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Transtornos Neurocognitivos da infância Linguagem e desenvolvimento cognitivo. No final da primeira infância (cerca dos 2 anos de idade), os lactentes já transformaram os reflexos em ações voluntárias que são os pilares da cognição. Eles começam a interagir com o ambiente, a experimentar feedbacks do próprio corpo e a tornar mais intencionais as suas ações. Ao final do segundo ano de vida, as crianças começam a usar jogos simbólicos e a linguagem. PERÍODO PRÉ-ESCOLAR O período pré-escolar caracteriza-se pelo crescimento físico e emocional marcante. Em geral, entre os 2 e 3 anos, as crianças atingem a metade da estatura adulta, os 20 dentes do bebê já nasceram no início desse estágio e começam a cair no fim da fase pré- escolar. Ao final do período, as crianças já estão preparadas para ir à escola, aos 5 ou 6 anos. Elas passaram a dominar as tarefas de socialização primária, ou seja, conseguem controlar os intestinos e a bexiga, vestir-se e alimentar-se sem qualquer ajuda e controlar as lágrimas e as explosões temperamentais, pelo menos a maior parte do tempo. O termo pré-escolar para o grupo etário dos 2 e meio aos 6 anos possivelmente seja inadequado; nessa faixa etária, muitas crianças já estão frequentando ambientes semelhantes à escola, como creches e centros de cuidados diurnos, onde as mães que trabalham costumam deixar os filhos. Apesar de ter seu valor, a insistência em avançar a educação pré-escolar muito além das capacidades das crianças pode ser contraproducente. Marcos evolutivos importantes na fase pré-escolar Desenvolvimento linguístico e cognitivo. Na fase pré-escolar, há uma ampliação no uso da linguagem, e as crianças passam a se comunicar por meio de frases. No início desse período, as palavras isoladas têm significado regular e consistente, e as crianças começam a pensar de uma forma simbólica. No entanto, em geral, o pensamento infantil é egocêntrico; as crianças não conseguem se colocar no lugar de outras crianças e são incapazes de sentir empatia. Seu pensamento é intuitivo e pré-lógico, e, portanto, elas não compreendem as relações causais. Comportamento emocional e social. No início do período pré-escolar, as crianças conseguem expressar emoções complexas, como amor, infelicidade, ciúmes e inveja, de forma pré-verbal ou verbal. As emoções ainda são facilmente influenciadas por eventos somáticos, como cansaço e fome. Mesmo o pensamento ainda sendo egocêntrico, começam a desenvolver a capacidade para colaboração e compartilhamento. A ansiedade está relacionada à perda de uma pessoa querida de quem a criança dependia e à perda da aprovação e aceitação. Embora ainda seja potencialmente desorganizadora, a ansiedade pode ser mais bem tolerada, em comparação com o passado. Aos 4 anos, as crianças estão aprendendo a compartilhar e a se preocupar com outras pessoas. Às vezes, conseguem expressar sentimentos de carinho. Em determinadas circunstâncias, a ansiedade criada por lesões corporais e pela perda da aprovação de uma pessoa querida pode ser problemática. No final do período pré-escolar, as crianças experimentam muitas emoções bastante estáveis. Expansibilidade, curiosidade, orgulho e entusiasmo contagiante são reações equilibradas com retraimento, timidez, medo, ciúmes e inveja. Vergonha e humilhação são evidentes. Capacidades para empatia e amor são desenvolvidas, mas são fragéis e se perdem facilmente se houver a interferência do esforço competitivo e dos ciúmes. A ansiedade e os medos estão relacionados com lesões corporais, perda de respeito, amor e com a autoestima emergente. Sentimentos de culpa são uma possibilidade. Crianças entre as idades de 3 e 6 anos têm consciência do próprio corpo e das diferenças entre os sexos. As brincadeiras de médico e enfermeira lhes permitem expressar suas fantasias sexuais. A consciência do próprio corpo estende- se além dos órgãos genitais e mostra a preocupação com enfermidades ou lesões, de modo que esse período passou a se denominar “fase do Band-Aid”. Os pais devem ter o cuidado de examinar e cuidar de todas as lesões. As crianças determinam um marco divisório entre o que desejam e o que lhes dizem para fazer. Essa divisão aumenta até a criação de um hiato entre o conjunto de desejos expandidos, sua exuberância no crescimento ilimitado e as restrições impostas pelos pais; elas transformam gradualmente os valores parentais em auto-obediência, auto- orientação e autopunição. Ao final do período pré-escolar, a consciência das crianças se encontra em fase de evolução. O desenvolvimento da consciência define o espírito do sentido do que é “certo e errado”. Em geral, até aproximadamente os 7 anos, as crianças encaram as regras como “absolutas” e aceitam que elas existem para seu próprio bem. Não compreendem que possa existir mais de um ponto de vista sobre um tema de ordem moral; a violação das regras exige retribuição absoluta – isto é, crianças têm noção de justiça inerente. RIVALIDADE ENTRE IRMÃOS. Durante o período pré-escolar, as crianças relacionam-se umas com as outras de várias maneiras. O nascimento de um irmão (uma ocorrência comum nesse período) é um teste para a capacidade da criança na fase pré- escolar de colaborar e de compartilhar, porém também pode despertar o espírito de rivalidade, o que é muito provável que ocorra nesse momento. A rivalidade entre irmãos depende da prática de criação das crianças. De maneira geral, o favoritismo motivado por alguma razão agrava esse tipo de rivalidade. Crianças que recebem tratamento especial porque são bem-dotadas, porque têm algum tipo de deficiência ou porque têm um gênero preferido provavelmente venham a despertar sentimentos de raiva nos irmãos. As experiências com irmãos podem influenciar o relacionamento das crianças em fase de crescimento com seus pares e com a autoridade; por exemplo, podem surgir problemas nas situações em que as necessidades do novo bebê impeçam as mães de atender as necessidades do filho que nasceu antes. Se esse tipo de situação não for tratado de maneira adequada, o afastamento do primogênito pode se transformar em um evento traumático. BRINCADEIRAS. Nos anos pré-escolares, as crianças começam a fazer a distinção entre realidade e fantasia, e o ato de brincar reflete o crescimento da consciência. Os jogos de faz- de-conta são muito populares e ajudam a testar situações da vida real de uma forma descontraída. As brincadeiras dramatizadas, nas quais as crianças desempenham algum tipo de papel, como o de dona de casa ou de motorista de caminhão, são muito comuns. As relações um-a-um evoluem para padrões complicados, com rivalidades, segredos e intrigas. O comportamento lúdico das crianças reflete o nível de desenvolvimento social. De maneira geral, entre os 2 e meio e 3 anos, as crianças participam de brincadeiras paralelas, brincadeiras solitárias ao lado de outra criança, sem qualquer interesse para com o outro. Por volta dos 3 anos, elas são muitas vezes associativas, isto é, brincam com os mesmos brinquedos aos pares e em grupos pequenos, porém ainda sem haver interação de fato entre elas. Na idade de 4 anos, geralmente conseguem compartilhar e participar de brincadeiras cooperativas. Interações reais e revezamentos tornam-se viáveis. Entre as idades de 3 e 6 anos, é possível acompanhar o crescimento por meio de desenhos. O primeiro desenho do ser humano feito por uma criança é uma linha circular com marcas para a boca, o nariz e os olhos; as orelhas e os cabelos são adicionados mais tarde; os braços e os dedos na forma de varetas surgem em seguida; na sequência aparecem as pernas. O torso é o último a aparecer em proporção ao resto do corpo. As crianças inteligentes preocupam-se com detalhes em sua arte. Os desenhos expressam a criatividade ao longo do desenvolvimento de uma criança. Eles são representativos e formaislogo no início da infância, utilizam perspectiva no período intermediário e tornam-se abstratos e carregados de afeto na adolescência. Além disso, os desenhos refletem o conceito de imagem corporal das crianças e os impulsos sexuais e agressivos. COMPANHEIROS IMAGINÁRIOS. Na maior parte das vezes, os companheiros imaginários surgem durante os anos pré- escolares, habitualmente em crianças com inteligência acima da média e em geral na forma de pessoas. Os amigos imaginários podem também ser objetos, como, por exemplo, os brinquedos que poderão ser antropomorfizados. Alguns estudos indicam que até 50% das crianças entre as idades de 3 e 10 anos têm esses amigos em algum momento. O significado desse fato não é muito claro, porém essas figuras são sempre amigáveis, aliviam o sentimento de solidão e diminuem a ansiedade. Na maioria das circunstâncias, os companheiros imaginários desparecem em torno dos 12 anos, embora algumas vezes possam persistir durante a vida adulta. Deficiência intelectual Deficiência intelectual, antes conhecida por retardo mental, pode ser causada por uma ampla variedade de fatores ambientais e genéticos que resultam na combinação de deficiências cognitivas e sociais. A American Association on Intellectual and Developmental Disability (AAIDD) define deficiência intelectual como um tipo de incapacidade que se caracteriza por limitações significativas no desempenho intelectual (raciocínio, aprendizagem e solução de problemas) e no comportamento adaptativo (conceitual, social e habilidades práticas) que surgem antes da idade de 18 anos. As medições da função adaptativa avaliam a competência do desempenho social, a compreensão das normas sociais e o desempenho das tarefas cotidianas, em que a medição da função intelectual enfatiza as capacidades cognitivas. CLASSIFICAÇÃO Os critérios do DSM-5 para deficiência intelectual incluem desempenho intelectual geral significativamente abaixo da média, associado ao comprometimento concomitante do comportamento adaptativo, que se manifesta antes da idade de 18 anos. O diagnóstico independe da presença de distúrbios físicos ou de transtornos mentais coexistentes. NÍVEIS DE GRAVIDADE DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Os níveis de gravidade da deficiência intelectual são expressos no DSM-5 como leve, moderado, grave e profundo. Deficiência intelectual leve representa em torno de 85% das pessoas com esse tipo de perturbação. De maneira geral, as crianças com deficiência intelectual não são identificadas até a 1ª ou 2ª série, ocasião em que aumentam as demandas acadêmicas. Com frequência, mais para o final da adolescência, adquirem habilidades acadêmicas que correspondem aproximadamente a nível da 6ª série. Em geral, as causas específicas da deficiência intelectual não chegam a ser identificadas nesse grupo. Muitos adultos com deficiência intelectual leve conseguem viver de forma independente com suporte adequado e formam suas próprias famílias. De modo habitual, o QI para esse nível de função adaptativa varia de 50 a 70. A deficiência intelectual moderada corresponde a cerca de 10% das pessoas com esse tipo de condição. A maior parte das crianças com essa deficiência adquire a linguagem e se comunica de maneira adequada durante a fase inicial da infância. O desafio acadêmico é grande, e, de modo geral, não conseguem atingir a 2ª e 3ª série de escolaridade. Na adolescência, a dificuldade desocialização costuma manter essas pessoas isoladas, sendo necessário um grande suporte social e vocacional. Como adultos, os indivíduos com deficiência intelectual moderada conseguem executar tarefas semiqualificadas com supervisão apropriada. Via de regra, o QI para esse nível de função adaptativa varia de 35 a 50. A deficiência intelectual grave corresponde a cerca de 4% das pessoas com esse tipo de problema. Elas conseguem desenvolver habilidades de comunicação na infância e geralmente aprendem a fazer contagens numéricas e a reconhecer palavras que são importantes para o desempenho. Nesse grupo, é possível que a causa de deficiência intelectual seja identificada com mais facilidade do que nas formas mais leves da condição. Na vida adulta, as pessoas com deficiência intelectual grave conseguem se adaptar bem nas situações de vida supervisionada, como em residências coletivas, por exemplo, e são capazes de executar tarefas laborais com supervisão. De modo habitual, o QI para esse nível de função adaptativa varia de 20 a 35. A deficiência intelectual profunda corresponde a cerca de 1 a 2% das pessoas com esse tipo de problema. A maior parte dos indivíduos com deficiência intelectual profunda apresenta causas identificáveis da condição. As crianças nessa situação conseguem aprender habilidades relacionadas aos cuidados pessoais e, com treinamento adequado, chegam a expressar suas necessidades. Em geral, o QI para esse nível de função adaptativa é inferior a 20. O DSM-5 inclui também um transtorno denominado “Deficiência Intelectual Não Especificada” (Transtorno do Desenvolvimento Intelectual), reservado para indivíduos com mais de 5 anos cuja avaliação seja extremamente difícil e para situações em que haja fortes suspeitas de deficiência intelectual. ETIOLOGIA Os fatores etiológicos da deficiência intelectual podem ser genéticos, evolutivos, ambientais ou uma combinação deles. As causas genéticas incluem condições cromossômicas ou hereditárias; os fatores evolutivos e ambientais abrangem exposição pré-natal a infecções e toxinas; e os fatores ambientais adquiridos dizem respeito a trauma pré-natal (p. ex., prematuridade) e fatores socioculturais. A gravidade da deficiência intelectual possivelmente esteja relacionada ao tempo e à duração de um determinado trauma, assim como ao grau de exposição do sistema nervoso central (SNC). A etiologia é conhecida em cerca de três quartos das pessoas diagnosticadas com deficiência intelectual grave, enquanto é aparente em até 50% dos indivíduos com diagnóstico dessa deficiência leve. DIAGNÓSTICO O diagnóstico de deficiência intelectual pode ser feito após a obtenção de uma história, por meio de informações de avaliações intelectuais padronizadas e de medições padronizadas do desempenho adaptativo indicando que a criança está significativamente abaixo do nível esperado em ambas as áreas. A gravidade da deficiência intelectual é determinada com fundamento no nível do desempenho adaptativo. Histórias e entrevistas psiquiátricas são ferramentas úteis para obtenção de quadros longitudinais do desenvolvimento e desempenho de uma criança. O exame de sinais físicos de anormalidades neurológicas e, em alguns casos, os testes laboratoriais podem ser usados para avaliar as causas e estabelecer os prognósticos. História Durante o processo de obtenção da história de uma criança, que poderá elucidar os caminhos da deficiência intelectual, todos os médicos devem prestar atenção especial em fatores como gestação da mãe, trabalho de parto e parto; eventual presença de uma história familiar de deficiência intelectual; consanguinidade dos pais; e distúrbios hereditários familiares conhecidos. Entrevista psiquiátrica A entrevista psiquiátrica de crianças ou adolescentes com deficiência intelectual exige um nível elevado de sensibilidade para extrair informações compatíveis com o nível intelectual do paciente, respeitando a idade e seu desenvolvimento emocional. Suas habilidades verbais, incluindo linguagem receptiva e expressiva, podem ser rastreadas inicialmente pela observação da comunicação entre ele e os cuidadores. Os pais devem atuar como intérpretes nas situações em que o paciente se comunicar sobretudo por meio de gestos ou pela linguagem dos sinais. De maneira geral, os indivíduos com formas mais leves de deficiência intelectual têm consciência de suas diferenças e deficiências em relação a outras pessoase, consequentemente, podem ficar ansiosos ou envergonhados durante a entrevista. A abordagem aos pacientes com suporte de explicações claras e concretas sobre o processo diagnóstico, em especial no caso daqueles com capacidade linguística receptiva suficiente, pode amenizar as ansiedades e os receios. O suporte à linguagem e os elogios compatíveis com o nível de compreensão e a idade são posturas extremamente benéficas. É possível que a sutileza no direcionamento, na estrutura e no reforço os mantenha focados na tarefa ou no assunto. Em geral, os exames psiquiátricos de crianças ou adolescentes com deficiência intelectual devem revelar como enfrentaram os estágios do desenvolvimento. Tolerância a frustrações, controle de impulsos e comportamento motor e sexual são áreas importantes que devem ser focadas nas entrevistas. É igualmente relevante extrair dos pacientes informações sobre autoimagem, áreas de au toconfiança e uma autoavaliação da tenacidade, persistência, curiosidade e disposição para explorar o ambiente. Instrumentos estruturados, escalas de classificação e avaliação psicológica Nas situações em que crianças e adolescentes aprenderam a falar, é extremamente importante usar um entre os diversos instrumentos padronizados que incluem inúmeros domínios do desempenho cognitivo. Via de regra, no caso de crianças com idades de 6 a 16 anos, costuma-se administrar o Wechsler Intelligence Test for Children, e, para crianças de 3 a 6 anos, comumente se utiliza o Wechsler Intelligence Test for Children-Revised. Exame físico Várias partes do corpo podem apresentar características que identificam peculiaridades de condições ou eventos específicos do período perinatal e do período pré-natal associados a deficiências intelectuais. Por exemplo, a configuração e as dimensões da cabeça são dicas sobre a presença de uma grande variedade de condições, tais como microcefalia, hidrocefalia ou síndrome de Down. As peculiaridades de um paciente – como, por exemplo, hipertelorismo, ponte nasal achatada, sobrancelhas salientes e epicantos – possivelmente são indícios de alguma síndrome reconhecível, tal como a síndrome do alcoolismo fetal. Características faciais adicionais, incluindo opacidade da córnea, alterações na retina, orelhas pequenas com baixa implantação ou disformes, língua proeminente e distúrbios na dentição, podem ser estigmas de uma grande variedade de síndromes conhecidas. Fatores como expressão facial, cor e textura da pele e dos cabelos, palato ogival, dimensões da glândula tireoide e proporções entre o tronco e as extremidades são indicações da presença de síndromes específicas. A medição da circunferência da cabeça faz parte das investigações clínicas. A dermatoglifia é mais uma ferramenta diagnóstica porque, com frequência, se observam padrões atípicos de bordas e de dobras flexoras nas mãos de pessoas com deficiência intelectual. A dermatoglifia anormal ocorre nos casos de distúrbios cromossômicos e em pessoas que foram infectadas por rubéola no período pré-natal. Exame neurológico É frequente a ocorrência de alterações sensoriais entre pessoas com deficiências intelectuais. Por exemplo, as complicações auditivas ocorrem em 10% dos indivíduos com tal diagnóstico, taxa que é quatro vezes maior que a da população em geral. Os distúrbios visuais variam de cegueira àqueles de conceito espacial, desenho e reconhecimento, assim como conceitos da imagem corporal. Os distúrbios convulsivos ocorrem em 10% da população com deficiências intelectuais e em um terço dos indivíduos com deficiência intelectual grave. A incidência e a gravidade de anormalidades neurológicas aumentam na proporção direta do grau da deficiência intelectual. As perturbações nas áreas motoras manifestam-se por meio de anormalidades no tônus muscular (espasticidade ou hipotonia), reflexos (hiperreflexia) e movimentos involuntários (coreoateose). A deficiência pode também estar associada com falta de jeito e prejuízo na coordenação. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Deficiências intelectuais leves possivelmente não sejam reconhecidas ou diagnosticadas até que a escola desafie as habilidades sociais e comunicativas da criança. Os déficits cognitivos incluem falta de capacidade abstrativa e pensamentos egocêntricos, sendo que ambas as condições se tornam mais evidentes à medida que as crianças se aproximam do período intermediário da infância. Crianças com deficiências intelectuais mais leves podem apresentar um bom desempenho acadêmico no nível elementar mais elevado, assim como adquirir habilidades funcionais suficientes para o autossuporte em alguns casos, embora a assimilação social possa ser problemática. Déficits de comunicação, autoestima baixa e dependência podem contribuir ainda mais para uma relativa ausência de espontaneidade social. A probabilidade de que níveis moderados de deficiência intelectual sejam observados em idades mais jovens é significativamente maior, tendo em vista que as habilidades de comunicação se desenvolvem de forma mais lenta e o isolamento social pode ocorrer durante os anos da escola elementar. De modo habitual, as conquistas acadêmicas se limitam ao nível elementar e intermediário. Crianças com deficiências intelectuais moderadas provavelmente se beneficiem da atenção individual com foco no desenvolvimento de habilidades de autoajuda. No entanto, essas crianças têm consciência de seus déficits e com frequência se sentem alienadas em relação aos pares e frustradas devido a suas limitações. Elas continuam exigindo um nível bastante elevado de supervisão, mas podem se tornar competentes nas tarefas ocupacionais em ambientes com suporte. Via de regra, deficiências intelectuais graves são óbvias nos anos pré-escolares; as crianças afetadas apresentam fala mínima e desenvolvimento motor prejudicado. É possível que ocorra algum desenvolvimento linguístico durante a idade escolar. Na adolescência, caso a linguagem não tenha melhorado de forma significativa, pode ter havido alguma evolução fraca e não verbal na capacidade de comunicação. As abordagens comportamentais são meios úteis para promover alguns cuidados pessoais, embora os indivíduos com deficiências intelectuais graves em geral precisem de supervisão extensiva em geral. Crianças com deficiência intelectual profunda exigem supervisão constante e possuem habilidades comunicativas e motoras extremamente limitadas. Durante a vida adulta pode haver algum desenvolvimento da fala, com possibilidade de aquisição de habilidades simples de autoajuda. Com frequência, as características clínicas observadas em populações com deficiências intelectuais isoladas ou que façam parte de algum transtorno mental incluem hiperatividade, tolerância baixa a frustrações, agressividade, instabilidade afetiva, comportamentos motores repetitivos ou estereotipados e comportamentos de automutilação. Esses comportamentos ocorrem com mais frequência e com maior intensidade nos casos de deficiências intelectuais mais graves. EXAMES LABORATORIAIS Os testes laboratoriais que podem elucidar as causas de deficiência intelectual são os seguintes: análise cromossômica, testes de urina e de sangue para distúrbios metabólicos e estudos de neuroimagens. As anormalidades cromossômicas são as causas simples mais comuns de deficiência intelectual. TRATAMENTO As intervenções em crianças e adolescentes com deficiência intelectual fundamentam-se em avaliações das necessidades sociais, educacionais, psiquiátricas e ambientais. A deficiência intelectual está associada a uma grande variedade de transtornos psiquiátricos comórbidos que, com frequência, exigem tratamentos específicos, além de suporte psicossocial. Evidentemente, nas situações em que medidas preventivas estiverem à disposição, a abordagem ideal inclui intervenções primárias, secundárias e terciárias.Prevenção primária A prevenção primária engloba ações para eliminar ou reduzir as condições que levam ao desenvolvimento de deficiências intelectuais, assim como de distúrbios associados. Por exemplo, a triagem de bebês para fenilcetonúria e a administração de dietas com baixo teor de fenilalanina na presença de PKU alteram significativamente o surgimento de deficiência intelectual nas crianças afetadas. Os passos preventivos primários adicionais incluem educação do público em geral sobre estratégias para prevenir a ocorrência de deficiência intelectual, tais como abstinência de álcool durante a gestação; esforços permanentes dos profissionais da saúde para assegurar e melhorar as políticas de saúde pública; e legislação que garanta assistência médica ideal para as mães e as crianças. O aconselhamento familiar e genético ajuda a diminuir a incidência de deficiência intelectual em famílias com história de algum distúrbio genético. Prevenção secundária e terciária O atendimento imediato das complicações clínicas e psiquiátricas da deficiência intelectual podem reduzir o curso (prevenção secundária) e minimizar as sequelas ou as deficiências consequentes (prevenção terciária). Distúrbios metabólicos e endócrinos hereditários,como PKU e hipotireoidismo, podem ser tratados de forma efetiva nos estágios iniciais por meio de controle dietético ou de terapia de reposição hormonal. Transtorno do espectro autista O transtorno do espectro autista, antes conhecido por transtornos globais do desenvolvimento, é um grupo fenotipicamente heterogêneo de síndromes neuroevolutivas, com hereditariedade poligênica, que se caracteriza por uma ampla gama de problemas na comunicação social e por comportamentos restritos e repetitivos. Um consenso clínico recente mudou o conceito de transtorno do espectro autista para um modelo de transição gradual, em que a heterogeneidade dos sintomas é reconhecida como inerente ao transtorno, e os problemas diagnósticos básicos caíram em dois domínios: deficiências na comunicação social e comportamentos restritos e repetitivos. Via de regra, o transtorno do espectro autista se torna evidente no decorrer do segundo ano de vida, e, em alguns casos, e observa uma ausência de interesse evolutivo apropriado nas interações sociais, mesmo no primeiro ano de vida. Alguns estudos sugerem a possibilidade de que ocorra um declínio na interação social entre o primeiro e o segundo ano de vida. Embora os problemas linguísticos não sejam critérios diagnósticos primordiais nesse transtorno, os médicos e os pais compartilham preocupações sobre crianças que ainda não tenham desenvolvido linguagem alguma no período de 12 a 18 meses de idade; além disso, retardo linguístico acompanhado de uma retração no comportamento social é, com frequência, um sintoma preditor do transtorno de espectro autista. Nos termos do DSM-5, os critérios diagnósticos para o transtorno do espectro autista incluem deficiências na comunicação social e interesses restritos, que se apresentam na fase inicial do período evolutivo; entretanto, quando sutis, esses sinais talvez não sejam identificados até alguns anos mais tarde. O transtorno do espectro autista é diagnosticado com uma frequência quatro vezes maior em meninos do que em meninas. O transtorno do espectro autista está associado a diversos biomarcadores, potencialmente resultantes da interação de genes e de fatores ambientais, que influenciam a função neuronal e o desenvolvimento de dentritos, além de contribuírem para alterações no processamento das informações neuronais. Há vários biomarcadores de sinalização anormal no sistema 5-HT, nos mecanismos de plasticidade sináptica ligados ao mTOR e nas alterações do sistema inibitório do ácido "GAma-aminobutírico. O primeiro biomarcador identificado no transtorno do espectro autista foi um nível elevado de serotonina no sangue total, quase apenas nas plaquetas. DIAGNÓSTICO Critérios diagnósticos do DSM-5 para o transtorno do espectro autista A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos; ver o texto): 1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais. 2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits na compreensão e uso gestos, a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal. 3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares. Especificar a gravidade atual: A gravidade baseia-se em prejuízos na comunicação social e em padrões de comportamento restritos e repetitivos. B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos; ver o texto): 1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos (p. ex., estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas). 2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente). 3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos). 4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento). Especificar a gravidade atual: A gravidade baseia-se em prejuízos na comunicação social e em padrões restritos ou repetitivos de comportamento. C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida). D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente. E. Essas perturbações não são mais bem explicadas por deficiência intelectual (transtorno do desenvolvimento intelectual) ou por atraso global do desenvolvimento. Deficiência intelectual ou transtorno do espectro autista costumam ser comórbidos; para fazer o diagnóstico da comorbidade de transtorno do espectro autista e deficiência intelectual, a comunicação social deve estar abaixo do esperado para o nível geral do desenvolvimento. Nota: Indivíduos com um diagnóstico do DSM-IV bem estabelecido de transtorno autista, transtorno de Asperger ou transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação devem receber o diagnóstico de transtorno do espectro autista. Indivíduos com déficits acentuados na comunicação social,cujos sintomas, porém, não atendam, de outra forma, critérios de transtorno do espectro autista, devem ser avaliados em relação a transtorno da comunicação social (pragmática). Especificar se: Com ou sem comprometimento intelectual concomitante Com ou sem comprometimento da linguagem concomitante Associado a alguma condição médica ou genética conhecida ou a fator ambiental Associado a outro transtorno do neurodesenvolvimento, mental ou comportamental CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Sintomas centrais do transtorno do espectro autista Deficiências persistentes na comunicação e interação social. Via de regra, crianças com transtorno do espectro autista não se adaptam ao nível esperado de habilidades sociais recíprocas e de interações sociais não verbais espontâneas. Os lactentes com esse transtorno possivelmente não desenvolvam sorrisos sociais e, mais tarde, como bebês mais velhos podem não ter a postura antecipatória de serem colocados no colo de uma cuidadora. Contato com os olhos menos frequente e mais fraco é comum durante a infância e a adolescência, em comparação com outras crianças. O desenvolvimento social de crianças com o transtorno caracteriza-se por um comportamento de apego atípico, embora esse tipo de comportamento não esteja ausente. É possível que essas crianças não reconheçam ou diferenciem explicitamente as pessoas mais importantes em suas vidas – pais, irmãos e professores –, e, no entanto, é provável que não reajam de forma tão intensa quando são deixadas com uma pessoa estranha, se comparadas a outras crianças da mesma idade. É frequente as crianças com transtorno do espectro autista sentirem e demonstrarem uma ansiedade extrema quando sua rotina normal é interrompida. A partir do momento em que atingem a idade escolar, elas aprimoram as habilidades sociais, o que torna o isolamento social menos óbvio, sobretudo no caso das que têm nível mais elevado de desempenho. Entretanto, com frequência se observa uma deficiência nas brincadeiras espontâneas com pares e nas capacidades sociais sutis que estimulam o desenvolvimento de amizades. Muitas vezes, o comportamento social de crianças com autismo pode ser inadequado porque se caracteriza pela timidez. Nas crianças mais velhas em idade escolar, as deficiências sociais manifestam-se como uma ausência de conversas convencionais, menor compartilhamento de interesses e uma quantidade menor de gestos corporais e faciais no contato com outras pessoas. Sob o ponto de vista cognitivo, frequentemente crianças com esse transtorno têm mais habilidade nas tarefas visuais do que nas que exigem raciocínio verbal. Uma das características observadas em crianças com transtorno do espectro autista é a deficiência na capacidade de perceber os sentimentos ou o estado emocional das pessoas a seu redor. Ou seja, indivíduos com o transtorno não conseguem atribuir motivações ou intenções a outras pessoas (fato também conhecido como “teoria da mente”) e, por isso, sentem dificuldades para desenvolver empatia. A ausência da “teoria da mente” dificulta a interpretação do comportamento social de outras pessoas e produz ausência de reciprocidade social. Indivíduos com o transtorno do espectro autista em geral desejam fazer amizades, e as crianças com nível mais elevado de desempenho têm consciência de que sua falta de espontaneidade e a incapacidade de responder às emoções e aos sentimentos dos pares é o maior obstáculo para conquistá-las. É comum essas crianças serem evitadas ou rejeitadas por pares que têm expectativa de que participem de suas atividades principais e sentem seu comportamento tímido e alienante. De modo geral, adolescentes e adultos com transtorno do espectro autista desejam manter relacionamentos românticos, e, para alguns deles, o aprimoramento nas habilidades e na competência social possibilita o desenvolvimento de relacionamentos de longo prazo. Padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades. Desde os primeiros anos de vida, nas crianças com o transtorno do espectro autista, as brincadeiras exploratórias esperadas sob a ótica evolucionária são restritas e mudas. Essas crianças não usam brinquedos ou objetos da maneira habitual; em vez disso eles costumam ser manipulados de uma forma ritualística, com uma quantidade menor de características simbólicas. Em geral, as crianças autistas não apresentam o nível de brincadeiras imitativas ou de pantomima abstrata exibido pelas outras da mesma idade, nas quais essas características são espontâneas. As atividades e brincadeiras das crianças com o transtorno do espectro autista parecem ser mais rígidas, repetitivas e monótonas em comparação com os pares. Os comportamentos ritualísticos e compulsivos são comuns na fase inicial e intermediária da infância. Crianças afetadas apreciam girar, martelar e ver o fluir de um fluxo de água. Comportamentos compulsivos espontâneos, tais como alinhar objetos, são comuns; e, às vezes, uma criança com esse tipo de transtorno pode demonstrar um forte apego por determinados tipos de objetos inanimados. Crianças autistas com deficiência intelectual grave apresentam taxas elevadas de comportamentos autoestimuladores e autolesivos. Estereotipias, maneirismos e fazer caretas surgem com maior frequência nos casos em que a criança estiver em uma situação menos estruturada. Essas crianças costumam encarar transições e mudanças como intimidatórias. Fatos como mudança para outra casa, reorganização da mobília do quarto ou mesmo pequenas alterações, como fazer as refeições antes do banho, quando o contrário era a rotina, podem desencadear pânico, medo ou ataques de birra. Caraterísticas físicas associadas. À primeira vista, crianças com o transtorno do espectro autista não apresentam sinais físicos que indiquem a presença do transtorno. De maneira geral, elas realmente apresentam taxas mais elevadas de anomalias físicas de menor importância, como, por exemplo, malformações nas orelhas, e outras que podem ser reflexo de anomalias que ocorreram durante o desenvolvimento fetal dos órgãos, junto com partes do cérebro. Um número maior do que a expectativa de crianças com transtorno autista não apresenta destreza manual e lateralidade e permanecem ambidestras na idade em que o domínio cerebral costuma ser estabelecido. Observou-se que as que aquelas afetadas o transtorno apresentam uma incidência mais elevada de dermatoglifia anormal (p. ex., impressões digitais) do que a população em geral. Essa descoberta possivelmente seja a indicação de alguma perturbação no desenvolvimento neuroectodérmico. Sintomas comportamentais associados que podem ocorrer no transtorno do espectro autista Perturbações no desenvolvimento e uso da linguagem. As deficiências no desenvolvimento da linguagem e as dificuldades no uso da linguagem para comunicar ideias não fazem parte dos critérios básicos para diagnosticar o transtorno do espectro autista; entretanto, esses problemas ocorrem em um subgrupo de indivíduos com esse tipo de condição. Algumas crianças com esse transtorno não se recusam apenas a falar, e suas anormalidades na fala não resultam da ausência de motivação. O desvio linguístico, assim como o retardo no desenvolvimento da linguagem, é uma característica de subtipos mais graves desse transtorno. As crianças sofrem com a versão grave do transtorno sentem uma grande dificuldade para organizar as frases de uma forma inteligível, mesmo que tenham um vocabulário amplo. Nas situações em que as crianças com o transtorno e com retardo no desenvolvimento linguístico aprendem a conversar fluentemente, a conversação pode transmitir informações sem prosódia ou inflexão típicas. No primeiro ano de vida, o padrão típico de balbucio pode ser mínimo ou ausente. Algumas crianças com o transtorno do espectro autista vocalizam ruídos – cliques, guinchos ou sílabassem sentido – de uma forma estereotipada, sem intenção aparente de se comunicar. Ao contrário da maior parte das crianças, que geralmente têm melhores capacidades linguísticas receptivas do que expressivas, na realidade, as autistas podem expressar mais do que compreendem. Palavras ou mesmo frases completas podem entrar e sair de seu vocabulário. É bastante comum o fato de algumas usarem uma palavra uma vez e não usá-la novamente durante uma semana, um mês ou vários anos. Alguns jovens com o transtorno apresentam fala com ecolalia, tanto imediata como retardada, ou frases estereotipadas que parecem fora do contexto. Com frequência, esses padrões linguísticos estão associados a inversões pronominais. Uma criança com o transtorno pode dizer, por exemplo, “Você quer o brinquedo”, quando, na realidade, ela é quem deseja o brinquedo. As dificuldades de articulação também são muito comuns. Muitas crianças autistas usam uma qualidade e um ritmo peculiares de voz. Cerca de 50% das crianças autistas nunca chegam a desenvolver uma fala útil. Algumas das mais brilhantes têm uma fascinação especial por letras e números. Às vezes, são excelentes na execução de determinadas tarefas ou têm habilidades especiais; por exemplo, uma criança pode aprender a ler fluentemente na idade pré- escolar (hiperlexia). Embora consigam ler muitas palavras, crianças muito jovens com transtorno do espectro autista compreendem muito pouco o sentido daquilo que foi lido. Deficiência intelectual. Em torno de 30% das crianças com transtorno do espectro autista apresentam um nível intelectualmente incapaz no desempenho intelectual. Entre esse grupo, cerca de 30% apresentam desempenho na faixa variando de leve a moderado, sendo que quase 40 a 50% são grave ou profundamente deficientes sob o ponto de vista intelectual. As pontuações do quociente de inteligência (QI) desse transtorno em crianças com deficiências intelectuais tendem a refletir os problemas mais graves nas habilidades de sequenciamento e abstração, com forças relativas nas habilidades visuais e espaciais ou na aprendizagem de memória. Esse tipo de descoberta mostra a importância dos defeitos nas funções linguísticas. Irritabilidade. No sentido amplo, a definição de irritabilidade inclui agressão, comportamentos autolesivos e ataques graves de birra. Esses fenômenos são bastante observados em crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista. Em geral, é muito difícil superar os ataques graves de birra e, com frequência, o controle dos comportamentos autolesivos é extremamente problemático. Esses sintomas costumam ser produzidos por situações do dia a dia em que esses jovens mudam de uma atividade para outra, permanecem sentados na sala de aula ou ficam quietos quando sentem vontade de sair correndo. Nos casos de crianças afetadas pelo transtorno com desempenho mais baixo e com deficiências intelectuais, o instintivo agressivo pode surgir de forma inesperada, sem um desencadeador ou propósito óbvio, sendo observados também comportamentos autolesivos, como bater a cabeça, beliscar a pele e se morder. Instabilidade no humor e no afeto. Algumas crianças com transtorno do espectro autista apresentam mudanças repentinas de humor, com explosões de riso ou de choro, sem nenhuma razão óbvia. A melhor compreensão desses episódios se torna ainda mais difícil nas situações em que elas não conseguem expressar pensamentos associados ao afeto. Resposta a estímulos sensoriais. Observa-se que crianças com transtorno do espectro autista respondem de forma intensa a alguns estímulos e fraca a outros estímulos sensoriais (p. ex., ao som e à dor). É uma ocorrência comum que elas aparentem ser surdas; em geral, respondem muito pouco ao som da voz de uma conversa normal; no entanto, a mesma criança poderá demonstrar um interesse intenso pelo som de um relógio de pulso. Algumas crianças apresentam um limiar alto para dor ou respostas alteradas para ela. Na realidade, algumas não respondem a uma lesão com choro ou busca de conforto. Alguns jovens autistas persistem em alguma experiência sensorial; por exemplo, com frequência cantarolam uma música ou cantam a canção de algum anúncio comercial, antes de expressar palavras ou de usar a fala. Outros gostam particularmente da estimulação vestibular – rotação, oscilação e movimentos para cima e para baixo. Hiperatividade e desatenção. Hiperatividade e desatenção são comportamentos comuns em crianças com o transtorno do espectro autista. Níveis de atividade abaixo da média são menos frequentes; nesse caso, há alternância com excesso de atividade. Comportamentos como déficit de atenção e incapacidade para se concentrar em uma tarefa específica também interferem no desempenho diário. TRATAMENTO As metas principais dos tratamentos de crianças com transtorno do espectro autista são focar comportamentos básicos para melhorar as interações sociais e a comunicação; ampliar as estratégias de integração escolar; desenvolver relacionamentos significativos com ospares; e aumentar as habilidades para viver uma vida independente no longo prazo. As intervenções nos tratamentos psicossociais têm como foco principal ajudá-las a desenvolver habilidades nas convenções sociais, estimular comportamentos socialmente aceitáveis e prossociais com os pares e diminuir os sintomas de comportamentos estranhos. Muitos casos exigem soluções linguísticas e acadêmicas. Além disso, as metas dos tratamentos costumam incluir a redução de comportamentos irritáveis e disruptivos que possam surgir na escola ou em casa e ser exacerbados nos períodos de transição. Crianças com incapacidade intelectual precisam de intervenções comportamentais apropriadas sob a ótica evolutiva para reforçar comportamentos socialmente aceitáveis e incentivar habilidades de autocuidado. É frequente também que os pais de crianças com o transtorno se beneficiem da educação psicológica, do suporte e da orientação para otimizar o relacionamento e a eficiência com suas crianças. O tratamento amplo e detalhado do transtorno do espectro autista, incluindo programas comportamentais intensivos, treinamento e participação dos pais e intervenções acadêmicas ou educacionais, produziu resultados bastante promissores. Os componentes desses tratamentos abrangentes incluem expansão das habilidades sociais, comunicativas e linguísticas, geralmente pela prática de imitação, atenção conjunta, reciprocidade social e brincadeiras direcionadas às crianças de uma maneira centralizada. Cinco ensaios clínicos randomizados e controlados (ERCs) de intervenções comportamentais amplas e intensivas precoces com foco nas características básicas desse transtorno em crianças na faixa etária de 2 a 5 anos demons- traram que houve melhora na aquisição da linguagem, nas interações sociais e nas conquistas educacionais ao final do período do estudo, em comparação aos grupos-controle. Os períodos do estudo variavam de 12 semanas a vários anos, e os ambientes foram o doméstico, clínicas e escolas. TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO/ HIPERATIVIDADE O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma condição neuropsiquiátrica que afeta pré- escolares, crianças, adolescentes e adultos em todo o mundo, tendo como característica um padrão de redução sustentada no nível de atenção e uma intensificação na impulsividade ou hiperatividade. Embora diversas regiões do cérebro e vários neurotransmissores tenham sido implicados no surgimento dos sintomas, a dopamina continua sendo o foco das investigações. O envolvimento do córtex pré- frontal deve-se à alta utilização de dopamina e às conexões recíprocas com outras regiões cerebrais que participam da atenção, da inibição, das tomadas de decisão, da inibição a respostas, do trabalho de memória e da vigilância. O TDAH afeta entre 5 a 8% das crianças em idade escolar;60 a 85% dos indivíduos diagnosticados quando crianças continuam a atender aos critérios para o transtorno na adolescência, e até 60% permanecem sintomáticos na vida adulta. Com frequência, crianças, adolescentes e adultos com TDAH apresentam deficiências significativas na função acadêmica e em situações sociais e interpessoais. Esse transtorno costuma estar associado a transtornos comórbidos, tais como os da aprendizagem, de ansiedade, do humor e o do comportamento disruptivo. Diagnóstico Os sinais principais de desatenção, impulsividade e hiperatividade provavelmente se fundamentem na história detalhada dos padrões d desenvolvimento da criança, em combinação com a observação direta, sobretudo em circunstâncias que exijam atenção sustentada. Em algumas situações (p. ex., na escola), a hiperatividade pode ser mais grave, menos acentuada em outras (p. ex., entrevistas individuais) e menos óbvia em atividades recreativas estruturadas (esportes). O diagnóstico de TDAH exige a presença de sintomas persistentes e prejudiciais de impulsividade e hiperatividade ou desatenção em pelo menos dois ambientes diferentes. Por exemplo, a maior parte das crianças com a doença apresenta sintomas na escola e em casa. Critérios diagnósticos do DSM-5 para o TDAH A. Um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento e no desenvolvimento, conforme caracterizado por (1) e/ou (2): 1. Desatenção: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais: Nota: Os sintomas não são apenas uma manifestação de comportamento opositor, desafio, hostilidade ou dificuldade para compreender tarefas ou instruções. Para adolescentes mais velhos e adultos (17 anos ou mais), pelo menos cinco sintomas são necessários. a. Frequentemente não presta atenção em detalhes ou comete erros por descuido em tarefas escolares, no trabalho ou durante outras atividades (p. ex., negligencia ou deixa passar detalhes, o trabalho é impreciso). b. Frequentemente tem dificuldade de manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas (p. ex., dificuldade de manter o foco durante aulas, conversas ou leituras prolongadas). c. Frequentemente parece não escutar quando alguém lhe dirige a palavra diretamente (p. ex., parece estar com a cabeça longe, mesmo na ausência de qualquer distração óbvia). d. Frequentemente não segue instruções até o fim e não consegue terminar trabalhos escolares, tarefas ou deveres no local de trabalho (p. ex., começa as tarefas, mas rapidamente perde o foco e facilmente perde o rumo). e. Frequentemente tem dificuldade para organizar tarefas e atividades (p. ex., dificuldade em gerenciar tarefas sequenciais; dificuldade em manter materiais e objetos pessoais em ordem; trabalho desorganizado e desleixado; mau gerenciamento do tempo; dificuldade em cumprir prazos). f. Frequentemente evita, não gosta ou reluta em se envolver em tarefas que exijam esforço mental prolongado (p. ex., trabalhos escolares ou lições de casa; para adolescentes mais velhos e adultos, preparo de relatórios, preenchimento de formulários, revisão de trabalhos longos). g. Frequentemente perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (p. ex., materiais escolares, lápis, livros, instrumentos, carteiras, chaves, documentos, óculos, celular). h. Com frequência é facilmente distraído por estímulos externos (para adolescentes mais velhos e adultos, pode incluir pensamentos não relacionados). i. Com frequência é esquecido em relação a atividades cotidianas (p. ex., realizar tarefas, obrigações; para adolescentes mais velhos e adultos, retornar ligações, pagar contas, manter horários agendados). 2. Hiperatividade e impulsividade: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas persistem por pelo menos seis meses em um grau que é inconsistente com o nível do desenvolvimento e têm impacto negativo diretamente nas atividades sociais e acadêmicas/profissionais: Nota: Os sintomas não são apenas uma manifestação de comportamento opositor, desafio, hostilidade ou dificuldade para compreender tarefas ou instruções. Para adolescentes mais velhos e adultos (17 anos ou mais), pelo menos cinco sintomas são necessários. a. Frequentemente remexe ou batuca as mãos ou os pés ou se contorce na cadeira. b. Frequentemente levanta da cadeira em situações em que se espera que permaneça sentado (p. ex., sai do seu lugar em sala de aula, no escritório ou em outro local de trabalho ou em outras situações que exijam que se permaneça em um mesmo lugar). c. Frequentemente corre ou sobe nas coisas em situações em que isso é inapropriado. (Nota: Em adolescentes ou adultos, pode se limitar a sensações de inquietude.) d. Com frequência é incapaz de brincar ou se envolver em atividades de lazer calmamente. e. Com frequência “não para”, agindo como se estivesse “com o motor ligado” (p. ex., não consegue ou se sente desconfortável em ficar parado por muito tempo, como em restaurantes, reuniões; outros podem ver o indivíduo como inquieto ou difícil de acompanhar). f. Frequentemente fala demais. g. Frequentemente deixa escapar uma resposta antes que a pergunta tenha sido concluída (p. ex., termina frases dos outros, não consegue aguardar a vez de falar). h. Frequentemente tem dificuldade para esperar a sua vez (p. ex., aguardar em uma fila). i. Frequentemente interrompe ou se intromete (p. ex., mete-se nas conversas, jogos ou atividades; pode começar a usar as coisas de outras pessoas sem pedir ou receber permissão; para adolescentes e adultos, pode intrometer-se em ou assumir o controle sobre o que outros estão fazendo). B. Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estavam presentes antes dos 12 anos de idade. C. Vários sintomas de desatenção ou hiperatividade-impulsividade estão presentes em dois ou mais ambientes (p. ex., em casa, na escola, no trabalho; com amigos ou parentes; em outras atividades). D. Há evidências claras de que os sintomas interferem no funcionamento social, acadêmico ou profissional ou de que reduzem sua qualidade. E. Os sintomas não ocorrem exclusivamente durante o curso de esquizofrenia ou outro transtorno psicótico e não são mais bem explicados por outro transtorno mental (p. ex., transtorno do humor, transtorno de ansiedade, transtorno dissociativo, transtorno da personalidade, intoxicação ou abstinência de substância). As características que distinguem o TDAH são déficit de atenção e níveis elevados de distração para a idade cronológica e para o nível de desenvolvimento. Na escola, com frequência as crianças com TDAH têm dificuldade em seguir instruções e exigem um nível elevado de atenção individualizada da parte dos professores. Em casa, é frequente a dificuldade para seguir as orientações dos pais, que são obrigados a pedir diversas vezes que os filhos completem a execução de tarefas bastante simples. Em geral, essas crianças agem de maneira impulsiva, são instáveis sob o ponto de vista emocional, são explosivas, não conseguem manter o foco e são irritáveis. Crianças com predominância de hiperatividade possivelmente sejam encaminhadas para tratamento antes daquelas que têm déficit de atenção como sintoma principal. As crianças com a combinação de sintomas de desatenção e hiperatividade – impulsividade do TDAH, ou com predominância dos sintomas hiperativos – impulsos do transtorno, têm mais condições de receber um diagnóstico estável ao longo do tempo e de apresentar algum transtorno comórbido da conduta, se comparadas àquelas com TDAH caracterizado apenas pelo déficit de atenção. Com frequência, transtornos linguísticos específicos nas áreas de leitura, aritmética, linguagem e escrita ocorrem em associação comTDAH. A avaliação global do desenvolvimento permite excluir outras fontes de desatenção. A história escolar e os relatórios dos professores são de extrema importância para avaliar se as dificuldades de aprendizagem e o comportamento na escola são causados principalmente por desatenção ou pelo comprometimento da compreensão do material acadêmico. Além das limitações intelectuais, o mau desempenho escolar pode resultar de problemas de amadurecimento, rejeição social, transtornos do humor, ansiedade ou autoestima baixa em razão dos transtornos da aprendizagem. A avaliação do relacionamento social com irmãos, pares e adultos e a participação em atividades livres e estruturadas podem produzir dicas diagnósticas muito valiosas para a presença do TDAH. O exame do estado mental de uma determinada criança com TDAH que tenha consciência de sua deficiência pode refletir a presença de um tipo de humor deprimido ou desmoralizante, embora não seja necessário fazer testes de transtorno do raciocínio ou de problemas com a realidade. Uma criança com TDAH pode apresentar distração e perseverança, além de sinais de percepção visual, de percepção auditiva ou transtornos da aprendizagem com base linguística. O exame neurológico possivelmente revele a presença de deficiências ou de imaturidade discriminatória visual, motora, perceptiva ou auditiva, sem sinais manifestos de distúrbios visuais ou auditivos. Crianças com TDAH costumam enfrentar problemas de coordenação motora e têm dificuldades para encaixar cópias das figuras apropriadas, problemas de alternação rápida de movimentos, de discriminação do lado direito e esquerdo, ambidestria, de assimetrias reflexas e de uma grande variedade de sinais neurológicos não focais sutis (sinais suaves). Nas situações em que houver indicações de episódios de ausência, os médicos devem encaminhar o paciente para consulta neurológica, sendo útil a obtenção a eletrencefalografia para excluir a hipótese de transtornos convulsivos. Uma criança com foco convulsivo não identificado no lobo temporal tem probabilidade de apresentar perturbações comportamentais que podem se assemelhar àquelas dos casos de TDAH. Características clínicas O TDAH pode iniciar na primeira infância, embora raras vezes seja reconhecido até a idade em que a criança começa a andar. Em geral, os lactentes com esse transtorno são ativos no berço, dormem pouco e choram bastante. Na escola, crianças com TDAH podem se engajar rapidamente em um teste, porém respondem apenas às duas primeiras perguntas. Elas costumam não ter paciência para esperar a chamada e respondem antes de qualquer outra pessoa. Em casa, não conseguem esperar nem sequer por um minuto. Impulsividade e incapacidade para esperar elogios são reações típicas. Com frequência, são suscetíveis a acidentes. As características mais citadas de crianças com TDAH em ordem de frequência são hiperatividade, déficit de atenção (memória curta), distração, perseverança, incapacidade para concluir tarefas, desatenção, má concentração, impulsividade (agir antes de pensar, mudanças súbitas de atividade, falta de organização, dar pulos na sala de aula), déficits de memória e de raciocínio, incapacidade de aprendizagens específicas e deficiências na fala e na audição. Em geral, as características associadas também incluem deficiência motora perceptiva, instabilidade emocional e transtorno da coordenação do desenvolvimento. Um percentual significativo de crianças com TDAH apresenta sintomas comportamentais de agressão e desafio. Geralmente, as dificuldades escolares, tanto de aprendizagem quanto comportamentais coexistem com o TDAH. Os transtornos comórbidos da comunicação ou da aprendizagem que dificultam a aquisição, retenção e a exibição de conhecimentos complicam o curso do transtorno Tratamento Farmacoterapia. A terapia farmacológica é considerada o tratamento de primeira linha para TDAH. Os estimulantes do sistema nervoso central são a primeira escolha de agentes levando-se em conta que têm maior eficácia, e os efeitos colaterais geralmente são toleráveis. Os estimulantes são contraindicados para uso em crianças, adolescentes e adultos com anormalidades e riscos cardíacos conhecidos. Entretanto, em jovens saudáveis sob o ponto de vista médico, os relatos confirmam a excelência na segurança das preparações de liberação curta e sustentada de metilfenidato, de dextroanfetaminas e combinações de sais de dextroanfetaminas e anfetaminas). As preparações mais recentes de metilfenidato incluem a Metilina, uma forma mastigável do medicamento; Daytrana, um adesivo de metilfenidato; e dexmetilfenidato, o D-enantiômero e sua forma de ação prolongada, o Focalin XR. O foco principal dessas novas preparações é maximizar os efeitos-alvo e minimizar os efeitos adversos em indivíduos com TDAH com resposta parcial ao metilfenidato ou naqueles cuja dosagem tenha sido limitada pelos efeitos colaterais. O Venvanse (dimesilato de lisdexanfetamina) é um pró-medicamento da dextroanfetamina que depende do metabolismo intestinal para atingir a forma ativa. Ele foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para uso em crianças com idade igual ou superior a 6 anos. O Venvanse, que permanece inativo até a metabolização, é um agente com menor probabilidade de risco de abuso ou de overdose. Os efeitos colaterais e a eficácia desse medicamento assemelham-se aos de outras anfetaminas usadas no tratamento do TDAH. As estratégias atuais defendem a administração de preparações estimulantes de liberação sustentada uma vez ao dia, em termos de conveniência e de redução dos efeitos colaterais de rebote. As vantagens das preparações de liberação sustentada para uso em crianças são que uma dose pela manhã mantém os efeitos durante todo o dia, não sendo mais necessário que a criança interrompa o dia escolar; além disso, há a vantagem de os efeitos do medicamento serem mantidos no mesmo nível durante todo o dia, evitando períodos de rebote e de irritabilidade. Os medicamentos não estimulantes aprovados pela FDA para tratamento de TDAH incluem a atomoxetina, um inibidor da receptação de norepinefrina. Ao contrário dos estimulantes, a embalagem de atomoxetina tem uma tarja preta alertando sobre aumentos potenciais em pensamentos ou comportamentos suicidas, sendo importante monitorar esses sintomas em crianças com TDAH, da mesma forma que em crianças usando antidepressivos. Descobriu-se que os #-agonistas, incluindo a clonidina e a guanfacina, também são medicamentos eficazes no tratamento de TDAH. Recentemente, a FDA aprovou as formas de liberação estendida da clonidina e da guanfacina para tratamento do transtorno em crianças com idade igual ou superior a 6 anos. Antidepressivos como a bupropiona têm sido usados com vários graus de sucesso para tratar essa doença. Intervenções psicossociais. As intervenções psicossociais em crianças com TDAH incluem modalidades como psicoeducação, habilidades de organização acadêmica, reabilitação, treinamento de pais, modificação comportamental na sala de aula e em casa, terapia cognitivo-comportamental (TCC) e treinamento em habilidades sociais. Fatores como grupos de habilidades sociais, treinamento comportamental para pais de crianças com TDAH e intervenções comportamentais na escola e em casa foram estudados isoladamente e em combinação com o tratamento médico do TDAH. A avaliação e o tratamento de transtornos coexistentes da aprendizagem ou transtornos psiquiátricos adicionais são medidas de extrema importância. O nível de ansiedade diminui quando as crianças recebem ajuda para estruturar seus ambientes. O trabalho em equipe para desenvolver conjuntos concretos de expectativas para as crianças e um sistema de prêmios para quando as expectativas forem alcançadas é muito importante para os professores e para os pais. Uma das metas terapêuticasmais comuns é ajudar os pais de crianças com TDAH a reconhecer e promover a noção de que, mesmo que não consigam apresentar “voluntariamente” os sintomas do transtorno, as crianças ainda podem ser capazes de atingir expectativas razoáveis. Os pais também devem ser incentivados a reconhecer que, apesar das dificuldades dos filhos, cada criança tem capacidade para enfrentar as tarefas normais do processo de amadurecimento, incluindo a construção significativa da autoestima a partir do momento em que desenvolver a sensação de domínio. Portanto, crianças com TDAH não obtêm benefício algum com a isenção de exigências, expectativas e planejamentos aplicáveis a outras crianças. O treinamento parental é parte integrante das intervenções psicoterapêuticas para TDAH. A maior parte do treinamento parental tem como foco principal ajudar os pais a desenvolver intervenções comportamentais plausíveis, com reforço positivo, focando comportamentos sociais e acadêmicos. A aplicação de terapia de grupo com foco no refinamento das habilidades sociais e no aumento da autoestima e na sensação de sucesso pode ser muito útil em crianças com TDAH que mostrem dificuldade para participar de grupos, principalmente na escola. Uma intervenção recente, com duração de um ano, que aplicou terapia de grupo em uma instituição clínica para garotos com TDAH, concluiu que o procedimento ajudou-os a melhorar as habilidades nos jogos e a ter uma sensação de domínio em relação aos pares. Em primeiro lugar, os terapeutas pediram aos garotos para executar uma tarefa divertida em pares e, gradualmente, solicitaram que executassem projetos em grupo. Os garotos foram orientados a seguir instruções, aguardar e prestar atenção, assim como elogiados pela colaboração bem- sucedida. Transtorno específico da aprendizagem O transtorno específico da aprendizagem é um tipo de transtorno neuroevolutivo produzido por interações de fatores evolutivos e ambientais que influenciam a capacidade cerebral de perceber ou processar de maneira eficiente informações verbais e não verbais. Ele é caracterizado pela dificuldade persistente nas habilidades acadêmicas de aprendizagem relacionadas a leitura, expressão escrita ou cálculos matemáticos, que começa logo no início da infância e é incompatível com a capacidade intelectual total de uma criança. Com frequência, as crianças que apresentam o transtorno específico da aprendizagem encontram dificuldade em acompanhar os pares em determinados assuntos acadêmicos, embora possivelmente sejam melhores em outros. As habilidades acadêmicas que podem ser comprometidas com esse transtorno incluem fluência na leitura de palavras e frases simples, expressão escrita e ortografia e cálculos e soluções de problemas matemáticos. O transtorno específico da aprendizagem resulta em insucesso escolar inesperado com base no potencial da criança, assim como em oportunidade de ter aprendido um pouco mais. O transtorno específico da aprendizagem na leitura, ortografia e matemática parece se agregar nas famílias. O aumento no risco de déficits de leitura em parentes em primeiro grau varia de 4 a 5 vezes, e de cerca de 5 a 10 vezes para deficiências em matemática, em comparação à população em geral. A incidência do transtorno específico da aprendizagem é 2 a 3 vezes maior em homens do que em mulheres. Os problemas de aprendizagem em crianças ou adolescentes identificados dessa forma podem estabelecer a elegibilidade para serviços acadêmicos por meio do sistema de ensino público. TRANSTORNO ESPECÍFICO DA APRENDIZAGEM COM PREJUÍZO NA LEITURA Até 75% das crianças e dos adolescentes com transtorno específico da aprendizagem têm deficiência de leitura. De maneira geral, estudantes que tiverem problemas de aprendizagem em outras áreas têm também dificuldades com a leitura. A deficiência de leitura caracteriza-se pela presença de fatores como dificuldade para reconhecer palavras, leitura lenta e inadequada, má compreensão do texto e dificuldades ortográficas. Na população infantil, com frequência a deficiência de leitura é comórbida com outros transtornos, em particular o de déficit de atenção/hiperatividade. Diagnóstico Faz-se o diagnóstico de deficiência de leitura quando a capacidade de leitura estiver significativamente abaixo daquela esperada para crianças da mesma idade. As características diagnósticas típicas incluem lembrar, evocar e fazer o sequenciamento de letras e palavras impressas; processar construções gramaticais sofisticadas; e fazer inferências. O insucesso escolar e a baixa autoestima resultante exacerbam o problema à medida que a criança se torna cada vez mais desgastada com a sensação de falha e dedica menos tempo ao foco no trabalho acadêmico. Critérios diagnósticos do DSM-5 para transtorno específico da aprendizagem A. Dificuldades na aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas, conforme indicado pela presença de ao menos um dos sintomas a seguir que tenha persistido por pelo menos 6 meses, apesar da provisão de intervenções dirigidas a essas dificuldades: 1. Leitura de palavras de forma imprecisa ou lenta e com esforço (p. ex., lê palavras isoladas em voz alta, de forma incorreta ou lenta e hesitante, frequentemente adivinha palavras, tem dificuldade de soletrá-las). 2. Dificuldade para compreender o sentido do que é lido (p. ex., pode ler o texto com precisão, mas não compreende a sequência, as relações, as inferências ou os sentidos mais profundos do que é lido). 3. Dificuldades para ortografar (ou escrever ortograficamente) (p. ex., pode adicionar, omitir ou substituir vogais e consoantes). 4. Dificuldades com a expressão escrita (p. ex., comete múltiplos erros de gramática ou pontuação nas frases; emprega organização inadequada de parágrafos; expressão escrita das ideias sem clareza). 5. Dificuldades para dominar o senso numérico, fatos numéricos ou cálculo (p. ex., entende números, sua magnitude e relações de forma insatisfatória; conta com os dedos para adicionar números de um dígito em vez de lembrar o fato aritmético, como fazem os colegas; perde-se no meio de cálculos aritméticos e pode trocar as operações). 6. Dificuldades no raciocínio (p. ex., tem grave dificuldade em aplicar conceitos, fatos ou operações matemáticas para solucionar problemas quantitativos). B. As habilidades acadêmicas afetadas estão substancial e quantitativamente abaixo do esperado para a idade cronológica do indivíduo, causando interferência significativa no desempenho acadêmico ou profissional ou nas atividades cotidianas, confirmada por meio de medidas de desempenho padronizadas administradas individualmente e por avaliação clínica abrangente. Para indivíduos com 17 anos ou mais, história documentada das dificuldades de aprendizagem com prejuízo pode ser substituída por uma avaliação padronizada. C. As dificuldades de aprendizagem iniciam-se durante os anos escolares, mas podem não se manifestar completamente até que as exigências pelas habilidades acadêmicas afetadas excedam as capacidades limitadas do indivíduo (p. ex., em testes cronometrados, em leitura ou escrita de textos complexos longos e com prazo curto, em alta sobrecarga de exigências acadêmicas). D. As dificuldades de aprendizagem não podem ser explicadas por deficiências intelectuais, acuidade visual ou auditiva não corrigida, outros transtornos mentais ou neurológicos, adversidade psicossocial, falta de proficiência na língua de instrução acadêmica ou instrução educacional inadequada. Características clínicas Crianças com incapacidades para leitura costumam ser identificadas em torno da idade de 7 anos (2a série). A dificuldade de leitura pode ser aparente entre estudantes nas salas de aula em que as habilidades de leitura sejam esperadas ainda na 1a série. Eventualmente, as crianças compensam o transtorno da leitura nas séries elementarespelo uso da memória e de inferências, sobretudo aquelas com nível elevado de inteligência. Nessas circunstâncias, o transtorno pode não se tornar aparente até a idade de 9 anos (4a série) ou mais tarde. Crianças com deficiência de leitura cometem muitos erros na leitura oral. Esses erros caracterizam-se por omissões, adições e distorções de palavras. Essas crianças têm dificuldade para distinguir entre letras impressas, caracteres e tamanhos, em particular aqueles que se distinguem apenas em relação à orientação espacial e ao comprimento das linhas. Os problemas de gerenciamento da linguagem escrita ou impressa podem se referir a letras individuais, frases ou mesmo a páginas. A velocidade de leitura da criança é lenta, e em geral o nível de compreensão é mínimo. A maior parte das crianças com incapacidade de leitura tem habilidade compatível com a idade para copiar textos escritos ou impressos, porém quase todas têm habilidades fracas para ortografia. Os problemas associados incluem dificuldades linguísticas: discriminação e dificuldade para construir sequências de palavras de forma adequada. Crianças com transtornos da leitura podem iniciar uma palavra no meio ou no final de uma frase escrita ou impressa. A maior parte dessas crianças não gosta de ler e escrever e evita essas atividades. A ansiedade agrava-se ainda mais quando se defrontam com demandas que envolvam a linguagem impressa. Muitas crianças com transtorno específico da aprendizagem que não recebem educação corretiva se sentem envergonhadas e humilhadas em razão da deficiência contínua e da frustração subsequente. Esses sentimentos tornam-se mais intensos ao longo do tempo. As crianças mais velhas tendem a ficar deprimidas e irritadas, além de exibir autoestima baixa. Tratamento As estratégias corretivas para crianças com problemas de leitura têm como foco a instrução direta que encaminha a atenção do jovem para as conexões entre sons da fala e ortografia. Os programas corretivos eficazes iniciam a partir do momento em que a criança aprende a associar letras e sons de uma forma precisa. Essa abordagem fundamenta- se na teoria de que as deficiências básicas em problemas de leitura estão relacionadas com dificuldade para reconhecer e lembrar as associações entre letras e sons. Após o domínio dessas associações, a intervenção corretiva pode ser direcionada para componentes mais importantes da leitura, como sílabas e palavras. O foco exato de qualquer programa de leitura somente pode ser determinado após a avaliação precisa das deficiências e fraquezas específicas da criança. As estratégias positivas de exercícios de cópia incluem a formação de grupos de leitura pequenos e bem estruturados que ofereçam atenção individual e facilitem à criança pedir ajuda. TRANSTORNO ESPECÍFICO DA APRENDIZAGEM COM PREJUÍZO NA EXPRESSÃO ESCRITA A expressão escrita é a habilidade adquirida mais complexa para permitir a compreensão da linguagem e expressar pensamentos e ideias. Na maior parte das crianças, as habilidades para escrever têm alta correlação com a leitura, embora, para alguns jovens, a compreensão da leitura possa extrapolar sua capacidade para expressar pensamentos complexos. Em alguns casos, a expressão escrita é uma indicação bastante sensível da existência de deficiências mais sutis no uso da linguagem que, na maior parte das vezes, não chegam a ser detectadas pelos testes padronizados de leitura e linguagem. As deficiências na expressão escrita caracterizam-se por habilidades para escrever que estão significativamente abaixo do nível esperado para a idade e a educação de uma criança. Essas deficiências comprometem o desempenho acadêmico e a capacidade para escrever na vida cotidiana. Os componentes do transtorno da escrita incluem erros de ortografia, de gramática e de pontuação e má caligrafia. Os erros de ortografia estão entre as dificuldades mais comuns em crianças com esse transtorno. Erros de ortografia são, com frequência, erros fonéticos, isto é, pronúncia errônea que se parece a pronúncia correta. Os exemplos mais comuns desses erros são: “fone” em vez de “phone” ou “beleeve” em vez de “believe”. Historicamente, a disgrafia (i.e., habilidades de escrita fracas) era considerada uma forma de transtorno da leitura, contudo, nos dias atuais, está claro o suficiente que os problemas na expressão escrita podem ocorrer de forma isolada. Os termos que antes eram utilizados para descrever a deficiência de escrita incluíam transtorno da ortografia e dislexia da ortografia. As incapacidades da escrita costumam estar associadas a outras formas do transtorno específico da linguagem; entretanto, os problemas de capacidade de escrita podem ser identificados depois de outras formas porque em geral sua aquisição ocorre mais tarde, em comparação à linguagem verbal e à leitura. Diagnóstico Nos termos do DSM-5, o diagnóstico de transtorno específico da aprendizagem com prejuízo na expressão escrita baseia-se em fatores como a baixa capacidade de uma criança para usar com precisão a pontuação e a gramática nas frases, incapacidade para organizar parágrafos ou para articular ideias com clareza ao escrever. O mau desempenho para compor textos escritos inclui também má caligrafia, capacidade ortográfica fraca e dificuldades para colocar as palavras sequencialmente em frases coerentes, em comparação a outros indivíduos da mesma idade. Além dos erros de ortografia, os jovens com deficiência na expressão escrita cometem muitos erros gramaticais, como, por exemplo, usar mal os tempos verbais, omitir palavras nas frases e colocar as palavras na ordem incorreta. A pontuação pode ser errada e as crianças talvez tenham dificuldade para lembrar das palavras que iniciam com letras maiúsculas. Os sintomas adicionais de deficiências na expressão escrita incluem formação de letras ilegíveis, letras invertidas e mistura de letras maiúsculas e minúsculas. Outras características dos transtornos da escrita incluem má organização de histórias escritas, com omissão de elementos importantes, como “onde”, “quando” e “quem” ou ausência de expressão clara da trama. Características clínicas Logo no início do ensino fundamental, os jovens com deficiências na expressão escrita se defrontam com problemas relacionados à ortografia das palavras e em expressar suas ideias de acordo com as regras gramaticais compatíveis com a idade. As frases faladas e escritas contêm um grande número de erros gramaticais e de má organização de parágrafos. De maneira geral, as crianças afetadas cometem erros gramaticais simples, mesmo em frases curtas. Por exemplo, apesar dos lembretes constantes, essas crianças costumam não conseguir escrever em maiúsculas as primeiras letras das primeiras palavras das frases com um único parágrafo. As características clínicas típicas da expressão escrita incluem erros de ortografia, erros gramaticais, erros de pontuação, má organização de parágrafos e má caligrafia. Nas séries escolares mais avançadas, percebe-se que as frases escritas pelos jovens afetados se tornam mais primitivas, estranhas e imprecisas, em comparação ao que se espera dos alunos de mesmo nível escolar. Com frequência, os jovens com essas deficiências escolhem de modo inadequado ou equivocado as palavras, os parágrafos são desorganizados e fora de sequência e a exatidão ortográfica fica cada vez mais difícil à medida que o vocabulário se amplia e se torna mais abstrato. As características associadas das deficiências na expressão escrita incluem relutância em ir para a escola, recusa em fazer as lições de casa e dificuldades acadêmicas concorrentes em outras áreas. Compreensivelmente, muitas crianças com deficiências na expressão escrita se sentem frustradas e com raiva, abrigando sentimentos de vergonha e inépcia em relação às más realizações acadêmicas. Em alguns casos, transtornos
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