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1 MATERIAL DIDÁTICO PRÁTICA PEDAGÓGICA I CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 3.445 DO DIA 19/11/2003 Impressão e Editoração 31 3667-2062 www.faved.com.br 2 SUMÁRIO UNIDADE 1 – DA ESCOLA À AULA ......................................................................... 5 1.1 Escola como lócus da práxis pedagógica ............................................................. 6 1.2 A aula – espaço de conhecimento, lugar de cultura .............................................. 8 UNIDADE 2 – COMEÇO DE CONVERSA – A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR ............................................................................................................ 10 2.1 Saberes necessários para a prática docente ...................................................... 13 2.2 O professor enquanto sujeito do conhecimento .................................................. 16 2.3 As competências para ensinar no século XXI ..................................................... 19 UNIDADE 3 – CONCEPÇÕES TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICAS: UMA BREVE REVISÃO .................................................................................................................. 29 UNIDADE 4 – OS PARÂMETROS E AS ORIENTAÇÕES CURICULARES NACIONAIS (PCN E OCN) ....................................................................................... 36 4.1 Os Parâmetro Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental ......... 36 4.2 As Orientações Curriculares Nacionais (OCN) para o Ensino Médio .................. 38 UNIDADE 5 – INTERDISCIPLINARIDADE E OS PROJETOS DE TRABALHO ..... 42 5.1 O currículo ........................................................................................................... 43 5.2 A interdisciplinaridade ......................................................................................... 47 5.3 A Pedagogia de Projetos ..................................................................................... 50 5.3.1 A pedagogia de projetos – foco no Ensino Médio ............................................ 57 UNIDADE 6 – A AULA EXPOSITIVA ....................................................................... 60 6.1 A aula expositiva tradicional ................................................................................ 60 6.2 A aula expositiva dialógica .................................................................................. 63 UNIDADE 7 – O ESTUDO DIRIGIDO ....................................................................... 68 7.1 Objetivos do Estudo Dirigido ............................................................................... 69 7.2 Como preparar o Estudo Dirigido ........................................................................ 70 7.3 Aplicação do Estudo Dirigido ............................................................................... 72 UNIDADE 8 – O SEMINÁRIO ................................................................................... 73 8.1 Etimologia do Seminário...................................................................................... 74 8.2 Características gerais do seminário .................................................................... 74 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 78 3 INTRODUÇÃO Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN-BRASIL, 1997), encontramos uma fala sobre a prática educativa que justifica por si só sua importância na esteira do processo de ensino-aprendizagem e que merece ser o carro chefe do módulo. A prática educativa é bastante complexa, pois o contexto de sala de aula traz questões de ordem afetiva, emocional, cognitiva, física e de relação pessoal. A dinâmica dos acontecimentos em uma sala de aula é tal que mesmo uma aula planejada, detalhada e consistente dificilmente ocorre conforme o imaginado: olhares, tons de voz, manifestações de afeto ou desafeto e diversas outras variáveis interferem diretamente na dinâmica prevista (BRASIL, 1997). A formação do professor que envolve saberes, competências, habilidades; teorias que vieram contribuindo para o processo de aprendizagem; métodos e técnicas de ensino; escola – local da práxis educativa; sala de aula, espaço de conhecimento e cultura – estes são algumas das questões a serem estudadas, analisadas e refletidas ao longo desse módulo. Ao longo de décadas de estudos e análises relacionadas ao campo da educação, principalmente por estudiosos como Piaget, Vigotsky e outros, ficou constatado que a construção do conhecimento se dá a partir da interação do sujeito com o mundo a sua volta. Neste contexto, o currículo escolar se apresenta como o agente principal na construção do saber e na liberdade a ser alcançada através do conhecimento. Na pedagogia tradicional, ele é conteudista e fragmentado, aprisionando o aluno em aspectos unilaterais de uma realidade que, na contramão, é multifacetada. Ou seja, na educação tradicional seguem-se normas, padronizações, o saber fica aprisionado e o aluno sai da escola, formado, é verdade, mas de uma forma pré-estabelecida pelo currículo. Essa educação tira das pessoas a capacidade de pensar, de formar suas próprias opiniões, de criticar o que lhe foi imposto pelas “normas”. Por outro lado, e felizmente, a chamada pedagogia de projetos vem conquistando seu espaço. Ela tem como objetivo trabalhar a interdisciplinaridade, oportunizando olhar o mundo com outros e bons olhos. A diversidade cultural, a 4 crítica e a problematização são características positivas que vem à tona junto com a pedagogia de projetos. Também é fato que a dinâmica dos conhecimentos imposta pelo século XXI exige a necessidade de construirmos uma escola nova, participativa, que traga como frutos a formação de um sujeito que saiba articular saber, conhecimento e vivência. Estas preocupações do contexto escolar na atualidade que envolvem as relações professor/aluno e teoria/prática, nos levarão a refletir sobre as práticas interdisciplinares e o trabalho com projetos. Quanto à interdisciplinaridade, esta nada mais é do que integrar as várias disciplinas que compõem o currículo escolar, mostrando ao aluno que não existe fronteira entre as disciplinas, ou seja, que uma perpassa a outra, complementando- a. Valem duas observações antes de iniciarmos nossas reflexões: Em primeiro lugar, sabemos que a escrita acadêmica tem como premissa ser científica, ou seja, baseada em normas e padrões da academia. Pedimos licença para fugir um pouco às regras com o objetivo de nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. Ao final do módulo, além da lista de referências básicas, encontram-se muitas outras que foram ora utilizadas, ora somente consultadas e que podem servir para sanar lacunas que por ventura surgirem ao longo dos estudos. 5 UNIDADE 1 – DA ESCOLA À AULA A escola é local da práxis pedagógica e a aula em si, é espaço e lugar de conhecimento e cultura. Verdade! Mas o que vem a ser práxis? Teria o mesmo significado de prática? Pois bem, antes de tecermos alguns comentários sobre a práxis pedagógica e sobre a aula: espaço/lugar onde os conhecimentos e a cultura se fazem renascer, vamos entender a diferença entre elas para que nosso caminhar fique bem claro, uma vez que nosso costume é usar práxis e prática com a mesma conotação. Num viés marxista, práxis e prática são conceitos diferentes. Práxis consta no dicionário marxista como “atividade livre, universal, criativa e autocriativa, por meio do qual o homem cria (faz, produz) e transformaseu mundo humano e histórico em si mesmo”. Já o conceito de prática se refere a uma dimensão da práxis: a atividade de caráter utilitário-pragmático, vinculadas às necessidades imediatas. Vazquez (1977, p. 10) nos explica que “a consciência comum pensa os atos práticos, mas não faz da práxis – como atividade social transformadora – seu objeto; não produz – nem pode produzir, como veremos uma teoria da práxis”. Compreendida então como atividade social transformadora, também é Vazquez (1977, p. 185) quem afirma que “toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis”. Nesse sentido, a práxis é uma atividade conscientemente orientada, o que implica não apenas as dimensões objetivas, mas também subjetivas da atividade. Dizendo de outro modo, a práxis não é apenas atividade social transformadora, no sentido da transformação da natureza, da criação de objetos, de instrumentos, de tecnologias; é atividade transformadora também com relação ao próprio homem que, na mesma medida em que atua sob a natureza, transformando-a, produz e transforma a si mesmo. Em síntese, a relação entre teoria prática implica um constante vaivém entre esses dois planos – teórico e prático. A atividade prática se sujeita, conforma-se à teoria, do mesmo modo que a teoria se modifica em função das exigências e necessidades do próprio real. Esse constante “vaivém” entre teoria e prática só pode ocorrer “se a consciência se mostrar ativa ao longo de todo processo prático. Resulta daí que é certo que a atividade prática, sobretudo como práxis individual, é 6 inseparável dos fins que a consciência traça, estes fins não se apresentam como produtos acabados, mas sim num processo que só termina quando a finalidade ou resultado ideal, depois de sofrer as mudanças impostas pelo processo prático. Já é um produto real (VAZQUEZ, 1977, p. 243). Feitas essas considerações iniciais, vamos o lócus da práxis pedagógica? 1.1 Escola como lócus da práxis pedagógica Tomando como base os quatro pilares da educação propostos por Delors (1998) – aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser –, podemos dizer que a escola é o espaço que tem como objetivos, promover o desenvolvimento humano, levar o aluno a adquirir competências e habilidades, colocando esse aluno no papel de verdadeiro protagonista da aprendizagem, utilizando para isso a pedagogia de projetos. Já para Sacristán e Goméz (2000, p. 14), a escola deve prover os indivíduos “não só, nem principalmente, de conhecimentos, ideias, habilidades e capacidades formais, mas também, de disposições, atitudes, interesses e pautas de comportamento”. Assim, a escola tem como objetivo básico, socializar o aluno para prepará-los para sua incorporação no mundo do trabalho, ou seja, ser produtivo e se incorporar à vida adulta e pública, tornando-se cidadão do mundo. A escola também tem algumas funções básicas que são: 1. Função reprodutora ou de socialização do indivíduo: garantir a reprodução social e cultural como requisito para sobrevivência na sociedade. 2. Função educativa em termos de compreensão: utilizar o conhecimento para compreender as origens das influências, seus mecanismos, intenções e consequências, e, oferecer para debate público e aberto, as características e efeitos para o indivíduo e a sociedade desse tipo de processo de reprodução. 3. Função compensatória: atenuar, em parte, os efeitos da desigualdade e preparar cada indivíduo para lutar e se defender nas melhores condições possíveis, no cenário social. 4. Função educativa transformadora: provocar e facilitar a reconstrução de conhecimentos, atitudes e formas de conduta que os(as) alunos(as) assimilam direta 7 e acriticamente nas práticas sociais de sua vida anterior e paralela à escola (SACRISTÁN; GOMÉZ, 2000, p. 14-22). Numa conceituação mais simples, Saviani (1999) entende que a educação escolar deveria ser apenas uma entre outras práticas que promovem o desenvolvimento e a socialização de seus membros além de garantir o funcionamento de um dos mecanismos essenciais da herança cultural. Se analisada sob o ponto de vista de sua existência formal, Mauá Junior (2005 apud COSTA, 2006), ressalta que a escola sempre teve como foco principal a educação sistematizada, em especial a escola pública básica, que atende as camadas populares preparando-as para o mercado de trabalho. A expressão da produção de seus resultados centra-se na aprendizagem medida por meio de avaliações somativas, como produto do esforço pessoal. Nesta perspectiva, ser cidadão é transforma-se em ser político, capaz de questionar, criticar, reivindicar, participar, ser militante e engajado, contribuindo para a transformação de uma ordem social injusta e excludente. Por esse lado histórico e político, podemos interpretar a escola como campo de lutas onde as camadas populares devam conscientizar-se dos mecanismos de dominação e poder da sociedade capitalista, uma vez que ela tem como função social formar o cidadão, construir conhecimentos, atitudes e valores que tornem o estudante crítico, ético e participativo. Como ela pode exercer essas funções? Pimenta (2002) diz que é preciso abdicar dessa construção arcaica que perpetua a situação de dominação e democratizar, ampliando as oportunidades de aprendizagem, melhorando as condições de participação das camadas sociais menos favorecidas. Costa (2006), por sua vez, pondera que a difusão dos conteúdos, sua reelaboração de forma crítica e o aprimoramento da prática educativa escolar contribuem para elevar cultural e cientificamente as camadas populares, ou seja, para melhorar a qualidade de vida das pessoas e sua inserção num projeto coletivo de mudança de sociedade. 8 A escola, enquanto lócus da práxis educativa, pode ser entendida como uma instituição especializada da sociedade com o fim de oferecer oportunidade educacional que garanta a educação básica de qualidade para todos. Nesse sentido, a prática educativa escolar apresenta a função de contribuir para que cada cidadão que nela adentre, amplie seu conhecimento e capacidade de descobrir, criar, questionar e transformar a realidade. Além de tornar maior sua sensibilidade para encontrar sentido na realidade, nas relações e nas situações, contribuindo para a construção de uma nova sociedade, fundada em relações sociais de colaboração e solidariedade (NAVARRO, 2004 apud COSTA, 2006). 1.2 A aula – espaço de conhecimento, lugar de cultura Para a epistemologia1, os conhecimentos válidos podem ser de dois tipos. Um referente àqueles formulados com base no método científico, organizando um corpo de conceitos, proposições e teorias bem definidos. O outro tipo de conhecimento válido refere-se a conjuntos de saberes que, mesmo não atendendo integralmente aos critérios científicos, mas não dispensando os critérios racionais, formulam enunciações contendo figuras epistemológicas que os possibilitam ser considerados dentro dos parâmetros da epistemologia (FOUCAULT, 1969 apud PENIN, 1994). Estamos falando do conhecimento organizado por diferentes disciplinas no campo das humanidades, das artes, por exemplo. Mas também temos os conhecimentos ou saberes que não alcançam esses limites científicos e firmam-se pela positividade. São saberes que as pessoas identificam no seu dia-a-dia, procedendo não do conhecimento sistematizado, mas de práticas discursivas presentes na prática social. Não que esses conhecimentos e saberes não sejam válidos, longe de pensarmos assim, todavia, o que nos interessa nesse momento é mostrar que o professor que também é um pesquisador precisa colocar-se numa dupla situação: de um lado tentar epistemologizar os saberes disponíveis; por outro, abrir caminho no 1 Conjunto de conhecimentos que têm por objeto o conhecimento científico, visando a explicar os seus condicionamentos (sejameles técnicos, históricos, ou sociais, sejam lógicos, matemáticos, ou linguísticos), sistematizar as suas relações, esclarecer os seus vínculos, e avaliar os seus resultados e aplicações (FERREIRA, 2004). 9 sentido oposto, desconfiando do “já posto” e perseguido, como a utilização do pensamento crítico, imagens, práticas e outros indícios presentes na vivência. Explicando de outra maneira, na escola, o professor é envolvido por uma cultura geral, além do que a própria escola cria, produz e reproduz, o saber científico, ele convive com os conhecimentos/saberes que vem das comunidades no seu entorno, do tipo de vivência dos seus alunos. Assim, no exercício de sua função social, o professor vai construindo um conhecimento sobre o ensino, ao mesmo tempo em que pretende compartilhar com os alunos de suas vivências. Desse modo, a construção do conhecimento do professor se realiza no espaço de suas representações, constituído por concepções de várias ordens e por sua vivência. É nesse espaço onde acontecem os embates, as contradições, os conflitos e o mal-estar, em que se dão as relações com o outro, ausente ou presente e também em que acontecem os esforços e as buscas, que o professor precisa saber lidar com as diversas concepções que conheceu teoricamente. É aqui que ele vai reconstruir processos cotidianos para que sua práxis pedagógica, ora espontânea, ora reflexiva. 10 UNIDADE 2 – COMEÇO DE CONVERSA – A FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR Ninguém facilita o desenvolvimento daquilo que não teve oportunidade de aprimorar em si mesmo. Ninguém promove a aprendizagem daquilo que não domina, a constituição de significados que não compreende e nem a autonomia que não pôde construir (MELLO, 2000). Essa premissa é nosso mote para as reflexões que se seguem sobre a necessidade de mudanças na formação inicial e continuada de professores para que tenhamos um novo desenho da educação nesse século XXI, embora concordemos com Mello (2000), que a formação inicial é apenas um componente de uma estratégia mais ampla de profissionalização do professor, indispensável para implementar uma política de melhoria da educação básica. Vamos centrar nossas reflexões em três tópicos que consideramos basilares para a prática docente que são os saberes necessários para essa prática; os conhecimentos do professor e as competências necessárias para ensinar no século XXI. O embasamento teórico vem de estudiosos como Tardif, Gimeno Sacristán e Pérez Gomes, Garcia e Phillipe Perrenoud. De antemão, sugerimos uma leitura minuciosa das obras de Perrenoud, um convite para uma viagem e para debate, a partir de uma simples, mas grande constatação: pensar é uma atividade permanente e espontânea do ser humano, que acontece mesmo durante o sono. Já a prática reflexiva normalmente é instigada pelo aparecimento de um problema, e requer um certo método. O pensamento acompanha a ação; a reflexão pode interrompê-la, precedê-la, segui-la ou suspendê-la. E assim, um professor, para que tenha uma ação reflexiva; interagindo positivamente e no momento real com seu aluno, precisa, antes de tudo, ser portador de competências que lhe tornem um mestre verdadeiro na arte da educação e ao mesmo tempo, o educando também precisa desenvolver suas habilidade e competências para acompanhar o mundo globalizado de hoje. 11 Segundo Santiago (2002), atuar no processo de formação de professores é uma faceta da prática docente gratificante e angustiante. Gratificante, porque permite ao docente, com experiência acumulada, proceder a um intercâmbio com os licenciandos: ensinamos e somos, sempre, inevitavelmente, aprendizes de novas abordagens, de novas matérias teóricas, de novas alternativas metodológicas. Se damos aos estagiários das Práticas de Ensino uma orientação pautada no estudo acumulado, nos erros e acertos práticos de nossos percursos; por outro lado, somos, sempre, renovados pelas propostas “nunca antes imaginadas” que nossos alunos nos trazem. Sem dúvida, a tarefa é, também, angustiante. Por experiência própria, diz Santiago (2002), todos nós, docentes atuantes nas Práticas de Ensino, sabemos que a formação profissional de qualidade é processo e, portanto, atuamos na fase inicial de um caminho, de uma história, única, pois só pode ser vivida pelo indivíduo, dia-a-dia, no desempenho da sala de aula, cercado, na maioria das vezes, por crianças e adolescentes em ebulição. Neste sentido, só podemos, no máximo, apresentar caminhos e opções, dar algumas diretrizes, pois caberá ao próprio licenciando, após sua graduação, com o exercício profissional autônomo complementar sua formação. A angústia aumenta, mais ainda, quando temos a dimensão que esta formação é um processo infinito, no qual, sempre, estaremos buscando o novo no saber, na ação pedagógica e na construção de relações afetivas. Esta percepção de um percurso histórico para a formação dos perfis profissionais não impede, contudo, que possamos aprimorar os elementos que estão disponíveis para o licenciando no início de sua jornada docente. Uma vez que nas práticas de ensino pode acontecer o primeiro contato de um futuro profissional com o papel de professor, torna-se importante, sempre, repensar os saberes necessários à formação docente, e, em particular, os saberes necessários à prática no Ensino Fundamental. A formação básica (Ensino Fundamental e Médio) deve construir competências, habilidades e disposição de condutas. Não deve se preocupar, portanto, com quantidades de informação. 12 Paralelamente, ao conhecimento da produção acadêmica, o profissional que ingressa no magistério precisa se engajar no mundo profissional no qual está se inserindo. Nesse sentido, o conhecimento da disciplina e de seu ensino é crucial. É sabido, também, que as recentes transformações do capitalismo incentivaram um movimento internacional que propunha mudanças nos sistemas de ensino. Em contraposição ao saber técnico-científico especializado e individualizado, cresceu a necessidade de, sem abandonar a face técnica do conhecimento, formar indivíduos polivalentes, integrados ao trabalho de equipe, capacitados para comparar, ajuizar, escolher, decidir e, até mesmo, transgredir as regras e o saber institucionalizado. Tudo isso em prol das ágeis mudanças no mundo produtivo para atender a “qualidade total”. A formação do trabalhador precisou ser “humanizada”, processo equilibrado com uma massiva propaganda neoliberal/ globalizada (SANTIAGO, 2002). Falando em competências, em uma entrevista de Perrenoud à Revista Nova Escola, ele disse que seria inútil exigir esforços sobre-humanos dos professores se o sistema educativo apenas adota a linguagem das competências, sem mudar nada de fundamental. O melhor indício de uma mudança profunda é a diminuição do peso dos conteúdos disciplinares e uma avaliação formativa e certificativa, orientada claramente para as competências. As competências não dão as costas para os saberes, mas não se pode pretender desenvolvê-las sem dedicar o tempo necessário para colocá-las em prática. Não basta juntar uma situação de transferência no final de cada capítulo de um curso convencional. Para o sistema mudar, é preciso reformular seus programas em termos de desenvolvimento de competências verdadeiras, liberar disciplinas, introduzir os ciclos de aprendizagem plurianuais ao longo do curso, chamar para a cooperação profissional e convidar o professor para uma pedagogia diferenciada, mudando, então, sua representação e sua prática (PERRENOUD, 2000). Ele também ressalta que para modificar sua prática, para desenvolver competências, é preciso, antes de tudo, trabalhar por resolução de problemas e por projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso pressupõe uma pedagogia ativa, cooperativa,aberta para a cidade ou para o bairro, seja na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar o curso é o cerne da profissão. 13 Ensinar, hoje, deveria ser conceber, encaixar e regular situações de aprendizagem, seguindo os princípios pedagógicos ativos construtivistas. Para os adeptos dessa visão interativa da aprendizagem, trabalhar no desenvolvimento de competências não é uma ruptura. O obstáculo está mais em cima: como levar os professores, habituados a cumprir rotinas, a repensar sua profissão? Eles não desenvolverão competências se não se perceberem como organizadores de situações didáticas e de atividades que tenham sentido para os alunos, envolvendo-os e, ao mesmo tempo, gerando aprendizagens fundamentais (PERRENOUD, 2000, p.19-31). 2.1 Saberes necessários para a prática docente Enquanto grupo social e em virtude das próprias funções que exercem, os professores ocupam uma posição estratégica no interior das relações complexas que unem as sociedades contemporâneas aos saberes que elas produzem e mobilizam com diversos fins. Segundo Tardif (2002), essa posição estratégica leva os professores a pertencerem a dois grupos cada vez mais distintos. De um lado, os educadores pesquisadores da comunidade acadêmica destinados a tarefas especializadas de transmissão e de produção dos saberes, ou seja, pesquisa! E de outro lado, nos outros níveis do sistema escolar, professores que parecem residir unicamente na competência técnica e pedagógica, para transmitir saberes já elaborados por outros grupos. Mesmo não concordando essa divisão, mas entendendo que ela realmente existe, esse segundo grupo é que propomos focar nesse momento. De qualquer modo, todo saber, o novo ou o velho, o descoberto ou aquele já elaborado se insere numa duração temporal que remete à história de sua formação e de sua aquisição. Todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação, e, quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o processo de aprendizagem, o qual por sua vez, exige uma formalização e uma sistematização adequada (TARDIF, 2002). 14 Em relação à formação inicial do professor, Gimeno Sacristán e Pérez Gómes (1998, p. 91) oferecem como contribuição para esse estudo, doze elementos fundamentais do conteúdo do currículo de formação de professores que vale a pena enumerar: 1. Nível de conhecimentos suficientes. 2. Sensibilização para a psicologia da criança. 3. Capacitação nas diversas metodologias. 4. Compreensão e gestão das relações interpessoais na aula e no centro escolar. 5. Programa a curto, a médio e longo prazo da tarefa docente. 6. Conexão dos conteúdos com a psicologia do aluno e as peculiaridades do meio. 7. Seleção, capacidade de utilização e realização de meios técnicos apropriados para o ensino. 8. Capacidade de diagnóstico e avaliação do aluno, da sua aprendizagem e das variáveis que condicionam essa aprendizagem. 9. Capacidade para integrar a escola no meio extraescolar. 10. Organização da aula e do centro das áreas de sua competência. 11. Desenvolvimento no âmbito das tarefas administrativas. 12. Atenção especial às aprendizagens instrumentais e seus problemas. Esses elementos do conteúdo curricular da formação de professores enfatizam especialmente os aspectos pisco-socio-didáticos que são os que tornam os professores capazes de tomar decisões de um modo racional. A formação inicial precisa dotar os professores de um saber-fazer prático que conduza ao desenvolvimento de esquemas de ação, adquiridos de forma racional e fundamentada, permitindo desenvolverem-se e agirem em situações complexas de ensino (GIMENO SACRISTÁN, 1993). 15 Voltando a Tardif (2000), para ele, os saberes da prática, envolvem um conjunto de saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano no momento de realização das tarefas de sala de aula. Porém, para a concretização do trabalho docente, esses saberes são insuficientes, pois, nessa concepção, os professores se apoiam nos seguintes saberes: curricular, provenientes de programas e dos manuais escolares; disciplinar, que constitui o conteúdo das matérias ensinadas na escola; formação profissional, adquirido por ocasião da formação inicial ou contínua; experiencial, oriundo da prática das profissões e o saber cultural, herdado da trajetória de vida e da cultura particular que os professores partilham em maior ou menor grau com os alunos. Por essa perspectiva os saberes docentes realmente são heterogêneos ao que Tardif e Gauthier (2001) denominam de repertório geral de conhecimentos do professor. Na visão de Ramos (2001), as dimensões dos saberes da docência são: saber-aprender, saber-pensar, saber-fazer, saber-conviver e saber-ser. Essas dimensões são construções resultantes dos processos formativos e das necessidades da vida diária do trabalho docente que exige o enfrentamento de situações desafiadoras com as quais se tem que dialogar. Elas são expressões cognitivas, afetivas e sociais que se tornam visíveis em práticas e ações exercidas sobre o conhecimento, sobre o outro e sobre a realidade. Na classificação de Pimenta (1999), os saberes da docência são: os saberes da experiência; o saber teórico e os saberes pedagógicos. Por fim, Altet (2008) propõe a seguinte tipologia de saberes (teóricos e práticos) necessários ao professor em sua prática: Saberes teóricos: saberes teóricos a serem ensinados, compreendendo os disciplinares, os constituídos pelas ciências e os tornados didáticos, a fim de permitir aos alunos a aquisição de saberes constituídos e exteriores; os saberes para ensinar, incluindo os pedagógicos sobre a gestão interativa em sala de aula, os didáticos nas diferentes disciplinas e os saberes da cultura que os está transmitindo. 16 Saberes práticos: saberes práticos oriundos das experiências cotidianas da profissão, contextualizados e adquiridos em situação de trabalho, são também chamados de saberes empíricos ou da experiência. Eles podem ser sobre a prática e dá prática; os saberes sobre a prática, isto é, os saberes procedimentais sobre o “como fazer” ou formalizados; os saberes da prática, aqueles oriundos da experiência, produto da ação que teve êxito, da práxis e, ainda os saberes condicionais (quando e onde); os saberes de ação muitas vezes implícitos, situa-se neste nível o saber do professor profissional que permite distinguir o novato do especialista (ALTET, 2008, p. 30). 2.2 O professor enquanto sujeito do conhecimento Garcia (1999) utiliza o termo conhecimento para referir não só às áreas do saber pedagógico (conhecimentos teóricos e conceituais), mas também a áreas do saber-fazer (esquemas práticos de ensino), assim como de saber porquê (justificação da prática). Como a intenção é seguir o seu pensamento, falar-se-á, ao longo do tópico, em conhecimento. A aquisição pelos professores em formação do conhecimento profissional tem sido alvo da atenção dos professores em saber qual é a real contribuição dos programas de formação na aquisição de conhecimentos pelos professores. Garcia (1999) identificou quatro componentes do conhecimento profissional dos professores que são: conhecimento geral da matéria, conhecimento do conteúdo, princípios gerais de ensino-aprendizagem ou conhecimento didático do conteúdo e conhecimento do contexto. O conhecimento geral da matéria se relaciona com o ensino, com a aprendizagem, com os alunos, assim como com os princípios gerais de ensino, tempo de aprendizagem acadêmico, ensino em pequenos grupos e gestão da sala de aula. O conhecimento do conteúdo seria conjuntamente com o conhecimento pedagógico, os conhecimentos que os professores têm de possuir sobre a matéria17 que ensinam, pois quando se conhece algo, torna-se muito mais fácil ensinar em profundidade, porque acredita-se que esse conhecimento estará organizado mentalmente e mais bem preparado para ser ensinado de maneira geral. Garcia (1999) infere ainda que quando o professor não possui conhecimentos adequados sobre a estrutura da disciplina que está ensinando, o seu ensino pode apresentar o conteúdo erradamente aos alunos, ou seja, o conhecimento que o professor tem da matéria influencia o que e como ensinam aos alunos. Outro ponto negativo: quando o professor não conhece a disciplina que ensina, afeta quanto ao tipo de perguntas que formulará e o modo como os professores criticarão e utilizarão os livros didáticos. O conhecimento do conteúdo inclui diferentes componentes, dentre eles o conhecimento substantivo e o conhecimento sintático. O conhecimento substantivo inclui a informação, ideias e tópicos a conhecer, ou seja, o corpo de conhecimentos gerais de uma matéria, os conceitos específicos, definições, convenções e procedimentos. No entendimento de Garcia (1999), esse conhecimento é importante na medida em que determina o que os professores vão ensinar e a partir de que perspectiva. Por exemplo, no caso da Língua Portuguesa, quais as justificativas que usaria para explicar as mudanças que vieram com o novo acordo ortográfico dos países de língua portuguesa. O conhecimento sintático do conteúdo completa o conhecimento substantivo e tem a ver com o domínio que o professor tem dos paradigmas de investigação em cada disciplina, o conhecimento em relação a questões como validade, tendências, perspectivas, no campo de especialidade, assim como da investigação. Quanto ao conhecimento didático do conteúdo que representa a combinação adequada entre o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento pedagógico e didático de como ensinar, vários autores afirmam a necessidade de que os professores em formação adquiram um conhecimento especializado do conteúdo a ensinar, para que possam desenvolver um ensino que propicie a compreensão dos alunos (GARCIA, 1999; TARDIF, 2002; PERRENOUD, 2002; ALTET, 2008). 18 As investigações sobre o conhecimento didático do conteúdo tem representado, segundo Garcia (1999), uma das contribuições mais importantes da investigação sobre o conhecimento do professor para a formação de professores. A quarta componente dos conhecimentos que os professores têm de adquirir diz respeito ao local onde se ensina, assim como a quem se ensina, que chamou-se de conhecimento do contexto. Não há dúvidas que os professores têm de adaptar o seu conhecimento geral da matéria às condições particulares da escola e dos alunos que a frequentam. Segundo Garcia (1999, p. 91) O professor tem que sensibilizar-se para conhecer as características socioeconômicas e culturais do bairro, as oportunidades que oferece para serem integradas no currículo, as expectativas dos alunos, etc. Fala esta que vem corroborar com as reflexões que fizemos sobre a escola e a aula serem lócus de conhecimento e de cultura. Por fim, é preciso que o professor conheça os seus alunos, a sua procedência, os níveis de rendimento, a sua história de vida e vale relembrar que este conhecimento não se adquire somente lendo relatórios, é preciso estar em contato com os alunos, pois assim sua prática de ensino terá muito mais chances de sucesso. Essa é uma condição que precisa ser cultivada nos professores em formação. Falou-se até o momento sobre saberes e conhecimentos necessários ao professor, no entanto, ele também deve possuir competências e habilidades, tanto de conduta como cognitivas. Perrenoud e Thurler (2002) destacam: desenvolver a integridade intelectual na escolha, utilização e avaliação de uma variedade de evidências como base para o desenvolvimento de juízos; desenvolver a competência visual, linguística, estética e imaginativa como base para o diálogo e o discurso intra e interculturas diferentes; 19 animar o desenvolvimento da capacidade de análise política global e de competências práticas, tais como a comunicação, resolução de problemas, solução de conflitos; reforçar e expandir as competências básicas de aprendizagem e desenvolver a organização e funcionamento cognitivo avançado; reforçar o desenvolvimento de valores e atitudes clarificados e reflexivos e suas aplicações como critério para tomar decisões equilibradas e sensíveis. Enfim, o reconhecimento de uma competência não passa apenas pela identificação de situações a serem controladas, de problemas a serem resolvidos, de decisões a serem tomadas, mas também pela explicitação dos saberes, das capacidades, dos esquemas de pensamento e das orientações éticas necessárias (PERRENOUD, 2002, p. 19). Vejamos então as competências para ensinar no século XXI. 2.3 As competências para ensinar no século XXI Perrenoud é um dos educadores mais conhecidos por sua obra e por suas ideias pioneiras e vanguardistas sobre a avaliação em sala de aula, a pedagogia diferenciada e sobre a formação e profissionalização do professor, sendo referência essencial para educadores no Brasil e, ainda, por ser fonte única para todos pesquisadores em educação e assessores em políticas educacionais, estando na base, inclusive, dos Novos Parâmetros Curriculares Nacionais e do Programa de Formação e Professores Alfabetizadores do MEC (PROFA), estabelecidos pelo MEC. O principal motivo do seu sucesso se deve ao fato de ele discorrer, de forma clara e explicativa, sobre temas complexos e atuais, como formação, avaliação, pedagogia diferenciada e, principalmente, o desenvolvimento de competências. O modelo educacional proposto por Perrenoud é baseado num ciclo de avaliação de três anos, ou seja, em vez de um ano, a criança tem três para desenvolver as competências estabelecidas para aquela faixa etária. Assim, segundo o sociólogo 20 o aluno tem muito mais chances de não ser reprovado se não adquirir uma determinada habilidade em um ano, já que tem mais tempo para amadurecer e aprender. Apesar disso, ter tempo não é esperar! Não podemos deixar que uma criança repita um ciclo de três anos (PERRENOUD, Revista Nova Escola, 2002), Para isso, afirma ele: é necessário um modelo de avaliação mais eficiente realmente capaz de identificar as dificuldades do aprendizado, e que tenha mais tempo para agir e corrigir. E por isso, os professores devem ter uma formação mais sólida, além da imprescindível cooperação dos pais. Mas o que são competências? As mudanças ocorridas no mundo do trabalho, assim como a nova organização do trabalho, influenciaram, sobremaneira, a disseminação de variadas noções de competências propícias para cada período histórico. Tanto no âmbito empresarial como nos demais segmentos da sociedade o termo competência sempre esteve atrelado às necessidades de acomodação e acumulação do capital nas sociedades capitalistas. Com isso, os saberes necessários aos trabalhadores foram sempre aqueles voltados para a praticidade no desenvolvimento de suas atividades de forma a garantir mais produtividade. Para Stroobants (1997, p.135), esta organização do trabalho pode ser entendida também como uma forma de codificar os conhecimentos, separando o saber e o fazer. Para os educadores, o termo competência tem sido objeto de estudo principalmente porque, na atualidade, acentuam-se as mudanças que vão exigir do profissional da educação novas competências para ensinar. Tais exigências são a condição básica de enfrentamento da “crescente heterogeneidade dos efetivos escolares e a evolução dos programas” (PERRENOUD, 2000, p. 14). Precisamos compreender de que forma esta nova exigência, tão propagada, de aquisição de novas competências para ensinar, tem se materializado nas políticas de formação de professores, na redefinição dos conteúdosde ensino e nas políticas educacionais de modo mais amplo. Antes, porém, seria oportuno descrever, mesmo que de forma sucinta, quais noções de competência se fazem presentes na atualidade, partindo do pressuposto de que as novas capacidades que o indivíduo deve ter para se inserir no mercado de 21 trabalho estão pautadas na ideia de um mundo, cuja a internacionalização do capital define o que concebemos hoje por globalização da economia. Economia esta que leva a mudanças no mundo do trabalho, nos processos de produção, de organização e de formação profissional. Em busca da compreensão da atual crise do capitalismo poderíamos tentar justificar porque a noção de competência está sendo tão discutida no meio educacional na contemporaneidade. Uma explicação pode ser a seguinte: Como o mundo do trabalho apropriou-se da noção de competência, a escola estaria seguindo seus passos, sob o pretexto de modernizar-se e de inserir-se na corrente dos valores da economia de mercado, como gestão dos recursos humanos, busca da qualidade total, valorização da excelência, exigência de uma maior mobilidade dos trabalhadores e da organização do trabalho (PERRENOUD, 1999, p. 12). Estas mudanças no mundo do trabalho levam a mudanças também de paradigmas daquilo que entendemos que deve conter a educação. Por isso, em muitos países, a relação conhecimento-competência está no centro das reformas curriculares onde podemos destacar os cursos de formação de professores, os quais têm buscado a criação de novas formas e expectativas para o novo direcionamento desta formação. No Brasil, a formação dos professores orienta-se por estes novos referenciais manifestados principalmente no Parecer 009/2001 que aponta o novo encaminhamento que deve ser dado aos cursos que formam estes profissionais, destacando sobremaneira as novas competências que deve ter este profissional (MACEDO, 2002). As novas competências necessárias ao professor devem servir de suporte para cultivar nos alunos, desde o ensino fundamental, um novo comportamento exigido pelas mudanças ocorridas principalmente a partir dos anos de 1970, que exigem do indivíduo a tomada de uma nova postura. Postura esta que deve facilitar seu acompanhamento na evolução do mundo onde as fronteiras são cada vez mais extintas e o avanço da tecnologia requer, segundo Perrenoud (1999), novos estilos de vida levando em conta a flexibilidade e a criatividade imprescindíveis, segundo o capital, a qualquer ser humano. 22 Aponta ainda (MEC/ CNE, 2001, p. 4), que os novos tempos exigem novas características para os professores das quais se destacam: orientar e mediar o ensino para a aprendizagem dos alunos; comprometer-se com o sucesso da aprendizagem dos alunos; assumir e saber lidar com a diversidade existente entre os alunos; incentivar atividades de enriquecimento cultural; desenvolver práticas investigativas; elaborar e executar projetos para desenvolver conteúdos curriculares; utilizar novas metodologias, estratégias e materiais de apoio; desenvolver hábitos de colaboração e trabalho de equipe. Todas essas necessidades presentes nas diretrizes de formação do professor parecem contribuir para o ideário neoliberal de que os hábitos necessários à formação dos educandos devem ser construídos desde a educação básica, que passa a ser responsável pela qualificação para o trabalho na nova forma de acumulação do capital. Daí se origina todo o empenho em reformular o currículo dos cursos de formação dos professores, buscando novos espaços de formação tendo o paradigma das competências como referência principal para a organização/ reorganização técnica destes cursos afirmando-se, desta forma, as novas “tarefas” dos professores (MACEDO, 2002). Nesse documento do MEC/CNE (2001, p. 28), a noção de competência atribuída ao professor se refere, não só ao domínio dos conhecimentos específicos em torno dos quais deverá agir, mas, também, compreensão das questões envolvidas em seu trabalho, sua identificação e resolução, autonomia para tomar decisões, responsabilidade pelas opções feitas. Requer ainda, que o professor saiba avaliar criticamente a própria atuação e o contexto em que atua e que saiba, também, interagir cooperativamente com a comunidade profissional a que pertence e com a sociedade. A competência, então, pode ser definida como uma faculdade genérica, potencialidade da mente humana. É a capacidade de improvisar e inventar, sem uma lista preestabelecida. Ela é uma característica da espécie humana, é a 23 capacidade de criar respostas sem tirá-las de um repertório. A potencialidade do sujeito se transforma em competências efetivas por meio de aprendizagens que não intervêm espontaneamente. Segundo Perrenoud (2000, p.19-31), competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos (saberes, capacidades, informações, entre outros) para solucionar com pertinência e eficácia uma série de situações. Três exemplos: saber orientar-se em uma cidade desconhecida mobiliza as capacidades de ler um mapa, localizar-se, pedir informações ou conselhos; e os seguintes saberes: ter noção de escala, elementos da topografia ou referências geográficas; saber curar uma criança doente mobiliza as capacidades de observar sinais fisiológicos, medir a temperatura, administrar um medicamento; e os seguintes saberes: identificar patologias e sintomas, primeiros socorros, terapias, os riscos, os remédios, os serviços médicos e farmacêuticos; saber votar de acordo com seus interesses mobiliza as capacidades de saber se informar, preencher a cédula; e os seguintes saberes: instituições políticas, processo de eleição, candidatos, partidos, programas políticos, políticas democráticas, entre outros. Esses são exemplos bem simples, diga-se de passagem. Outras competências estão ligadas a contextos culturais, profissionais e condições sociais. Os seres humanos não vivem todos, as mesmas situações. Eles desenvolvem competências adaptadas a seu mundo. A selva das cidades exige competências diferentes da floresta virgem, os pobres têm problemas diferentes dos ricos para resolver. Algumas competências se desenvolvem em grande parte na escola. Outras não. Ainda em entrevista à revista Nova Escola (2000, p.19-31), Perrenoud discorre que a abordagem por competências é uma maneira de levar a sério um problema antigo, o de transferir conhecimentos. Em geral, a escola se preocupa mais com ingredientes de certas competências e menos em colocá-las em sinergia nas situações complexas. Durante a escolaridade básica, aprende-se a ler, escrever, contar, mas também a raciocinar, explicar, resumir, observar, comparar, desenhar e 24 dúzias de outras capacidades gerais. Assimilam-se conhecimentos disciplinares, como Matemática, História, Ciências, Geografia, entre outras. Mas a escola não tem a preocupação de ligar esses recursos a situações da vida. Quando se pergunta por que se ensina isso ou aquilo, a justificativa é geralmente baseada nas exigências da sequência do curso: ensina-se a contar para resolver problemas; aprende-se gramática para redigir um texto. Quando se faz referência à vida, apresenta-se um lado muito global: aprende-se para se tornar um cidadão, para se virar na vida, ter um bom trabalho, cuidar da saúde. A transferência e a mobilização das capacidades e dos conhecimentos não caem do céu. É preciso trabalhá-las e treiná-las, e isso exige tempo, etapas didáticas e situações apropriadas, que hoje não existem. Ao título que demos ao tópico, se faz jus reconhecer então, os dez domínios de competências reconhecidas como prioritárias na formação contínua dos professores do ensino fundamental, a saber: 1) Organizar e dirigir situações de aprendizagem: conhecer para determinada disciplina, os conteúdos a serem ensinados e sua tradução emobjetivos de aprendizagem; trabalhar a partir das representações dos alunos; trabalhar a partir dos erros e dos obstáculos à aprendizagem; construir e planejar dispositivos e sequências didáticas; envolver os alunos em atividades de pesquisa, em projetos de conhecimento. 2) Administrar a progressão das aprendizagens: conceber e administrar situações-problema ajustadas ao nível e às possibilidades dos alunos; adquirir uma visão longitudinal dos objetivos do ensino; estabelecer laços com as teorias subjacentes às atividades de aprendizagem; observar e avaliar os alunos em situações de aprendizagem, de acordo com uma abordagem formativa; 25 fazer balanços periódicos de competências e tomar decisões de progressão. 3) Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação: administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma; abrir, ampliar a gestão de classe para um espaço mais vasto; fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes dificuldades; desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de ensino mútuo. 4) Envolver os alunos em sua aprendizagem e em seu trabalho: suscitar o desejo de aprender, explicitar a relação com o saber, o sentido do trabalho escolar e desenvolver na criança a capacidade de autoavaliação; instituir e fazer funcionar um conselho de alunos (conselho de classe ou escola) e negociar com eles diversos tipos de regras e de contratos; oferecer atividades opcionais de formação, à la carte; favorecer a definição de um projeto pessoal do aluno. 5) Trabalhar em equipe: elaborar um projeto de equipe, representações comuns; dirigir um grupo de trabalho, conduzir reuniões; formar e renovar uma equipe pedagógica; enfrentar e analisar em conjunto situações complexas, práticas e problemas profissionais; administrar crises ou conflitos interpessoais. 6) Participar da administração da escola: 26 elaborar, negociar um projeto da instituição; administrar os recursos da escola; coordenar, dirigir uma escola com todos os seus parceiros (serviços para- escolares, bairro, associações de pais, professores de língua e cultura de origem); organizar e fazer evoluir, no âmbito da escola, a participação dos alunos. 7) Informar e envolver os pais: dirigir reuniões de informação e de debates; fazer entrevistas; envolver os pais na construção dos saberes. 8) Utilizar novas tecnologias: utilizar editores de textos; explorar as potencialidades didáticas dos programas em relação aos objetivos do ensino; comunicar-se a distância por meio da telemática; utilizar as ferramentas multimídia no ensino. 9) Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão: prevenir a violência na escola e fora dela; lutar contra os preconceitos e as discriminações sexuais, étnicas e sociais; participar da criação de regras de vida comum, referentes à disciplina da escola, às sanções e à apreciação da conduta; analisar a relação pedagógica, a autoridade, a comunicação em aula; 27 desenvolver o senso de responsabilidade, a solidariedade e o sentimento de justiça. 10) Administrar sua própria formação contínua: saber explicar as próprias práticas; estabelecer seu próprio balanço de competências e seu programa pessoal de formação contínua; negociar um projeto de formação comum com os colegas (equipe, escola, rede); envolver-se em tarefas em escala de uma ordem de ensino ou do sistema educativo; acolher a formação dos colegas e participar dela. Assim, não se podem dissociar as competências da relação com a profissão. Para formar professores mais competentes, aliando uma postura reflexiva e uma forte implicação crítica para o desenvolvimento da sociedade, é necessário desenvolver a profissionalização do professor (PERRENOUD, 2001, p.8-12). Por fim, em relação às qualidades profissionais que o professor deve ter para ajudar seu aluno a desenvolver competências, Perrenoud (2000, p.19-31) ressalta que antes de ter competências técnicas, ele deveria ser capaz de identificar e de valorizar suas próprias competências, dentro de sua profissão e de outras práticas sociais. Isso exige um trabalho sobre sua relação com o saber. Muitas vezes, o professor é alguém que ama o saber pelo saber, que é bem-sucedido na escola, que tem uma identidade disciplinar forte desde o Ensino Médio. Ora, os alunos não são e não querem ser como ele. O professor deve, então, se colocar no lugar desses alunos. Aí ele começará a procurar meios de interessar sua turma pelo saber — não como algo em si mesmo, mas como ferramentas para compreender o mundo e agir sobre ele. O principal recurso do professor é a postura reflexiva, sua capacidade de observar, de regular, de inovar, de aprender com os outros, com os alunos, com a experiência. Mas, com certeza, existem capacidades mais precisas. 28 Embora os professores hesitem em assumir a parcela de autonomia e responsabilidade que está ligada ao exercício de sua profissão e as autoridades queiram conservar seu controle sobre os mesmos e os estabelecimentos, é importante gerar a transição desta décima primeira família de competência, da qual dependerão as outras. Vale guardar... Durante a sua prática pedagógica o professor adquire saberes que são essenciais para sua formação docente: “Os saberes docentes são plurais, nos quais se dividem em saberes profissionais, disciplinares, curriculares e experienciais”, é plural em função da diversidade de saberes dos quais se originam, é heterogêneo na medida que reúne saberes de várias naturezas distintas (TARDIF, 2002, p. 36). “Os saberes dos docentes são relacionais, isto é, são frutos das interações produzidas pelo docente no seu trabalho e em decorrência da sua atividade profissional” (BORGES, 2004, p. 86). Os saberes docentes se edificam com o tempo; são temporais porque passam por transformações vinculadas às etapas da carreira docente, caracterizando diferentes fases na vida e prática dos docentes (TARDIF, 2002). O professor deve ser um pesquisador de sua própria prática e mobilizar diferentes saberes (experiencial, pedagógico e conhecimento específico). Está claro que ele adquire esses saberes desde a época que foi aluno, no cotidiano escolar, nas formações inicial e continuada. Por outro lado, para o docente melhorar sua prática, necessita-se que este tenha experiência e consciência de que precisa de uma formação contínua, no sentido de aperfeiçoar sua ação pedagógica (SOARES; MENDES SOBRINHO, 2006). 29 UNIDADE 3 – CONCEPÇÕES TEÓRICO- EPISTEMOLÓGICAS: UMA BREVE REVISÃO Várias teorias foram e ainda são elaboradas com o objetivo de reconstituir, a partir de diferentes metodologias e pontos de vista, as condições de produção da representação do mundo e de suas vinculações com as visões de mundo e de homens dominantes em cada momento histórico da sociedade. Dentre as várias teorias que focaram o desenvolvimento e a aprendizagem, escolhemos algumas, não somente de estudiosos renomados e estudados exaustivamente nos cursos voltados para a educação, mas de outros menos conhecidos que também contribuíram sobremaneira. Entendemos que cada uma delas, a seu tempo e seu modo veem colaborando com o entendimento do desenvolvimento humano. Dentre as concepções que norteiam as práticas pedagógicas, temos a inatista, a empirista, a ambientalista, a associacionista, a racionalista, a apriorista, a construtivista, a interacionista e outras. Como é conteúdo geralmente estudado nos cursos de graduação, não vamos nos alongar, mas dar algumas pinceladas sobre essas concepções, a título de lembrança e de complemento para aqueles que pouco contato tiveram com tais concepções. Começando por Platão (427-347 a.C.), é lá na antiguidade que encontramos nos filósofosas primeiras dúvidas em saber se as pessoas possuíam saberes inatos ou se era possível ensinar alguma coisa a alguém. Platão, discípulo de Sócrates, defendia a tese de que a alma precede o corpo e que, antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento. Para ele conhecer é relembrar, pois a pessoa já domina determinados conceitos desde que nasce. Pois bem, a perspectiva do inatismo sustenta que as pessoas naturalmente carregam certas aptidões, habilidades, conceitos, conhecimentos e qualidades em sua bagagem hereditária. Tal concepção motivou um tipo de ensino que acredita que o educador deve interferir o mínimo possível, apenas trazendo o saber à consciência e organizando-o. No resumo de Becker, “o estudante aprende por si 30 mesmo”, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) no livro Educação e Construção do Conhecimento (REVISTA NOVA ESCOLA, nº 237, nov. 2010). Na educação, segundo Becker (2001, p. 19), o professor que tem uma concepção apriorista ou inatista entende que o aluno traz um saber e que ele apenas precisa trazer à consciência, organizar, ou ainda rechear de conteúdo. O professor e a escola são facilitadores dessa ação. Todos já nascem sabendo, cabendo à ação pedagógica apenas desencadear um processo de descoberta daquilo que o aluno possui a priori. Dessa forma, podemos dizer que aprioristas são todos aqueles que pensam que as condições de possibilidade do conhecimento são dadas na bagagem hereditária: de forma inata ou submetidas ao processo maturacional, ou seja, de qualquer forma predeterminada a priori. Segundo Becker (1998, p. 15), “a postura apriorista opõe-se à empirista na medida em que relativiza a experiência, absolutizando o sujeito”. O autor coloca um exemplo para entendermos melhor como os aprioristas entendem o conhecimento: “supõe-se que nosso cérebro, mediante nosso olhar (ou mediante a estrutura perceptiva) jogasse um fluido sobre um objeto qualquer e dele retirasse um holograma, ao sugar de volta esse fluido, pela percepção”. Assim, toda a atividade de conhecimento é exclusiva do sujeito; o meio não participa dela. Portanto, a relação epistemológica básica do apriorismo é: SO. Na perspectiva apriorista, o professor é um auxiliar do aluno, um facilitador, conforme coloca Carl Rogers. O professor acredita que o aluno não precisa tanto de sua mediação, pois a aprendizagem depende de um processo maturacional, ou seja, o aluno já vem com o conhecimento, ou pelo menos depende fundamentalmente da iniciativa do aluno. O professor interfere o mínimo possível. Trata-se de um professor não-diretivo, que acredita que o aluno aprende por si mesmo, podendo ele, no máximo, auxiliar a aprendizagem do aluno. É o regime laissez-faire: deixe fazer que o aluno encontrará seu caminho (ALBERTI; CIGOLINI; FRANCO, 2009). O Empirismo parte do princípio de que o homem é uma tábula rasa, um ser absolutamente passivo, uma folha em branco, e o professor, no caso, representa a transmissão do conhecimento e do saber. Ou seja, o aluno, nada sabendo, só 31 consegue “adquirir” conhecimento através de aulas ministradas pelos mestres. Encontra em Locke, Hume, Pavlov, Skinner e Mager seus representantes. Os adeptos dessa corrente acreditam que o conhecimento processa-se por força dos sentidos, supervalorizando, desta forma, o papel da experiência sensorial (percepção), que inscreveria, direta ou indiretamente, os conteúdos da vida mental sobre um indivíduo, visto como um ser extremamente plástico ou uma folha em branco ou um balde vazio, para citar algumas figuras metafóricas comumente usadas. Dessa forma, o conhecimento humano reduz-se ao sentir dos sentidos, fossem eles externos: a visão, a audição, o olfato, o tato e o paladar; fossem eles sentidos internos: a fantasia, a imaginação sensível, a memória sensível, a atenção. Os sentidos produziriam o dado a ser conhecido, constituindo-se a fonte e a explicação última do fenômeno do conhecimento. O ponto alto do empirismo é o teste da experiência: nada aceitar que não tenha passado pelo crivo da experiência. Em relação à concepção ambientalista, ela encontra seus pressupostos na epistemologia empirista e positivista: admite, quanto à origem do conhecimento, que este provenha unicamente da experiência, ou seja, negando a existência de princípios puramente racionais; privilegia a ação da cultura e os meio como fatores exclusivos da formação da conduta humana; foi significativa a influência destes postulados para a Psicologia. Uma série de pesquisas e estudos foram elaboradas a partir destes pressupostos; o behaviorismo, paradigma predominante na Psicologia durante a primeira metade do século passado, insere-se justamente nesta tradição epistemológica. São características da concepção ambientalista, também chamada behaviorista ou comportamentalista: atribui exclusivamente ao ambiente a constituição das características humanas, privilegiando a experiência como fonte de conhecimento e de formação de hábitos de comportamento; 32 preocupa-se em explicar os comportamentos observáveis do educando, desprezando a análise de outros aspectos da conduta humana tais como: o raciocínio, o desejo, a imaginação, os sentimentos, a fantasia, entre outros; defende a necessidade de medir, comparar, testar, experimentar e controlar o comportamento e desenvolvimento do educando e sua aprendizagem, objetivando com isso, controlar o comportamento do educando. Na concepção associacionista ou empirista-associanista, a aprendizagem se dá através de conexões progressivas de estímulo (E) resposta (R). Tais conexões se produzem a partir de uma cadeia de estímulos que, partindo do mais simples, vai progressivamente atingindo níveis de complexidade cada vez maiores. Isso explica a forma de organização das cartilhas. O principal representante do Associacionismo é Edward L. Thorndike, tendo sido o formulador de uma primeira teoria de aprendizagem na Psicologia. Sua produção de conhecimento pautava-se por uma visão de utilidade deste conhecimento, muito mais do que por questões filosóficas que perpassam a Psicologia. Vejam no quadro a seguir algumas características das concepções inatistas e empiristas: Inatismo Empirismo Conhecimento O conhecimento é pré-formado, e as estruturas mentais se atualizam na medida que o ser humano amadurece, vai reorganizando sua inteligência pelas percepções que tem da realidade, vai se tornando apto a realizar aprendizagens cada vez mais complexas. A fonte do conhecimento está na experiência. O conhecimento vem de fora, através dos sentidos. O conhecimento evolui à medida que o sujeito adquire novas experiências. Aprendizado A aprendizagem consiste no armazenamento das informações prontas, acabadas, através da memória. Mudança de comportamento, resultante do treino e da experiência. Ensino O ensino consiste na transmissão do conhecimento, através da exposição de conteúdos organizados de acordo com a lógica do professor, ainda que sem significado para os alunos. Ensinar é modificar o ambiente, controlar as estratégias de trabalho para operar as mudanças desejadas nas respostas dos alunos. Avaliação A avaliação consiste em medir o quanto das informações passadas Avaliar é: medir a quantidade de 33 foram retidas na memória pelos alunos. O grau de aprendizagem mede-se pelo estoque de informações acumuladas. respostas modificadas; medir a quantidade da mudança operada no comportamento do aluno; medir a quantidade de respostas aprendidas. Na concepção racionalista, a aprendizagem é fruto da capacidade interna do aluno. Ele é, ou não, “inteligente” porque já nasceu com a capacidade, ou não, de aprender. Sua aprendizagem também estará relacionada à maturação biológica, só podendo aprender determinados conteúdos quandotiver a prontidão necessária para isso. O aluno já traz uma capacidade inata para aprender. Em linhas gerais, quando não aprende, é considerado incapaz, se aprende, diz-se que tem um bom grau de quociente intelectual (Q.I.). Nesta concepção, o papel do professor é de organizador do conteúdo, levando em consideração a idade do indivíduo. Uma das teorias mais importantes na educação, a Teoria Construtivista, surgiu no século XX, a partir das experiências do biólogo, filósofo e epistemólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), o qual observando crianças desde o nascimento até a adolescência – como um recém-nascido passava do estado de não reconhecimento de sua individualidade frente ao mundo que o cerca indo até a idade de adolescentes, onde já se tem o início de operações de raciocínio mais complexas – percebeu que o conhecimento se constrói na interação do sujeito com o meio em que ele vive. Para este autor, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado nem nas estruturas internas do sujeito, porquanto, estas resultam de uma construção efetiva e contínua, nem nas características preexistentes do objeto, uma vez que elas só são conhecidas graças à mediação necessária dessas estruturas, e que essas, ao enquadrá-las, enriquecem-nas (PIAGET, 2007, p.1). Segundo Becker (1994), o construtivismo não é uma prática nem um método, e sim uma teoria que permite conceber o conhecimento como algo que não é dado e sim construído e constituído pelo sujeito através de sua ação e da interação com o meio. Assim, o sentido do construtivismo na educação diferencia-se 34 da escola como transmissora de conhecimento, que insiste em ensinar algo já pronto através de inúmeras repetições como forma de aprendizagem. Na concepção construtivista, a educação é concebida, segundo Becker (1994, p. 89), como um processo de construção de conhecimento ao qual ocorrem, em condição de complementaridade, por um lado, os alunos e professores e, por outro, os problemas sociais atuais e o conhecimento já construído. Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento (BECKER, 1994). Por fim vamos explanar algumas linhas sobre o sociointeracionismo, teoria proposta por Vigotsky. Para ele, a formação se dá numa relação dialética entre o sujeito e a sociedade a seu redor – ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Para ele, o que interessa é a interação que cada pessoa estabelece com determinado ambiente, a chamada experiência pessoalmente significativa. Outro conceito-chave da teoria de Vigotsky é a mediação. Segundo a teoria Vigotskiana, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos e da linguagem – que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito. Todo aprendizado é necessariamente mediado – e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante – para quem cabe a escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo próprio aluno. Segundo Vygotsky, o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ser a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança “se apropria” dele, tornando-o voluntário e independente. O ensino deve se antecipar ao que aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre o aprendizado e desenvolvimento, o 35 primeiro vem antes. É a isso que se refere um de seus principais conceitos, a zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância real de uma criação e aquilo que ela tem o potencial de aprender. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue aprender sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha (RODRIGUES, 2005). A seguir, temos um quadro comparativo das concepções construtivista e interacionista, as quais fazem parte do cotidiano pedagógico. Construtivismo Interacionismo Conhecimento A fonte do conhecimento se dá nas trocas entre o organismo e o meio, ou seja, na ação recíproca entre ambos, sujeito-objeto e sujeito-meio físico e social. Essas trocas são responsáveis pela construção da própria capacidade de conhecer. O desenvolvimento da inteligência é determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio. O conhecimento é considerado como construção histórica e social dinâmica, fruto de uma construção coletiva, que necessita de contexto para ser entendido e interpretado. Conhecimento é uma construção coletiva e uma assimilação pessoal. Aprendizado A aprendizagem, longe de ser uma acumulação de informações para formação de um estoque, é o próprio processo de produzir conhecimento. A aprendizagem, na perspectiva construtivista, caracteriza-se por desencadear processos mentais que ampliam a capacidade intelectual e de compreensão do indivíduo. A aprendizagem está relacionada a esse desenvolvimento. Na troca com outros sujeitos e consigo próprio é que se dá a aprendizagem, é que se vão internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, o que permite a constituição de conhecimento e da própria consciência. Ensino O ensino precisa ser desafiador das estruturas do aluno, para que ele se desenvolva na construção de estruturas superiores e produção de novos conhecimentos. O bom professor é aquele que valoriza o trabalho em grupo, é aquele que cria conflitos cognitivos para que novos conhecimentos sejam produzidos. O ensino precisa valorizar as interações entre indivíduos e entre grupos e destes com os diferentes segmentos da comunidade. Avaliação A avaliação deverá centrar-se no processo de desenvolvimento do aluno, diagnosticar suas dificuldades, identificando os erros como parte do processo de aprendizagem, explorar as possibilidades e valorizar o esforço dos alunos. A avaliação deverá centrar-se na dinâmica das relações que se estabelecem no espaço da comunidade, da escola e da sala de aula. O bom aluno é aquele que participa, desafia, investiga, contribui com os diversos grupos, soma com o outro, critica, toma decisões, desenvolve comportamentos democráticos. 36 UNIDADE 4 – OS PARÂMETROS E AS ORIENTAÇÕES CURICULARES NACIONAIS (PCN E OCN) 4.1 Os Parâmetro Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qualidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o País. Sua função é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção pedagógica atual. Por sua natureza aberta, configuram uma proposta flexível, a ser concretizada nas decisões regionais e locais sobre currículos e sobre programas de transformação da realidade educacional empreendidos pelas autoridades governamentais, pelas escolas e pelos professores. Não configuram, portanto, um modelo curricular homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas (BRASIL, 1997). Os Parâmetros Curriculares Nacionais, referenciais para a renovação e reelaboração da proposta curricular, reforçam a importânciade que cada escola formule seu projeto educacional, compartilhado por toda a equipe, para que a melhoria da qualidade da educação resulte da corresponsabilidade entre todos os educadores. A forma mais eficaz de elaboração e desenvolvimento de projetos educacionais envolve o debate em grupo e no local de trabalho. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, ao reconhecerem a complexidade da prática educativa, buscam auxiliar o professor na sua tarefa de assumir, como profissional, o lugar que lhe cabe pela responsabilidade e importância no processo de formação do povo brasileiro (BRASIL, 1997). A orientação proposta nos Parâmetros Curriculares Nacionais reconhece a importância da participação construtiva do aluno e, ao mesmo tempo, da intervenção do professor para a aprendizagem de conteúdos específicos que favoreçam o 37 desenvolvimento das capacidades necessárias à formação do indivíduo. Ao contrário de uma concepção de ensino e aprendizagem como um processo que se desenvolve por etapas, em que a cada uma delas o conhecimento é “acabado”, o que se propõe é uma visão da complexidade e da provisoriedade do conhecimento. De um lado, porque o objeto de conhecimento é “complexo” de fato e reduzi-lo seria falsificá-lo; de outro, porque o processo cognitivo não acontece por justaposição, senão por reorganização do conhecimento. É também “provisório”, uma vez que não é possível chegar de imediato ao conhecimento correto, mas somente por aproximações sucessivas que permitem sua reconstrução. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos objetivos educacionais que propõem quanto na conceitualização do significado das áreas de ensino e dos temas da vida social contemporânea que devem permeá-las, adotam como eixo o desenvolvimento de capacidades do aluno, processo em que os conteúdos curriculares atuam não como fins em si mesmos, mas como meios para a aquisição e desenvolvimento dessas capacidades. Nesse sentido, o que se tem em vista é que o aluno possa ser sujeito de sua própria formação, em um complexo processo interativo em que também o professor se veja como sujeito de conhecimento. Na introdução, falamos da complexidade da prática pedagógica, uma vez que o contexto de sala de aula traz questões de ordem afetiva, emocional, cognitiva, física e de relação pessoal. Pois bem, os PCNs oferecem tópicos em didática considerados essenciais pela maioria dos profissionais em educação: autonomia; diversidade; interação e cooperação; disponibilidade para a aprendizagem; organização do tempo; organização do espaço; e seleção de material. Na verdade, esses tópicos são diretrizes para que os objetivos propostos para o Ensino Fundamental sejam atingidos, os quais irão depender, evidentemente, da prática educativa. Ou seja, as orientações didáticas servem de subsídio para a reflexão sobre o como ensinar. No módulo de Práticas Pedagógicas II, embarcamos numa segunda etapa dessa viagem, oferecendo exemplos direcionados para as diversas áreas de conhecimento, seja, para Ensino fundamental, seja para Ensino Médio e baseado muitas vezes na Pedagogia de Projetos. 38 Lembramos que cada aluno é sujeito de seu processo de aprendizagem, enquanto o professor é o mediador na interação dos alunos com os objetos de conhecimento e o processo de aprendizagem compreende a interação dos alunos entre si, essencial à socialização. Assim sendo, as orientações didáticas apresentadas enfocam fundamentalmente a intervenção do professor na criação de situações de aprendizagem coerentes com essa concepção. Para cada tema e área de conhecimento corresponde um conjunto de orientações didáticas de caráter mais abrangente — orientações didáticas gerais — que indicam como a concepção de ensino proposta se estabelece no tratamento da área. Para cada bloco de conteúdo correspondem orientações didáticas específicas, que expressam como determinados conteúdos podem ser tratados (BRASIL, 1997). De maneira geral, os PCNs têm como um dos objetivos, levar o docente a refletir e a repensar sua prática pedagógica. Para tanto, ele é estimulado a rever sua postura, focando, sobretudo, nos seus objetivos, nos conteúdos a serem abordados/ trabalhados, no enfoque/ tratamento dado a esses conteúdos, na forma como ele avalia a construção do conhecimento do aluno, entre outros. Por fim, os PCNs preconizam uma abordagem transversal e, principalmente, de cunho interdisciplinar. Com isso, eles pretendem extinguir a visão de desarticulação e separação entre os componentes curriculares do processo de escolarização, estabelecendo, assim, a articulação e o contato entre tais componentes. O que, por sua vez, contribui para a construção conjunta do conhecimento. Entretanto, essa perspectiva interdisciplinar não se limita à junção de disciplinas de um dado sistema formal de ensino, mas, sobretudo, abrange a utilização dos saberes provenientes dessa junção nas práticas corriqueiras do dia a dia (SILVA, 2013). 4.2 As Orientações Curriculares Nacionais (OCN) para o Ensino Médio A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional explicita que o Ensino Médio é a “etapa final da educação básica” (Art. 36), o que concorre para a construção de sua identidade. O Ensino Médio passa a ter a característica da terminalidade, o que significa: 39 assegurar a todos os cidadãos a oportunidade de consolidar e aprofundar os conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental; aprimorar o educando como pessoa humana; possibilitar o prosseguimento de estudos; garantir a preparação básica para o trabalho e a cidadania; dotar o educando dos instrumentos que o permitam “continuar aprendendo”, tendo em vista o desenvolvimento da compreensão dos “fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos” (Art.35, incisos I a IV). O Ensino Médio, portanto, é a etapa final de uma educação de caráter geral, afinada com a contemporaneidade, com a construção de competências básicas, que situem o educando como sujeito produtor de conhecimento e participante do mundo do trabalho, e com o desenvolvimento da pessoa, como “sujeito em situação” – cidadão. Nessa concepção, a Lei nº 9.394/96 muda no cerne a identidade estabelecida para o Ensino Médio, contida na referência anterior, a Lei nº 5.692/71, cujo 2º grau se caracterizava por uma dupla função: preparar para o prosseguimento de estudos e habilitar para o exercício de uma profissão técnica. Na perspectiva da nova Lei, o Ensino Médio, como parte da educação escolar, “deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (Art.1º § 2º da Lei nº 9.394/96). Essa vinculação é orgânica e deve contaminar toda a prática educativa escolar. Em suma, a Lei estabelece uma perspectiva para esse nível de ensino que integra, numa mesma e única modalidade, finalidades até então dissociadas, para oferecer, de forma articulada, uma educação equilibrada, com funções equivalentes para todos os educandos: a formação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e competências necessárias à integração de seu projeto individual ao projeto da sociedade em que se situa; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; 40 a preparação e orientação básica para a sua integração ao mundo do trabalho, com as competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo; o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em níveis mais complexos de estudos. A reforma curricular do Ensino Médio estabeleceu a divisão do conhecimento escolar em áreas, uma vez que entende os conhecimentos cada vez mais imbricados aos conhecedores, seja no campo técnico-científico, seja no âmbito do cotidiano da vida social. A
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