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'BASES-NEUROLÓGICAS-DA-PSICOSE-E-DA-NEUROSE-LESTE'

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1 
 
 
 
 
BASES NEUROLÓGICAS DA PSICOSE E DA NEUROSE - 
VISÃO PSICANALÍTICA 
 
1 
 
Sumário 
NOSSA HISTÓRIA .................................................................................. 2 
Introdução ................................................................................................ 3 
Psicose e neurose: visão Psicanalítica ................................................ 5 
A indeterminação freudiana da noção de neurose ............................. 18 
Modelos metapsicológicos e variações narrativas ............................. 26 
Adaptação, normatividade e fases do atendimento............................ 40 
REFERÊNCIAS ..................................................................................... 44 
 
 
 
 
2 
 
NOSSA HISTÓRIA 
 
 
A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de 
empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de 
Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como 
entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. 
A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de 
conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a 
participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua 
formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, 
científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o 
saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. 
A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma 
confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base 
profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições 
modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, 
excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
Introdução 
 
 
O problema da relação do corpo com a formação de sintomas neuróticos 
constitui o ponto de partida e a própria base sobre a qual se erigiram as questões 
fundamentais da metapsicologia freudiana. A sintomatologia da histeria, como é 
apreendida nos textos iniciais de Freud, não deixa dúvidas a respeito da 
importância dessa relação. 
Freud descobriu que os conteúdos subjetivos da vida mental não são 
facilmente acessíveis à investigação científica. Forças poderosas trabalham para 
se oporem às tentativas de investigação de conteúdos privados da mente 
individual. Freud classificou estas forças – que se expressam clinicamente como 
vergonha, culpa, ansiedade e outros – sob o nome de "resistências". Essas 
dificuldades ocorrem pelo fato de que as determinantes causais inferidas dos 
dados observacionais primários (acontecimentos mentais inconscientes que 
subjazem os processos de pensamento conscientes) não são conscientes por 
definição. Ele experimentou várias técnicas para vencer tais resistências (por 
exemplo: hipnotismo e técnica da pressão) e, com base nessas experiências, 
gradualmente desenvolveu a técnica psicanalítica definitiva da associação livre. 
 
4 
Tanto Freud como Luria sempre insistiram que para descobrir a 
organização neurológica do aparelho mental humano como compreendemos na 
psicanálise é necessário, em primeiro lugar, dissecar a estrutura interna 
psicológica das várias mudanças na personalidade, na motivação e na emoção 
complexa. Assim, os múltiplos fatores subjacentes produzindo esses sintomas e 
síndromes podem ser identificados, e cada um correlacionado com sua "cena de 
ação" neuro-anatômica. 
Entretanto, devido às forças de resistência descritas, esses fatores não 
podem ser revelados pelas técnicas neuropsicológicas convencionais. Os testes 
psicométricos e técnicas de comportamento básicos, que os neuropsicólogos 
usam para acessar o estado mental dos pacientes neurológicos, foram 
destinados para a investigação das desordens das funções cognitivas de 
superfície. Para que possamos revelar a estrutura psicológica subjacente, 
profunda, das desordens da personalidade, motivação e emoção complexa que 
aflige o paciente neurológico, portanto, a técnica da associação livre deve ser 
introduzida dentro do método neuropsicológico de Luria. 
Este tem sido o método neuro-psicanalítico por excelência, que evita as 
correlações isomórficas da psicanálise com a neurociência, e evita o 
reducionismo que leva à anulação do que é fundamental no método psicanalítico 
e do significado mais profundo de seus conceitos. 
 
 
 
5 
Psicose e neurose: visão Psicanalítica 
 
 
A Psicopatologia Psicanalítica se caracteriza pela compreensão da 
dinâmica psíquica que fundamenta cada uma das três possíveis estruturas da 
personalidade e dos conflitos psíquicos decorrentes desta estruturação. 
O termo nosografia é utilizado para designar a classificação e descrição 
das doenças. No caso específico da nosografia psicanalítica, os quadros 
psicogênicos são classificados em neuroses, psicoses, perversões e afecções 
psicossomáticas (Laplanche e Pontalis, 2001). 
 Freud considera que a personalidade já está bem formada no final do 
quinto ano de vida e que o desenvolvimento ulterior é essencialmente a 
elaboração dessa estrutura básica. 
O modelo psicanalítico propõe que inicialmente a criança não imagina que 
existam diferenças anatômicas e acredita que homens e mulheres têm 
anatomias semelhantes. 
Ao serem defrontadas com as diferenças anatômicas entre os sexos, as 
crianças criam as chamadas "teorias sexuais infantis", imaginando que as 
 
6 
meninas não têm pênis porque este órgão lhe foi arrancado (complexo de 
castração). As meninas veem-se incompletas (por causa da ausência e 
consequente inveja do pênis). 
Neste período surge o complexo de Édipo, no qual o menino passa a 
apresentar uma atração pela mãe e a se rivalizar com o pai, e na menina ocorre 
o inverso. 
A estrutura da personalidade se constitui a partir da solução dada pelo 
sujeito ao conflito advindo da vivência do Complexo de Édipo e da saída que 
encontra para lidar com a ansiedade intensa vivenciada frente à constatação da 
castração. 
No texto “neurose e psicose” (1925/2006), Freud aponta uma diferença 
básica entre neurose e psicose: 
 
Ao longo do texto, Freud afirma que a neurose se caracteriza pela recusa 
do ego em aceitar a poderosa pulsão do id, rejeitando a posição de mediador da 
satisfação pulsional. Ele opera a serviço do superego e da realidade (princípios 
morais), a partir do mecanismo do recalcamento. O material recalcado insiste em 
se fazer conhecido, logo, ele escolhe vias substitutas. O sintoma neurótico 
aparece, então, como sendo uma representação substitutiva. 
 Em “ A Perda da realidade na Neurose e na Psicose”, Freud afirma que 
tanto na neurose, quanto na psicose existe uma perturbação em relação do 
sujeito com a realidade: 
 
 
7 
A patologia neurótica se caracteriza pelo recalque do desejo durante o 
Complexo de Édipo. A somatização de conversão histérica, por exemplo, se 
fundamenta na presença de um desejo sexual que não foi satisfeito pelas vias 
normais. 
O neurótico não tenta abrandar a castração: a castração existe, mas ele 
tenta fazer com que quem seja castrado seja o outro e não ele. É o outro que 
fica no lugar da falta. O neurótico está marcado pela castração, investindo 
grandes quantidades de energia corporal e psíquica para manter inconsciente 
este conhecimento. O mecanismo da repressão está presente nesta defesa. 
O sintoma neurótico aparece, então, como sendo uma representação 
substitutiva, resultado da formação de compromisso entre o ego e o id. Por 
exemplo, a somatização de conversão histérica se fundamenta na presença de 
um desejo sexual que não foi satisfeito pelas vias normais. 
Na patologia psicótica há uma rejeição da realidade e do Complexo de 
Édipo. Os delírios, alucinações e depressões são uma tentativa frustrada de darsentido e lógica a uma visão de mundo particular, ocupando o lugar da fissura 
na relação do eu com o mundo. O sujeito cria uma nova realidade que é 
constituída de acordo com os impulsos desejosos do id. 
O ponto central da observação de Freud está na constatação de que, em 
ambas as estruturas, o mais importante não é a questão relativa à perda da 
realidade, mas sim os substitutos encontrados frente à castração. Na neurose, o 
substituto encontrado ocorre via mundo da fantasia; já na psicose, os substitutos 
são delírio e alucinação. 
 Na patologia perversa o que ocorre é a recusa da Castração Edipiana. O 
perverso não aceita ser submetido às leis paternas e, em consequência, às leis 
e normas sociais. Ele não rejeita a realidade e nem recalca os seus desejos. Ele 
escolhe se manter excluído do Complexo de Édipo e da alteridade e passa a 
satisfazer sua libido sexual consigo mesmo (narcisismo). 
Em "Três ensaios sobre a sexualidade" (1905), Freud afirma que "a 
neurose é o negativo da perversão". Esta frase se refere ao fato de que os 
sintomas mórbidos do neurótico representam uma conversão das pulsões 
 
8 
sexuais que deveriam ser chamadas de perversas, se pudessem encontrar uma 
expressão em atos imaginários ou reais. 
As perversões atualizam, na realidade, modos de satisfação sexual 
recusados na neurose, mas ativamente presentes nelas, sob os disfarces dos 
sintomas (Kaufmann, 1996). 
Para se defender da castração, o perverso usa um mecanismo mais 
poderoso que a repressão (usada com frequência pelo neurótico) que é a recusa. 
Ele tentará provar o tempo todo que a castração não existe, ou que é ele quem 
a faz. 
A recusa é um mecanismo em que uma percepção é substituída por uma 
crença. Ela vem junto com uma cisão do ego em que parte deste usa a repressão 
e parte usa a recusa. 
A elaboração do objeto fetiche é uma formação de compromisso entre 
duas correntes psíquicas conflitantes: uma sinaliza a ausência do pênis na mãe, 
a outra lhe atribui imaginariamente o pênis que supostamente falta na formação 
do objeto fetiche. 
Enquanto a psicose e a neurose surgem como resultados do conflito 
intrapsíquico, a perversão se apresenta como uma renegação da castração. Ao 
recusar a castração, o perverso mantém a crença na onipotência da mãe, na 
onipotência do desejo, mantém- se acreditando em um atributo fálico 
onipresente e onipotente. A castração coloca em jogo a percepção de que há 
um mundo de gozo e desejo entre os pais do qual a criança está excluída. 
 Nas atuações do perverso, há uma encenação da castração. O fetiche é 
o equivalente ao pênis da mãe; ocorre o uso de uma equação simbólica e não 
de um símbolo como o histérico é mais capaz de fazer, denunciando uma menor 
capacidade de simbolização do perverso perante o histérico. 
Diversos campos do saber têm tentado formular modelos explicativos 
para o surgimento dos distúrbios de conduta. Por muito tempo a sociologia 
propôs que jovens socialmente e economicamente desprivilegiados tendiam à 
criminalidade como forma de obterem sucesso. No entanto, essa teoria foi 
incapaz de sustentar-se, pois se pode observar frequentemente que a tendência 
 
9 
antissocial surge também entre pessoas com grande oferta de recursos 
financeiros e sociais. 
Quando estudamos os transtornos de personalidade a partir do referencial 
da psiquiatria, verificamos que os quadros descritos são apresentados em uma 
nosologia que independe do modelo estrutural proposto pela psicanálise, mas 
ainda assim podemos estabelecer correlatos com as três grandes categorias 
clínicas, que são a (1) neurose histeria e neurose obsessiva; (2) psicose 
paranoia, esquizofrenia, melancolia e hipocondria; (3) perversão. 
 
A partir do referencial psicanalítico, Fenichel, citado por Telles (1999), 
organizou os transtornos de personalidade em três categorias: 
 Os decorrentes de uma conduta patológica frente ao id (frigidez e 
pseudoemotividade, defesas contra angústia, racionalização, idealização, traços 
anais, orais, fálicos, uretrais, castração, caráter fálico e genital); 
 Os decorrentes de uma conduta patológica frente ao superego 
(defesas contra culpas, masoquismo moral, dom juanismo, falta aparente de 
sentimento de culpa, criminalidade e má identificação, atuação, neurose de 
destino); 
 Os decorrentes de uma conduta patológica frente a objetos 
externos (fixações em etapas prévias do amor, inibições sociais, ciúmes, 
ambivalência, pseudo sexualidade). 
 
10 
 Na patologia psicótica há uma rejeição da realidade e do Complexo de 
Édipo. Os delírios, alucinações e depressões são uma tentativa frustrada de dar 
sentido e lógica a uma visão de mundo particular, ocupando o lugar da fissura 
na relação do eu com o mundo. O sujeito cria uma nova realidade que é 
constituída de acordo com os impulsos desejosos do id. 
O ponto central da observação de Freud está na constatação de que, em 
ambas as estruturas, o mais importante não é a questão relativa à perda da 
realidade, mas sim os substitutos encontrados frente à castração. Na neurose, o 
substituto encontrado ocorre via mundo da fantasia; já na psicose, os substitutos 
são delírio e alucinação. 
A teoria freudiana, baseada no modelo da neurose e concebendo o 
psiquismo ao modo de um aparelho psíquico animado por pulsões, outorga ao 
complexo de Édipo e à sexualidade os eixos básicos da vida psíquica e, como 
consequência, dá ao pai um lugar central na estruturação da personalidade, nas 
formas e contornos do adoecer psíquico, além de estar na base da moral e da 
própria vida cultural. 
Segundo Campanário (2006), foi o trabalho de Lacan que permitiu o 
estabelecimento rigoroso e sistemático do conceito de estrutura em psicanálise, 
distinguindo neurose, psicose e perversão como estruturas clínicas. Na neurose 
estaria em jogo o recalque; na psicose, a forclusão e na perversão, a recusa da 
lei interditora do pai. 
Lacan considera a recusa/rejeição da realidade o mecanismo específico 
da estrutura psicótica, nomeado por ele como a foraclusão do nome-do-pai. 
A partir da análise de Freud sobre as formações inconscientes (lapsos, 
sonhos e jogos de palavras), Lacan formulou sua hipótese central de que o 
inconsciente é estruturado como linguagem. 
A capacidade humana de atribuir significação ocorre a partir do momento 
em que o sujeito adentra a função simbólica e esta inserção ocorre por 
intermédio da vivência do Complexo de Édipo. 
 
11 
 Durante a estruturação da personalidade, a criança inicialmente não está 
inserida no simbólico e seu contato com o mundo ocorre por intermédio da mãe, 
que identifica o filho como objeto de seu desejo e o sujeita às suas escolhas. 
Existe uma vivência simbiótica, em que a criança tem a experiência de ser 
cuidada por completo e atendida em suas necessidades por aquela que lhe 
possibilita uma experiência de completude e onipotência. Este significante inicial 
atribuído pela mãe vai marcar a identidade do sujeito e seu desenvolvimento 
mental. 
No primeiro tempo lógico o Outro é a mãe, pois o agente materno toma o 
bebê em uma posição de desejante e, ao cuidar dele, faz de si mesma o 
instrumento da vivência de satisfação do bebê. Este significante inicial atribuído 
pela mãe vai marcar a identidade do sujeito e seu desenvolvimento mental. 
O segundo tempo lógico ocorre com a entrada de um terceiro que introduz 
a lei da interdição, mostrando à criança a existência do Outro e marcando 
simbolicamente o fim da ilusória relação de completude e onipotência com a 
mãe. 
Nesse momento aparece a instância paterna como metáfora do pai o 
nome-do-pai. Esta instância é marcada pelo discurso da mãe, demonstrando 
para a criança que o desejo da mãe se encontra em outro lugar e que ela também 
é submetida a uma lei. 
A instância paterna não precisa estar associada a um pai concreto, mas 
a um discurso ou situação que seja capaz de demonstrar simbolicamente à 
criançaque existem outros objetos a serem desejados. O nome-do-pai 
representa tudo o que marca para a criança a ausência da mãe. Por exemplo, 
quando a mãe precisa deixar a criança para ir trabalhar. 
Deste modo, enquanto no primeiro tempo lógico o Outro é a mãe, a 
instauração do Nome-do-Pai é o que vem barrar o Outro onipotente e absoluto, 
inaugurando a entrada da criança na ordem simbólica. 
Por fim, podemos falar da entrada em um terceiro tempo lógico, em que 
ocorre a dissolução do complexo de Édipo, pois nessa etapa do desenvolvimento 
a criança não considera mais o pai como seu rival, e sim, como aquele que 
 
12 
possui o objeto de desejo de sua mãe, o falo. Essa é a fase das identificações, 
que acontecem de maneira diferente de acordo com a escolha de objeto da 
criança. 
Quando Lacan afirma que a foraclusão é o mecanismo da psicose, o que 
devemos compreender é que a rejeição do nome-do-pai implica que o sujeito 
não foi submetido à castração simbólica do processo edipiano. 
Ou seja, o sujeito psicótico é aquele que durante a vivência do Complexo 
de Édipo não sofreu a castração simbólica e, portanto, não desenvolveu a 
capacidade de simbolizar. A não inscrição do significante no Outro resulta nos 
distúrbios da linguagem e nas alucinações, que marcam a psicose. 
Na patologia perversa o que ocorre é a recusa da Castração Edipiana. O 
perverso não aceita ser submetido às leis paternas e, em consequência, às leis 
e normas sociais. Ele não rejeita a realidade e nem recalca os seus desejos. Ele 
escolhe se manter excluído do Complexo de Édipo e da alteridade e passa a 
satisfazer sua libido sexual consigo mesmo (narcisismo). 
Em "Três ensaios sobre a sexualidade" (1905), Freud afirma que "a 
neurose é o negativo da perversão". Esta frase se refere ao fato de que os 
sintomas mórbidos do neurótico representam uma conversão das pulsões 
sexuais que deveriam ser chamadas de perversas, se pudessem encontrar uma 
expressão em atos imaginários ou reais. 
As perversões atualizam, na realidade, modos de satisfação sexual 
recusados na neurose, mas ativamente presentes nelas, sob os disfarces dos 
sintomas (Kaufmann, 1996). 
Para se defender da castração, o perverso usa um mecanismo mais 
poderoso que a repressão (usada com frequência pelo neurótico) que é a recusa. 
Ele tentará provar o tempo todo que a castração não existe, ou que é ele quem 
a faz. 
A recusa é um mecanismo em que uma percepção é substituída por uma 
crença. Ela vem junto com uma cisão do ego em que parte deste usa a repressão 
e parte usa a recusa. 
 
13 
 A elaboração do objeto fetiche é uma formação de compromisso entre 
duas correntes psíquicas conflitantes: uma sinaliza a ausência do pênis na mãe, 
a outra lhe atribui imaginariamente o pênis que supostamente falta na formação 
do objeto fetiche. 
Enquanto a psicose e a neurose surgem como resultados do conflito 
intrapsíquico, a perversão se apresenta como uma renegação da castração. Ao 
recusar a castração, o perverso mantém a crença na onipotência da mãe, na 
onipotência do desejo, mantém- se acreditando em um atributo fálico 
onipresente e onipotente. A castração coloca em jogo a percepção de que há 
um mundo de gozo e desejo entre os pais do qual a criança está excluída. 
Nas atuações do perverso, há uma encenação da castração. O fetiche é 
o equivalente ao pênis da mãe; ocorre o uso de uma equação simbólica e não 
de um símbolo como o histérico é mais capaz de fazer, denunciando uma menor 
capacidade de simbolização do perverso perante o histérico. 
Assim, os mecanismos utilizados por cada uma das estruturas clínicas na 
Psicanálise são: 
 Neurose mecanismo: repressão da castração. No processo de 
solução do conflito edipiano, o sujeito rejeitou o conhecimento da existência da 
castração e, para lidar com a angústia, recalcou este conteúdo. No caso da 
repressão, o inconsciente sabe da realidade e a consciência, não. A 
representação reprimida encontra-se no inconsciente e vem à consciência por 
meio dos sintomas, enquanto substitutos simbólicos. 
 Psicose mecanismo: negação da castração. O psicótico se 
estrutura afirmando que a castração não existiu e para tanto cria outra realidade, 
que transparece por meio dos delírios e alucinações. 
 Perversão mecanismo: renegação da castração. O perverso 
substitui a crença da falta do falo na mãe pela convicção de que esta o possui 
ou mesmo de que ele é o próprio falo que falta à mãe. Neste mecanismo, a 
presença de uma crença implica a renegação da outra. A formação de 
compromisso se expressa na ritualização da castração através do objeto fetiche. 
A teoria freudiana, baseada no modelo da neurose e concebendo o 
psiquismo ao modo de um aparelho psíquico animado por pulsões, outorga ao 
 
14 
complexo de Édipo e à sexualidade os eixos básicos da vida psíquica e, como 
consequência, dá ao pai um lugar central na estruturação da personalidade, nas 
formas e contornos do adoecer psíquico, além de estar na base da moral e da 
própria vida cultural. 
E quanto ao autismo? Estaria situado em qual estrutura clínica? 
Considerando as estruturas clínicas inicialmente propostas pela teoria da 
libido freudiana, podemos diferenciar dois polos dentro da estrutura psicótica: a 
esquizofrenia e a paranoia. Contudo, nenhum desses polos contempla 
claramente o autismo. 
Existe no interior do campo psicanalítico uma discussão acirrada sobre o 
lugar do autismo junto às estruturas clínicas. O autismo seria uma faceta da 
psicose ou outra estrutura? 
Sabemos que na psicose o mecanismo presente é o da foraclusão do 
nome-do-pai, ou seja, a negação da castração. Mas quanto ao autismo? 
Proeminentes psicanalistas que vêm desenvolvendo sua prática junto à 
clínica do autismo propõem diversas possibilidades psicodinâmicas para explicar 
a constituição psíquica nos quadros autistas. 
Autores como Melanie Klein e Jacques Lacan consideram o autismo como 
uma patologia resultante da estrutura psicótica; enquanto outros psicanalistas 
como Alfredo Jerusalinsky, Marie-Christine Laznik e Robert Lefort referem-se ao 
autismo como uma construção fora dos padrões das estruturas clínicas 
estabelecidas pela psicanálise (Campanário, 2006). 
Jerusalinsky afirma não ser possível identificar a psicose e o autismo em 
uma mesma estrutura, pois, na psicose, está presente o mecanismo da 
forclusão, ao passo que no autismo trata-se da exclusão do campo significante 
(Campanário, 2006). 
 Conforme vimos, no mecanismo da foraclusão ocorre a rejeição do nome-
do-pai, implicando na não submissão do sujeito à castração simbólica do 
processo edipiano. A não inscrição do significante no Outro resulta nos distúrbios 
da linguagem e nas alucinações, que marcam a psicose. 
 
15 
No caso da exclusão o sujeito não chegou a ser inscrito no significante. O 
autista seria o sujeito que, por motivos variados, estaria impossibilitado de ser 
introduzido no campo da linguagem. 
A falta de alucinações no autismo permite diferenciar psicodinamicamente 
este quadro da esquizofrenia e fundamenta o argumento de que estes os dois 
não podem fazer parte de uma mesma estrutura psíquica. 
Enquanto o autista não compreende o mundo que o rodeia e, para se 
defender, tende a se isolar dele, o psicótico cria uma compreensão delirante do 
mundo e espera que todos no mundo se comportem de acordo com seu 
imaginário. 
Para entendermos essa discussão, precisamos retomar alguns conceitos 
fundamentais da Psicanálise. Conforme estudamos, a teoria freudiana concebe 
que o aparelho psíquico é animado por pulsões e outorga ao complexo de Édipo 
e à sexualidade os eixos básicos da vida psíquica. 
A pulsão pode ser compreendida como uma energia potencial e 
constante, que advêm do próprio organismo e alimenta a psique, realizando a 
ligação entre o somático e o psíquico. 
Freud descreveu o trajeto pulsional em três tempos (Sieiro, 2013): 
 Primeiro tempo - o bebê vai em buscade um objeto oral para 
apoderar-se dele, sendo este considerado um movimento ativo e que pode ser 
observado no encontro com o seio, com a mamadeira, entre outros. 
 Segundo tempo - o bebê vai em busca de si mesmo e seu próprio 
corpo passa a ser o objeto. Esse movimento também ativo é nomeado como 
auto-erotismo e pode ser percebido quando o bebê chupa sua mão, seu dedo, a 
chupeta, etc.; 
 Terceiro tempo - o bebê se faz objeto de um novo sujeito, ou seja, 
passa a sujeitar-se a outro. Esse movimento pode facilmente ser nomeado como 
passivo, mas se sujeitar, oferecer-se ao outro, também é um movimento ativo. 
Como exemplo dessas ações da criança em busca de fazer-se objeto temos: o 
ato da criança colocar o dedo na boca da mãe, o olhar da criança em busca do 
olhar da mãe, o balbuciar na presença do cuidador. 
 
16 
Segundo Sieiro (2013), a psicanalista Marie-Christine Laznik considera 
que o autismo resulta de uma falha de estruturação do aparelho psíquico por 
conta do fracasso do circuito pulsional, sobretudo no terceiro tempo, podendo 
levar à constituição de patologias diversas com déficits gravíssimos que fazem 
lembrar a oligofrenia. 
Quanto à discussão sobre o lugar do autismo entre as estruturas clínicas 
propostas pela psicanálise, Laznik afirma que o fracasso do circuito pulsional 
completo é um aspecto que favorece o diagnóstico diferencial entre psicose e 
autismo. 
Conforme vimos, a estruturação da personalidade ocorre a partir da 
solução dada pelo sujeito ao conflito decorrente da vivência do Complexo de 
Édipo. 
No caso da criança que virá a ser psicótica, a sua sujeição ao desejo do 
outro (mãe) ocorre normalmente, podendo se verificar isto através dos sinais que 
comprovam uma inserção no terceiro tempo do circuito pulsional. Assim, o 
desenvolvimento psicossexual ocorre normalmente, possibilitando a vivência do 
Complexo de Castração. 
 
Por esta razão, alguns autores afirmam que o autismo é uma quarta 
estrutura psíquica, elaborada sem a vivência do Complexo do Édipo; enquanto 
outros autores afirmam que sem a entrada na linguagem não existe a formação 
de uma estrutura, sendo o quadro autista uma patologia instalada antes da 
estruturação psíquica. 
 O autismo representa a não instauração da relação simbólica 
fundamental e sem o simbólico não existe a subjetividade. No autista, tudo é real 
e o espaço virtual não existe. 
 
17 
Nesta perspectiva, a manifestação da síndrome autística está relacionada 
à não instauração das estruturas psíquicas, trazendo como consequência 
déficits no desenvolvimento do bebê (Sieiro, 2013). 
Vasconcelos (2009), afirma que, tendo em vista que o terceiro tempo do 
circuito pulsional está ausente nas crianças autistas, é fundamental identificar a 
presença deste terceiro tempo pulsional no bebê para que se possa fazer um 
diagnóstico precoce, antes que se instale a síndrome autística. 
Laznik identificou dois sinais clínicos que podem ser percebidos ainda no 
primeiro ano de vida da criança e permitem um diagnóstico precoce 
(Vasconcelos, 2009): 
1. O não olhar entre a mãe e seu bebê, sobretudo se a mãe não 
percebe este fato. Este sinal permite pensar na hipótese de autismo, logo nos 
primeiros meses de vida. 
2. O segundo e mais importante sinal consistiria na não instauração 
do circuito pulsional completo, quando o terceiro tempo do circuito pulsional não 
é alcançado. 
Estes sinais podem ser identificados precocemente se os pediatras 
estiverem atentos às interações entre bebê-mãe/cuidador durante as consultas 
no primeiro ano de vida da criança. 
A falha na instauração do circuito pulsional sinaliza importante impasse 
na relação mãe-bebê. Este impedimento tanto pode ocorrer devido a limitações 
orgânicas da própria criança, dificultando que o bebê seja responsivo aos 
cuidados da mãe; quanto pode ocorrer quando a mãe não consegue responder 
às investidas da criança, devido a um quadro de comprometimento emocional, 
tal qual a melancolia. 
Conforme vimos, o não-olhar entre a mãe/cuidador e o bebê constitui um 
dos principais sintomas que permitem formular uma hipótese de autismo; por 
isto, a observação do pediatra e seu questionamento e orientações sobre as 
interações maternas com a criança podem constituir-se como ferramenta para 
intervenção precoce, além de possibilitar o encaminhamento para 
acompanhamento psicológico sempre que necessário. 
 
18 
Nesse sentido, o trabalho de prevenção em saúde mental seria facilitado 
pelos médicos que, ao detectar os sinais precoces de problemas graves com os 
bebês, poderiam encaminhá-los para as consultas psicológicas especializadas. 
Laznik ensina que o bebê com risco de autismo é capaz de olhar para a 
mãe ou para a qual a mãe fala ao seu bebê, com seus picos prosódicos 
acentuados e prolongamento das vogais (Vasconcelos, 2009). 
A introdução do terceiro tempo pode instituir outra dinâmica entre o bebê 
e a mãe, possibilitando o estabelecimento do laço ente eles. Isto significa intervir 
na relação do Outro com a criança (Vasconcelos, 2009). 
O terceiro tempo do circuito pulsional pode ser restabelecido por meio da 
intervenção de um profissional que saiba trabalhar esta relação pais-bebê, e 
principalmente se for antes dos três anos de idade, que é o período sensível no 
qual a criança se insere com mais naturalidade no campo dos significantes do 
Outro. 
 
A indeterminação freudiana da noção de neurose 
 
Contrariamente à tendência histórica do conceito, que é a de estabilizar a 
noção genérica de neurose como estrutura da personalidade, das quais as 
outras formas de personalidade e de patologia seriam dedutíveis ou deficitárias, 
mostraremos agora como Freud exerceu os critérios de seu método empregando 
uma noção de neurose muito mais flutuante e narrativa do que estamos 
acostumados a encontrar. 
Em outras palavras, a unidade do conceito de neurose, pressionada pela 
incorporação psiquiátrica da psicanálise, especialmente em solo anglo-saxônico, 
obscurece a hipótese de que Freud tenha descrito não apenas uma entidade 
clínica, submetida ao progresso crescente e convergente de suas descobertas, 
mas que ele tenha se apoiado em diferentes perspectivas definicionais que 
faziam da neurose um "fato clínico" ligeiramente diferente ao longo do tempo, 
conforme Freud empregava uma variação de paradigmas narrativos para defini-
la. 
 
19 
Acompanhamos aqui tanto os estudos de Ramos (2008), que sugere que 
a histeria no início da pesquisa freudiana era um paradigma diagnóstico muito 
mais vasto do que aquilo que hoje chamamos de histeria, quanto os argumentos 
de Van Haute e Geyskens (2010) de que a edipianização do diagnóstico 
freudiano deu-se muito mais tarde do que se pensa. Ou seja, a confiança na 
solidez de oposições diagnósticas de primeira ordem, como entre neurose e 
psicose, ou de segunda ordem, como entre histeria e neurose obsessiva, deve-
se muito mais à psiquiatrização da psicanálise, notadamente até os anos 1960, 
do que à realidade clínica e textual de sua psicopatologia. 
Uma declaração de Lacan, no final de seu ensino, pode servir para 
sintetizar este problema Que os tipos clínicos decorrem da estrutura, eis o que 
já se pode escrever, embora não sem flutuação. Isso só é certo e transmissível 
pelo discurso histérico. É nele, inclusive, que se manifesta um real próximo do 
discurso científico. Convém notar que falei de real, e não da natureza. (Lacan, 
1975/2003, p. 554) 
 
Ou seja, os tipos clínicos, como a histeria, a neurose obsessiva e a fobia, 
são dedutíveis de uma estrutura, como a neurose, mas com flutuações. Logo, é 
possível conceber passagens de um tipo a outro: uma histeria pode formar 
sintomas obsessivos, uma obsessão pode formar sintomas fóbicos. O mesmo 
não se aplica à passagem entre neurose e psicose. Tal relação de inclusão do 
tipo na estrutura ou da espécie ao gênero, além de móvel, só pode formar um 
consensose lemos o problema a partir do discurso histérico. Ocorre que o 
paradigma histérico é vasto e relativamente indeterminado se pensamos na 
evolução da obra freudiana. 
 
20 
É segundo este paradigma da histeria tomada como discurso, e não por 
outro qualquer, que o real, neste caso o real de pathos, pode se transmitir ao 
modo aparentado à ciência. Isso significa admitir que a psicopatologia 
psicanalítica é uma psicopatologia histérica, ou seja, neurótico-cêntrica. E um 
bom exemplo disso se dá quando identificamos a histeria simultaneamente como 
um tipo e como uma estrutura clínica. Ela é simultaneamente um tipo de neurose, 
dividida entre histeria de retenção ou de defesa, e a língua e o caso fundamental 
da neurose, do qual se deduz o funcionamento da fobia ou da neurose 
obsessiva. 
Comecemos por salientar como a noção de neurose sobrepujou suas 
concorrentes, tornando-se modelo psicopatológico hegemônico dentro da 
psicologia, já nos anos 1920, e na psiquiatria do DSM-I (1952) e DSM-II (1968) 
de inspiração psicodinâmica. Mesmo que desaparecida nominalmente no DSM-
II (1977), ainda que presente no CID-X até hoje, as principais distinções entre as 
classes de transtornos: de humor, de ansiedade, os tipos de sintomas e os tipos 
de personalidade, são de extração psicanalítica. Vejamos agora como o sucesso 
da noção de neurose, como organizador psicopatológico pode se ligar mais à 
sua capacidade de flutuação entre diferentes narrativas de sofrimento do que à 
sua potência de integrar processos em uma causalidade psicológica única. 
Inicialmente Freud tinha que justificar a pertinência diagnóstica da 
Neurose Histérica contra a psicastenia de Janet e contra a neurastenia de Beard. 
Lembrando que Freud era antes de tudo um médico, depois pesquisador em 
neurologia com uma formação algo rudimentar em psiquiatria, é curioso observar 
que a teoria freudiana das neuroses, como generalização dos achados sobre a 
histeria, é uma teoria psicológica que narrativiza as categorias de Cullen. Ainda 
que definida como uma neurose sem lesão, ou um "trauma dinâmico" (Freud, 
1893/1988), a neurose histérica faz convergir as quatro afecções neurológicas, 
dos movimentos e da sensibilidade, sem febre. 
Nos casos primários de Freud, observa-se a recorrência de sintomas 
ligados à perda da consciência, como nos desmaios e estados de ausência 
(coma), perda do controle voluntário como nos ataques histéricos, (espasmos), 
alteração da força vital como nas astasias, abasias e nos estados de hiper ou 
hipossensibilidade corporal (fraqueza-astenia) e modificação da relação de 
 
21 
representação para com a realidade (vesânias). Isso foi frequentemente 
atribuído à herança do trabalho de separação entre histeria e epilepsia, levado a 
cabo pelos desenvolvimentos semiológicos de Charcot (1887/2003), contudo 
isso deixa de lado que o próprio Charcot seguia o esquema diagnóstico de 
Cullen. Ou seja, a categoria de neurose antecede a partição entre neurologia e 
psiquiatria (Costa Pereira, 2010). 
Antes de debater-se com a oposição entre o psíquico e orgânico, entre 
psiquiatria ou neurologia, Freud considerou o discurso sobre as causas do mal-
estar, produzido pelo próprio paciente, como parte estrutural dos próprios 
sintomas, por isso ele precisava incluir todas as classes descritas por Cullen. A 
neurose não era apenas exteriorizações ou manifestações anódinas a serem 
remetidas a causas exteriores às suas representações, mas efeitos que devem 
ser reintegrados às causas estruturais. E causas estruturais exigem a tentativa 
de apreender a totalidade de um conjunto de possibilidades. Talvez seja isso que 
Lasègue tenha observado contra o trabalho de Charcot ao afirmar que: "a histeria 
jamais foi definida e é certo que nunca o será; seus sintomas não chegam a ser 
constantes, semelhantes ou iguais em duração e intensidade para que um tipo 
descritivo compreenda todas as suas variedades" (Bercherie, 1983, p. 61). 
Enquanto a psicastenia de Janet era um quadro restrito à narrativa da 
alienação da alma e sua consequente divisão da consciência, e enquanto a 
neurastenia de Beard era um quadro restrito ao excesso de estímulos intrusivos 
causados pela agitação da vida moderna, a histeria é, ao mesmo tempo, 
alienação da alma (trauma-divisão subjetiva), efeito da incidência de um objeto 
intrusivo (recalque da sexualidade infantil), violação de um pacto (o conflito 
edipiano e a angústia de castração) e perda da unidade do espírito (a repetição 
e o poder corrosivo da pulsão de morte). 
Freud teria assim conciliado o paradigma narrativo germânico, absorvido 
pela fonte de Meynert, segundo o qual o patológico se deduz de um quadro 
clínico como a amentia, com o paradigma narrativo francês, recebido de Charcot, 
segundo o qual a histeria é produzida pela intrusão de um "trauma dinâmico", 
um "trauma sem lesão". Em um segundo momento, esta tensão entre hipóteses 
etiológicas teria sido integrada nas formulações sobre o Édipo, ou seja, em uma 
espécie de estrutura capaz de reunir tanto a divisão do sujeito, entre a 
 
22 
identificação e escolha de objeto, quanto o caráter traumático da sexualidade 
incestuosa, endogâmica e parricida. 
A teoria da alienação, estruturalmente ligada à divisão do sujeito, conjuga-
se assim com uma teoria da negação do desejo, originando a concepção de que 
a violação de um pacto simbólico é simultaneamente uma negação do caráter 
universal da lei do desejo e uma perda que aliena este desejo ao Outro. A ideia 
de que sofremos como uma reedição da tragédia edipiana, atualizando nossa 
experiência particular de confronto com a lei com uma experiência universal 
diante da falta, integra dois paradigmas narrativos mais simples sobre nosso 
modo de sofrer, ou seja, de que sofremos porque perdemos nossa alma ao nos 
alienarmos ao desejo do Outro, que se torna desde então nossa lei inconsciente, 
e também sofremos porque não conseguimos suportar o retorno do estrangeiro 
que nos habita. 
A teoria lacaniana da estrutura tem o mérito de retomar tanto os primeiros 
alienistas, como Pinel, que viam na cura uma espécie de reconciliação da razão 
do desejo com sua própria alteridade, como incorporar o esquema 
psicopatológico alemão, de Kraepelin, Kretschmer e Jaspers, que via no 
processo mórbido a expressão das leis de uma estrutura mais fundamental e 
estranha à personalidade. É só em um segundo momento que o problema da 
universalidade da lei será posto em questão, gerando uma revisão tanto da teoria 
da sexualidade, expressa pela noção de sexuação, quanto uma revisão da teoria 
do reconhecimento, efetivada na teoria dos quatro discursos. 
A famosa virada dos anos 1960, representada pela introdução do conceito 
de objeto a, causa de desejo (Safatle, 2006) pode ser entendida como um 
correlato da virada freudiana dos anos 1920, com a introdução da pulsão de 
morte. Ambas levam adiante o problema fundamental da unidade e sua 
dissolução, assumindo definitivamente uma psicopatologia da não identidade. 
Esta psicopatologia, que em Freud se mostra pela ideia de fusão e 
desfusão das pulsões, e em Lacan aparece como a teoria do Real, no fundo 
compreende uma nova narrativa para fazer reconhecer o sofrimento, uma 
narrativa da dissolução da unidade do espírito. Como se as partes não 
encontrassem mais seu lugar ou seu feixe de relações com outras partes, em 
 
23 
uma espécie de perda ou anomia da Lei, que confere unidade ao aparelho 
psíquico, esta nova narrativa não exprime apenas o sofrimento decorrente da 
ameaça contra a identidade, apresentando soluções de recomposição pela 
extrusão ou ab-reação do objeto patógeno, nem pela simbolização da diferença 
negada, ou ainda pelo reconhecimento do caráter simbólico, vale dizer universal 
da lei edipiana. Agora é a própria identidade, do desejo ou do Outro, que aparece 
como um sintoma, como uma solução precária a ser defendida inutilmente.Esta 
experiência de autodissolução ou de não-identidade a si é o que Lacan chamou 
de gozo, e que exprimia, nos termos da diagnóstica freudiana o fato quantitativo 
capaz de determinar tanto as expectativas de cura quanto a força gerativa dos 
sintomas (Dunker, 2002). 
Um fenômeno homólogo de flutuação narrativa que apresentei 
anteriormente pode ser encontrado nas formulações de Lacan sobre a histeria. 
Ela foi sucessivamente descrita como uma questão sobre a feminilidade (Lacan, 
1955/1988), um tipo de desejo, o desejo insatisfeito (Lacan, 1958/1988), como 
uma modalidade de identificação ou de fantasia (Lacan, 1964/1988) e como 
forma de discurso, o discurso da histeria (Lacan, 1969/1988). 
Quando Lacan (1955/1988) desenvolve sua hipótese de que a estrutura 
da neurose é homóloga a um mito individual, ele considera que um mito é uma 
composição entre pares opostos de questões em si mesmas insolúveis. Baseado 
no modelo que Lévi-Strauss (1955/1988) desenvolvera para formalizar a 
estrutura antropológica dos mitos, primeiro a neurose obsessiva do Homem dos 
Ratos e depois a histeria de Dora são redescritas como uma questão histérica, 
ou seja, uma geratriz de problemas envolvendo o nexo simbólico de passagem 
entre gerações (filiação), a definição de si em relação aos seus semelhantes 
(narcisismo), a assunção de um tipo específico de gozo (masculino ou feminino) 
e a lei (morte). 
Ora esta primeira narrativa pensa a histeria como uma questão sobre a 
feminilidade, e pensa a feminilidade como uma questão sobre a confluência 
improvável entre o corpo e a reprodução. Neste momento, Lacan (1951/1988) 
recorre a Hegel para apresentar a histeria como a bela alma, que não consegue 
reconhecer-se na desordem de sua própria feminilidade. A histeria é então uma 
alienação redobrada, uma alienação em estado crítico. 
 
24 
Percebe-se que já em 1958 a descrição da histeria se altera um pouco. 
Ela passa a ser definida por um desejo, o desejo insatisfeito (Lacan, 1958/1988). 
Neste caso, a alienação passa a ser presumida como um atributo do sujeito em 
geral, sendo específico da histeria a relação privilegiada ao falo. Ser o falo, 
identificar-se ao falo, fazendo assim que a falta recaia sobre o Outro, assim como 
a divisão localize-se no sujeito, redefine a histeria como um tipo de desejo e não 
mais um estado paradigmático e excessivo de alienação do desejo. O falo, como 
lugar de identificação do sujeito, conduz à hipótese de que a castração paterna 
é uma condição inarredável para a sustentação do desejo histérico. Ele é, 
portanto, um desejo estruturado como uma negação, um desejo que se 
apresenta como sintomático em sua estrutura de condensação ou de metáfora. 
O que a histeria não consegue elaborar é justamente sua condição de objeto 
para o desejo do Outro. Este desejo é então significado como intrusivo e 
indefinidamente metaforizado, ou seja, negado. É neste momento que Lacan 
insiste na importância do sonho da bela açougueira como exemplo 
paradigmático de que o que define a histeria é a identificação com o desejo do 
Outro. 
Em 1964, Lacan incorporará a teoria da alienação da histeria ao desejo 
do Outro, cuja máxima kojeviana é o desejo do sujeito é o desejo do Outro, bem 
como sua releitura estrutural sobre o papel do pai como encruzilhada 
estruturante do sujeito, em termos de identificação, com um novo entendimento 
de identificação. A histeria sofre, sobretudo, porque ela encontra-se como causa 
constante de violação da lei. Ela é uma espécie de exceção permanente, para a 
qual seu desejo a atrai, e em torno do qual ela investiga o desejo em seu estado 
nascente. 
Tudo se passa como se Lacan invertesse a ordem etiológica da histeria. 
Não é mais que um objeto intrusivo tenha determinado a alienação do desejo do 
sujeito ao desejo do Outro. Agora a histeria, e a neurose por consequência, é 
definida pela função de causa assumida por um objeto que é, a um só tempo, no 
sujeito e no Outro, núcleo máximo da identidade e de sua dissolução, universal 
da lei de um sujeito e máxima particular que comanda sua fantasia fundamental. 
No fundo, tanto a castração quanto o incesto são uma fantasia, ou seja, a 
violação de uma possibilidade imaginária, investida de valor simbólico para o 
 
25 
desejo, mas impossível, ou real, do ponto de vista de sua realização empírica. A 
cura passa a ser a cura ou a travessia desta identificação histérica (Lacan, 
1964/1988). 
Finalmente, entre 1968 e 1970 (Lacan 1968, 1970/2003) a histeria é 
tratada como um tipo de discurso, o discurso histérico a ser contraposto ao 
discurso do mestre, ao da universidade e ao do psicanalista. Os discursos são 
também formas de estrutura, mas estruturas do laço social, deduzidas do mal-
estar, da impossibilidade (de governar, de educar, de desejar, de analisar), ou 
seja, estruturas definidas a partir do real. Aqui a histeria é tomada como 
paradigma psicopatológico, mas não em relação à psicose ou à perversão, e 
nem mesmo em relação à neurose obsessiva ou à fobia. Isso permite que ela 
seja pensada mais além da relação ao Pai, como sucedâneo da lei, e mais além 
do falo, como coordenador do sistema de identificações do sujeito. 
A histeria incorpora das definições anteriores a ideia de que sua verdade 
insuportável é sua condição de objeto a (narrativa do objeto intrusivo), e que, no 
lugar do agente que comanda seu discurso, encontra-se um sujeito dividido 
(narrativa da alienação da alma). Mas diferentemente da identificação do Pai ao 
lugar do Outro, na histeria definida como discurso, no lugar do Outro está o 
mestre (S1). E é deste mestre que a histeria extrai o seu a-mais-de-gozar que 
caracteriza sua produção discursiva, como demanda de saber. 
Se os discursos são formas de laço social e se o laço social é coordenado 
tanto pela lei que o torna possível quanto pelo gozo impossível, que produz seus 
efeitos entrópicos, a histeria não é tanto um problema de violação de um pacto 
quanto de um gozo que corrompe a identidade necessária para todo e qualquer 
laço social. Isso abrirá caminho para uma definição negativa da histeria em 
relação à feminilidade, que se desenvolverá em torno da teoria da sexuação e 
da diferença entre o gozo fálico (presente na histeria) e o gozo feminino 
(presente na mulher mais além da histeria). 
Ou seja, também em Lacan cada modelo metapsicológico está 
condicionado por uma narrativa clínica de referência, e estas estão em 
contradição relativa entre si. A narrativa da alienação da alma afirma que o mal-
 
26 
estar vem de si enquanto a narrativa do objeto intrusivo afirma que o mal vem do 
Outro. 
A localização do sofrimento na violação do pacto simbólico nega e afirma 
as duas anteriores, afirmando que o mal vem de si e do outro. Finalmente, a 
narrativa da dissolução da unidade do espírito nega o princípio de identidade que 
se encontra em vigor nas duas primeiras narrativas, da perda da ama e da 
intrusão do objeto, ou se apresenta sob forma de contradição ordenada na 
narrativa edipiana. Agora é a unidade que se encontra sob risco e a 
indeterminação, da identidade e de sua negação, que é colocada como fator de 
indução do sofrimento. 
Em Freud, o apogeu da histeria, depois da neurose obsessiva e finalmente 
das neuroses narcísicas, não deve ser considerado uma evolução natural com 
ganhos de generalização crescente. Descrita segundo paradigmas narrativos 
diferentes, a neurose não é uma mesma "doença" que se exterioriza em 
variações patoplásticas de suas manifestações, mantendo um núcleo comum em 
sua estrutura de personalidade. 
 
 
Modelos metapsicológicos e variações narrativas 
 
 
 
27 
Vejamos agora como certas variações narrativas afetaram os modelos 
metapsicológicos de Freud e de como estes alteraram sensivelmente a 
diagnóstica das neuroses ao longo do tempo. 
A determinação da neurose como estrutura decorrente do trauma-sexual 
liga-se à neurosecomo um dispositivo de divisão e alienação do sujeito, 
particularmente entre os anos 1894 e 1905. Aqui, as Psiconeuroses de Defesa 
(histeria, neurose obsessiva, fobia e paranoia) opõem-se às Neuroses Atuais 
(neurastenia, hipocondria e neurose de angústia). Isso sem mencionar a histeria 
de retenção ou a histeria hipnoide que opunha Freud e Breuer como paradigma 
para Estudos sobre Histeria (Freud & Breuer, 1893/1988). Contudo, a maior parte 
dos casos discutidos corresponde aos tipos combinados, ou neuroses mistas. 
Isso decorria da dificuldade que o modelo apresentava para interpretar a origem 
do sintoma da angústia. Ou seja, já na primeira partilha diagnóstica freudiana 
este não consegue estabelecer tipos puros. 
O ponto de vista que se segue, portanto, parecia ser o mais provável. As 
neuroses que comumente ocorrem devem ser classificadas, em sua maior parte, 
de "mistas". A neurastenia e as neuroses de angústia são facilmente 
encontradas também em formas puras, especialmente em pessoas jovens. As 
formas puras de histeria e neurose obsessiva são raras; em geral, essas duas 
neuroses combinam-se com a neurose de angústia. A razão por que as neuroses 
ocorrem com tanta frequência é que seus fatores etiológicos se acham muitas 
vezes entremeados, às vezes apenas por acaso, outras vezes como resultado 
de relações causais entre os processos de que derivam os fatores etiológicos 
das neuroses. (p. 261) 
Um trabalho crucial para entender este primeiro modelo metapsicológico 
das neuroses é Psiconeuroses de Defesa (Abwehr-Neuropsychosen) (Freud, 
1894/1988). Seu subtítulo já indica a precariedade da generalização postulada: 
Ensaio (Versuch) de uma teoria psicológica da histeria adquirida, de muitas 
fobias (vieler Phobien) e representações obsessivas (Zwangvostellungen) e 
certas psicoses alucinatórias. Ou seja, tratava-se de apenas uma classe das 
histerias, as adquiridas, excluindo-se as hereditárias, muitas fobias, mas não 
todas e muitas das representações obsessivas. Isto é, a neurose obsessiva é 
 
28 
tomada aqui por seu sintoma mais significativo, a obsessão, e não como 
estrutura que agrega todos os sintomas sob uma causa comum. 
Prova disso é a ostensiva indeterminação da relação entre causa 
traumático-sexual e efeito - sintomático, uma vez que o mesmo evento levou a 
várias reações patológicas que produziram ou a histeria, ou uma obsessão, ou 
uma psicose alucinatória. A capacidade de promover um desses estados - que 
estão todos ligados a uma divisão da consciência - através de um esforço 
voluntário desse tipo deve ser considerada como manifestação de uma 
disposição patológica, embora esta não seja necessariamente idêntica à 
"degeneração" individual ou hereditária. (Freud, 1894/1988, p. 68). 
 
Finalmente, incluem-se na classe das psiconeuroses as psicoses 
alucinatórias, derrogando francamente a oposição, posteriormente consolidada, 
entre neurose e psicose. A condição de formação de signos patológicos é a 
divisão da consciência, mas ela mesma não explica porque temos um ou outro 
tipo de sintoma. Não é a separação da libido ou a formação de um grupo psíquico 
separado que explica o sintoma, mas o destino da libido, o retorno do que foi 
apartado. É possível argumentar que neste primeiro momento Freud se utiliza 
sistematicamente de noções como a etiologia da neurose, o próton-pseudos 
histérico, o trauma originário, o núcleo patógeno, porque seu paradigma 
narrativo presume que o sofrimento decorre da aparição de um objeto intrusivo, 
aqui representado pela sexualidade. Este é o protótipo realista ou fantasiado da 
fantasia de sedução que constitui falso início (próton pseudos) da histeria - uma 
 
29 
situação ou cena que é lembrada posteriormente como um encontro prematuro, 
em um momento em que o aparelho psíquico ainda não se encontrava 
"preparado" para tramitar ou simbolizar tamanho montante de intensidade 
libidinal. Esta sobrecarga, gerada pelo despreparo ou inadvertência do 
psiquismo histérico, sempre colhe o sujeito em posição passiva, ao contrário da 
neurose obsessiva, no qual este aparece em posição ativa. 
As neuroses são um caso ampliado desta intrusão, por isso elas são 
definidas pela defesa contra ideias inconciliáveis (Unverträglich), que ocasionam 
uma divisão psíquica (Spaltung), que separa afetos de suas representações, 
gerando um recalcamento (Verdrängung), cujo retorno deformado, quer no 
corpo, quer em ideias substitutivas ou objetos, forma sintomas. Acresce este 
modelo o caso de uma: "modalidade defensiva muito mais enérgica e bem 
sucedida que consiste na foraclusão (verwerfen) da representação insuportável 
junto com o afeto e se comporta como se a representação nunca houvera 
acontecido" (Freud, 1894/1988, p. 69). 
A afirmação encontra-se em contradição com a afirmação do próprio texto 
de que o aparelho psíquico não pode tomar qualquer experiência como se 
tivesse sido "non arrivé". Temos então a seguinte distribuição diagnóstica, na 
qual se verifica que a grande oposição se dá entre psiconeuroses de defesa e 
neuroses atuais: Entre 1905-1914 este modelo é substituído pela hipótese de 
que a neurose pode ser mais bem compreendida como recalque da infância, no 
interior da qual se dão as experiências traumáticas. Desloca-se a força 
determinativa do acontecimento para sua lembrança e da sexualidade para sua 
fantasia. Este período compreende a redescrição das modalidades de 
organização pulsionais em relação com as possiblidades de desvio de objeto, de 
objetivo, de fixação ou de regressão da pulsão. 
A neurose é cada vez mais aproximada de formações narrativas como: 
teorias sexuais infantis (Freud, 1908), romance familiar do neurótico (1909), 
práticas religiosas (1907). É assim que a neurose aparece como um dispositivo 
de defesa contra o desejo inconsciente, uma forma de negação simbólica que 
se articula com o caráter, como identificações abandonadas bem como na 
condição de exigências dos sintomas. 
 
30 
Na apresentação do caso do Homem dos Ratos encontramos um uso raro 
da noção de estrutura por Freud: 
 
Ou seja, há um discernimento analítico da estrutura, que se pode obter no 
contexto de uma neurose grave como esta. E este discernimento não se separa 
das justaposições envolvidas no tratamento. É neste momento que Freud usa a 
própria metáfora dos usos da linguagem para designar o parentesco entre 
neurose obsessiva e histeria o meio pelo qual a neurose obsessiva expressa 
seus pensamentos secretos, a linguagem da neurose obsessiva, é por assim 
dizer um dialeto da linguagem histérica, mas em relação ao qual se deveria 
conseguir mais facilmente empatia, pois se aparenta mais com o dialeto histérico 
do que com nosso pensar consciente. (Freud & Breuer, 1909/1988 a, p. 124) 
Há então três termos de comparação, o nosso "pensar consciente" 
ordinário e comum, ao qual a neurose obsessiva se assemelha, e depois há o 
parentesco que torna a neurose obsessiva um dialeto desta língua fundamental 
da neurose que seria a histeria. 
No entanto, com a descoberta do narcisismo, em 1911, e a importância 
crescente atribuída ao problema da gênese e das perturbações do eu, Freud 
passa a deslocar-se no pantanoso terreno das psicoses. No período de sua mais 
estreita colaboração com Jung e Bleuler, no contexto da escola Suíça de 
psiquiatria, as ideias diagnósticas de Freud, como a noção de divisão (Spaltung), 
de regressão e de fixação começam a ser importadas para a descrição do quadro 
esquizofrênico, e do autismo, derivado do autoerotismo. Tal desenvolvimento 
tem por oposição a escola psiquiátrica de Munique, liderada por Kraepelin, na 
qual o entendimento das formas psicopatológicas está muito mais perto do 
conceito de doença do que da noção de estrutura de linguagem. Unindo as duas 
vertentes encontra-se a noção de defesa (Abwehr), a partir da qual as diferentes 
patologias poderiam ser comparadas. 
 
31 
Alteram-seentão as oposições diagnósticas. As neuroses de 
transferência (histeria de conversão, neurose obsessiva e histeria de angústia), 
opõem-se às neuroses narcísicas (parafrenia, paranoia, esquizofrenia, 
melancolia). A primeira acepção enfatiza a neurose como narrativa de alienação, 
identificação, transferência e repetição ao outro. Já a segunda definição salienta 
a gênese do eu, suas regressões e fixações, ao modo de defesas evolutivas ou 
involutivas. Registremos que a primeira acepção ressalta a linguagem e a 
memória, e a segunda, o tempo e suas modulações. Articulando ambas as 
versões de neurose encontramos a noção de fantasia. É por isso que uma das 
definições mais amplas e recorrentes de neurose, neste período, afirmará que: 
"as neuroses são, pode-se dizer, o negativo das perversões" (Freud & Breuer, 
1905/1988, p. 165) 
A definição da neurose como defesa contra a fantasia perversa traz um 
sério inconveniente para a própria definição de perversão, uma vez que esta 
corresponderia a um conjunto de disposições que "realizam" fantasias neuróticas 
ou a um conjunto de comportamentos que se deduzem da normalidade genital, 
violando o princípio propriamente diagnóstico da psicanálise. Ora, isso introduz 
uma disparidade óbvia na noção de estrutura quando aplicada entre neurose e 
psicose, e quando aplicada entre neurose e perversão. 
Neste sentido, as narrativas do trauma e da alienação da alma são 
simplesmente dispensáveis para definir a perversão. Ora, a teoria da defesa é 
no fundo uma concepção mais genérica do que a ideia de trauma, que depende 
de uma narrativa ligada à alienação da alma, mas agora conjugada com a 
concepção que busca uma etiologia dos sintomas baseada no modelo de um 
elemento intrusivo, uma alteridade que não pode ser reconhecida pelo próprio 
aparelho psíquico que dele se defende. Por isso ela é pensada segundo atos de 
negação, de operações de retorno do recalcado, de divisões e recomposições 
sintomáticas da subjetividade. 
Temos aqui o cruzamento entre a experiência infantil do drama edipiano 
e o mito moderno formulado por Freud em Totem e Tabu (1914/1988). O pai 
aterrador e indutor de angústia confunde-se temporal e narrativamente com o 
pai ancestral canibalizado e totêmico. Aqui a neurose poderia ser redescrita 
como uma operação de reconstituição da força simbólica da paternidade, 
 
32 
derrogada pela hostilidade produzida pelo drama infantil. Em Análise da Fobia 
de uma Criança de Cinco Anos, o caso do Pequeno Hans, (Freud, 1909/1988) a 
função do pai passa a ser decisiva. A teoria de Édipo e seu complexo nuclear de 
castração nos remete ao conflito cruzado envolvendo atos de escolha de objeto 
e de reformulação de identificações. Seu referente é a angústia como articulador 
da falta entre o objeto e identificação, entre imaginário e simbólico. As oposições 
entre narcisismo e amor de objeto são tematizadas no âmbito da noção de lei 
simbólica (ofensa corporal, perda de amor, diferença entre os sexos). 
O esquema etiológico se multiplica. As acepções de neurose variam 
segundo sua incidência no tempo (fixação, regressão, retenção) e na linguagem 
(mito, teoria, romance). A neurose infantil é um momento estruturante da 
experiência infantil associável ao Complexo de Édipo, definida como o negativo 
da perversão, exprimindo ainda uma ligação regular entre sintomas e fantasias. 
Esta acepção de neurose deve ser distinguida e conectada com a neurose 
desencadeada no adulto: produção de novos sintomas a partir da reativação da 
neurose infantil. Ligando as duas apresentações temporais da neurose, 
encontramos ainda a neurose de transferência, como reprodução artificial e 
miniaturizada da neurose no interior do tratamento psicanalítico dos sintomas 
que assim podem ser tratados. Agora a oposição diagnóstica decisiva passa a 
ser entre as neuroses que fazem transferência e as neuroses que fracassam em 
investir objetos substitutivos na fantasia: 
Entre 1915-1924 a neurose é reconsiderada com a hipótese ascendente 
da violação do pacto edipiano e correlativa emergência da angústia. A retomada 
da teoria do trauma e a reconsideração da gênese da angústia levam Freud a 
redescrever o conflito edipiano agora com a ênfase em um tipo especial de 
angústia, a neurótica. O processo de indução da culpa e da ampliação da 
angústia, antes pensada como efeito do fracasso circunstancial do recalcamento 
é agora reformulada como a causa do recalque. Uma encruzilhada capital para 
este giro narrativo em Freud é o caso do Homem dos Lobos (Freud, 1918/1988). 
A investigação cerrada e detalhadamente reconstrutiva sobre sua neurose 
infantil, de natureza fóbica, contrasta com sintomas de neurose obsessiva na 
vida adulta e a aparição de uma paranoia hipocondríaca no período pós-
tratamento. Nele se cruzam a hipótese da sedução infantil, a fantasia de 
 
33 
castração (cena primária) e as vicissitudes da fixação e da regressão ao erotismo 
anal. O tema do pacto edipiano e de sua violação domina toda a apresentação 
narrativa do caso. Aqui se multiplicam as imagens sobre as vassalagens do eu 
(entre realidade, supereu e id), das múltiplas procedências da angústia (perda 
de amor, ameaça real, castração), das várias procedências da resistência e do 
compromisso entre exigências múltiplas: 
A neurose é extraordinariamente rica em seu conteúdo, pois abarca os 
vínculos possíveis entre o eu e o objeto, tanto aqueles que este conserva, como 
outros, que ele renuncia ou erige em seu interior, e assim também os vínculos 
conflitivos entre o eu e seu ideal de eu. (Freud, 1920/1988, p. 136) 
 
Na verdade, a violação do pacto edipiano reúne a narrativa da alienação 
da alma (identificações e escolhas de objeto) com a narrativa da intrusão de 
objeto mórbido (crise narcísica, angústia de castração) adicionando 
explicitamente um novo ingrediente: o processo de socialização do sujeito. As 
duas narrativas anteriores são casos particulares, ou restritos, de um processo 
mais geral que definiria a neurose como bloqueio de relações de 
reconhecimento. O ponto chave para esta mudança é a introdução do supereu, 
em 1920, justamente como este operador da lógica das trocas, dos 
compromissos, dos dons e dos sacrifícios para o sujeito. Esta ideia da troca, 
compromisso e substituição será amplamente empregada para definir a neurose 
em contraste com a psicose: 
 
34 
 
Isso altera substancialmente a economia das oposições diagnósticas. As 
neuroses de defesa (histeria, neurose obsessiva, fobia) opõem-se externamente 
às neuroses narcísicas e internamente aos subtipos de neuroses definidas como 
grupo de sintomas (neurose traumática, neurose de guerra, neurose de destino, 
neurose de caráter). Aqui as relações comparativas parecem se estabilizar, mas 
talvez isso ocorra justamente porque Freud procura elementos conceituais que 
explicam a multiplicação de suas oposições clínicas. Para além das oposições 
inicialmente descritas entre regressão e fixação ou entre negação-aceitação, 
agora se incluem as oposições entre masculinidade e feminilidade, atividade e 
passividade, realidade e fantasia, fálico e castrado, sadismo e masoquismo: "Só 
se pode apreciar retamente a significatividade do complexo de Édipo [na 
determinação da neurose], se por sua vez levamos em conta sua gênese da fase 
do primado do falo" (Freud, 1923/1988, p. 147). 
As neuroses atuais são integradas ao estatuto de sintomas preferenciais 
das neuroses estruturais, a histeria com a neurose de angústia, a neurastenia 
com a neurose obsessiva e a hipocondria é assimilada à paranoia. Novamente 
é o Complexo de Édipo, entendido como um sistema de trocas e equivalências 
simbólicas que explica a aptidão para uma ou outra prática sexual no quadro da 
relação entre frustração, renúncia e castração. 
Do ponto de vista narrativo a neurose é aproximada da antiga relação 
religiosa com os demônios. 
Não precisamos ficar surpresosem descobrir que, ao passo que as 
neuroses de nossos pouco psicológicos dias de hoje assumem um aspecto 
hipocondríaco e aparecem disfarçadas como enfermidades orgânicas, as 
neuroses daqueles antigos tempos surgem em trajes demoníacos. (Freud, 
1923/1988, p. 73) 
 
35 
Esta relação, estudada no artigo acima, é mediada por um pacto. Um 
contrato no qual o demônio recebe a alma do contratante e em troca lhe oferece 
serviços para seu desejo. Ganha nova importância a noção de séries 
complementares, por meio da qual um fator etiológico é compensado pela 
emergência proporcional de outros. Portanto a narrativa do pacto não se dá 
apenas intersubjetivamente, mas também intrassubjetivamente. A articulação 
entre conflitos postos em uma espécie de hierarquia, centralizada pelo Édipo, 
dentro deste pelo falo e ainda em seu interior pelo complexo de castração explica 
a profunda afinidade deste momento narrativo com a sedimentação das 
oposições diagnósticas, principalmente entre neurose e psicose. "A neurose é o 
resultado de um conflito entre o eu e seu id, enquanto que a psicose é o 
desenlace análogo de uma similar perturbação nos vínculos entre o eu e o 
mundo exterior" (Freud, 1924/1988a, p. 125). 
Do ponto de vista dos tipos interiores à neurose este é também o período 
em que se multiplicam as formas de neuroses não clássicas, definidas por 
grupos de sintomas mais ou menos estáveis, mas sem forte correlação 
estrutural. Isso acontece tanto pela anexação as neuroses atuais às neuroses 
histérica e obsessiva, e ainda da hipocondria à psicose, quanto pelo uso livre da 
neurose em qualificativos como: neurose demoníaca, neurose de destino, tipo 
de escolha de neurose, disposição neurótica, tipos de caráter neuróticos, e assim 
por diante. 
Finalmente, no período que vai de 1923 a 1939, o paradigma causal se 
altera, assumindo o processo de fusão e desfusão das pulsões, com a correlata 
clivagem do eu, a tarefa de conciliar na estrutura dos sintomas o eu. Aqui a 
neurose é considerada como repetição, perda e recomposição de unidade. 
O superego surge de uma identificação com o pai… cuja consequência é 
a dessexualização ou sublimação da atividade pulsional propiciando uma 
desfusão. Deste modo, o componente erótico não é capaz de unir a 
agressividade que anteriormente encontrava-se combinada fazendo com que 
esta seja liberada sob a forma de uma inclinação à agressão e à destruição. Esta 
desfusão seria a fonte do caráter de severidade do superego. (Freud, 1923/1988, 
p. 67) 
 
36 
Lembremos que a partir de Mal-estar na Civilização é a força e severidade 
do supereu que determinam quantitativamente a força e intensidade dos 
sintomas e da culpa. Depois do Édipo, a autoridade internalizada forma o 
supereu, este transforma em consciência ou sentimento de culpa, que surge 
como uma "permanente infelicidade interna". Culpa e angústia são resultado de 
uma renúncia (Versagung) pulsional, a mais originária em consequência do 
medo da agressão externa e posteriormente em virtude do medo da autoridade 
interna representada pelo supereu. 
Se a dissolução da unidade é explorada do ponto de vista da pulsão pelas 
combinações e desfusões, ainda que sublimatórias, entre pulsão de morte e 
pulsão de vida, o estudo comparativo da neurose desloca-se da psicose para a 
perversão. E de fato é na perversão que encontramos uma série de fenômenos 
clínicos ligados à produção de excessiva unidade da meta pulsional (fixação) ou 
de seu objeto (fetichismo). 
 
Os fatos dessa cisão do ego (Ichspaltung), que acabamos de descrever 
não são tão novos ou estranhos como podem parecer a princípio. Ela é, na 
verdade, uma característica universal da neurose que está presente na vida 
mental dos sujeitos, e que se relaciona a um comportamento peculiar, a duas 
atitudes diferentes, contrárias entre si e independentes uma da outra. (Freud, 
1927/1988, p. 151) 
 
37 
Trata-se, portanto, de outra narrativa de sofrimento, ou seja, aquela que 
se organiza em torno da perda da relação entre as partes e a unidade, dissolução 
da identidade pela diferença, corrupção do espírito e de suas funções. Neste 
ponto a neurose como estrutura (histeria, neurose obsessiva e fobia) é oposta 
às psicoses (esquizofrenia, paranoia, melancolia). Contudo, a ênfase é colocada 
em processos inicialmente descritos para a perversão (Verleugnung) que 
permitem explicar tanto fenômenos psicóticos (alucinação negativa) quanto 
sintomas neuróticos (clivagem do eu). 
A função sintética do eu, que possui uma importância tão extraordinária, 
tem condições particulares e sucumbe a toda uma série de perturbações. [O 
fetiche] não contrariou simplesmente sua percepção, ele não alucinou um pênis 
ali onde não via nenhum, somente empreendeu um deslocamento 
(descentramento) de valor, transferindo o significado do pênis para outra parte 
do corpo. (Freud, 1940/1988, p. 277) 
Portanto, é tanto a síntese do eu quanto a síntese das pulsões, enquanto 
tendência de Eros a produzir unidades e ligações, que se vê questionada. Já em 
Inibição, Sintoma e Angústia (Freud, 1926/1988), esta disparidade entre os 
processos indutores de sintoma e indutores de angústia havia sido verificada. 
Mas naquela ocasião a solução foi tentar descrever uma espécie de tipologia da 
angústia. 
Depois de 1924 parece surgir um novo entendimento etiológico de 
neurose, agora baseado nas articulações problemáticas entre masoquismo e 
narcisismo, bem como nas relações de fusão e de desfusão entre as pulsões, 
notadamente a pulsão de morte. Mas senão, vejamos: não é que a realidade é 
perdida na psicose e conservada na neurose, sua perda é comum a ambas, 
ainda que não da mesma forma. Contudo a perda da realidade, antes tratada 
como um assunto de negociação e substituição, agora é questionada mais 
radicalmente do ponto de vista de sua suporta e dada unidade. Novamente 
encontramos a narrativa hobbesiana do choque com o perigo e da lei como 
proteção contra a dissolução de si: 
Assim o perigo de desamparo psíquico é apropriado ao perigo de vida 
quando o ego do indivíduo é imaturo; o perigo da perda de objeto, até a primeira 
 
38 
infância, quando ele ainda se acha na dependência de outros; o perigo de 
castração, até a fase fálica; e o medo do seu superego, até o período de latência. 
Não obstante, todas essas situações de perigo e determinantes de ansiedade 
podem resistir lado a lado e fazer com que o ego a elas reaja com ansiedade 
num período ulterior ao apropriado; ou, além disso, várias delas podem entrar 
em ação ao mesmo tempo. É possível, além disto, que haja uma relação 
razoavelmente estreita entre a situação de perigo que seja operativa e a forma 
assumida pela neurose resultante. Quando, numa parte anterior desta 
apreciação, verificamos que o perigo da castração era de importância em mais 
de uma doença, ficamos alerta contra uma superestimativa desse fator, visto que 
ele poderia não ser decisivo para o sexo feminino, que indubitavelmente está 
mais sujeito a neuroses do que os homens. (Freud, 1926/1988, p. 107) 
Assim como em Mal-estar na Civilização (1929), a neurose será 
repensada a partir dos processos de culpa e de masoquismo, internos à 
disjunção entre a pulsão de morte e de vida e o retorno da agressividade contra 
o próprio eu. O eu defende-se se colocando de forma masoquista como um 
objeto para o sadismo do supereu. Esta é a fórmula não da indução de sintomas, 
mas da explicação de por que certos sintomas causam maior ou menor 
sofrimento. 
Aparentemente Freud intui a força do mal-estar na civilização como um 
paradoxo de nomeação, que ao reduzir o sofrimento, permitindo técnicas para 
mitigá-lo, acaba produzindo novas regras e imposições ao eu, aumentando 
assim seu sofrimento. Disso decorre que a neurose deixa de ser comparada 
apenas com outras estruturas clínicas e é abordada também como uma técnica 
para evitar o sofrimento. Ao lado da solidãodos que se retiram do mundo, 
daqueles que se organizam em uma comunidade para dominar a natureza, dos 
que recorrem aos métodos de intoxicação e anestesia, dos que se dedicam à 
sublimação ou ao cultivo estético da existência, dos que se consagram ao cultivo 
das ilusões delirantes ou não, dos que buscam a felicidade na realização 
amorosa, dos que fogem para a realidade do trabalho ou da fantasia, aparecem 
os neuróticos: "Como última técnica de vida, que lhe promete menos satisfações 
substitutivas, se lhe oferece o refúgio na neurose, refúgio que na maioria dos 
casos já se consuma na juventude" (Freud, 1929/1988, p. 84). 
 
39 
Portanto, a cada deslocamento da ênfase clínica de fato se correlaciona 
com uma reformulação da diagnóstica freudiana da neurose. As alterações do 
tipo de narrativa de sofrimento que Freud adota em cada momento produzem 
transformações metapsicológicas e ao mesmo tempo são produzidas por estas. 
Percebe-se assim as profundas reorganizações das relações de ordem e 
classe atinentes ao uso da noção de neurose em Freud. Elas não são 
constantes, nem concordantes, variando profundamente sua nomeação 
conforme o princípio causal que se lhe atribua. Contudo tal variância pode não 
ser um problema a ser resolvido de forma nominalista pela fixação do sentido 
convencional de neurose. Esta flutuação é exatamente o que permite entender 
como diferentes paradigmas narrativos condicionam a diagnóstica freudiana 
muito além de uma acumulação de resultados. 
A distinção entre mal-estar e sofrimento, pouco tematizada nos primeiros 
desenvolvimentos de Freud, e ganha força nos dois últimos paradigmas 
narrativos: da dissolução do eu e do pacto edipiano. Isso ocorre porque cada 
qual despsicologiza o sofrimento, tornando-o, no segundo caso, a expressão de 
suspensão das relações de troca pulsional e desejante e, no primeiro caso, uma 
decorrência da estrutura ontológica das pulsões. A condição histórico 
antropológica trazida pelo Complexo de Édipo e a condição existencial que 
carrega a noção de pulsão de morte convida a uma reformulação diagnóstica 
que inclua, para além do sintoma, o mal-estar (Unbehagen) e o sofrimento 
(Leiden). 
A indeterminação da relação entre os sintomas, em sua suposta 
identidade diagnóstica, e as narrativas, que lhes conferem articulações de 
reconhecimento, talvez não seja erradicável. As noções de estrutura em acepção 
aristotélica e de personalidade, em conotação psicológica, realizam esta função 
de maneira inadvertida. Isso por si só não justifica a atitude desconexionista da 
psiquiatria de nossa época, que tende a isolar os sintomas ignorando suas 
relações de ordenamento temporal e sua potencial contradição como classe. 
 
40 
 
 
Adaptação, normatividade e fases do atendimento 
 
É evidente que a clínica e a pesquisa envolvendo pacientes neurológicos 
não é nova, embora tenha sido, até recentemente, domínio praticamente 
exclusivo da neurologia clínica, ocupada com a observação de patologias 
cerebrais específicas acompanhadas de variações do funcionamento psíquico. 
Nunca é demais lembrar que Freud formou-se na escola alemã de Neurologia, 
tendo sido aluno de Brücke e de Meynert e, depois, circulado pela escola 
francesa, tendo ficado bastante impressionado com Charcot e com as histéricas 
da Salpetrière. Basicamente, Freud acreditava que: 
(1) as variações nas faculdades psicológicas seguem leis de 
funcionamento próprias (e não as da anatomia cerebral): as síndromes 
psicológicas precisam ser descritas e explicadas em seus próprios termos 
psicológicos; 
(2) as faculdades psicológicas não são destruídas por lesões cerebrais 
localizadas: são distorcidas e modificadas de modo dinâmico, refletindo sua 
conexão com outras faculdades. 
Dito de outro modo, os processos psíquicos apresentam leis próprias de 
funcionamento, são processos complexos derivados da interrelação entre 
componentes mais elementares. Deste ponto de vista, o psíquico é o produto de 
sistemas funcionais dinâmicos capazes de se organizarem e de se adaptarem a 
contextos variáveis e, portanto, deve ser concebido como distribuído entre os 
 
41 
elementos estáticos do sistema nervoso (não podendo ser localizado em regiões 
anatômicas restritas). Com isso, Freud aderia a uma linhagem neurológica 
diversa daquela na qual fora educado — adesão que lhe permitiu inventar a 
Psicanálise. 
É evidente que psicanálise e neurociência cognitiva têm referenciais e 
modos de abordagem diversos a serem preservados em suas especificidades. 
Se a psicanálise é uma prática centrada na transferência e na causalidade 
psíquica inconsciente, a neurociência cognitiva se situa do lado de uma 
causalidade apoiada no método experimental. 
A clínica com pacientes neurológicos permite a formulação de novas 
questões e, consequentemente, o avanço teórico e técnico. Dentre as várias 
possíveis, podemos destacar, de saída, a problemática da cognição, 
considerando que as disfunções cognitivas atingem o sujeito em sua sensação 
de identidade e de existência sustentadas por funções tais como a memória, a 
espacialidade, a temporalidade e os processos de reconhecimento de si e do 
outro. Noutros termos, a cognição parece ter a função de apoio interno para o 
sujeito, permitindo-lhe integrar em seu espaço psíquico as representações de si 
e do mundo. 
Neste sentido, pode-se supor que danos cognitivos induzam uma 
desestabilização do que Dolto (1984) chamou de narcisismo primordial ou 
sensação de mesmidade do ser. Numa referência a Winnicott, os distúrbios 
cognitivos poriam o self em perigo e exigiriam a construção de falsos selves, uma 
vez que o sentimento de integridade se apoia no desenvolvimento de um eu 
integrado. Formulando de outro modo, o contato clínico com estes casos exige, 
entre outros, a retomada dos conceitos de ego e de self e a problematização do 
lugar das funções cognitivas em sua organização e em sua estabilidade. Mas, a 
experiência subjetiva do adoecimento neurológico não se limita às questões 
envolvendo os golpes na organização egóica. Trabalhos de neuropsicologia, 
como os de Antonio Damásio, formulam a hipótese de que certas lesões no 
córtex préfrontal poderiam engendrar dificuldades de se conduzir de acordo com 
as regras sociais. 
Segundo a teoria psicanalítica, não há no sujeito humano primazia da 
razão e do pensamento: o pulsional e o Princípio do Prazer são primeiros, sendo 
segundos o Princípio de Realidade e a adaptação à mesma. Daí a adaptação ao 
 
42 
outro, ao grupo e às normas terem de ser construídas com o apoio de 
representações conscientes e inconscientes que o sujeito faz de si mesmo e de 
sua pertença a um grupo. A adaptação à vida social, às suas regras, ou seja, a 
sociabilidade, supõe a atualização contínua tanto da consciência das 
semelhanças que nos unem aos outros homens apesar das diferenças, quanto 
da consciência de uma reciprocidade possível e necessária. 
 
A norma social e comportamental é, portanto, um conteúdo do 
pensamento que demanda uma construção contínua e permanente. Muitos 
pacientes neurológicos apresentam dificuldades em pensar e representar tais 
normas devido aos danos cognitivos e as feridas descritas. Além disso, a 
reciprocidade social frequentemente não é possível por conta da dependência 
extrema relativamente ao outro. Nestas condições, os pacientes não conseguem 
se reconhecer como sujeitos na sociedade, também por não serem mais 
reconhecidos como atores legítimos nos processos de troca social, sendo a sua 
substituição pelos outros esperada e até mesmo desejada. Eles são 
enquadrados, ajudados, mas não considerados como atores sociais. 
A possibilidade de se pensarem como seres sociais passa, então, por dois 
elementos básicos: 
(1) o estabelecimento de novas referências identitárias e a retomada do 
sentimento de continuidade psíquica; e 
(2) a construção de espaços de troca social recíproca,

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