaço para fins administrativos e militares do antigo Império Chinês: Os chineses confeccionaram mapas muito precisos de seu território. Antes do século I já existiam geógrafos imperiais que elaboravam e sistematizavam a informação; nos séculos seguintes foram realizados mapas com escalas, com sistemas de coordenadas retangulares, com representação de rios e com medidas de altitude de montanhas. Não era propriamente uma cartografia baseada em observações astronômicas, embora estime-se que desde o século VIII tenham sido realizados esforços para unir as coordenadas celestes e terrestres. Desde 1155 existiam mapas impressos, o que na Europa só se efetivou três séculos mais tarde. Joseph Needham assinala que também na cartografia o avanço chinês em relação aos europeus era, em alguns aspectos, de um milênio. (CAPEL & URTEAGA, 1982, p.8) Durante os mil anos de Idade Média, a palavra “geografia” não teve uso corrente. A expressão, inclusive, só entrou na língua inglesa em meados do século XVI. Tal dado reforça o sentido de estagnação do desenvolvimento do pensamento geográfico durante o período em questão. 1.3. Idade Moderna: Grandes navegações e a Revolução Científica Se a Idade Média representou um período de poucos avançosno desenvolvimento do pensamento geográfico, esse cenário mudou na era seguinte. O período da história conhecido como Idade Moderna (1453-1789) é caracterizado por muitas descobertas no que tange aos conhecimentos sobre a Terra, às informações sobre lugares distantes e às técnicas cartográficas. Muitos desses avanços foram possibilitados pelas grandes navegações. Até o século XVI, África, Ásia e Europa se resumiam ao mundo conhecido para os europeus. Em 1522, os espanhóis descobrem novas terras ao navegar no oceano atlântico em direção ao oeste. O evento, por sua vez, foi antecedido pela descoberta de nova rota para Ásia, quando os portugueses dobraram o cabo da Boa Esperança, em 1488, e abriram caminho para novas expedições pelo oceano atlântico. O que se seguiu foram anos de grandes navegações pelo mundo. As grandes navegações possibilitaram o acesso a informações sobre a extensão do planeta e sobre características naturais de várias partes do globo, bem como dados sobre povos distantes. Além disso, ao mesmo tempo que as navegações por grandes HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 12 distâncias foram possibilitadas graças ao desenvolvimento de técnicas náuticas, esse processo também auxiliou no desenvolvimento ainda maior dessas técnicas, bem como dos conhecimentos cartográficos. Nesse cenário, centros de estudos náuticos e cartográficos foram criados por toda a Europa5. Além das grandes navegações, outro processo histórico que impacta a produção de conhecimentos espaciais na Idade Moderna é o processo de mudanças filosóficas e científicas do período. Com o advento do Renascimento e da Revolução Científica, emergem no cenário intelectual europeu novas percepções sobre a natureza, o planeta Terra e o universo. No século XVI, Nicolau Copérnico (1473-1543) desenvolve modelo teórico que se contrapõe ao Geocentrismo até então defendido por filósofos e matemáticos. Até Copérnico, acreditava-se que a lua, o sol e os demais astros giravam ao redor da Terra. Ocorre que este filósofo desenvolveu um modelo em que o Sol seria o centro do cosmo. Tal modelo foi aperfeiçoado por Galileu Galilei, no século XVII, e é aceito até os dias atuais. Evidentemente, os estudos sobre a esfera terrestre foram afetados pelo triunfo da concepção copernicana, “o que exigiu a elaboração de uma nova geografia, que levasse em conta os movimentos da Terra e seus efeitos nos diversos lugares do Globo” (CAPEL & URTEAGA, 1982, p. 10). Com Galileu (1562 – 1642), inicia-se a nova física e o paradigma conhecido como mecanicismo. Segundo a visão mecanicista, os fenômenos da natureza poderiam ser explicados em analogia às máquinas. Desta forma, tais como os dispositivos mecânicos, os fenômenos da natureza se comportariam como matéria em movimento. ANOTE ISSO Por paradigma, podemos entender a tradição intelectual comum pela qual a comunidade científica trabalha. Um mesmo paradigma pode ser compartilhado por cientistas por bastante tempo, até que surjam novas questões, teorias e descobertas que coloquem em xeque esse paradigma vigente. Com a ruptura do paradigma vigente, tem-se a instauração de um novo. 5 Não por acaso, no século XVI são publicados os famosos atlas de Abraham Ortelius (1527-1598) e Gerghard Mercator (1512-1594). Ortelius é considerado o autor do primeiro Atlas moderno, enquanto Mercator desenvolveu o mapa-múndi com a projeção cartográfica mais conhecida nos dias atuais. Parte do seu trabalho, inclusive, foi inspirado nos escritos de Ptolomeu, autor que passou a ser bastante revisitado nesse período. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 13 Além do mecanicismo de Galileu, a Era Moderna é marcada também pelo paradigma do racionalismo cartesiano. No racionalismo, parte-se de perspectiva universalista para pensar o mundo. De modo a responder questões universais, o caminho apontado pelos filósofos racionalistas é o da observação do que é palpável. A partir dessa observação, busca-se encontrar causas e leis gerais que expliquem os fenômenos do mundo (sejam eles naturais ou sociais). Nessa corrente, as ciências naturais são modelos para formular questões e para traçar caminhos na busca de seus resultados. O principal representante dessa corrente é René Descartes (1596-1690). Título: René Descartes Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes#/media/Ficheiro:Frans_Hals_-_Portret_van_Ren%C3%A9_Descartes.jpg O mecanicismo e o racionalismo são paradigmas que marcam o que chamamos de Revolução Científica da Era Moderna. Nesse período, a ciência desponta como saber privilegiado para pensar o mundo. Tal background possibilita a institucionalização dos saberes espaciais como uma nova ciência (a “ciência geográfica”) séculos depois. https://pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes#/media/Ficheiro:Frans_Hals_-_Portret_van_Ren%C3%A9_Descartes.jpg HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 14 AULA 2 A GEOGRAFIA E A ERA DAS “LUZES” Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/globo-de-mesa-multicolorido-414916/ Dando prosseguimento ao estudo sobre o desenvolvimento de um pensamento geográfico no mundo, nesta aula, vamos nos atentar a um período específico da história em que o espaço foi base para reflexões filosóficas e políticas. Estamos nos referindo ao Iluminismo, período histórico caracterizado por uma efervescência de debates científicos e filosóficos na Europa. Algumas das ideias que surgem nesse período influenciarão profundamente a formulação das bases da sistematização da ciência geográfica no século XIX. Conforme apontamos na aula anterior, no século XVII são lançadas as bases da ciência e da filosofia moderna por filósofos como René Descartes (1596-1650) e Galileu Galilei https://www.pexels.com/pt-br/foto/globo-de-mesa-multicolorido-414916/ HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 15 (1564-1642). No século XVII, observa-se o amadurecimento de muitas dessas reflexões. As descobertas de Isaac Newton no campo da física, por exemplo, contribuem para a consolidação do paradigma do mecanicismo na ciência. O racionalismo cartesiano se estabelece também como paradigma que, ademais, influencia o pensamento científico até os dias atuais. Durante toda a Idade Média os pressupostos religiosos serviram como ferramentas para entendimento do mundo. No entanto, no século XVII, a Revolução Científica traz para a Europa a fé no empirismo e no racionalismo. Estes pressupostos se consolidam ainda mais no século XVIII: As correntes filosóficas do século XVIII vão propor explicações abrangentes do mundo; formulam sistemas que buscam a compreensão de todos os fenômenos do real. A meta geral de todas as escolas, neste período, será a afirmação das possibilidades da razão humana; a aceitação da existência de uma ordem, na manifestação de todos os fenômenos, passível de ser apreendida pelo entendimento e enunciada em termos sistemáticos; uma fé na viabilidade de uma explicação racional do mundo. Esta postura progressista insere-se no movimento de refutação dos resquícios de ordem feudal, pois esta se apoiava numa explicação teológica do mundo. Propor a explicação racional do mundo implicava deslegitimar a visão religiosa, logo, a ordem social por ela legitimada (MORAES,1981, p.53). No campo de discussão sobre a sociedade, o racionalismo era perspectiva que norteava a filosofia política. Os filósofos políticos do Iluminismo refletiam sobre questões como Estado e governabilidade. Eles formulam as bases do pensamento crítico às antigas formas de governo, especialmente, a monarquia absolutista. 2.1. Racionalismo x Empirismo Conforme estudamos na Aula 1, o início da Idade Moderna (séculos XVI e XVII) é marcado pelos paradigmas do mecanicismo e do racionalismo cartesiano no cenário intelectual europeu. Segundo esta última corrente,a base do conhecimento provém da razão. Para o maior representante deste paradigma, René Descartes (1596 – 1650), o mundo era organizado segundo leis simples que poderiam ser alcançadas racionalmente. No final do século XVIII, surgem reações à perspectiva cartesiana de mundo. O filósofo britânico David Hume (1711-1776), teceu críticas ao racionalismo cartesiano, alegando HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 16 que o conhecimento não deriva de uma razão transcendente, mas da experiência sensível. Logo, para esse filósofo, os sentidos eram os meios pelos quais alcançamos o real. Essa ênfase na dimensão da experiência é o que denominamos de Empirismo. Título: David Hume Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/David_Hume#/media/Ficheiro:Painting_of_David_Hume.jpg ANOTE ISSO A perspectiva empirista norteará profundamente as formulações teóricas das primeiras escolas de Geografia. Conforme estudaremos nas próximas aulas, até a segunda metade do século XX, o empirismo será um dos traços mais característicos da ciência geográfica. Embora o Empirismo representasse certo contraponto com o Racionalismo, ambos movimentos compõem o chamado Iluminismo. Nessas doutrinas de pensamento, havia ênfase na racionalização e na experimentação no processo de busca por compreensão do real. São movimentos que marcam uma era de efervescência intelectual em que vivia o continente europeu, caracterizada pela busca incansável pela compreensão do mundo, através do pensamento e de técnicas de experimentação. Essas são características do chamado Iluminismo, ou a Era das Luzes (uma contraposição à “Era da Trevas” que seria, nessa perspectiva, a Idade Média). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 17 2.2. Filosofia e Immanuel Kant Entre os filósofos iluministas do século XVIII, podemos destacar Immanuel Kant como aquele que realizou reflexões mais aprofundadas sobre a dimensão espacial. Kant foi um filósofo prussiano, nascido na cidade de Königsberg, em 1724. Iniciou seus estudos em teologia na Universidade de Königsberg apenas com 16 anos de idade. Na mesma universidade, aprofundou seus estudos em filosofia, doutorando-se nessa área em 1754. Também se interessava pelas ciências naturais, tendo estudado sobre física e matemática ao longo de sua vida. Após seu doutorado, Kant trabalhou como livre-docente na Universidade de Königsberg. Em 1770, ele ocupou a cátedra de Lógica e Metafísica desta mesma universidade. Kant ocupou essa cadeira até a sua morte, em 1806. Entre 1756 e 1796, o filósofo lecionou o que então se denominava “Geografia Física”. Juntamente com a “antropologia”, as aulas de “geografia” serviram a este pensador como ponto de apoio para a formação de sua filosofia: As aulas de geografia serviam a Kant, ao lado da antropologia pragmática, como ponto de apoio de sua busca de formação de uma sistemática nova para a filosofia, sua área de atuação real. Através da geografia Kant procurava formar um conceito crítico da natureza e através da antropologia pragmática um conceito crítico do homem, conceitos estes capazes ao mesmo tempo de permitir-lhe dar contemporaneidade a uma filosofia defasada diante de uma ciência que se lhe avançara bem mais adiante, mercê o surgimento da física newtoniana, e equacionar a separação entre a natureza e o homem que desde Descartes aparecera na forma de um objeto e sujeito dissociados. A geografia que está nascendo na Alemanha é, assim, prima-irmã da filosofia crítica que igualmente está nascendo pelas mesmas mãos do mesmo Kant, trazendo consigo traços importantes dessa filosofia, em particular o papel da percepção e do espaço no processo do conhecimento (MOREIRA, 2008, p.17/18). Inspirando-se nas críticas de David Hume na primeira metade do século XVIII ao paradigma da ciência em voga (especialmente, o racionalismo cartesiano), Kant defendia a ideia de que o conhecimento é baseado na percepção que os seres humanos têm dos fenômenos: HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 18 Para Kant o conhecimento nos é dado inicialmente pela rede das nossas sensações corpóreas. Nasce com elas o conhecimento empírico. Esse conhecimento empírico advém da junção das informações sensórias – singulares e isoladas por provirem das formas diferentes das sensações (a visão, o tato, o olfato, a gustação) –, pela percepção numa imagem reprodutora dos objetos do mundo externo. Nesse processo, diferem a percepção interna, reveladora do homem (objeto da antropologia pragmática), e a percepção externa (objeto da geografia), reveladora da natureza. Uma separação que deve ser superada pelo conceito, quando então o conhecimento senso- perceptivo se torna um conhecimento sistemático e generalizado no nível abstrato do pensamento (MOREIRA, 2008, p.18). Immanuel Kant Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Immanuel_Kant#/media/Ficheiro:Immanuel_Kant_(portrait).jpg Segundo Kant, cabe à ciência estabelecer uma classificação para esses fenômenos apreendidos pelas sensações corpóreas, bem como alcançar as leis às quais eles estariam submetidos. Seguindo essa linha de raciocínio kantiana na análise acerca da dimensão espacial dos fenômenos, estes últimos não seriam “dados” justapostos espacialmente. O espaço é, para Kant, uma estrutura do nosso entendimento. O mesmo vale para o tempo. Desta maneira, o papel da Geografia seria o de identificar as estruturas espaciais reveladas pela nossa experiência: HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 19 A geografia tem como principal missão compreender a diferenciação regional da Terra. Porém, isto não a reduz à descrição. A distinção entre disciplina ideográfica (que descreve o que é único) e nomotética (que põe em evidência as regularidades) é uma das finalidades dos neokantianos do fim do século XIX, mas não está presente em Kant. Para ele, a geografia deve explicar a especificidade de cada parte da Terra e a recorrência de certos temas (CLAVAL, 2006, p.55). Kant também distingue os objetivos da Geografia e da História. A primeira se ocuparia com a descrição dos lugares, enquanto a segunda, o registro da sucessão de acontecimentos. Geografia e história nascem, pois, de um mesmo processo, o da localização dos fenômenos, porém em ordens de distinta qualidade, a geografia localizando-os no espaço e a história no tempo, por isso mesmo nascendo diferentes e separadas. A história nasce como o registro dos acontecimentos na sucessão, ao passo que a geografia no da coabitação. A forma de leitura da história é a narrativa, enquanto a da geografia é a descrição. A geografia e a história firmam-se, pois, como saberes separados, mas unificadas pela filosofia. Assim, embora distintas, geografia e história se encontram. Pelo olhar da filosofia, a história é uma geografia contínua e a geografia uma história cortada pela descontinuidade. Pode, assim, haver uma história como uma geografia da Antiguidade, por exemplo, uma vez que os acontecimentos históricos ocorrem num lugar geográfico e os acontecimentos geográficos ocorrem num contexto de tempo histórico. Como, pensa Kant, a geografia é a descrição natural da natureza, segue-se que ela subestrutura a história e a antecede. Substrato da história, a descrição da natureza dá o tom da definição da geografia em sua lida com os fenômenos humanos (MOREIRA, 2008, p. 18/19). ANOTE ISSO A Filosofia de Kant influencia fortemente a percepção dos trabalhos de muitos geógrafos alemães do século XIX e XX, entre eles, Alexander von Humboldt, Ferdinand von Richthofen e Richard Hettner. 2.3. Saberes espaciais e o nascimento do Estado Moderno Além do contexto de efervescência do pensamento científico e filosófico, a Idade Moderna foi o período de consolidação do Estado. Nesse processo, os saberes espaciais HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIASALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 20 assumem também importância política estratégica para os governantes. Os estudos sobre o espaço ganham uma guinada. Título: Luís XIV Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Absolutismo#/media/Ficheiro:Louis_XIV_of_France.jpg Para que o Estado Moderno se expandisse, a obtenção de dados demográficos e econômicos de regiões era essencial. Cabia aos “geógrafos” da época colher essas informações para as suas descrições regionais. Assim, foram produzidos importantes registros de características físicas, demográficas e sociais de regiões administradas por governos em ascensão. O campo da cartografia, especialmente, tem atenção desses Estados em formação. Segundo CLAVAL (2006), na França de Luiz XIV, observa-se investimentos em grande escala no que se refere às produções cartográficas: https://pt.wikipedia.org/wiki/Absolutismo#/media/Ficheiro:Louis_XIV_of_France.jpg HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 21 A França de Luíz XIV lança pela primeira vez uma operação de cartografia à escala de um grande país; a medição do arco meridiano, a organização de uma triangulação de primeira ordem e depois de segunda ordem sobre o conjunto do país, e a primeira carta topográfica seguindo as regras são obra da dinastia Cassini (Jean-Dominique, 1675-1712; Jacques, 1677-1756; Cassini de Thury, 1711-1784; Jacques-Dominique, 1748-1845) entre 1680 e 1793. O levantamento do mapa tem lugar de 1750 até à Revolução: a escala, 1/86400, torna-o precioso para o traçado de estradas ou para a condução de operações militares (CLAVAL, 2006, p. 47). Ademais, no século XVIII, “geógrafo” e “cartógrafo” eram profissões que, muitas vezes, confundiam-se. A partir de 1800, essas atribuições vão se distinguindo (embora, como sabemos, a Geografia nunca tenha deixado os estudos cartográficos de lado). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 22 AULA 3 SOCIEDADES DE GEOGRAFIA Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/antigo-antepassados-anciao-antiguidade-697662/ Conforme discutimos nas aulas anteriores, ao longo da história, a humanidade produziu saberes espaciais diversos. Porém, a Geografia tal como a conhecemos tem suas origens no século XIX, quando surgem as primeiras cátedras desta disciplina em universidades. Naquele momento, consolidava-se o saber geográfico como ciência. Por uma série de fatores, que serão discutidos na aula seguinte, as primeiras cátedras duradouras de Geografia surgem na Alemanha. A recém-nascida geografia universitária, entretanto, herdará muitos conhecimentos produzidos no seio de outra instituição científica: as chamadas Sociedades de Geografia. As Sociedades de Geografia são associações científicas formadas a partir da década de 1820 (mas, cujo momento áureo de sua atuação se deu entre as décadas de 1870 e 1890). Elas atuavam como centros de trocas de conhecimentos sobre regiões até então pouco conhecidas para os europeus. Para isso, tais associações promoviam expedições científicas para diversas partes do mundo, bem como divulgavam os conhecimentos produzidos pelos seus pesquisadores em meios próprios, como revistas. Dessa forma, HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 23 na presente aula, vamos estudar as Sociedades de Geografia, enfatizando o seu papel para a sistematização da ciência geográfica no século XIX. 3.1 Sociedades de Geografia no mundo Conforme discutimos na Aula 1, o século XVI foi marcado como a época das grandes navegações no âmbito do desenvolvimento da fase mercantilista do capitalismo. No decorrer dos séculos, as potências europeias prosseguiram na busca pela conquista de novos territórios para exploração de recursos naturais. As Sociedades de Geografia surgem na primeira metade do século XIX. Inicialmente, suas atividades se concentravam no levantamento de informações sobre povos e regiões do mundo por viajantes e naturalistas, e na produção de mapas sobre essas regiões até então desconhecidas. Tais conhecimentos foram sendo acumulados no seio dessas instituições. Na segunda metade do século, esses conhecimentos acumulados foram cada vez mais sendo articulados para fins de dominação imperialista. A primeira Sociedade de Geografia criada foi a Sociedade Geográfica de Paris, em 1821. Em seguida, são criadas a Sociedade de Geografia de Berlim, em 1828; a Real de Geografia de Londres, em 1830; a Sociedade Geográfica Russa de São Petersburgo, em 1885. ISTO ESTÁ NA REDE Você conhece a origem da famosa revista National Geographic? Pois bem, a revista foi criada no seio da National Geographic Society, uma Sociedade de Geografia fundada nos Estados Unidos no ano de 1888. Edição de janeiro de 1915 da National Geographic. Fonte:https://upload.wikimedia.org/ HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 24 A Sociedade Geográfica Nacional (National Geographic Society) foi fundada com o intuito de produzir e difundir conhecimento geográfico para o público geral. Para cumprir tal tarefa, essa Sociedade de Geografia fundou a The National Geographic Magazine, revista criada para difundir o conhecimento resultante das expedições de exploração pelo mundo financiadas pela organização. A National Geographic Society existe até os dias de hoje, embora os propósitos possam ter sido alterados ao longo do tempo. De qualquer maneira, a organização até hoje financia pesquisas ao redor do mundo. Mais conhecida que a sociedade em questão se tornou a revista que, posteriormente, foi renomeada, tornando-se “National Geographic” apenas. A revista National Geographic é bastante conhecida pelas fotografias e pelas reportagens sobre diversas regiões do mundo. Atualmente, é publicada em diversos países, possuindo, inclusive, uma edição brasileira: National Geographic Brasil. Desde 1997, o selo National Geographic também é um canal de televisão. A National Geographic Society fornece ao canal seu acervo para consulta, dados e profissionais (cientistas e documentaristas) do mundo. Para conhecer mais: https://www.nationalgeographicbrasil.com/ https://www.nationalgeographic.org/ (em inglês) Na segunda metade do século XIX, conforme comentei anteriormente, as Sociedades de Geografia vão se alinhar cada vez mais aos interesses imperialistas das potências europeias. A prova disso é a realização da Conferência Internacional de Geografia em 1876, em Bruxelas, convocada pelo rei belga Leopoldo II. A Conferência contou com a participação de representantes de Sociedades de Geografia de vários países, e o objetivo do evento era se debruçar sobre o continente africano para fins de dominação e exploração dos recursos: A Conferência de Bruxelas teve por objetivo, traçado pelo próprio Leopoldo II em seu discurso de inauguração solene, a tarefa de debruçar-se sobre o continente africano, com o intuito de “abrir à civilização a única parte de nosso globo em que ela não havia ainda penetrado... conferenciar para acertar o passo, combinar esforços, tirar partido de todos os recursos, de evitar a duplicação de trabalho” (MOREIRA, 12, P.12). Ao mesmo tempo que o fim do século XIX representa o apogeu da criação das Sociedades de Geografia, também representa o início de seu declínio. Entre 1870 e 1920, a antropologia começa a ocupar o lugar como campo do saber destinado à https://www.nationalgeographicbrasil.com/ https://www.nationalgeographic.org/ HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 25 pesquisa sobre povos e lugares distantes. Até então, esse lugar era ocupado pela Geografia. Em realidade, esses conhecimentos caminhavam junto ao da Geografia no seio das sociedades geográficas. Título: O Rei D. Carlos I na abertura da convenção de 1905 da Sociedade de Geografia de Lisboa. Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Sociedade_de_Geografia_de_Lisboa#/media/Ficheiro:Carlos_I_sociedade_geographico.png3.2.Sociedades de Geografia no Brasil As sociedades de geografia também se expandiram além da Europa, sendo criadas, inclusive, no Brasil. Aqui, a primeira Sociedade de Geografia fundada foi o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. Em 1883, fundou-se a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, na então capital do Império. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro surge alguns anos depois da Independência do Brasil, em relação a Portugal. Não por acaso, naquele período, o IHGB teve importância para criar uma identidade nacional para aquele Estado em formação. Isso porque a Geografia era a área do conhecimento estratégico para dar cabo a esse projeto político. O Brasil não possuía uma “história oficial” como nação, logo, as características geográficas do território brasileiro (como as riquezas naturais, por exemplo) eram dados a serem explorados no âmbito do discurso nacionalista. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 26 A partir da Independência, a extensão de um domínio territorial em grande parte “desconhecido” e os riscos de fragmentação política, somados à ausência de uma história oficial capaz de selecionar elementos do passado que alimentassem uma ideia nacional, eram percebidos com preocupação por um Estado nascente como o brasileiro, que buscava definir uma identidade própria capaz de orientar sua atuação tanto no plano interno como externo. Para a conformação dessa identidade foram convocadas diversas áreas do conhecimento e da produção intelectual, dando origem, no começo do Império, a órgãos de cultura oficiais, criados com a missão política de tornar mais objetiva e palpável a noção abstrata de pátria, ou seja, para “desenhar-lhe um rosto [...], moldar sua imagem de realidade”. Entre esses órgãos cabe ressaltar o IHGB, que, mais do que qualquer outro, simbolizou a institucionalização de um lugar de saber onde a idéia de Brasil – constituída por sua história e sua geografia – fosse possível (PEREIRA, 2005, p.11). A Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, por outro lado, surge em contexto diverso do surgimento do IHGB. Nas últimas décadas do século XIX, o país passava por um momento de redefinição da identidade nacional e busca pela inserção no mundo industrializado. O poder imperial estava em crise, fato que culminou com a instauração da República, em 1889. A Geografia permanecia como um campo de conhecimento central para a consolidação desse momento político, e a SGRJ teve muita importância na legitimação de saberes espaciais para a era republicana. Título: Capa da edição de 1889 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Hist%C3%B3rico_e_Geogr%C3%A1fico_Brasileiro#/media/Ficheiro:IHGB_revista_1889.jpg HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 27 Título: Sede do IHGB no Rio de Janeiro. Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Instituto_Hist%C3%B3rico_e_Geogr%C3%A1fico_Brasileiro#/media/Ficheiro:IHGB_01.jpg Instituições como as Sociedades de Geografia existem até os dias atuais. No Brasil, o IHGB, por exemplo, mantém-se ativo. A instituição é responsável pela produção da Revista do Instituto Histórico e Geográfico, cuja primeira edição data 1838. Embora a função do IHGB não seja a mesma do período de sua fundação, a organização ainda trabalha pela preservação da memória nacional, bem como, divulgando estudos de seus membros e outras entidades congêneres espalhadas pelo mundo. 3.3 Sistematização dos saberes espaciais: Sociedades de Geografia e a Geografia Universitária Apesar da importância das Sociedades de Geografia para a sistematização da Geografia Universitária, algumas distinções acerca dos propósitos de cada instituição precisam ser feitas. No caso das Sociedades de Geografia, os saberes espaciais produzidos nessas instituições serviam a um público mais amplo que o das Universidades. Por outro lado, a Geografia que começou a ser produzida nas Universidades era orientada para propósitos de formação acadêmica e pesquisa dentro dos moldes estabelecidos pela comunidade acadêmica. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 28 Sistematização da Geografia na Era Moderna Sociedades de Geografia “A [Geografia] que se produz nas Sociedades de Geografia é um conhecimento de tudo que se refere a povos e territórios dos diferentes cantos do mundo, reunindo as Sociedades viajantes, naturalistas, militares e cientistas de várias procedências acadêmicas”. (MOREIRA, 2012, p.11) Geografia acadêmica “A [Geografia] que se produz nas Universidades tem um cunho especificamente científico e reúne professores e pesquisadores formados e | 12 | dedicados ao desenvolvimento e atualização das teorias e métodos científicos que dão embasamento à ciência geográfica” (MOREIRA, 2012, p.11/12). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 29 AULA 4 SÉCULO XIX: INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GEOGRAFIA UNIVERSITÁRIA Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/sala-para-cadeiras-356065/ Até o século XIX, os saberes espaciais eram bastante dispersos, e estavam relacionados às práticas de produção de mapas, estudos sobre dimensões da Terra, relatos descritivos de lugares do planeta e, é claro, às pesquisas das diversas sociedades geográficas espalhadas pelo mundo. Foi somente com o surgimento da geografia acadêmica que surgem propostas mais elaboradas de sistematização de todos esses conhecimentos. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 30 A sistematização dos conhecimentos espaciais sob a forma de ciência geográfica ocorre na Alemanha, graças a uma série de fatores, sendo o principal deles o clima de unificação nacional da aristocracia alemã daquele período. Esse cenário impulsiona o desenvolvimento da Geografia, saber estratégico para pensar território e nacionalismo. O processo de institucionalização da geografia no espaço acadêmico/científico ocorre também graças aos esforços de dois autores prussianos: Alexander von Humboldt e Karl Ritter. Ambos foram influenciados fortemente pela corrente de pensamento conhecida como Romantismo Alemão e por formulações científicas provindas das ciências naturais. Esses teóricos também são chamados pais da Geografia Moderna. Nesta aula, então, estudaremos um pouco sobre o contexto de surgimento da geografia acadêmica na Alemanha, suas bases e influências, dando especial atenção ao estudo do pensamento dos seus fundadores: Humboldt e Ritter. 4.1. Contexto sociopolítico da Alemanha do século XIX Até 1870, o que podemos denominar de Alemanha, na realidade, era um conjunto de diferentes unidades territoriais com traços culturais em comum. No início do século XIX, os aristocratas desses reinos menores, influenciados pelo processo de formação de outros Estados europeus, começa a nutrir o desejo de unificação nacional. Nesse cenário, uma primeira tentativa de unificação ocorreu em 1815, com a criação da Confederação Germânica. Título: Confederação Germânica (1815-1866) Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Confedera%C3%A7%C3%A3o_Germ%C3%A2nica#/media/Ficheiro:Deutscher_Bund.png HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 31 A Confederação Germânica incluía os reinos da Áustria e da Prússia, além de ducados e principados da região. Com a instauração da Confederação Germânica, essas unidades administrativas menores puderam estreitar suas relações econômicas e políticas. Apesar de ser um cenário ainda distante de um Estado Nacional - tendo em vista que muitas divergências se mantiveram presentes entre esses reinos confederados - esse contexto possibilita a efervescência de reflexões espaciais. A discussão geográfica se torna fundamental para pensar a unificação política diante de um quadro de diversidade territorial. Membrosdas classes dominantes da região se debruçaram sobre questões como divisão do espaço e domínio territorial naquele contexto: A falta da constituição de um Estado nacional, a extrema diversidade entre os vários membros da Confederação, a ausência de relações duráveis entre eles, a inexistência de um ponto de convergência das relações econômicas – todos estes aspectos conferem à discussão geográfica uma relevância especial, para as classes dominantes da Alemanha, no início do século XIX. Temas como domínio e organização do espaço, apropriação do território, variação regional, entre outros, estarão na ordem do dia na prática da sociedade alemã de então. É, sem dúvida, deles que se alimentará a sistematização geográfica. Do mesmo modo como a Sociologia aparece na França, onde a questão central era a organização social (um país em que a luta de classes atingia um radicalismo único), a Geografia surge na Alemanha onde a questão do espaço era a primordial (MORAES, 1981, p.61). Somado ao contexto de crescimento do projeto político, o Romantismo Alemão (movimento que dialoga com o movimento nacionalista) e o empirismo entram em cena para fornecer as bases da Geografia Moderna. 4.2. Romantismo Alemão No período em que a Europa vivia a Era das Luzes, a Alemanha1, entretanto, vivenciava outros movimentos intelectuais. No século XV, no contexto da Reforma Protestante, os alemães estavam ocupados com questões de ordem religiosa e observava-se a predominância de pensamento teológico nas produções artísticas e intelectuais. Somente entre os séculos XVII e XVIII, os alemães começam a se aproximar do pensamento dominante europeu, com Kant e o seu Iluminismo Alemão. No entanto, 1 O que estamos denominando “Alemanha”, como vocês já sabem, trata-se do conjunto de reinos, principados e ducados que foram unificados no século XVIII. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 32 ainda assim, a Alemanha estava, de certa forma, à margem da produção intelectual do continente. Essa situação muda no final do século XVIII, quando surge um movimento artístico e intelectual que se tornará o novo paradigma em todo o continente europeu: o Romantismo. O espírito do nacionalismo será peça chave para o surgimento e desenvolvimento do Romantismo. Tal movimento nasce como um contraponto ao racionalismo da ciência e filosofia modernas. Enquanto este último priorizava o pensamento universalista (buscava-se, sobretudo, causas e leis gerais para explicar os fenômenos do mundo, sejam eles naturais ou sociais), o Romantismo, por outro lado, valorizava o particularismo no pensamento. De modo a responder questões de ordem universal, os racionalistas indicavam a observação daquilo que era palpável. Em oposição, o movimento romântico valorizava o pensamento intuitivo e a experiência espiritual (e não meramente material). No que diz respeito às reflexões de ordem social, os racionalistas priorizavam a noção de sociedade em suas análises. Tal noção remete à ideia de um conjunto de cidadãos detentores de liberdades individuais. O pensamento romântico, por outro lado, valorizava o sentido de comunidade. No fim do século XVIII e em grande parte do século XIX, o Romantismo já se configurava como paradigma vigente não somente na Alemanha como por toda a Europa, dominando as produções intelectuais e artísticas da época. ANOTE ISSO A sistematização da geografia como ciência ocorre no contexto de ascensão do paradigma romântico. Muitos elementos dessa corrente de pensamento vão estar presentes nos trabalhos dos geógrafos fundadores da Geografia Moderna: Alexander von Humboldt e Carl Ritter. Além do romantismo, o empirismo será marca presente nas formulações desses teóricos. Agora que já entendemos o background intelectual da institucionalização da geografia na Alemanha, vamos conhecer a vida e obra de seus fundadores: Humboldt e Ritter! HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 33 4.3 Alexander von Humboldt (1769-1859) Alexander Von Humboldt nasceu em 1769, em uma família aristocrática prussiana. Estudou botânica, história natural, mineralogia, matemática, física e economia política. Sua formação ampla tem relação íntima com o projeto científico formulado por esse autor. Humboldt defendia a criação de uma nova ciência, a Física do Globo. Tal ciência integraria diversos conhecimentos, e pretendia explicar a Natureza e as diferentes forças que atuam nela. (...) A Física do Mundo que tento expor não pretende elevar-se às perigosas abstrações de uma ciência puramente racional da Natureza; é uma Geografia Física unida à descrição dos espaços celestes e dos corpos que se encontram nesses espaços. Alheio às preocupações da Filosofia puramente especulativa, meu ensaio sobre o Cosmos é uma consideração do Universo fundada em um empirismo racional, quer dizer, sobre um conjunto de fatos registrados pela ciência e submetido à ação de um entendimento que compara e combina (HUMBOLDT apud GÓMEZ MENDONÇA, 1982). Seus primeiros trabalhos giravam em torno de questões específicas do domínio das ciências naturais, como a publicação “Observação mineralógica de alguns basaltos do Reno”, de 1790. No entanto, uma viagem às Américas, realizada entre 1799 e 1804, marca significativamente a trajetória intelectual desse geógrafo. Dessa expedição, Humboldt utilizou suas observações para estudar as mútuas relações entre os seres vivos e a natureza inorgânica, bem como a configuração dessas relações no espaço. Desta forma, o autor se debruça sobre quadros mais amplos de análise. Em suas observações, Humboldt se guiava pelo método comparativo de análise. O geógrafo comparou diferentes paisagens a fim de identificar regularidades existentes entre áreas geográficas. A Natureza, considerada por meio da razão, quer dizer, submetida em seu conjunto à ação do pensamento, é a unidade na diversidade dos fenômenos, a harmonia entre as coisas criadas que diferem por sua forma, por sua constituição e pelas forças que as animam; é o Todo animado por um sopro de vida. A realização mais importante de um estudo racional da Natureza é aprender a unidade e a harmonia existentes nesta imensa acumulação de coisas e forças; assumir com o mesmo interesse tanto os resultados das descobertas dos séculos passados como o que se deve às investigações dos tempos atuais e analisar as características dos fenômenos sem sucumbir sob sua massa (HUMBOLDT apud GÓMEZ MENDONÇA, 1982). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 34 mbém se interessava pelas mudanças do mundo natural ao longo do tempo histórico. Guiando-se por perspectiva histórica em sua análise sobre o mundo natural, o autor rompia, desta forma, com o pensamento vigente que entendia a natureza como algo estático. Título: Monumento em homenagem a Alexander von Humboldt, localizado na Universidade Humboldt de Berlim. Fonte:https://www.freeimages.com/pt/photo/alexander-von-humboldt-1422577 Entre 1805 e 1826, Humboldt escreve os volumes de “Quadros da Natureza”, publicado em 1808, e “Viagem às Regiões Equinociais do Novo Continente”, publicado apenas em 1834. Sua obra mais famosa foi o Cosmos, uma publicação de 1845, em quatro volumes, e de caráter enciclopédico. A obra é resultado das viagens e estudos desse grande geógrafo do século XIX. 4.4 Carl Ritter (1779-1859) Carl Ritter foi o geógrafo que ocupou a primeira cátedra de Geografia em uma universidade (no caso, na Universidade de Berlim). Sua obra é marcada pela busca de explicar as relações entre o mundo físico e o humano. Bem mais do que Humboldt, o geógrafo enfatizava a vida social e os processos históricos em seus estudos, visto que Ritter enxergava a Terra como palco das atividades humanas. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 35 Enquanto Humboldt praticava uma “Geografia Geral”,a proposta de Ritter se baseava em perspectiva de análise com foco no regional. A atenção de Ritter estava, sobretudo, no estudo comparado de áreas delimitadas. Inspirando-se na perspectiva romântica, Ritter enxergava tais áreas como dotadas de singularidade, Tais singularidades o geógrafo analisava como “sistemas naturais”. Cada sistema natural possui um conjunto de elementos, sendo o “homem” (no sentido de ser humano) o principal deles. Com base na análise desses sistemas naturais, Ritter buscava apreender certa “unidade na diversidade”. Tais reflexões estão presentes na sua principal obra, a “Geografia Comparada”. Título: Carl Ritter Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Carl_Ritter#/media/Ficheiro:Carl_Ritter_Litho.jpg Ao longo de sua carreira como professor universitário, Ritter também teve discípulos. Entre eles, os geógrafos Elisée Reclus e Oscal Pescel os quais repensaram suas ideias e elaboraram novas a partir dos seus ensinamentos. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 36 AULA 5 GEOGRAFIA CLÁSSICA ALEMÃ Fonte: https://www.pexels.com/pt-br/foto/pecas-de-mapa-sortidas-2859169/ Após a morte de Humboldt e Ritter, em 1859, a geografia alemã passa por uma fase de hiato que se estende até o final do século XIX, quando emerge no cenário científico geógrafos como Friedrich Ratzel e Ferdinand von Richtofen. São teóricos que se preocuparão em alçar a geografia a um status mais consolidado como ciência. Para isso, desenvolvem aprofundamentos metodológicos e epistemológicos no campo das reflexões espaciais. Pode-se dizer que são os geógrafos precursores do que denominados Geografia Clássica ou Geografia Tradicional. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 37 ANOTE ISSO A Geografia Clássica refere-se à corrente de geógrafos atuantes entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX. São cientistas que compartilhavam certas premissas na realização de seus estudos, entre elas: o método de trabalho inspirado nas ciências naturais; a ênfase na relação homem/natureza; a perspectiva empirista; entre outras. No geral, são estudiosos influenciados pelo campo da História Natural, pelo Romantismo Alemão, pelo Positivismo e pelo Evolucionismo Biológico (Darwinismo). Neste capítulo, centraremos nossa atenção na expressão alemã da Geografia Clássica. Estudaremos o contexto de sua formação, seus principais autores e os movimentos intelectuais que influenciaram suas formulações teóricas. 5.1 Geografia Clássica Alemã: contexto sociopolítico Enquanto a geografia de Humboldt e Ritter é atravessada pelo contexto de crescimento do desejo de unificação nacional alemã, os estudos de Ratzel e Richtofen se desenvolvem nos primeiros anos após essa unificação. Questões como domínio territorial e crescimento da população serão preocupações especialmente de Ratzel. O geógrafo é considerado o maior representante da geografia clássica alemã e o fundador da Geografia Humana (por ele denominada de “Antropogeografia”), e de um de seus subcampos: a Geografia Política. *** Conforme discutimos no capítulo anterior, no início do século XIX, a Alemanha era, na realidade, um conjunto de ducados, principados e reinos diferenciados, mas que compartilhavam traços culturais em comum. Em 1815, criou-se a Confederação Germânica, uma primeira tentativa de unificação política. No entanto, o poder ainda permanecia descentralizado entre essas unidades confederadas. Os dois reinos que compunham a Confederação Germânica - o Império Austro- húngaro e a Prússia - disputavam hegemonia na região. Tal disputa culminou na Guerra Austro-Prussiana, em 1866. A vitória da Prússia nesse conflito, bem como em outros, determinou seu domínio sobre a região. Tal fato desencadeou, por sua vez, o processo de unificação política e o surgimento do Império Alemão, em 1871. Com a unificação, o rei Guilherme I e o então primeiro ministro da Prússia, Otto von Bismarck, levaram a política militarizada e expansionista do governo prussiano HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 38 para o recém-formado Império Alemão. A unificação tardia da Alemanha era fator que impulsionava ainda mais as ambições expansionistas desses governantes. 5.2 Contexto Científico 5.2. 1. Paradigma do Evolucionismo Enquanto a consolidação do Estado alemão é o contexto que favorece o interesse por temas como Estado e território da geografia clássica alemã, o paradigma do evolucionismo é o background filosófico que influencia o olhar dos geógrafos sobre esses conceitos. Ratzel se interessava pela análise das condições ambientais que permite o processo de evolução de um Estado. Seus estudos vão de encontro com a perspectiva dos cientistas da época que, inspirados nas formulações de Charles Darwin (1809-1882), buscavam padrões de evolução para entender tanto fenômenos naturais como sociais. No entanto, antes de entender a importância da obra de Darwin para ciência, precisamos compreender o desenvolvimento da perspectiva sobre a existência de uma história natural. Isso porque, na Idade Média, por exemplo, a natureza era vista de forma estática. Acreditava-se que a Terra teria apenas entre 4000 a 6000 anos de existência. Essa perspectiva começa a se alterar no século XVII, com o surgimento de novos conhecimentos sobre a Terra e o questionamento de sua idade. Nos séculos XVII e XVIII, surgem também estudos que podem ser considerados predecessores do evolucionismo biológico de Darwin. Em 1766, o naturalista francês Conde de Buffon publica a obra “Da degeneração das espécies”, um estudo sobre a modificação das espécies como resultado da alteração das condições climáticas e de alimentação em decorrência de processos como migrações ou isolamento. Apesar da sua crença na perfeição original das espécies, de qualquer modo, Buffon partia do princípio da existência de modificações nas espécies de animais ao longo do tempo. Em 1809, o também naturalista francês Jean Baptiste de Lamarck publica a obra “Filosofia Zoológica”. Nela, o autor também se apoia na premissa da existência de transformações nas espécies ao longo do tempo. Como causas para essa dinâmica natural, Lamarck defendia a existência de dois princípios fundamentais: o primeiro, a “lei do uso e desuso” (a ideia de que o uso ou o desuso de estruturas corporais faria com que elas se desenvolvessem ou atrofiassem ao longo das gerações); e o segundo, a afirmação de que tais mudanças eram passadas hereditariamente. Sendo assim, por adaptação às circunstâncias externas, as espécies de animais sofrem modificações. Estas são passadas para as sucessivas gerações. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 39 5.2.1. 1. Charles Darwin e a “Origem das Espécies” Inspirando-se nos trabalhos Buffon, Lamarck e outros naturalistas, Darwin desenvolve a teoria da seleção natural, instaurando uma nova interpretação sobre as causas das modificações das espécies de seres vivos ao longo do tempo e consolidando a perspectiva sobre a existência de dinamismo no meio natural. A teoria da seleção natural se baseia na ideia de adaptação evolutiva em decorrência das condições ambientais a que os seres vivos estão expostos. Segundo Darwin, os indivíduos de uma população variam significativamente entre si, e essa variação é hereditária. No âmbito desse conjunto de indivíduos variados, aqueles menos adaptados ao ambiente externo têm menos chances de sobreviver e de se reproduzir. Por outro lado, aqueles indivíduos mais adaptados têm mais probabilidade de se reproduzir e, portanto, deixar seus traços hereditários para as gerações seguintes. Para o desenvolvimento dessas reflexões, Darwin se apoiou nas observações que realizou em longa viagem pelo mundo a bordo da sua embarcação Beagle. Tais reflexões estão sintetizadas na sua obra mais famosa: “A Origem das Espécies”,publicada em 1859: Título: Edição de 1859 de “A Origem das Espécies” Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Origem_das_Esp%C3%A9cies#/media/Ficheiro:Origin_of_Species_title_page.jpg HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 40 A Origem das Espécies produziu uma verdadeira revolução intelectual no meio científico do século XIX. A teoria de Darwin expandiu seu campo de influência para outras áreas, impactando também os estudos sobre a sociedade humana. Os estudiosos das décadas seguintes se perguntavam, por exemplo, se o evolucionismo biológico de Darwin poderia ser aplicado para entender o desenvolvimento da sociedade. No que se refere aos estudos de Ratzel, as preocupações do autor acerca da influência do meio físico para o desenvolvimento do Estado podem ser entendidas como influência do paradigma científico do evolucionismo. 5.2. 2 Positivismo Não somente as ciências naturais e o paradigma do darwinismo influenciaram a Geografia Clássica Alemã, como também alguns movimentos filosóficos característicos do período em questão. O positivismo de Auguste Comte (1798-1857) tem especial destaque no cenário filosófico do século XIX. O positivismo se fundamenta em algumas premissas principais, entre as quais a ideia de que a sociedade é regida por leis invariáveis e independentes da vontade humana. Desta forma, a sociedade pode ser estudada pelos mesmos métodos das ciências naturais, ou seja, pautado na observação e explicação causal dos fenômenos. Título: Auguste Comte Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Auguste_Comte#/media/Ficheiro:Auguste_Comte.jpg HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 41 5.3 Friedrich Ratzel (1844-1904) Friedrich Ratzel nasceu em 1844, na cidade de Karlbuhe e iniciou sua vida profissional como farmacêutico, tornando-se cientista apenas mais tarde. Ratzel também trabalhou como redator de jornal e, por vezes, vendeu seus textos para financiar viagens de pesquisa. Entre as excursões realizadas pelo geógrafo, destaca-se a viagem para os Estados Unidos, México e Cuba, em 1873, que durou dois anos. O pensamento de Ratzel dá continuidade à visão integrada de Geografia de Humboldt e Ritter, e mantém a ênfase no empirismo. No entanto, o seu diferencial está na atenção às questões de ordem humana, ainda que trabalhadas pelo prisma da análise das relações homem-meio. Não por acaso é creditado a Ratzel o título de fundador da Geografia Humana, que ele denominava Antropogeografia. A geografia proposta por Ratzel privilegiou o elemento humano e abriu várias frentes de estudo, valorizando questões referentes à História e ao espaço, como: a formação dos territórios, a difusão dos homens no Globo (migrações, colonizações, etc), a distribuição dos povos e das raças na superfície terrestre, o isolamento e suas conseqüências, além de estudos monográficos das áreas habitadas. Tudo tendo em vista o objetivo central que seria o estudo das influências, que as condições naturais exercem sobre a evolução das sociedades. (MORAES, 1981, p. 71) Suas publicações totalizam 1240 escritos, sendo o primeiro deles publicado em 1870. Desse conjunto de escritos, encontram-se dezesseis livros, nos quais estão as suas obras mais famosas: Antropogeografia (1882) e Geografia Política (1897). A obra Antropogeografia é dividida em dois volumes. Em seu primeiro volume, Ratzel analisa a influência das condições físicas no curso da história, enquanto no segundo, o geógrafo se debruça sobre a distribuição da humanidade sobre a superfície da Terra. Em Geografia Política, Ratzel se concentra na análise acerca do desenvolvimento do Estado. Nessa última obra, Ratzel desenvolve um dos seus conceitos mais famosos. Trata- se do conceito de “espaço vital” (Lebensraum), formulado para pensar a relação entre Estado e território. Para este geógrafo alemão, o progresso de uma sociedade pressupõe a disposição de recursos para suprir as necessidades de sua população. O “espaço vital” representa o equilíbrio entre a população e os recursos disponíveis, equilíbrio este que, segundo o autor, possibilita o desenvolvimento do Estado. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 42 Título: Friedrich Ratzel Fonte:https://de.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Ratzel#/media/Datei:Bundesarchiv_Bild_183-R35179,_Prof._Friedrich_Ratzel.jpg O primeiro livro de Ratzel (O ser e o tornar-se do mundo orgânico: Uma história popular da criação) teve forte influência do naturalismo de Ernst Haeckel (1834-1919), seu antigo professor. O organicismo sociológico de Herbert Spencer (1820-1903) também é fonte de inspiração para o geógrafo, que traz para a Geografia a concepção do Estado como um organismo complexo1. 5.4 Ferdinand von Richtofen (1833-1905) Embora costumamos dar atenção à obra de Ratzel no estudo da Geografia Clássica Alemã do século XIX, é preciso não perder de vista a importância do seu conterrâneo Ferdinand von Richtofen (1833-1905) para o desenvolvimento dessa disciplina. Richtofen também contribuiu para a reconstrução da geografia alemã pós Humboldt e Ritter. Sua geografia apresenta características de uma “Geografia Física”. 1 Spencer (1820-1903) defendia um princípio de desenvolvimento das sociedades, pautado na existência de processo crescente de divisão do trabalho e, por consequência, complexificação dos grupos sociais. Deste modo, agrupamentos humanos pequenos, com poucas distinções sociais internas, evoluem para civilizações complexas. Ratzel compartilhava da visão de que o Estado era entendido como um organismo mais complexo do que outras formas de agrupamento social. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 43 Título: Ferdinand von Ritchtofen Fonte:https://pt.wikipedia.org/wiki/Ferdinand_von_Richthofen#/media/Ficheiro:Ferdinand_von_Richthofen.jpg Richtofen formou-se em geologia, mas também foi aluno de Ritter. Enxergava a geografia como o estudo dos fenômenos que interagem na “zona de contato” entre atmosfera, hidrosfera e litosfera (formadoras da biosfera). Inspirando-se na noção de paisagem de Humboldt, Ferdinand von Richtofen também desenvolveu estudos no campo da geomorfologia. Trata-se do estudo do relevo, mas, nesse caso, entendido como aspecto da paisagem: (...) embora surgindo como o estudo geográfico do relevo, a geomorfologia irá se modelizar como um estudo do relevo enquanto um aspecto da paisagem, uma parte integrada ao seu todo, o relevo sendo visto dentro e na medida das características locais do todo da superfície terrestre. Este caráter de parte do todo mais integrado e que tem na forma sua categoria por excelência de descrição e explicação é um traço que cedo sai da geomorfologia para daí em diante ir se tornar o fundamento de toda a geografia alemã. A climatologia, a hidrografia, a geografia agrária, cada ramo que surge vem já formulado nesse parâmetro que vai se tornar uma espécie de paradigma da nova geografia alemã. Como é Humboldt a fonte de inspiração, para o qual cabe à vegetação o papel da integração holista, é então a biogeografia, não propriamente a geomorfologia, que ao final acabará por estabelecer a base do conceito alemão da paisagem (MOREIRA, 2007, P.23). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 44 Essa perspectiva holista de Richtofen irá influenciar uma geração de geógrafos, que “vem a tomar o padrão biogeográfico como referência do conceito da paisagem e do método morfológico e a levar a geografia alemã a institucionalizar-se nessa característica (...)” (idem). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 45 AULA 6 A GEOGRAFIA DE RATZEL E SEUS DESDOBRAMENTOS Fonte:https://www.pexels.com/pt-br/foto/belgica-austria-cartografia-close-4278035/ Já entendemos o processo de consolidação da Geografia Alemã, bem como,quem foram alguns de seus representantes. Agora, é necessário compreender melhor as ideias do mais famoso de seus representantes: Friedrich Ratzel. No presente capítulo, estudaremos algumas ideias contidas nas principais obras de Ratzel: Antropogeografia e Antropologia Política. Em seguida, refletiremos sobre alguns conceitos trabalhados por esse autor. Por fim, analisaremos os desdobramentos de sua obra, dando especial atenção ao que se denomina Determinismo Geográfico. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 46 6.1 “Antropogeografia” (1882; 1891) A publicação de Antropogeografia é um marco importante para a história do pensamento geográfico, tendo em vista que esta obra representa a fundação da Geografia Humana. Para Ratzel, a Antropogeografia constitui um ramo da Biogeografia. Enquanto esta última se debruça sobre o estudo da Terra como um todo, a primeira se ocupa, especificamente, com a relação entre os elementos físicos e os elementos histórico-antropológicos no processo de difusão da humanidade sobre a Terra. Tendo seu primeiro volume, publicado em 1882, Antropogeografia – Fundamentos da Aplicação da Geografia à História, é um estudo sobre a influência das condições ambientais sobre a História. Nessa obra, Ratzel rompe com duas posições em voga no período. De um lado, havia aqueles pensadores que negavam a influência das condições ambientais sobre o desenvolvimento da sociedade. De outro, havia aqueles que defendiam que tais influências determinavam absolutamente o destino da humanidade. Ratzel, por outro lado, defendia que as condições ambientais influenciavam a sociedade, porém, essa influência era mediatizada pelas condições sociais e culturais. Em 1891, Ratzel publica o segundo volume da obra, intitulada Antropogeografia – A distribuição geográfica dos homens. Trata-se de um estudo sobre a distribuição da humanidade na superfície da Terra, levando em consideração as condições ambientais. 6.1.1 Difusionismo na obra de Ratzel Comentamos na aula passada a influência do evolucionismo darwinista na obra de Ratzel. O darwinismo influencia mais diretamente os primeiros trabalhos desse autor, embora o acompanhe, em certa medida, durante toda a sua trajetória acadêmica (especialmente, o “darwinismo social” de Hebert Spencer). Porém, Ratzel também desenvolve análise sobre relação homem-meio pautada em outras referências. Trata- se da abordagem difusionista para o estudo das sociedades humanas. O difusionismo tenta dar conta da explicação sobre o processo de desenvolvimento tecnológico na humanidade e das similaridades culturais existentes em diferentes sociedades humanas. Segundo a teoria difusionista, as invenções humanas se originam em um lugar específico. Por difusão, essas invenções propagam-se no espaço. Tal propagação ocorre por meio de processos como migração, comércio, conquista militar etc. HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 47 Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, existiriam lugares que funcionariam como centros de dispersão de cultura. Essa dispersão ocorre não necessariamente de forma linear (como numa linha evolutiva no sentido que os evolucionistas concebem), mas, por outro lado, difusa. Ratzel propõe a existência de grandes áreas culturais pelo mundo. No processo de difusão da cultura e tecnologia pelo espaço, esses aspectos vão sofrendo modificações locais. A teoria difusionista de Ratzel sobre culturas humanas serviu de referência para os trabalhos de antropólogos clássicos, especialmente o seu conterrâneo Franz Boas (1858 - 1942), geógrafo que se tornou, posteriormente antropólogo, fundando, inclusive, a escola americana de antropologia. 6.2. “Geografia Política” (1897) A obra “Geografia Política” é publicada em 1897. Na obra, o autor aprofunda suas reflexões sobre a influência do meio sobre o homem, dando especial atenção à dimensão política no estudo dessa relação. Em “Geografia Política”, Ratzel analisa uma contradição básica da relação homem-meio: a contradição entre o movimento contínuo do curso da história, de um lado, e a limitação física do espaço para o desenvolvimento das sociedades. Para o autor, essa contradição se traduz em uma luta permanente pelo espaço. Nesse sentido, Ratzel defende a importância do estudo do território (ou “solo”, termo mais usado pelo autor e que, muitas vezes, se confunde com território) como fator do desenvolvimento das sociedades. Para Ratzel, portanto, o solo não é somente recurso básico para a vida humana, como também peça fundamental para política. Como o Estado representaria a organização política de maior complexidade, segundo sua visão, o domínio territorial seria processo indispensável para a sua formação. Ademais, para o desenvolvimento pleno do Estado é preciso equilíbrio entre contingente populacional, recursos disponíveis e extensão territorial. A conjugação desse equilíbrio é o que Ratzel denomina espaço vital (lebensraum). HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 48 ISTO ACONTECE NA PRÁTICA Muitas ideias que são elaboradas no ambiente universitário podem ser utilizadas para servir a outros propósitos. Um exemplo prático desse argumento está na apropriação do conceito de “espaço vital” no contexto da Alemanha nazista. Com o fim da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), a Alemanha havia perdido parte de seu território e o país estava bastante fragilizado. Nesse contexto, Adolf Hitler começou a divulgar as ideias do nazismo na década de 1920. Como se sabe, a ideologia nazista é pautada em ideais nacionalistas, conjugados com militarismo, racismo e antissemitismo. Hitler se apropriou do conceito de “espaço vital” ratzeliano para defender a necessidade de expansão do território alemão. Além disso, encarou tal ideia também nos termos do racismo científico. Hitler defendia um “espaço vital” para a “raça ariana”, condição para o desenvolvimento do “Terceiro Reich”. Com a justificativa da necessidade de “espaço vital”, Hitler liderou ações expansionistas pela Áustria, Tchecoslováquia e Polônia. Com a invasão da Polônia, inclusive, iniciou-se a Segunda Guerra Mundial. Como fica claro, é na obra “Geografia Política” que Ratzel dá maior atenção aos conceitos de território e Estado. É creditada a Ratzel, inclusive, a introdução do conceito de território na Geografia. Além disso, as formulações do autor acerca da ideia de Geografia Política servirão como base para o desenvolvimento da noção de Geopolítica por outros autores. 6.3. Conceitos-chave: Solo, Estado e Sociedade Título: Friedrich Ratzel Fonte:https://de.wikipedia.org/wiki/Friedrich_A.Ratzel#/media/Datei:Friedrich_Ratzel.jpg HISTÓRIA DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO PROF.a NATALIA SALES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 49 6.3.1. Solo Na análise sobre os escritos de Ratzel, a noção de solo assume relevância considerável. Em toda a sua obra, o autor defende a existência de ligação profunda entre o homem e o solo. A natureza do solo influencia, por exemplo, a organização da sociedade. Por associação, tal influência se estende à organização do Estado. Para Ratzel, o solo também é a base da política: O papel do elemento humano na política não pode ser exatamente apreciado, se não se conhecem as condições às quais a ação política do homem está subordinada. A organização de uma sociedade depende estreitamente da natureza de seu solo, de sua situação: o conhecimento da natureza física do território (pays), de suas vantagens e de seus inconvenientes, resulta então na história política”. A história nos mostra, de uma maneira muito mais penetrante que o historiador, a que ponto o solo é a base real da política. Uma política verdadeiramente prática tem sempre um ponto de parte da geografia (RATZEL, 1899 apud EUFRÁSIO, 1983, p. 93). 6.3.2. Estado Ratzel também dá atenção ao Estado nas suas formulações. Para o autor, o Estado surge
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