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Thaís Morghana - UFPE-CAA Ceratocone INTRODUÇÃO O termo ceratocone vem do grego Keratos (córnea) e Konus (cone). ● Caracteriza-se por uma ectasia corneana não inflamatória, degenerativa. ● A córnea apresenta afinamento progressivo e uma protusão central e paracentral, com consequente formato cônico e produção de astigmatismos irregulares. ● Essa afecção pode ser congênita, mas geralmente inicia-se na segunda década de vida. ● O acometimento geralmente é bilateral e de forma assimétrica. ● O acometimento unilateral é raro, embora apenas um olho possa ser acometido no início da doença. EPIDEMIOLOGIA ● O ceratocone é a distrofia mais comum da córnea. ● A prevalência é de 50-230/100.000 habitantes. ● A condição inicia tipicamente na adolescência, podendo acometer também adultos jovens. ● Progressão lenta. ● Ambos os olhos são afetados em quase 85% dos casos. ● Não há diferença de sexo na incidência e prevalência. ETIOLOGIA ● Etiologia desconhecida. ● Associada a descendência em 10% dos casos - autossômica dominante. FATORES DE RISCO ● Desenvolve-se como uma doença isolada, porém pode estar associada a várias doenças oculares e sistêmicas, como: ○ Ceratoconjuntivite vernal. ○ Dermatite atópica. ○ Síndrome da flacidez palpebral. ○ Retinose pigmentar. ○ Síndrome de Down. ○ Síndrome de Ehler-Danlos. ○ Osteogênese imperfeita ● Ambiente → pode ter associação com doença atópica, asma e febre do feno. ● Fricção dos olhos → relatos de observação clínica. ● História familiar → 6-8% dos casos estão associados a herança genética, mas tem penetrância fraca e variabilidade de expressão. ● Uso de lentes de contato. FISIOPATOLOGIA ● As córneas com ceratocone têm menor conteúdo de colágeno. ● Apresentam anormalidades na estrutura molecular, mas não há um padrão bioquímico específico. ● O afinamento da córnea possivelmente é devido a degradação multifatorial que resulta na perda de elementos estruturais. ● Índice de apoptose dos ceratócitos estromais aumentado. ● As pequenas alterações do pleomorfismo celular do endotélio são provavelmente secundárias à hipóxia induzida por lentes de contato ou estresse mecânico. VARIAÇÃO DE FENÓTIPOS ● Cone de ápice: afinamento axial predominante. ● Cone caído: afinamento inferior; degeneração marginal pelúcida. ● Ceratoglobo: afinamento generalizado. QUADRO CLÍNICO ● O quadro começa na adolescência ou início da fase adulta. Thaís Morghana - UFPE-CAA ● Visão embaçada ou diminuição súbita da acuidade visual → refrações frequentemente variáveis e inconsistentes. ● Os sintomas progridem até a 4ª década de vida. ● Astigmatismo irregular se desenvolve com a progressão da doença. ● As queixas geralmente são bilaterais, mas os sintomas podem ser assimétricos. ● Dificuldade na correção visual com óculos e lentes de contato devido à miopia progressiva e ao astigmatismo. ● Outros sintomas: fotofobia, astenopia, prurido, irritação, desconforto ocular, diplopia e poliopia monocular. EXAME FÍSICO ● Sinal de Munson → recuo em forma de V da pálpebra inferior ao olhar para baixo. Obs.: esse sinal geralmente está presente em casos mais avançados. ● Sinal de Rizutti → reflexo cônico visto precocemente na córnea nasal, quando se ilumina diretamente a córnea temporariamente. Sinal de Munson COMPLICAÇÕES ● Hidropsia da córnea → o paciente pode apresentar fotofobia e queda súbita e dolorosa da acuidade visual. ○ Ocorre devido ao edema corneano grave causado por lágrimas na membrana de Descemet. ○ Resulta em perda da funcionalidade do endotélio. ○ Acomete cerca de 3% dos pacientes com ceratocone. CLASSIFICAÇÃO CLASSIFICAÇÃO DE AMSLER A classificação é feita de acordo com a inclinação do eixo horizontal do ceratômetro: ● Grau I: o ângulo horizontal varia de 1-3 graus. ● Grau II: o ângulo varia de 4-8 graus. ● Grau III: o ângulo tem variação > 9 graus. ● Grau IV: ângulo indeterminado. CLASSIFICAÇÃO DE CUNHA ● Grau I: desconforto visual leve, AVCC (acuidade visual com correção) < 20/30, curvatura corneana < 48 D com distorção das miras ceratométricas. ● Grau II: desconforto visual moderado, AVCC < 20/50, curvatura corneana entre 48-52 D com distorção maior das miras ceratométricas. ● Grau III: AVCC < 20/60, curvatura corneana entre 54-58 D com estrias de Vogt e afinamento dos ápices. ● Grau IV: AVCC < 20/200, curvatura corneana > 58 D com opacidades, cicatrizes, rupturas da membrana de Descemet. CLASSIFICAÇÃO DO GRAU EVOLUTIVO ● Incipiente: leituras ceratométricas < 45 D nos dois meridianos. ● Moderado: leituras entre 45-52 D nos dois meridianos. ● Avançado: leituras entre 52-62 D nos dois meridianos. ● Severo: leituras > 62 D nos dois meridianos. DIAGNÓSTICO ● O diagnóstico pode ser realizado a partir da história e exame clínico Thaís Morghana - UFPE-CAA ● No início da doença, o oftalmologista pode suspeitar de ceratocone devido a dificuldade de correção da visão para uma acuidade 20/20. EXAMES COMPLEMENTARES ● Refração → avaliação do grau do paciente, do eixo do astigmatismo e suas mudanças. ● Exame com lâmpada de fenda → normal em estágios iniciais da doença. Com a progressão podemos achar: ○ Anel de Fleisher: coloração marrom na base do cone, devido ao ferro depositado no epitélio pelo filme lacrimal. Esse sinal pode ser precoce e sutil, e é melhor visto com o filtro azul cobalto. ○ Estrias de Vogt: linhas de tensão verticais na parte mais fina da córnea. Desaparecem quando uma pressão suave é aplicada à córnea. ○ Afinamento da córnea paracentral: manifestação precoce do ceratocone. ○ Cicatrizes da córnea: acomete cerca de 20% dos pacientes. Ocorre devido a rupturas espontâneas na camada de Bowman à medida que a córnea se afina. ● Oftalmoscopia direta → reflexo em gota de óleo. ● Retinoscopia → pode evidenciar o reflexo da tesoura, caracterizado por 2 faixas de luz se aproximando e depois se afastando. Ocorre devido ao astigmatismo irregular. ● Ceratometria → demonstra curvas irregulares e inclinação progressiva da córnea. ● Fotoceratoscopia → evidencia irregularidade dos contornos do anel refletido. ● Tomografia corneana (Pentacan) → auxilia no diagnóstico mais precoce. Esse exame avalia toda a estrutura corneana e fornece mapas indicadores da doença. ○ Gravata borboleta: assimétrica, com ou sem inclinação inferior e eixos radiais enviesados. ○ Permite medir a espessura da córnea e inclinação local. ○ Pode ser utilizado de forma seriada para monitorar a progressão da doença. ● Topografia de córnea → avalia o formato da superfície anterior da córnea. ● Paquimetria → avalia a espessura da córnea. ● Microscopia especular → avalia a contagem de células da porção interna da córnea. Adelgaçamento do estroma corneano Reflexo em gota de óleo Estrias de Vogt Anel de Fleisher Anéis distorcidos TRATAMENTO CORREÇÃO DA VISÃO ● Óculos → utilizados nos estágios iniciais da doença, enquanto conseguir corrigir a acuidade visual. ● Lentes de contato → são necessárias em pacientes com progressão da doença e aumento do astigmatismo irregular. ○ Lentes corneais rígidas permeáveis a gás: neutraliza a irregularidade da córnea com a superfície rígida e regular. Pode ser intolerável em pacientes com cicatriz irregular ou elevada. ○ Lentes híbridas: rígidas no centro e saia macia na periferia. ○ Lentes esclerais: rígidas permeáveis a gás e ficam suavemente sobre a esclera sem tocar a córnea. São mais confortáveis e têm menor risco de formação ou agravamento de cicatrizes. ○ Prótese do ecossistema da superfície ocular (PROSE): dispositivo protético personalizado. Thaís Morghana - UFPE-CAA Esse tipo de lente escleral apresenta melhor acuidade visual. RETICULAÇÃO DO COLÁGENO - CROSSLINKING ● Procedimento que usa gotas de riboflavina, luz UV e um fotossensibilizador para fortalecer as ligações na córnea. ● O objetivo não é a correção da visão, mas sim a estabilização da doença. ● Efeito adverso: embaçamento da córnea transitório ou permanente. ● Não deve ser realizado em pacientes com ceratite ativa, herpes simples, córneas finasou hidropsia da córnea. ● Não deve ser realizado em pacientes estáveis. INTERVENÇÕES CIRÚRGICAS ● Anel corneano intraestromal → inserções plásticas finas e semicirculares são implantadas nas camadas médias da córnea para achatar a córnea. ○ Tem como objetivo a melhora da acuidade visual, reduzindo o astigmatismo. ○ Não é útil em pacientes com perda avançada da visão. Anel intraestromal ● Ceratectomia → tratamento de cicatrizes e nódulos da córnea, com maior tolerância às lentes de contato. ○ Raramente usada. ○ A recorrência é possível e pode estimular a progressão. ● Ceratoplastia (transplante de córnea) → necessária em cerca de 10-15% dos casos de ceratocone, quando as lentes de contato não são mais úteis. ○ Transplante de córnea de espessura total (ceratoplastia penetrante): taxa de sucesso > 90%, com acuidade 20/40 em 80-90% dos pacientes. A rejeição foi relatada em 20-35% dos casos nos primeiros 12 meses. ○ A complicação mais comum da ceratoplastia penetrante é o astigmatismo. ○ Transplante de córnea de espessura parcial (ceratoplastia lamelar anterior profunda): pouco utilizado. TRATAMENTO - HIDROPSIA DA CÓRNEA ● Intervenção ao longo de 2-4 meses. ● À medida que as lágrimas na membrana de Descemet cicatrizam, a função endotelial retorna e o edema diminui. ● O tratamento inclui lentes de contato com curativo, hiperosmóticos tópicos, cicloplégicos e esteroides. REFERÊNCIAS DAVIDSON, A. E. et al. The pathogenesis of keratoconus. Eye, v. 28, n. 2, p. 189-195, 2014. WAYMAN, Laura L. Keratoconus. UpToDate, 2020.
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