Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Brasil pré-colonial A Carta de Pero Vaz de Caminha (1500) é considerada o primeiro documento escrito da história do Brasil. Em suas quatorze páginas, ela relata a chegada da frota comandada por Pedro Álvares Cabral ao território denominado de Ilha Vera Cruz. A carta foi redigida para comunicar o rei D. Manuel I. É nesta carta que se encontra a primeira referência à arquitetura dos nativos em um curto relato sobre uma visita, de parte da tripulação da nau portuguesa, à aldeia dos nativos: “E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta. E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum.” A região que serviu de primeiro porto aos portugueses, hoje Porto Seguro, era habitada por duas nações indígenas do grupo linguístico tupi: os Tupinambás, que ocupavam a faixa compreendida entre Camamu e a foz do rio São Francisco; e os Tupiniquins em uma área que se estendia de Camamu até a fronteira entre Bahia e Espírito Santo. Seguindo para o interior, encontrava-se a área ocupada pelos Aimorés. A história dos povos pré-crabalinos A história dos antigos povos indígenas do Brasil é baseada em três ramos distintos de informação disponível atualmente, que são: os relatos deixados pelos exploradores e pesquisadores que visitaram o país nos séculos que se seguiram ao descobrimento; as pesquisas realizadas por arqueólogos em sítios antes habitados por esses povos; e os trabalhos realizados, principalmente por etnólogos, nas últimas décadas que nos permitem conhecer a cultura e costumes atuais dos povos indígenas. Os exploradores europeus faziam levantamento das terras afim de informar à coroa portuguesa o que haviam encontrado nas novas terras do rei. Outra parte dos relatos antigos foi feita por naturalistas que, curiosos sobre o “novo mundo”, vieram ao Brasil com intuito de conhecer as suas terras. Segundo Derenji (2002, p. 26-27), foram várias as expedições realizadas nos primeiros séculos após o descobrimento. A expedição de Palmier de Gonneville chegou a Santa Catarina em janeiro de 1504 e em seus relatos constam referências às tribos nativas e às suas habitações: A expedição do normando Jean de Léry visitou o país no período de 1555 a 1557 e o pesquisador faz um relato minucioso sobre a cultura dos povos nativos, mas segundo Derenji (2002, p. 26-27) sem abordar sua arquitetura. O autor cita ainda o explorador alemão Hans Staden que fez duas viagens ao Brasil, respectivamente em 1548 e em 1551e deixou descrições sobre as aldeias dos Tupinambá onde foi feito prisioneiro (STADEN, 1945 p. 35, apud DERENJI, 2002, p. 27): “Formam aldeias de trinta, quarenta, cinquenta ou oitenta cabanas, feitas à maneira de galpões com estacas unidas umas às outras, ligadas por ervas e folhas, com as quais os ditos habitantes são igualmente cobertos; e têm por chaminé um buraco, para fazer sair fumaça. As portas são bastões corretamente ligados; e eles as fecham com chaves de madeira, quase como as que usam, nos campos da Normandia, nos estábulos.” A expedição do normando Jean de Léry visitou o país no período de 1555 a 1557 e o pesquisador faz um relato minucioso sobre a cultura dos povos nativos, mas segundo Derenji (2002, p. 26-27) sem abordar sua arquitetura. O autor cita ainda o explorador alemão Hans Staden que fez duas viagens ao Brasil, respectivamente em 1548 e em 1551e deixou descrições sobre as aldeias dos Tupinambá onde foi feito prisioneiro (STADEN, 1945 p. 35, apud DERENJI, 2002, p. 27): “ Levantam cabanas de mais ou menos 14 pés de largura por 150 de comprimento e duas braças de alto, com tetos redondos, como abóbada. Cobrem-nas depois com folhas de palmeira de modo que não chova dentro. Ninguém tem quarto separado; cada casal ocupa na cabana um espaço de uns 12 pés, e fica um casal ao lado do outro. Enchem-se, assim, as cabanas, cada grupo com seu fogo. O chefe ocupa o centro. As cabanas em geral têm três entradas, uma em cada extremo e uma no centro, são muito baixas, de modo que, para entrar, as criaturas precisam curvar-se. Poucas aldeias têm mais que sete dessas cabanas.” A história do explorador alemão Hans Staden virou filme em 1999. O relato se passa no século XVI, durante a segunda viagem de Staden ao Brasil. Dois anos após sua chegada, ele foi capturado pelos índios Tupinambá, da tribo Ubatuba no litoral de São Paulo, dos quais permaneceu refém por nove meses. Quando foi libertado e voltou para Europa, Staden lançou o livro “Duas Viagens ao Brasil”, publicado originalmente em 1557 na Alemanha. O livro foi um grande sucesso na época de seu lançamento e é considerado um dos mais importantes documentos sobre o Brasil Colônia. A direção do filme “Hans Staden” é de Luís Alberto Pereira. Outros registros importantes sobre os costumes dos povos indígenas realizados nessa fase inicial da colonização do Brasil são citados ainda por Derenji (2002, p. 28), um deles é o trabalho de Ferdinand Dénis publicado pela primeira vez em 1888, onde são descritos os costumes e as habitações dos índios Tupinambá. Outra fonte de informação sobre a história dos povos do Brasil pré-colonial são as pesquisas arqueológicas contemporâneas, que permitem a obtenção de dados sobre os povos que viveram no Brasil no período do descobrimento. Eles estudam os vestígios deixados pelas tribos que já não existem, buscando construir um quadro completo da cultura desses povos. No Brasil, essa tarefa se caracteriza como particularmente difícil, porque os ameríndios que habitavam a américa portuguesa utilizavam como principal matéria-prima tanto de suas construções quanto de seus artefatos do uso cotidiano, a palha, um material frágil e de duração curta em comparação, por exemplo, com as civilizações indígenas da américa espanhola que utilizavam pedra como matéria-prima de suas construções, Incas e Astecas entre outros povos. Somam-se ainda os estudos etnográficos realizados por antropólogos, etnógrafos, arquitetos entre outros tantos pesquisadores, que visitam as tribos remanescentes nos nossos dias e, a partir destes dados, tentam identificar o que ainda é original de seus antepassados; quais costumes e tecnologias foram mantidas através do tempo e ainda podem servir como testemunho de seus costumes na época do descobrimento;o que não foi transformado através do contato com a civilização ou com os povos “civilizados”; e quais costumes foram adquiridos e adaptados à sua realidade. Todas essas obras contêm testemunhos de povos que desapareceram ou mudaram seu modo de ser. Com base nesses estudos e relatos, é possível obter dados sobre o tamanho das comunidades, movimento das populações, relações entre as tribos e as influências externas sofridas. Face à ruptura demográfica e social promovida pela colonização portuguesa, é preciso entender que os padrões de organização social e de manejo dos recursos naturais das populações indígenas que ocupam o território brasileiro atualmente oferecem indícios dos padrões das sociedades pré-coloniais. O processo de colonização causou o extermínio de milhares de indígenas por causa do contato direto e indireto com os europeus e as doenças por eles trazidas e a violência contra os grupos que resistiram à colonização. A população que se acredita ter sido de milhões caiu para cerca de 150 mil em meados do século XX. Apesar da impossibilidade de se quantificar a população indígena da época do Descobrimento com exatidão, o arqueólogo Eduardo Góes Neves indica estimativas de que “a população nativa do continente chegava, à época da conquista, a mais de cinquenta e três milhões de pessoas, sendo que só a bacia Amazônica teria mais de cinco milhões e seiscentos mil habitantes” (1995, p. 173). Tais figuras não são, no entanto, aceitas unanimemente, já que os documentos usados para a elaboração dessas estimativas não fornecem dados exatos. Calcula-se que antes do descobrimento eram faladas mais de 1300 línguas nativas. Atualmente, são contabilizadas 274 línguas pelo IBGE, mas muitas delas correm risco de desaparecer pois possuem poucos falantes e não estão devidamente documentadas. As línguas indígenas se dividem em dois grandes troncos linguísticos, o tupi e o macro-jê. O total de tribos classificadas chega a 216 (IBGE,2010). Os povos indígenas brasileiros são formados por diferentes grupos étnicos, parte do grupo maior dos povos ameríndiosque habitam o Brasil.Estudos arqueológicos recentes estabelecem a chegada dos primeiros habitantes do Brasil à Bahia e ao Piauí entre 20 mil e 40 mil anos atrás. No início do século XVI, quando tem início a colonização do Brasil, a população nativa era composta por tribos seminômades que subsistiam da coleta, caça, pesca e agricultura de subsistência. Periodicamente, a aldeia mudava de lugar, conforme os recursos naturais das regiões ocupadas se esgotavam.Essa transferência permitia que as áreas antes ocupadas e exploradas pelas tribos tivessem tempo de se recuperar e voltar a produzir. Assista aí ASSISTA AÍ <iframe title="vimeo-player" src="https://player.vimeo.com/video/507052330?h=e1c0d6345e" width="640" height="360" frameborder="0" allowfullscreen></iframe> 2. Formas de morar e viver dos indígenas Figura 1 - Indígenas brasileirosFonte: Shutterstock https://player.vimeo.com/video/507052330?h=e1c0d6345e https://player.vimeo.com/video/507052330?h=e1c0d6345e https://player.vimeo.com/video/507052330?h=e1c0d6345e #PraCegoVer: Na imagem, há 3 índios fazendo um ritual. Os povos ameríndios espalhados pelo continente americano possuem características bastante diversas, algumas delas baseadas no ambiente em que existiam. Em outros países da América do Sul, os ameríndios desenvolveram uma arquitetura bastante diversa dos povos situados no Brasil e países limítrofes. As construções andinas, de pedra, e outras construções de material duradouro, como a argila, descobertas pelos arqueólogos, são testemunhos de civilizações altamente desenvolvidas, urbanas e letradas que viviam em uma sociedade complexa e com alta capacidade tecnológica. Alguns grupos chegaram a desenvolver grande poderio militar e riqueza material, realizando grandes obras de engenharia para adequação do ambiente natural ao seu redor. Os povos radicados no Brasil, separados dessas culturas intensamente aprimoradas, permaneceram silvícolas e seminômades, e, em acordo com seu modo de vida, desenvolveram uma arquitetura leve e relativamente “efêmera”, construída a partir dos materiais disponíveis e de rápida construção, já que a aldeia mudava de lugar de acordo com a época do ano. O domínio das técnicas de fabricação, tanto de artefatos quanto de arquitetura foi essencial para a adaptação das tribos brasileiras ao meio ambiente (COSTA e MALHANO, 1986). O granito encontrado em grande quantidade no Norte de Portugal era matéria-prima muito utilizada na construção castreja e mesmo antes dela e também depois pelos romanos e permanece até os dias de hoje. Existe, em função do uso de matérias-primas distintas na arquitetura, a definição de civilização do granito para a região norte e civilização do barro para região sul (RIBEIRO, 2013, p.17-45). 2.1 Aldeias É preciso definir os termos estabelecimento, aldeia e casa, para avançar ao estudo dos tipos de construções indígenas. O estabelecimento compreende toda a área usada pela tribo, incluindo locais de caça, água, onde pescam ou se banham, e também os caminhos que levam a eles. Aldeia engloba o conjunto de casas, a área comum, chamada de praça e os caminhos que percorrem esses dois espaços. Já a casa, é a construção que abriga as famílias e seu tamanho e a quantidade de habitantes varia de acordo com a tribo. De uma forma geral, as tribos se apresentam como sociedades comunais, descentralizadas, mas com certo grau de hierarquia com papéis sociais nítidos e divisão de trabalho entre homens e mulheres. As tribos são compostas por várias aldeias ligadas por parentesco ou interesses comuns. A forma das aldeias varia em função das tradições relativas a cada tribo podemos classificá-las conforme a planta de situação em três tipos: aldeias circulares, lineares e retangulares. O formato da planta de situação das aldeias circulares pode variar entre o círculo fechado, dois semicírculos ou arco de círculo. A planta circular de situação é amplamente difundida, sendo encontrada na Amazônia, na região da bacia do rio Xingu e na região central do país, no planalto motogrossense. Na época do descobrimento era o modelo utilizado pelos Tupinambá (Tupí) da faixa litorânea. Muitas das aldeias de conformação circular apresentavam uma paliçada exterior circundando a aldeia e outra “paliçada interna, em forma de linha poligonal quebrada”. (COSTA e MALHANO, 1986, p. 29) Os Yawalapiti vivem no Alto Xingu, sua população atual é 260 pessoas e pertencem ao tronco linguístico aruak. O primeiro contato historicamente registrado dos Yawalapiti com não indígenas ocorreu em 1887, quando foram visitados pela expedição do etnólogo alemão Karl von den Steinen. (ISA, 2019a). Seguindo o padrão alto-xinguano, a aldeia yawalapiti é circular. As casas são dispostas ao redor da praça, espaço destinado a atividades comunitárias como celebrações, rituais, assembleias, entre outras. No centro da praça fica localizada a casa-dos-homens ou casa das flautas e é nesta casa que os homens se reúnem para realizar atividades exclusivamentemasculinas. A entrada das mulheres é proibida, salvo em algumas ocasiões. A casa das flautas tem construção semelhante às residências, as flautas sagradas apapálu ficam penduradas na viga mestra e são utilizadas nos rituais da tribo. As casas abrigam várias famílias, aparentadas entre si e seu tamanho varia de acordo com o número de moradores. Cada casa forma uma unidade autônoma em relação às outras e contam com uma cozinha e um depósito de alimentos comuns a todos habitantes. No espaço interno da casa as famílias armam redes contiguamente. À noite, a casa é fechada com portas feitas de madeira e palha e cada família acende uma pequena fogueira próxima a suas redes para regular a temperatura interna. As aldeias lineares são alinhadas paralelamente às margens do rio, em uma ou duas fileiras de casas. A circulação principal é feitaem frente as casas por um caminho que ladea o rio e um caminho secundário contorna a parte de trás. A casa-dos-homens fica a uma certa distância das casas e possui um caminho de acesso separado dos outros. As aldeias Karajá estão localizadas nos Estados do Tocantins, Mato Grosso,Goiás e Pará. Os Karajá, atualmente, têm uma população de 3768 pessoas e suas aldeias, antigas e recentes, são constituídas de alinhamentos de casas paralelas ao rio Araguaia, podendo ocorrer um, dois ou mais arruamentos formados pelas fileiras de casas; ou ainda, uma única fileira. Antigamente, a aldeia dos Karajá não era fixa variando sua localização de acordo com a época do ano. Na estação das chuvas as casas, eram construídas afastadas das margens do rio e possuíam estrutura de madeira e a cobertura de palha cobria toda a casa, até o chão. Na estação seca eram construídas casas mais simples, construções estacionais, por estarem próximas das margens do rio, facilitavam o abastecimento de água e a pesca. Atualmente, esse ciclo de construção estacionais foi abandonado e as aldeias se fixaram em locais permanentes. Entre os textos etnográficos mais antigos, há a rica descrição de Paul Ehrenreich, que visitou os Karajá em 1888, depois de ter participado da segundo viagem de Karl von den Steinen ao Alto Xingu. Lançado em Berlim em 1891, seu trabalho foi traduzido para o Português por Egon Schaden e publicado com introdução e notas de Herbert Baldus em 1948, com o título “Contribuições para a Etnologia do Brasil”, que se inicia com a seção “As tribos Karajá do Araguaia (Goiás)”. Depois temos a descrição bastante confiável de Fritz Krause, que viajou pelo Araguaia em 1908 e publicou “Nos sertões do Brasil”. Instituto Socioambiental (ISA, 2019b): A tribo dos Xavante tem uma população de cerca de 13.000 pessoas abrigadas em diversas Terras Indígenas que constituem parte do seu antigo território de ocupação tradicional há pelo menos 180 anos, no estado do Mato Grosso. Instituto Socioambiental (ISA, 2019c): O povo Xavante se dividia entre uma aldeia base e acampamentos temporários, construídos ao longo do ano, durante as migrações. As tribos se deslocavam por grandes distâncias pois viviam em meio a um conjunto de bacias hidrográficas responsáveis pela rica biodiversidade regional. Suas viagens eram longas chegando a durar vários meses. Os grupos de viajantes se encontravam em grandes aldeias semi-permanentes para realizar rituais e atividades coletivas. Mesmo esses acampamentos temporários mantinham a composição original da aldeia base na forma de uma ferradura. Os grupos se mantinham em comunicação através de sinais de fumaça, para que pudessem se reunir durante e também ao final da expedição. Atualmente, o modo se vida seminômade foi abandonado pelos Xavante, pois grandes pedaços das terras habitadas pelos grupos foram ocupados pela agropecuária extensiva, em especial a produção de soja. 2.2 Tipos de casas Apesar das semelhanças nos métodos construtivos e matérias-primas empregadas pelas tribos brasileiras, é possível identificar as construções pertencentes aos diferentes grupos, pois tanto no nível ecológico, como no social e no religioso, assim como nos meios de adaptação às características do terreno de implantação, as construções apresentam uma grande diversidade. A escolha do sítio, o tempo de permanência no local, a quantidade de famílias que habitarão a casa e suas funções são fatores determinantes da forma finale variam de acordo com a tradição cultural de um dos povos. Sem dúvida, o material usado para a construção de casas e abrigos varia pouco: a matéria-prima é a madeira para esteios e travessões, as folhas de palmeira para a cobertura e as tiras de embira para a amarração. Mesmo assim, podemos imediatamente reconhecer uma casa Xavante e distingui-la de uma casa Yawalapiti. Para uma compreensão adequada da função deste espaço arquitetônico, a casa deve ser considerada parte de contexto etnográfico mais amplo, em conjunto com os outros espaços ocupados pela tribo. As casas são pensadas em conjunto com os caminhos, praça e outras casas, não de maneira isolada.Para os grupos indígenas é, em geral, a aldeia o ponto para elaboração da identidade, um espaço mais amplo que vai além das casas, englobando toda comunidade e o espaço territorial ocupado pelo grupo. SÁ (1983, p. 119-125). As grandes casas Tukano abrigam uma comunidade inteira que, em seu interior, desenvolvem tanto atividades cotidianas, como grandes rituais. Neste caso, a importância atribuída à casa manifesta-se no requinte arquitetônico e decorativo. Para outros povos, a casa pode ser vista simplesmente como uma unidade, com funções específicas, dentro de um contexto espacial habitado mais amplo, como a aldeia, ou mesmo o território tribal, quando se trata de grupos seminômades. Embora as sociedades indígenas sejam muito diferentes umas das outras, é possível afirmar que, entre elas, não existe um alto grau de especialização do espaço. Isso não significa que o espaço nas sociedades indígenas seja homogêneo e indiferenciado, mas indica uma grande integração entre as atividades realizadas pelo grupo. O espaço de trabalho, convívio familiar, lazer e outros são sobrepostos coexistindo de forma harmoniosa. Algumas técnicas de construção que otimizam os espaços habitados são comuns à muitas tribos.Normalmente as casas têm um pé direito alto que facilita a ventilação do interior e funciona como uma espécie de chaminé, levando a fumaça das fogueiras para o alto, liberando a parte baixa habitada. As portas de entrada são baixas dificultando, propositalmente, o acesso por questões de segurança. A ausência de janelas e pouca altura das entradas mantêm o ambiente escuro afastando os insetos. Quando necessário, faz-se uma abertura temporária para a iluminação diurna. Nas casas de moradia, as entradas anterior e posterior correspondem a espaços com funções específicas, decorrentes da divisão sexual de áreas e do conceito de espaço público e privado. Assim, as áreas de domínio masculino – abertas aos visitantes – são aquelas situadas à entrada principalda casa. As áreas de domínio feminino se localizam em setores mais resguardados (COSTA e MALHANO, 1986, p. 68,73-74). Para facilitar o estudo, as casas indígenas serão divididas em grupos, considerando suas diferentes tipologias, classificadas em cinco tipos básicos: casas com planta baixa circular, planta elíptica, retangular e poligonal. As casas de planta circular são comuns em vários grupos indígenas, apresentando uma grande variação na distribuição interna dos espaços, dos elementos estruturais e no formato de suas coberturas. As versões mais simples são compostas por apenas um elemento estrutural central de onde partem uma série de caibros flexíveis (taquaras cortadas ao meio), enterrados no solo formando uma cúpula, nos quais são atadas com cipó taquaras no sentido horizontal, sobre as quais serão presas as folhas de palmeira formando a cobertura. Um exemplo deste tipo de construção é a casa Xavante que possui um diâmetro de aproximadamente 7 metros altura de 4,5 metros com apenas uma abertura voltada para o centro da aldeia. Nesses espaços, podem viver duas ou três famílias (DERENJI, 2002, p. 41). Outro exemplo de casa de planta circular é a casa Tukussipan da tribo Wayana. A Tukussipan ocupa o centro da aldeia e exerce duas funções, a de casa-dos-homens e acolher grupos visitantes durante festividades. A Tukussipan possui planta circular com diâmetro de aproximadamente 10 metros e altura total de 2 metros. Possui o teto em formato de cúpula e em seu centro o esteio central atravessa a cobertura e projetando-se por mais um metro e meio. É composta por oito esteios na periferia além do centrale não possui paredes VELTHEM (1983, p. 171-177). As casas xinguanas dos Yawalapiti são belos exemplos de construções de planta elíptica. As proporções e a forma da casa tradicional xinguana variam ligeiramente de uma aldeia para outra e sua construção dura em torno de seis meses. Essas casas têm uma dimensão de cerca de 28 m de comprimento por 13 m de largura e altura de 8 m. Sua estrutura é formada por cinco pilares de madeira (ou esteios) com 50 cm de diâmetro e 10 metros de comprimento. Os pilares recebem as peças da cumeeira e quatro estruturas em X, que fazem o apoio intermediário da cobertura, formando a estrutura da casa. A cobertura de palha se estende até chão cobrindo toda a construção, mas internamente a casa conta com uma parede formada por uma paliçada de troncos de 1,5 m de altura. Possuem duas portas opostas centralizadas em relação a lateral maior (SÁ (1983, p. 119-125). As casas das aldeias Timbira tem, em geral, plantas de formato retangular, tendo como frente um dos lados maiores da construção que dependendo do grupo pode ter a cobertura formada por duas ou quatro águas, feita de folhas de babaçu ou inajá. Do mesmo material são feitas as paredes. Toda a ligação é feita por amarração com cipó. Todas as folhas de palmeira são aplicadas em posição horizontal, com os folíolos pendentes para um lado só. Algumas vezes, as folhas são aplicadas em sentido vertical, de ponta para baixo e com os folíolos em posição natural. Segundo Ladeira (1983, p.22-27), essa forma de construir parece ser a forma original dos Timbira construírem suas casas (LADEIRA, 1983, p. 22-27). Os Timbira atuais estão localizados nos campos do cerrado do Maranhão e de Goiás. Suas aldeias são construídas em lugares planos, em solo não pedregoso e perto de córregos d’água. Nas proximidades deve haver mata ciliar para os roçados; quando, em consequência das derrubadas anuais, esta mata se acaba, a aldeia é reconstruída em outro lugar. Instituto Socioambiental (ISA, 2019dOs Timbira eram grupos seminômades, que viviam da coleta e da caça se deslocando durante os períodos do ano por uma vasta região. Por esse motivo, construíam acampamentos temporários, formados por abrigos simples, e tinham uma cultura de produzir artefatos de palha (ainda hoje são produzidos), como cestos para transportar ferramentas e utensílios e armazenar alimentos. As aldeias Timbira são circulares. Todas as casas estão localizadas a mesma distância do centro da aldeia de onde partem caminhos ligando o centro a cada uma das casas. Um outro caminho circular passa pela frente de todas as casas ligando umas às outras e formando dessa maneira uma divisão entre o espaço de produção da aldeia (produção doméstica das famílias e suas moradias), domínio das mulheres, e o pátio da aldeia, espaço dos homens. As casas são fechadas por paredes de todos os lados, mas, em alguns casos a casa pode ter a parte da frente total ou parcialmente aberta em substituição a porta frontal. A porta frontal está sempre voltada para o centro da aldeia e a ela corresponde uma porta dos fundos na parte de trás da casa (LADEIRA, 1983, p. 22-27). Como exemplo de casas indígenas de planta poligonal temos a casa-aldeia dos Marúbo. Casa-aldeia ou maloca é uma casa unitária que abriga toda a tribo e onde são realizados tanto os rituais quanto as atividades do dia-a-dia. São comuns entre outras tribos da região amazônica situadas na bacia do Rio Negro, fronteira com a Colômbia que habitam a região a mais de dois mil anos. Pertencem às famílias linguísticas: Aruak, Maku e Tukano. Em algumas tribos a maloca possui divisões internas que separam as famílias, mas durante festividades ou cerimônias, essas divisórias internas são rearranjadas para dar espaço às danças dos homens adultos. Os Marúbo vivem na terra indígena Vale do Javarí, junto com os Korubo, Mayá, Matis, Matsés, Kanamari, Kulina Pano, entre outros povos isolados. É uma região cheia de pequenas colinas ligadas entre si por cristas e coberta pela floresta amazônica. As casas-aldeia dos Marúbo tem planta decagonal e são construídas no alto das colinas e rodeadas por roças. Cada casa abriga um grupo local. Em volta do cimo da colina, onde está implantada a maloca, também existem casas sobre pilotis que constituem depósitos ou oficinas. O tamanho da maloca é proporcional à quantidade de habitantes. A casa Marúbo, assim como as casas alto-xinguanas, são construções antropomórficas, tendo cada uma de suas partes identificada com as partes do corpo do Xamã. A maloca é construída segundo um modelo padrão, cuja planta baixa tem forma poligonal, irregular, de dez lados. Apresenta simetria em relação a um eixo longitudinal, em cujas extremidades são colocadas as portas da referida maloca. Os lados intermediários do decágono, situados nas extremidades de um eixo transversal, são maiores que os demais. Suas medidas variam entre 9 e 31 metros de comprimento, 7 e 17 metros de largura e 8 metros de altura. A maloca apresenta um total de vinte e quatro esteios, sendo oito centrais mais elevados e dezesseis periféricos dispostos em duas fileiras paralelas aos esteios principais. Terças de madeira são amarradas sobre o topo dos esteios e sobre elas apoiam os caibros que sustentam a cumeeira e a cobertura é finalizada com folhas de jarina amarradasna horizontal, diretamente sobre os caibros. A estrutura das paredes é formada por uma paliçada de troncos finos fincados no chão que têm cerca de um metro de altura chegando até a altura da extremidade dos caibros e fechando toda a altura lateral da construção (COSTA e MALHANO, 1986, p. 68,73-74). Assista aí - <iframe title="vimeo-player" src="https://player.vimeo.com/video/507057697?h=d24de8dd2c" width="640" height="360" frameborder="0" allowfullscreen></iframe> 3. Métodos e materiais utilizados pelos indígenas Existem pequenas variações em relação aos materiais utilizados na construção das casas indígenas, que ocorrem em função do local dos assentamentos e das espécies vegetais disponíveis. A estrutura principal das casas varia de acordo com a forma da planta e cobertura. As peças de madeira que formam a estrutura das casas são escolhidas por sua resistência e durabilidade e as dimensões variam de acordo com o uso: esteio, viga, caibro ou ripa, que em alguns casos são substituídas por taquaras partidas ao meio. As taquaras, ouhastes de bambu, são flexíveis e, por isso, muito utilizadas em estruturas curvas como, por exemplo, coberturas em abóbada ou ogiva. Nas casas circulares com cobertura cônica, uma ou duas séries de esteios suportam as vigas e o conjunto de terças e caibros que se curvam para definir a forma cônica ou a cúpula da cobertura, como nas casas Tiriyó e Wayana Tukussipan. Caso se pretenda reforçar a resistência de tal elemento curvo, usa-se a técnica do enlaçamento das varas encurvadas com cipó. Isto era observado nas antigas casas Xavante e Karajá, nas Tapirapé e Tiriyó, e ainda no alto Xingu. Enfim, todas as construções cupulares e de cobertura com seção reta em ogiva ou abóbada (caso do alto Xingu) apresentam tal tipo de amarração. Na cobertura, são utilizadas folhas de palmeiras como ubim, bacaba, açaí ou inajá, dependendo da disponibilidade do local. Uma exceção à regra do uso de folhas de palmeira é a casa xinguana, em cuja cobertura é utilizado o sapé, preso à estrutura através do enlaçamento de molhos dessa gramínea. Para a fixação das folhas de palmeira nas estruturas tanto de cobertura quanto de fechamento é utilizada também a técnica de amarração cipós, sendo os talos das folhas presos ao ripamento. Quando as paredes são independentes da cobertura, o fechamento pode ser feito com a mesma palha, mas sendo trançada diretamente na estrutura. Outras formas de fechamento podem ser utilizadas, como a paliçada composta por estacas de madeira cravadas verticalmente no solo, erguendo-se até o encontro com a cobertura. Em algumas construções são utilizadas cascas de árvoreno fechamento. No alto Xingu a taipa também é muito utilizada, não só no fechamento como também na cobertura. https://player.vimeo.com/video/507057697?h=d24de8dd2c https://player.vimeo.com/video/507057697?h=d24de8dd2c https://player.vimeo.com/video/507057697?h=d24de8dd2c Segundo Costa e Malhano (1986, p. 74): “A amarração – chamamos amarração ao conjunto de procedimento técnicos visando a fixar os elementos construtivos incluídos na estrutura ou revestimento. Todos os grupos indígenas brasileiros empregam o cipó na técnica de amarração por enlace. Usavam-no os Karajá para a construção da casa antiga. O encaixe lateral, assim como a técnica mista (encaixe lateral conjugado ao enlaçamento), são correntes entre os Tiriyó. O encaixe em topo é utilizado no alto Xingu, e também entre os Tukâno.” Entre as maneiras de fixar os elementos estruturais, cabe citar o enlaçamento das peças de madeira com cipó. Além da amarração, para fixar as peças de madeira maiores e mais pesadas, também é utilizada a técnica de encaixe lateral, as peças tem as pontas escavadas criando pontos de encaixe que evitam o deslocamento produzido pelo excesso de peso. Como não poderia deixar de ser, a casa e a aldeia indígena procuram atender às necessidades básicas de vida comunitária e à observância de características locais: topografia, clima e materiais de construção disponíveis. As construções indígenas se fundem com o local onde estão implantadas, pois sua matéria-prima vem diretamente da natureza que a circunda, ao mesmo tempo que a organização do espaço, seguindo as necessidades e tradições culturais das tribos, contrasta com o ambiente natural. 4. Cultura arquitetônica e urbanística portuguesa na época do Descobrimento Em virtude de sua localização, o território português foi, ao longo dos séculos, alvo de interesse de vários povos que ocuparam o território. Na Antiguidade, o mar Mediterrâneo interligava diferentes civilizações que, através da navegação constituíram uma rede comercial de extrema importância para a economia desses diferentes povos. Por volta do século III a. C., sofreu as colonizações do Mediterrâneo oriental, com as feitorias fenícias, gregas e cartaginesas que se implantaram no território, estimulando o desenvolvimento da região e deixando suas influências marcadas na cultura local. Com o fim das Guerras Púnicas, a região passou a ser ocupada pelos romanos no século II a.C. No século V, é a vez da região ser ocupada pelos povos chamados “bárbaros” pelos romanos, os suevos, vândalos, alanos, francos e visigodos. A partir do século VIII, tem início a invasão árabe, que dura até o século XIII. Apesar dos territórios sob o domínio desses vários povos por vezes estarem sobrepostos, o Norte de Portugal ficou marcado do ponto de vista cultural e civilizacional, pela influência da Europa central, enquanto o Sul adquiriu um caráter mediterrânico. Essa diferenciação é acentuada pelas características climáticas das duas regiões e também pela matéria-prima disponível para a construção em cada uma delas. Ao Norte, desenvolveu-se a civilização do granito; enquanto no Sul, a matéria-prima dominante era o barro. Essa diversidade cultural tomou forma através da arquitetura e da configuração dos espaços urbanos portugueses, definindo características específicas que diferenciam Portugal no contexto da tradição urbana europeia. Figura 2 - Cidade brasileira com características coloniaisFonte: Shutterstock 108994037 #PraCegoVer: Na imagem, há uma cidade com arquitetura de características coloniais coloridas. 41. Influências que marcaram a identidade urbana portuguesa Os castros, ou citânias, eram núcleos de povoamento que, no período pré-romano, ocupavam os pontos dominantes do território que, mais tarde, vem a se tornar Portugal. As principais características de assentamento praticadas por essa civilização pré-romana, permaneceu em muitas cidades portuguesas, bem como nas cidades coloniais construídas por Portugal no contexto da expansão ultramarina. Seguindo essa tradição, as cidades têm seu núcleo primitivo erigido no topo de uma colina proeminente, a partir da qual se desenvolvem. São várias as características do mundo mediterrâneo que subsistiram na tradição urbana portuguesa: a localização privilegiada dos núcleos urbanos na costa marítima; a escolha de lugares elevados para a implantaçãodo núcleo defensivo; a adaptação do traçado à topografia; a estruturação do núcleo urbano em cidade alta, que engloba os núcleos institucional, político e religioso, e em cidade baixa dedicada as atividades portuária e comercial. A conformação urbana que segue as linhas naturais do território também é uma característica da cultura castreja do norte da península, uma das mais antigas expressões da civilização do granito e que subsistiu até à ocupação romana (TEIXEIRA, 2012, p.23). O granito encontrado em grande quantidade no Norte de Portugal era matéria-prima muito utilizada na construção castreja e mesmo antes dela e também depois pelos romanos e permanece até os dias de hoje. Existe, em função do uso de matérias-primas distintas na arquitetura, a definição de civilização do granito para a região norte e civilização do barro para região sul (RIBEIRO, 2013, p. 17-45). Com a ocupação romana, do século II a.C. ao século V d.C., várias cidades são fundadas e os romanos são responsáveis pela realização de grandes obras de infraestrutura que aceleram o desenvolvimento da região, como pontes, estradas e aquedutos. A ordenação do território seguindo os preceitos romanos contribuía para a romanização das populações conquistadas. A regularidade do traçado criava um cenário comum a todos que viviam sob o domínio romano. O Castrum, uma bem-sucedida estratégia de simbolização utilizada para dividir a cidade em quatro seções usando o cruzamento de eixos viários monumentais como lugar simbólico, reunia tanto os poderes administrativos quanto o povo. Os princípios urbanísticos baseados na regularidade, na racionalidade e na geometria foram impostos também às cidades já existentes e visavam a circulação de pessoas e de mercadorias, fatores indispensáveis para uma economia mercantil em larga escala como a romana. As cidades de Braga, Beja e Évora, entre outras, mantêm ainda hoje as marcas da presença romana. Essa herança cultural, partilhada por tantos outros países europeus se traduz em formas urbanas baseadas na geometria e na regularidade. O urbanismo português está incluído nessa cultura urbana europeia, mas apresenta especificidades que são resultado tanto de seu posicionamento geográfico quanto das outras tantas influências culturais incorporadas ao longo de sua história. O império romano foi desestruturado pela sequência de invasões bárbaras que têm início no século IV. A população deixou as cidades em direção ao meio rural, que sofria menos ataques dos invasores. As grandes propriedades rurais passaram, então a representar o papel antes desempenhado pelas cidades. Nos feudos, o castelo inicialmente construído de madeira e depois de pedra, tornou-se o centro político. Com o passar dos séculos, os feudos já não dispunham de terras suficientes para a população em constante crescimento, assim as cidades voltam a ser ocupadas e surgem novos núcleos mercantes, estabelecendo uma vasta rede de comércio entre os burgos, fortalecendo a burguesia, um segmento da sociedade até então pouco relevante na pirâmide social. Após a conquista muçulmana do século VIII, e durante sua permanência em território português, até o século XIII, sua cultura urbana ficou inscrita em muitas cidades. Vários fatores determinavam a forma da cidade islâmica: as condições materiais e ambientais do espaço em que se implantavam e os fatores culturais e religiosos. Em relação aos primeiros, a presença muçulmana contribuiu para o reforçar as características mediterrâneas já presentes nas cidades do Centro e do Sul, ocupadas e adaptadas às suas necessidades. Muitas características que habitualmente se atribuem à cidade muçulmana ibérica são antes características da cidade mediterrânea, segundo TEIXEIRA (2012). Essas características são visíveis nos critérios de localização, na escolha dos sítios para a implantação dos núcleos urbanos, na capacidade de adaptação ao terreno e na organização funcional da cidade. As cidades islâmicas eram situadas de forma a dominar grandes percursos de água, tais como Al-Usbuna (Lisboa), Santarim (Santarém), Kulümriyya (Coimbra), Märtula (Mértola) ou Silb (Silves). Cidades estas que reciclaram espaços, estruturas e materiais do período romano. Na arquitetura desse período foram adotadas várias soluções e técnicas construtivas originalmente árabes para a resolução de problemas de ordem estrutural dos edifícios. Os arcos ferradura, as arcadas de colunas com capitéis, por vezes, ricamente trabalhados com motivos árabes, foram soluções estruturais largamente utilizadas nesse período. 4.2 Formação do Estado Português (século XIII) No ano de 1139, Afonso Henriques de Borgonha tornou seu território (o condado Portucalense localizado no extremo norte ocidental da Península Ibérica) independente. Durante a dinastia de Borgonha, Portugal deu continuidade as guerras de Reconquista, ampliando seu território em direção ao sul. Reconquista é o processo histórico em que os reinos cristãos da Península Ibérica procuraram dominar a região durante o período do Alandalus. Este processo decorreu entre 718 ou 722 (data provável da Batalha de Covadonga, liderada por Pelágio das Astúrias) e 1492, com a conquista do Reino de Granada pelos reinos cristãos. O controlo progressivo da península ganhou destaque por ter possibilitado a fundação de novos reinos cristãos como o Reino de Portugal e o Reino de Castela, precursores de Portugal e de Espanha. Com a morte do último rei da dinastia Borgonha e a ascensão de D. João I, iniciou-se da dinastia de Avis que marcou a vitória dos interesses burgueses, fortalecidos pelo surgimento de uma nova rota comercial que ligava as cidades italianas à região da Flandres, fazendo escala em Lisboa. Tendo sido o novo monarca apoiado pela burguesia, ele agiu de acordo com seus interesses e, assim, são criadas as condições necessárias para a expansão marítima em busca de novas terras. Ao final do período da Reconquista, uma das primeiras preocupações do poder cristão em Portugal foi eliminar de imediato qualquer influência visível da presença muçulmana no território português, resgatando a fé cristã. As medidas tomadas pelo Estado incluíam a descaracterização dos edifícios públicos que continham traços da arquitetura árabe, eliminando vestígios da técnica ou elementos característicos. Mesquitas foram demolidas ou transformadas para atender a ofícios religiosos cristãos. Mas as técnicas construtivas e certos elementos arquitetônicos não puderam ser completamente eliminados do conhecimento popular. Alguns elementos que sobreviveram aos ataques cristãos são os azulejos, os ferros forjados e os objetos de luxo como tapetes, trabalhos em couro e metal. Na arquitetura, principalmente as muralhas e castelos, mantiveram seu estilo bem como o traçado de ruelas e becos de algumas cidades do sul do país. São testemunhos da ascendência árabe os terraços das casas algarvias (região Sul de Portugal) e outros exemplos emblemáticos da influência arquitetônica árabe em Portugal seriam: o Castelo de Silvesno Algarve, o Castelo dos Mouros em Sintra, o Castelo e a Igreja Matriz de Mértola, que são de um reaproveitamento cristão da antiga mesquita muçulmana. No período da Reconquista estão presentes em Portugal os seguintes estilos arquitetônicos: ● Românico (1100 – 1230) Nos tempos que seguiram à queda do Império Romano não houve o surgimento de nenhum estilo original até o século XII, com o surgimento do românico fortemente inspirado pelo Cristianismo e que foi usado principalmente na construção de igrejas. Sob o comando do Conde D. Henrique, fundador da Casa de Borgonha em Portugal, um conjunto de nobres e monges franceses implantaram, de forma gradual, o românico no país. Durante a Reconquista foram construídas muitas igrejas como forma de recuperar a fé cristã em Portugal, e essas igrejas foram construídas no estilo românico. A característica inerente à arquitetura românica é o arco de volta perfeita presente nas portas, janelas, arcadas, abóbadas e ainda em muitos detalhes decorativos. As primeiras igrejas tinham telhados de madeira que foram gradualmente sendo substituídos por abóbadas construídas em pedra. Esse peso extra exigia que a estrutura fosse reforçada com contrafortes lisos encostados às paredes. As torres altas poderiam ter planta circular, quadrada ou octogonal e os edifícios possuíam janelas pequenas por motivos estruturais. A planta da igreja românica é sempre em cruz. Em Portugal, o Românico sofre influência francesa dando origem a igrejas orientadas para Oeste, normalmente com duas torres-campanário e três naves em abóbada de berço e a igrejas orientadas para o leste, com três naves cobertas por abóbadas de berço e uma torre-campanário sobre o transepto. Contudo, as igrejas românicas portuguesas fugiram um pouco ao estilo original assemelhando-se mais a grandes fortalezas devido às paredes grossas e poucas aberturas. ● Gótico (c.1230 - c.1450) O estilo gótico nasceu na França e parte, a princípio, de inovações técnicas que permitem a construção de edifícios mais arrojados do que os do período anterior. O método construtivo que utilizava dois arcos transversais para construir as abobadas das igrejas permitia a edificação de estruturas mais altas e leves, e permitia a abertura de grandes janelas já que não havia mais a necessidade das grossas paredes de pedra que antes suportavam a estrutura. Os construtores descobriram que os pilares eram suficientes para sustentar os arcos da abóboda, abrindo espaço para os grandes panos de vidro que vieram a substituir as paredes de pedra, que antes faziam o fechamento dos edifícios. O estilo gótico era focado sobretudo nas construções religiosas e em Portugal prolongou-se até o século XV através do estilo Manuelino. O Gótico chegou mais tarde a Portugal do que no resto da Europa, concentrando-se fundamentalmente no centro do país, onde muitas igrejas e sés construídas no estilo românico sofreram adaptações e foram alargadas com um transepto gótico ou com elementos desse estilo. O Mosteiro de Alcobaça (construção iniciada em 1178) foi o primeiro edifício gótico a ser construído em Portugal, em conjunto com o Mosteiro de Santa Cruz em Coimbra, um dos mais importantes mosteiros medievais portugueses. O estilo gótico pode ser dividido em três períodos: o gótico primitivo, o gótico clássico e o gótico tardio ou flamejante. Cada um destes períodos com suas próprias particularidades. 4.3 Período dos Descobrimentos (1415-1543) Com motivações de ordem econômica, em 1419, o Infante Dom Henrique reuniu na vila de Lagos vários especialistas com o objetivo de investigar os mistérios da navegação transoceânica, o que permitiu a Portugal o pioneirismo nas grandes navegações. Os lucros do comércio de especiarias nas primeiras décadas do século XIV permitiram o surgimento de um estilo arquitetônico luxuoso, uma categoria do estilo Gótico tardio e que veio a ficar conhecido como estilo Manuelino por ter sido empregado nos edifícios construídos durante o reinado de Manuel I. A Era dos Descobrimentos é o período em que acontece o conjunto de conquistas realizadas pelos portugueses nas explorações marítimas entre 1415 e 1543. Tem seu início com a conquista de Ceuta no continente africano. Com o fim do período da Reconquista, os portugueses se voltaram à procura de rotas alternativas que poderiam trazer mais riquezas do que as já conhecidas rotas de comércio no Mediterrâneo. Portugal realizou importante avanços tecnológicos que permitiram aos seus navios viajar com segurança em mar aberto cobrindo enormes distâncias. O estilo Manuelino está inserido na corrente arquitetônica denominada como gótico tardio ou flamejante que acontece em toda a Europa. No século XIV, as cidades haviam se convertido em grandes centros de comércio. Esse estilo passou a ser aplicado na construção das casas particulares dos nobres e burgueses e em edifícios públicos em contraste com os períodos anteriores, quando o gótico era aplicado quase que exclusivamente na construção de catedrais. Os construtores do século XIV já não se contentavam em reproduzir as formas das catedrais góticas tradicionais e também era cada vez mais comum a encomenda de edifícios grandiosos que não tinham nenhuma relação com a igreja. As cidades se desenvolviam com grande rapidez. Dessa forma, buscaram exibir suas habilidades decorativas cobrindo os edifícios com rendilhados complexos utilizando os mais variados temas. De acordo com Gombrich (1993, p. 156): “Nas cidades prósperas e em permanente expansão, muitos edifícios seculares tiveram que ser projetados e construídos: municipalidades, sedes das guildas e corporações, universidades, palácios, pontes e portas das cidades”. Em Portugal não foi diferente, apesar do estilo ter chegado com atraso em relação ao resto da Europa. São poucas as diferenças do Manuelino em relação ao gótico final de outros países europeus, seguindo a tendência de homogeneizar os espaços internos, que nas igrejas se materializava na preferência por naves de mesma altura dando, assim, unidade ao espaço interno, ausência de transepto e cabeceira regular em oposição às plantas em cruz. Nos edifícios civis, as plantas retangulares também prevalecem e as fachadas são ricamente decoradas. Os motivos mais presentes na decoração são os naturalistas marinhos, cordas e uma rica variedade de animais e motivos vegetais. O estilo revela o crescente gosto pelo exotismo, desde o início da expansão marítima. O primeiro edifício manuelino conhecido é o Mosteiro de Jesus de Setúbal, construído entre 1490 e 1510, do arquiteto Diogo Boitaca, considerado um dos criadores do estilo. Assista aí - <iframe title="vimeo-player" src="https://player.vimeo.com/video/507106127?h=814f7a97bf" width="640" height="360" frameborder="0" allowfullscreen></iframe> 4.4 Resultados formais das influências sobre as cidades portuguesas no século XV O modelo que regiu o desenvolvimento urbano português, presente em todos os momentos históricos, vem da sua herança mediterrânea, de natureza vernacular e é percebida principalmente pelo fato das vias principais acompanharem a topografia natural existente e a utilização das partes altas do terreno (dominantes) para a implantação dos edifícios notáveis. Sendo assim, a conformação final da cidade construída é uma expressão do território onde foi criada, as vias seguem a naturezado terreno e naturalmente levam aos pontos dominantes, marcados com a presença de edifícios importantes e também para as praças construídas para acompanhar esses edifícios. Essa vertente de urbanização definida por Teixeira (2012) como vernacular gera uma grande diferenciação entre os espaços, uma variedade de formas que torna a cidade mais legível e permite que cada área tenha uma identidade própria. Estes princípios vão, mais tarde, ser disseminados pelas colônias portuguesas ao redor do mundo dando origem a cidades que apresentam características morfológicas específicas que as distinguem dos espaços urbanos de outras culturas. Apesar de ser possível encontrar essas características morfológicas, consideradas individualmente, em outros contextos históricos e geográficos, a articulação desses elementos e sua síntese são especificamente portuguesas. As especificidades da cidade de origem portuguesa têm a ver com muitos aspectos: suas heranças culturais já apresentadas aqui nas culturas dos vários povos que ocuparam a região antes dela se tornar Portugal e ficaram sedimentadas no conhecimento popular, sendo adaptadas umas às outras. A lógica empregada para a escolha dos sítios onde foram implantados os núcleos urbanos, seguindo a tradição mediterrânea pré-romana e a influência árabe que formou vários núcleos em Portugal. As formas primordiais na construção do traçado urbano são uma combinação da herança geométrica romana e seus traçados regulares e cruzamentos simbólicos lugar de praças e edifícios públicos importantes e os elementos árabes que concebem vias em concordância com a topografia natural do terreno que naturalmente levam aos pontos topográficos de destaque. A hierarquia entre os diversos elementos de referência do território criando uma percepção rica e heterogênea do espaço urbano, as praças e seu papel na organização urbana, as estruturas de quarteirão e de loteamento e os processos de planejamento e de construção da cidade. No século XV as principais cidades do país passam por programas de modernização urbana, associando a intervenção urbana com a arquitetura. Em meados do século XV, D. Afonso V, preocupado com a harmonia estética e funcionamento do espaço urbano de Lisboa decretouque “as casas deveriam passar a ser construídas com paredes de pedra e cal sobre arcos de cantaria” (TEIXEIRA, 2012, p. 76). No século XVI, o processo de modernização continua pelas mãos de D. Manuel I realizou grandes reformas nos espaços públicos existentes e regulamentou o ordenamento das áreas urbanas em expansão dotando essas áreas de equipamentos urbanos e espaços públicos: https://player.vimeo.com/video/507106127?h=814f7a97bf https://player.vimeo.com/video/507106127?h=814f7a97bf https://player.vimeo.com/video/507106127?h=814f7a97bf Como consequência, os traçados urbanos portugueses raramente eram geometricamente rigorosos. Além de suas referências geométricas, tais traçados adaptavam-se à topografia, à hidrografia e ao ambiente físico de seus locais de implantação, sendo frequentemente subvertidos para uma melhor adequação ao terreno, sob o ponto de vista funcional, formal ou simbólico. Essa plasticidade dos traçados urbanos portugueses não se traduzia, contudo, em estruturas amorfas. Pelo contrário, as cidades portuguesas eram estruturadas e hierarquizadas, facilmente legíveis e paisagisticamente valorizadas. Essa adaptação ao território e ao clima e sua não sujeição a rígidos princípios geométricos produziram cidades eminentemente maleáveis e adaptáveis às diferentes circunstâncias que surgiram ao longo do tempo. O urbanismo português, de forma geral, seguiu um plano com base em uma regularidade subjacente a seu traçado, ainda que nem sempre de uma forma explícita, mas que leva em consideração as particularidades do sítio e as explora, nomeadamente, por meio da definição das principais vias estruturantes sobre as linhas naturais do território e da criteriosa localização dos edifícios notáveis em posições dominantes (TEIXEIRA, 2012, p. 36). É ISSO AÍ! Nesta unidade, você teve a oportunidade de ● Conhecer a história dos povos ● pré-cabralinos; ● ● Estudar a configuração das aldeias indígenas com base em elementos culturais tradicionais; ● Conhecer os diferentes tipos de casa construídas por esses povos; ● Aprender sobre a história da formação de Portugal; HISTÓRIA DA ARQUITETURA E URBANISMO II ARQUITETURA COLONIAL NOS SÉCULOS XVI E XVII Carina Mendes dos Santos Você está na unidade Arquitetura colonial nos séculos XVI e XVII. Conheça aqui como se deu o processo de ocupação do território brasileiro pelos portugueses nos primeiros séculos da colonização e quais foram as suas estratégias para exploração econômica das novas terras. Veja também que heranças esses colonizadores deixaram em nossa arquitetura e na conformação de nossas cidades, a partir das influências culturais que carregavam de suas origens e das influências que receberam em terras brasileiras, pelo contato com índios e africanos. Conheça também as características dos principais programas arquitetônicos do período: arquitetura residencial e administrativa, religiosa e militar. Bons estudos! 1 Cidade portuguesa e a sua transferência para o Brasil Os modelos de cidades portuguesas podem ser sistematizados em duas grandes vertentes: a primeira de referência medieval muçulmana e a segunda pautada no ideário renascentista. Esses dois modelos estão na “gênese da maioria dos traçados das cidades brasileiras” (MENDES, 2010, p.20). Com esses referenciais em mente, os portugueses promoveram o processo de colonização do território brasileiro. Esse processo se deu em consonância com os ciclos econômicos aqui estabelecidos. Dois ciclos econômicos marcaram a ocupação do território brasileiro no arco de tempo que tratamos nessa unidade: o ciclo do pau brasil e o da cana-de-açúcar. Os trinta primeiros anos da presença dos portugueses nas terras recém-descobertas corresponderam a um período de exploração rudimentar de recursos naturais, principalmente do pau brasil. Essa atividade resultou no estabelecimento das feitorias, que funcionavam como entreposto comercial e se situavam ao longo da costa litorânea. De acordo com Mendes et al. (2010, p.23), as feitorias formavam núcleos de povoamento, criados pelos colonizadores, que reuniam cerca de 20 homens. Mencionam ainda os autores que “a escassa iconografia registra estes assentamentos como um conjunto de pouquíssimas casas de madeira a palha, protegidas por uma paliçada, também de madeira, fornecida pela nossa abundante floresta litorânea” (MENDES et al, 2010, p.23). Uma ocupação efetiva do território brasileiro só terá início com a vinda de Martim Afonso de Souza, em 1531, a mando de Dom João III, que fundou, no ano seguinte, as duas primeiras vilas: São Vicente e Piratininga. Diante das constantes ameaças francesas, adotou-se como solução para a colonização e povoamento das terras o sistema de Capitanias Hereditárias, experiência que os portugueses já haviam aplicado em suas colônias nos Açorese na Ilha da Madeira. As terras situadas à leste das Tordesilhas foram assim divididas em 14 capitanias doadas a 12 donatários. Tratava-se de entregar a empresa da colonização à iniciativa particular de fidalgos, que assumiam o ônus econômico da ocupação, podendo legislar, controlar e fundar vilas e povoados. A metrópole fiscalizava e recebia os impostos. O sistema de Capitanias obteve relativo sucesso, tendo em vista o interesse predominante no comércio com o Oriente. Algumas foram recompradas pela Coroa Portuguesa virando Capitanias Reais. Reis Filho (1968, p.31) informa que, em 1548, um ano antes da criação do Governo Geral, haviam sido fundadas cerca de 16 vilas e povoados no litoral brasileiro, que já exportavam mercadorias para a Metrópole. O estabelecimento de um Governo Geral caracterizava-se como um esforço de centralização, uma forma de coordenar militar e administrativamente as capitanias e povoados, compensando os “excessos de dispersão” gerados pelo sistema de Capitanias (REIS FILHO, 1968, p.32). Esse governo centralizado funcionou na primeira cidade fundada em 1549: São Salvador da Baía de Todos os Santos Esse segundo momento de ocupação do território foi marcado pelo ciclo econômico da cana-de-açúcar, caracterizado pelas grandes propriedades de terras, com uma produção monocultura e extensiva, toda pautada no trabalho escravo. Esse ciclo teve maior importância nos dois primeiros séculos da colonização, pois a descoberta do ouro nas Gerais, em fins do século XVII, redireciona e redimensiona a economia colonial. Além dos portugueses, estiveram por nossas terras franceses e holandeses. Os franceses praticavam, desde 1550, escambo com os índios para obtenção do pau-brasil, mas, em 1555, lideraram a empresa de fundar no Brasil a França Antártica; sem sucesso. Já os holandeses, com interesse na economia açucareira, após um período de tentativas de invasão, se estabeleceram no Nordeste entre 1637 e 1654. 2. Núcleos urbanos brasileiros Apesar de essencialmente rural nos dois primeiros séculos da colonização, o Brasil passou também por processos de urbanização, com a criação de diversos núcleos urbanos. Cabia aos donatários a fundação de vilas, que podemos definir como aglomerações de menor importância política. Contudo, as cidades só podiam ser fundadas por decisão e ação da Coroa. Conforme dados de Reis Filho (1968), dos 37 povoados fundados entre 1532 e 1650, apenas 7 seriam por conta da Coroa, tendo sido os demais fundados por donatários e seus colonos. Esse mesmo autor coloca que, até meados do século XVII, existiam duas políticas urbanizadoras promovidas por Portugal: uma estimulava a formação de vilas indiretamente nos territórios pertencentes aos donatários, para serem estabelecidas às expensas desses, devendo ser orientadas pelas Ordenações Régias; a outra fundava diretamente as cidades reais, centros de controles regionais, para o que fornecia pessoal e recursos. Depois de Salvador, em 1549, foram fundadas as cidades reais do Rio de Janeiro, em 1565, e, no século XVII, São Luís e Belém. As Ordenações Régias conformavam um conjunto de leis, aplicáveis a Portugal e às suas colônias, que incorporavam elementos do código civil, penal e administrativo, estabelecendo normas e orientações para o funcionamento de vilas e cidades. A partir delas definiram-se as práticas de regularidade para os traçados e construções dos núcleos urbanos, práticas que se consolidaram “sob o impulso da racionalidade renascentista” (MENDES et al., 2010, p.20). Houve também influência das Leis das Índias, conjunto de códigos e diretrizes voltados à criação das cidades nas colônias espanholas, especialmente na América, que determinavam, do ponto de vista urbanístico, o traçado regular, com nítidas bases no modelo das cidades romanas. Apesar de voltadas oficialmente às colônias hispânicas, o documento era de amplo conhecimento dos Portugueses, que acabavam fazendo uso de seus preceitos. Podemos dizer que o modelo de fato implementado no Brasil, nos dois primeiros séculos de colonização, foi um híbrido de cidade medieval e renascentista. Predominando um ou outro modelo dependendo da cidade. Ainda que se tenha buscado implantar a regularidade pregada pelas disposições Reais, o projeto esbarrou em duas dificuldades. Uma relativa às condições geográficas locais, muitas vezes acidentadas, havendo necessidade de adaptação. Outra relativa à insuficiência de profissionais qualificados para a tarefa e à falta de instrumentos de precisão para demarcar ruas, lotes e situar as edificações. O trecho a seguir, exemplifica a falta de rigidez na implantação e desenvolvimento da cidade-sede do Governo Geral: Assista aí - <iframe title="vimeo-player" src="https://player.vimeo.com/video/507113220?h=92fda1792a" width="640" height="360" frameborder="0" allowfullscreen></iframe> Salvador, originalmente, obedeceu a traços regulares por determinação real, mas o enxadrezado de ruas e praças foi flexível, permitindo a adaptação de terrenos disponíveis entre o mar, as encostas e lençóis d’água, às ruas das extremidades, determinando quarteirões de formas, tamanhos e proporções diversas (MENDES et al., 2010, p.49). Em Salvador, adotaram-se ainda duas estratégias de inspirações medievais na sua implantação: localização em sítio elevado e a construção de muralhas a sua volta. Mas a solução já se implantou tardiamente, em função da descoberta da pólvora, tornando-as obsoletas e inócuas. Assim, devido ao seu crescimento, a cidade transcendeu a muralha, alcançando a beira-mar, dividindo-se em Cidade Alta e Cidade Baixa. Podemos dizer, a grosso modo, que havia uma regularidade relativa nos traçados das cidades brasileiras, os lotes seguiam um padrão similar nesse primeiro período de ocupação, mantendo-se praticamente inalterados até princípios do século XIX. Eram retangulares e alongados, isto é, tinham a largura voltada para a rua estreita e as https://player.vimeo.com/video/507113220?h=92fda1792a https://player.vimeo.com/video/507113220?h=92fda1792a https://player.vimeo.com/video/507113220?h=92fda1792a laterais compridas. Os lotes agrupavam-se em quadras, com linhas contínuas de construções, cujos alinhamentos junto à rua, deixavam um vazio na parte posterior, que correspondiam aos quintais das casas. A imagem das ruas era de duas faixas contínuas de construções, coladas umas às outras, sem interrupção. Eram estreitas, com alinhamentos e nivelamentos precários, apresentando um aspecto assim pouco regular. Como observa Reis Filho (1968), numa mesma rua podia haver diferença em sua largura ao mudar de uma quadra para outra. Não contavam com passeios para circulação dos pedestres, em poucos casos podia existir algumas lajes sob os beirais para proteção das águas das chuvas. Poucas eram as que contavam com calçamento, que, quando existia era em pedra. O calcamento de ruas começou a se popularizar quando se tornou necessário separar tráfegos de circulação: os pedestres dos transportes sobre rodas. Em núcleos urbanos maiores, a presença de ruas comerciais passou a caracterizar espaçosde permanência e pontos de reunião. No entanto, o centro principal da vida urbana eram as praças. Nelas “se realizavam as cerimónias [sic] cívicas e toda sorte de festividades: religiosas e recreativas; e serviam ainda aos mercados e às feiras” (REIS FILHO, 1968, p.64). Nas praças se localizavam as principais construções da cidade, em geral: a Casa de Câmara e Cadeia, a Igreja Matriz e o Pelourinho, símbolo da autonomia municipal colonial, representado por um marco, que podia ainda servir ao castigo público de alguns infratores. Nos dias de hoje é difícil encontrar um núcleo urbano dos séculos XVI e XVI ainda íntegro, isso porque a própria evolução do sítio, decorrente das dinâmicas urbanas, resultaram em demolições, sobreposições, alterações etc. É mais fácil encontrar edificações isoladas ou resquícios do traçado original, mas para povoar a imaginação do leitor, apresentamos a seguir a imagem da “Cidade de Parati/RJ”. Ainda que seu traçado e desenvolvimento tenha ocorrido ao longo do século XVIII, nos permite apreciar algumas das características que tratamos até aqui, e outras que serão abordadas mais adiante. Figura 1 - Cidade de Parati (RJ)Fonte: Shutterstock, 2020 #PraCegoVer: Na imagem, há uma foto da cidade de Parati no Rio de Janeiro com arquitetura do século XVIII. 3. A arquitetura desenvolvida pelos portugueses – séculos XV e XVII O histórico de formação do Estado Português resultou numa expressiva diversidade de contribuições à cultura portuguesa, que teve certamente reflexos na arquitetura desenvolvida em solo brasileiro. Os romanos estiveram na península ibérica até 476 d.C., dominando-a por mais de 600 anos. Em seguida, foi a vez dos povos germânicos (também chamados bárbaros), que por ali permaneceram por cerca de 300 anos até as invasões islâmicas. Essa presença de muçulmanos na região durou aproximadamente 700 anos, quando foram então expulsos pelas guerras de Reconquista, com a retomada do território consolidada em 1492 e a fundação do Estado Português. Essa influência se dará também pela referência aos estilos arquitetônicos que durante os séculos XVI e XVII se desenvolveram em Portugal. Carvalho et al. (2000, p.6) ressaltam que no período de formação da nacionalidade portuguesa esteve presente o estilo românico, de forma que algumas características acabaram se incorporando no gosto da cultura portuguesa: “o peso, a rigidez, a simplicidade e o caráter estático constituíam tendências que iriam permear a produção arquitetônica”. Outra característica que se tornou marcante na arquitetura portuguesa, essa associada à herança cultural islâmica, foi a prática de preencher e compartimentar superfícies e inserir formas menores em maiores. (CARVALHO et al., 2000) Podemos dizer que esses foram aspectos que em linhas gerais influenciaram a arquitetura portuguesa e por desdobramento a arquitetura colonial brasileira. As contribuições e influências na arquitetura popular portuguesa nos dois primeiros séculos de empresa colonial brasileira, podem ser sistematizadas em 3 ramos de heranças culturais: a dos romanos, a dos germânicos e a dos islâmicos. Do período de domínio romano, a arquitetura portuguesa herdou a diversidade de programas, técnicas e formas arquitetônicas. Em relação aos programas, podemos citar os templos, basílicas, fontes, termas, aquedutos, pontes, anfiteatros, castros (castelos), palácios etc. Das técnicas de construção, herdou a maneira de assentar as pedras, com argamassas de cal e de cimento, e provavelmente, as técnicas da taipa e do adobe. Em função do contato dos romanos com o Oriente, temos a técnica de produção de cerâmicas para a confecção de tijolos e telhas, também introduzida e aperfeiçoada em solo português. No que diz respeito às formas, arcos, abóbadas, cúpulas, colunas e pilastras fazem parte do repertório que influenciou a história da arquitetura de forma geral. Dos povos germânicos, a estrutura fortificada foi uma importante herança, com a construção de castelos e fortes, sendo que até as igrejas podiam apresentar aspectos e recursos defensivos. Mas, segundo Weimer (2005, p.85), “há quem julgue que foram herdeiros e continuadores da arquitetura de defesa romana”, e chegaram inclusive a fazer uso do arco pleno, adotando o arco apontado somente mais tarde. A grande contribuição, diz o mesmo autor, foi a introdução das estruturas de enxaimel, paredes com requadro de madeira que formavam panos independentes e que eram fechados por adobe, tijolos, pedra etc. Essa solução deixava aparentes as peças de madeira que estruturavam paredes e vãos. Com base nos estudos de Weimer (2005) abordaremos a influência da cultura islâmica na arquitetura portuguesa em duas correntes: a árabe e a berbere. Em relação à primeira, sua interferência na forma e no partido da arquitetura portuguesa foi restrita, porque os árabes se estabeleceram efetivamente na Andaluzia, território espanhol, mantendo apenas representações no lado português. A casa árabe vai influenciar de forma mais direta a solução das casas senhoriais e dos claustros conventuais, que adotavam como partido o pátio central, em torno do qual se organizavam os demais compartimentos. Mais evidentes e difundidas foram as referências adotadas em elementos arquitetônicos, como o emprego abundante de adufas (fechamentos em treliça) e muxarabis (balcões fechados por treliças). O lado ocidental da península, que corresponde ao atual território português, era administrado efetivamente pelos berberes, povos oriundos do norte da África, que deixaram marcas mais significativas na arquitetura local. Segundo Weimer (2005), as casas muçulmanas que mais influenciaram as portuguesas, e por consequência as brasileiras, em termos de forma, foram variações das casas berberes. As casas berberes eram geminadas (coladas umas às outras nas divisas laterais dos lotes), seus cômodos eram ordenados linearmente de forma perpendicular à rua, contava ainda com poucas aberturas. Havia uma única entrada e nos fundos podia haver pequenas janelas que davam para um pátio fechado por muros altos. A ordem de disposição dos cômodos a partir da entrada eram sala, dormitórios e cozinha. A cobertura podia ser plana, em áreas mais secas e de duas águas de telhado com ponto de cumeeira baixo, para as zonas mais úmidas. Essa tipologia foi adaptada para Portugal, recebendo o nome de “casa de pescadores” e também para o Brasil, como veremos, recebendo o nome de “casa de porta e janela” (WEIMER, 2005). Inúmeras palavras que usamos no vocabulário arquitetônico têm origem árabe e berbere. Você provavelmente já ouviu falar em algumas delas. Confira: açoteia, adobe, adufa, alcova, aldeia, alfândega, algeroz, alicerce, alisar, almofada, almoxarifado, alpendre, alvará, alvenaria, andaime, armazém, arrabalde, azulejo, bairro, baldrame, chafariz, coxim, enxaimel, enxovia, fasquia, harém, masmorra, mastaba, medina, mesquita, minarete, mudéjar, muxarabi, saguão, sanefa, sarrafo, sofá, tabique, taipa, trapiche, zarcão etc. 4. Estilos arquitetônicos e a arquitetura
Compartilhar