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HISTÓRIA MEDIEVAL

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1 
 
 
CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
HISTÓRIA MEDIEVAL 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS – SP 
 
2 
 
 
SUMÁRIO 
1 FONTES PARA O ESTUDO DA HISTÓRIA MEDIEVAL ............................................... 6 
1.1 Desafios da pesquisa sobre a Idade Média ................................................................ 8 
1.2 Contagem do tempo no Medievo .............................................................................. 10 
2 INVASÕES E MIGRAÇÕES GERMÂNICAS ............................................................... 12 
2.1 Enfraquecimento do Império Romano e expansão dos povos bárbaros .................. 12 
2.2 Os povos bárbaros ................................................................................................... 16 
2.3 A cultura dos povos germânicos ............................................................................... 20 
3 A FORMAÇÃO DOS REINOS GERMÂNICOS ............................................................ 22 
3.1 Os reinos germânicos ............................................................................................... 22 
4 DECLÍNIO POPULACIONAL E RURALIZAÇÃO ......................................................... 26 
4.1 Os germânicos e a Europa Ocidental medieval ........................................................ 28 
5 O REINO FRANCO ..................................................................................................... 30 
5.1 Império Franco ......................................................................................................... 30 
5.2 A conversão de clóvis e a expansão do império merovíngio .................................... 32 
5.3 Enfraquecimento dos merovíngios ........................................................................... 36 
6 A FORMAÇÃO DO IMPÉRIO BIZANTINO .................................................................. 39 
6.1 Constantinopla e as invasões bárbaras .................................................................... 39 
6.2 O imperador e o patriarca no processo de consolidação bizantina .......................... 42 
6.3 O legado do imperador Justianiano .......................................................................... 45 
6.4 Corpus Juris Civilis ................................................................................................... 46 
6.5 Justiniano, Teodora e a revolta de Nika ................................................................... 48 
6.6 Modelo cultural e econômico do Império Bizantino .................................................. 49 
7 A EXPANSÃO MUÇULMANA E A SOCIEDADE ÁRABE ............................................ 52 
 
3 
 
 
7.1 O surgimento “precoce” do islã (632–700) ............................................................... 52 
7.2 Os primeiros califas (632–660) ................................................................................. 54 
7.3 As redes comerciais como sistema econômico sarraceno ....................................... 56 
7.4 A expansão islâmica ................................................................................................. 57 
7.5 Expansão islâmica no Oriente Médio e além ............................................................ 59 
7.6 Um Oriente multicultural ........................................................................................... 60 
8 A CRIAÇÃO DO ISLÃ .................................................................................................. 61 
8.1 A sociedade árabe e o surgimento do islã ................................................................ 61 
8.2 O islã e o seu profeta ................................................................................................ 64 
8.3 O livro sagrado do Islã .............................................................................................. 66 
8.4 A cidade do profeta................................................................................................... 68 
8.5 A morte do profeta e os conflitos internos ................................................................ 70 
9 O SURGIMENTO DO FEUDALISMO .......................................................................... 71 
9.1 A crise do sistema escravista romano ...................................................................... 71 
9.2 As invasões germânicas e a desagregação do Império ........................................... 73 
9.3 As duas fases das invasões bárbaras ...................................................................... 75 
9.4 O enfraquecimento do Império Carolíngio ................................................................ 77 
9.5 Sistema de colonato ................................................................................................. 79 
10 RELAÇÕES FEUDO-VASSÁLICAS .......................................................................... 82 
10.1 A influência dos contratos da dinastia carolíngia .................................................... 82 
10.2 Contrato vassálico .................................................................................................. 85 
10.3 Obrigações vassálicas ............................................................................................ 86 
10.4 O suserano ............................................................................................................. 87 
11 RENASCIMENTO URBANO ...................................................................................... 88 
11.1 Ressurgimento das cidades na Europa .................................................................. 88 
 
4 
 
 
11.2 Renascimento comercial ........................................................................................ 92 
11.3 Surgimento da burguesia ........................................................................................ 94 
12 A IGREJA E O CRISTIANISMO ................................................................................ 97 
12.1 O cristianismo como processo civilizador ............................................................... 97 
12.2 Concílios: o processo civilizador da Igreja ............................................................ 100 
12.3 A ascensão do cristianismo na Idade Média ........................................................ 102 
12.4 Idade Média ou Idade das Trevas: as perspectivas historiográficas sobre a ascensão 
do cristianismo ............................................................................................................. 105 
12.5 A organização hierárquica eclesiástica na Idade Média ....................................... 106 
13 A TRANSIÇÃO DA IDADE MÉDIA PARA A MODERNIDADE ................................ 110 
13.1 As Cruzadas e os encontros culturais .................................................................. 110 
13.2 O fim da vassalagem ............................................................................................ 114 
13.3 O surgimento das monarquias nacionais .............................................................. 117 
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 122 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
 
Prezado aluno! 
 
O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala 
de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se 
levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para 
que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno 
faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço 
virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser 
direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os 
cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No casoda nossa disciplina 
é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações 
propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe 
convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência 
a ser seguida e prazos definidos para as atividades. 
 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
 
1 FONTES PARA O ESTUDO DA HISTÓRIA MEDIEVAL 
A escrita da história baseia-se em evidências, indícios e rastros (escritos, 
materiais, orais, visuais) deixados por certos povos, que os historiadores convertem 
em fontes históricas. Algumas sociedades legaram inúmeros materiais; em outras, 
esses registros foram destruídos devido à passagem do tempo ou deliberadamente, 
pela ação do homem; há ainda aqueles povos cuja cultura é transmitida oralmente, de 
modo que, com a passagem das gerações, muitos dados podem se perder. Além 
disso, cada uma dessas fontes pressupõe conceitos, metodologias e teorias 
específicas, como a arqueologia, a etnografia, a paleografia, etc. Como será que os 
medievalistas lidam com as suas fontes? Para além das críticas internas e externas 
aos documentos, existe outra perspectiva, como assinala Vidotte (2010, documento 
on-line): 
O medievalista continua realizando essa crítica, mas hoje o que está em foco nos 
estudos medievais são as novas perspectivas sobre fontes já conhecidas, sejam 
textos escritos ou elementos da cultura material. A releitura e reconsideração das 
fontes, somada ao aprofundamento de uma perspectiva interdisciplinar, tem 
proporcionado uma profunda renovação do conhecimento das sociedades 
medievais. 
Nos mil anos que compreendem a Idade Média, há determinados períodos 
cronológicos mais bem documentados do que outros. Além disso, os diferentes reinos 
e povos conservaram seus registros e materiais de formas distintas, entre outras tantas 
circunstâncias que acabam por influenciar diretamente o trabalho de escrita da história 
do Medievo. Em geral, os historiadores encontram informações importantes para seus 
trabalhos de forma fragmentária em fontes muito diversas, que chamam a atenção por 
sua variedade mais do que por sua quantidade. De acordo com Linage Conde (1997), 
é possível elencar algumas categorias de documentos como fontes para a escrita da 
história da Idade Média. Veja a seguir. 
 Historiografia: historiadores e outros intelectuais contemporâneos aos 
acontecimentos escreveram histórias sobre temas do Medievo. Elas são 
importantes fontes para se compreender o modo como a história era escrita, as 
 
7 
 
 
concepções temporais, os conceitos utilizados, bem como os dados empíricos 
trazidos pelos escritores. 
 Crônicas: entende-se por crônica medieval qualquer escrito cuja matéria ou 
assunto seja essencialmente histórico, envolvendo tanto eventos do passado 
quanto eventos contemporâneos ao escritor, ou ainda fatos que ele tenha 
presenciado. É interesse analisar quais fatos os cronistas julgavam dignos de 
registro e quais eram os argumentos que justificavam essa escolha. Alguns 
historiadores vêm problematizando os cronistas e as suas crônicas, 
questionando se eles podem ser considerados “historiadores” e se suas obras 
integram uma “tradição historiográfica” (FONTOURA, 2014). 
 Fontes intelectuais: documentos produzidos pelas universidades, como 
catálogos de bibliotecas. 2 Fontes e problemas no estudo da Idade Média 
 Fontes jurídicas (legais e de aplicação do Direito): leis e tratados, além de 
processos, que permitem conhecer as instituições, os costumes, as profissões, 
as noções de justiça. 
 Mentalidades (referentes à cultura, à religião e às tradições): tradição oral, 
brasões, normas de conduta cristã, hagiografia, liturgias, música, canto. 
 Fontes naturais (biológicas e geológicas): os estudos de achados arqueológicos 
e fósseis animais e vegetais, assim como as modificações nas paisagens, 
permitem conhecer uma série de eventos e informações sobre o Medievo. 
 Fontes científicas: considerações sobre astronomia, mapas cartográficos e 
marítimos, regulamentos médicos. 
 Fontes materiais (cultura material): achados arqueológicos como moedas, 
vestuários, armas, cerâmica. 
 Fontes artísticas: arquitetura, tapeçaria, artes plásticas, poesia e prosa 
 
A seguir, na Figura 1, veja uma das páginas do Livro de horas dito de D. 
Fernando, uma fonte importante para os estudiosos que pesquisam a história do 
Medievo. Tal livro continha as orações a serem realizadas em horários preestabelecidos 
(que também eram uma forma de contar as horas ao longo do dia). 
 
8 
 
 
 
1.1 Desafios da pesquisa sobre a Idade Média 
Os historiadores medievalistas podem encontrar uma série de desafios na escrita 
da história da Idade Média. Aqui, você vai conhecer algumas dificuldades enfrentadas 
por esses pesquisadores. Primeiramente, considere a disponibilidade de fontes. Pode-
se pensar que existem poucos vestígios do Medievo, escritos ou materiais, mas essa 
não parece ser a realidade enfrentada pelos pesquisadores: 
para essas investigações não estavam disponíveis acervos específicos, 
manuscritos ou impressos, em arquivos públicos ou privados, nem coleções 
monumentais. O problema não era propriamente a ausência de documentos, mas 
sim a sua dispersão. As tipologias tradicionais dos documentos não colaboravam 
nessa busca que culminou no agrupamento e na análise de fontes dos mais 
variados tipos, sobretudo aquelas produzidas com outros objetivos [...] (SANTOS, 
2010, documento on-line). 
Isso demonstra que o principal problema de acesso às fontes não é a sua 
inexistência, mas a sua dispersão. Tal situação se explica também pela variedade 
tipológica desses vestígios e de seus autores, o que acarreta a existência de inúmeros 
acervos atomizados. Felizmente, com projetos de digitalização de documentos, é 
possível fazer muitas buscas documentais on-line, sem a necessidade de visitar in loco 
 
9 
 
 
os arquivos espalhados por diferentes regiões e países europeus. A informática e a 
internet não somente facilitaram o acesso aos documentos como ainda incrementaram 
as possibilidades metodológicas de críticas às fontes. 
O primeiro processo permitiu que pesquisadores localizados nos mais diferentes 
lugares do mundo passassem a pesquisar em fontes primárias digitalizadas e 
disponíveis virtualmente, o que democratizou o acesso às informações. “Atualmente é 
impossível medir a extensão total desses acervos na rede, dada a quantidade e 
variedade da oferta” (SANTOS, 2010, p. 26). 
Quanto às possibilidades metodológicas de trabalho com as fontes, a informática 
facilitou o desenvolvimento do campo da história seriada, permitindo a análise de 
dados quantitativos ao longo de séculos, tarefa executada em segundos pelas 
máquinas, uma revolução nos anos 1970. Mais recentemente, surgiram software de 
mineração de dados, de modo que é possível realizar análises semânticas a partir da 
história e das humanidades digitais. Superados os problemas em relação ao acesso 
às fontes, é necessário dedicar-se à crítica interna, ou seja, compreender a formulação 
de cada documento e então enfrentar nesses vestígios a fragmentação característica 
das sociedades europeias medievais. 
Considere, por exemplo, a contagem dos anos realizada nos diferentes reinos 
medievais e nas diversas regiões desses reinos. 
Segundo Franco Jr. (2006), desde o Egito faraônico houve a adoção do ano de 
365 dias. Contudo, como essa contagem não correspondia exatamente aos ciclos 
solares (que hoje são compensados com os anos bissextos), surgiram diferenças 
significativas na datação dos anos. Outro exemplo é o calendário cristão e seus 
marcos a partir do nascimento de Jesus Cristo. 
Tal calendário foi proposto pelo monge Dionísio, o Pequeno, no século VI, e 
popularizado por Beda, o Venerável, no século XVIII: os francos adotaram-no no 
século IX; os germanos, no século X; os habitantesda Península Ibérica, apenas no 
século XII. Isso significa que, até esse momento, esses reinos possuíam formas de 
datação diferentes, e os historiadores que trabalham com esse período devem estar 
atentos a essas variações. Por fim, um último exemplo das dificuldades de se pensar 
 
10 
 
 
um tempo único ou uniforme durante a Idade Média provém das diferenças entre o 
calendário civil e o religioso. Apenas com as reformas instituídas pelo papa Gregório, 
em 1582, houve uma uniformização desse calendário. Veja as diferenças existentes 
antes dessa data: 
Na França do Norte e Países-Baixos, o ano começava na Páscoa, que sendo 
festa móvel fazia alguns anos terem 13 meses e outros apenas 11. Na França do 
Sul e parte da Itália, na festa da Anunciação (25 de março). Na Inglaterra, 
Alemanha, Espanha e Portugal, o ano civil coincidia com o litúrgico, começando 
no Natal. As mudanças de sistema não eram raras e acentuavam a confusão, 
como na Inglaterra do século XIV, que passou a adotar o 25 de março (FRANCO 
JR., 2006, p. 22–23) 
Como você pode notar, um dos problemas encontrados pelos medievalistas é a 
busca de parâmetros temporais estáveis para as suas análises. As diferentes formas de 
datação e de relação com o tempo geram problemas para se pensar as simultaneidades, 
já que é possível que reinos contíguos geograficamente possuam datações diferentes 
para eventos sincrônicos. O historiador que se dedica à escrita da história desse período 
deve estar atento a essas características culturais e religiosas para compreender a 
natureza de suas fontes de pesquisa. 
1.2 Contagem do tempo no Medievo 
De acordo com as análises de Franco Jr. (2006), existiam duas maneiras de se 
conceber o tempo durante a Idade Média: aquela provinda das interpretações 
teológicas e a forma pré-cristã. Ainda que essa divisão pareça muito esquemática, 
entre religiosos e pagãos, ela tem certa validade. A concepção temporal pagã, 
difundida entre diferentes povos, era de um tempo cíclico, baseado em fenômenos 
astronômicos e da natureza, com uma ideia de “retorno”. Não havia a noção de 
historicidade e de irreversibilidade dos acontecimentos. A contagem do tempo existia 
tão somente para a reprodução de determinados marcos, festas e rituais cotidianos. 
“Daí a importância da festa de Ano Novo, que era uma retomada do tempo no seu 
começo, isto é, uma repetição da cosmogonia, com ritos de expulsão de demônios e 
de doenças” (FRANCO JR., 2006, p. 21). 
 
11 
 
 
Essa concepção temporal foi apropriada e transformada pelo judaísmo e, 
principalmente, pelo cristianismo, o que deu origem a uma noção de história linear: “há 
um ponto de partida (Gênese), um de inflexão (Encarnação) e um de chegada (Juízo 
Final) ” (FRANCO JR., 2006, p. 21). 
Contudo, se o cristianismo reinterpretava a história, não podia deixar de sentir 
seu peso, por isso sua liturgia baseia-se na repetição periódica e real da 
Natividade, Paixão, Morte e Ressureição de Jesus, quer dizer, o fiel, ao participar 
da reprodução do evento divino, volta ao tempo em que ele se deu. Ou seja, a 
cristianização das camadas populares não aboliu a teoria cíclica, pelo contrário, 
permitiu por influência dela o reforço de certas categorias do pensamento mítico 
(FRANCO JR., 2006, p. 21). 
Dessa forma, a sociedade medieval possuía três concepções temporais distintas: 
o tempo cíclico, o tempo linear e um tempo escatológico, que correspondia aos tempos 
da existência do todo, que somente Deus conheceria. Assim como na Antiguidade 
Romana, o dia dividia-se em 12 horas, da mesma forma que a noite, 
independentemente da época do ano, o que poderia significar dias (verão) ou noites 
(inverno) mais longas. Contudo, a contagem dessas horas somente se aprimora com 
o surgimento do relógio mecânico, no século XIV. Como destaca Franco Jr. (2006, p. 
22): 
Apenas o clero, por necessidades litúrgicas, estabeleceu um controle maior sobre 
as goras, contando-as grosseiramente de três em três a partir da meia- -noite 
(matinas, laudes, primas, terça, sexta, nona, vésperas, completas). Esse sistema, 
contudo, era impreciso e não se adequava às atividades laicas. 
Em geral, a forma de contagem das horas era precária porque não se via 
necessidade de um controle rígido do tempo: com a maioria da população ruralizada, 
o tempo se guiava pelo ritmo imposto pela natureza, pela Lua, pelo Sol e pelas 
estações do ano. Você já viu que a contagem dos anos era problemática, gerando 
dificuldades para o pesquisador da Idade Média. E a contagem dos dias? De acordo 
com Franco Jr. (2006, p. 22), 
A contagem dos dias agrupava-os em semanas de sete, adotadas no Ocidente 
por volta do século IV. No Sul os dias receberam nomes de deuses romanos e 
no Norte de deuses germânicos. [...] O agrupamento em meses, por sua vez, de 
origem muito antiga, passou para a Europa medieval, latina e germânica, com 
seus nomes romanos. 
 
12 
 
 
 
Para além da contagem do tempo do calendário, o historiador Jacques Le Goff, 
em sua obra Para um novo conceito de Idade Média (1980), afirma que existiriam pelo 
menos três vivências de temporalidades no Medievo: o tempo rural, clerical e leigo; o 
tempo dos mercadores ou o tempo urbano; e o tempo religioso. Nenhuma dessas 
temporalidades existia isoladamente, mas de forma articulada e interdependente. De 
acordo com o autor, o tempo rural, clerical e leigo teria sido o mais característico da Idade 
Média. Como você já viu, era um tempo cíclico, vinculado ao trabalho executado na terra 
(semeadura e colheita) e a fenômenos naturais (dia e noite, estações do ano, etc.). No 
intervalo dessas atividades, existiam os tempos de orações, e as efemérides 
astronômicas também eram celebradas a partir de dias santos (LE GOFF, 1980). 
O tempo dos mercadores, ou o tempo urbano, estaria vinculado a outras 
atividades sociais, o que lhe conferiria uma ideia de cumulatividade e linearidade, com 
tarefas executadas com tempos definidos por outros critérios. As feiras, por exemplo, 
tinham correlação direta com acontecimentos religiosos. Também estavam em jogo, 
nessa categoria temporal, as distâncias a serem percorridas entre uma vila e outra, o 
tempo de produção das mercadorias, etc. “Para o mercador, o meio tecnológico sobrepõe 
um tempo novo, mensurável, quer dizer, orientado e previsível, ao tempo eternamente 
recomeçado e perpetuamente imprevisível no meio natural” (LE GOFF, 1980, p. 52). 
Em relação ao tempo religioso, é necessário lembrar que é considerado como 
pertencente a Deus, vinculado a uma ideia de eternidade e dividido entre a vida terrena 
e a vida pós-morte. 
2 INVASÕES E MIGRAÇÕES GERMÂNICAS 
2.1 Enfraquecimento do Império Romano e expansão dos povos bárbaros 
Os estudos dedicados às condições que levaram à dissolução do Império 
Romano são muito variados. A historiografia contemporânea enfatiza aspectos tanto 
internos quanto externos a esse processo. Além disso, procura romper com antigas 
 
13 
 
 
expressões, tais como “declínio”, “decadência” ou “queda”, que transmitem uma ideia 
de progresso à trajetória das sociedades. O importante é você ter em conta que, 
durante a crise do século III, os romanos não se imaginavam vivendo o fim do Império: 
essa é uma visão retrospectiva dos historiadores. Percebe-se, sim, uma série de 
transformações que configuraram algumas das características das sociedades 
medievais, em um processo bastante lento. Na Figura 1, a seguir, você pode ver o 
Império Romano antes das grandes migrações. 
 
 
 
 
14 
 
 
Como você já viu, os historiadores procuram respostas para a dissolução do 
Império em diferentes aspectos. Alguns pesquisadores, enfatizando o viés político, 
afirmam que o problema residia na falta de regras para a sucessão dos imperadores, 
o que gerou um desequilíbrio de poder e uma crise estrutural. Outros, por sua vez, 
assentam suas explicações nos fatores econômicos, ressaltando as mudanças na 
organizaçãodo trabalho (da escravidão para a servidão) como um indício de 
transformação social. Há ainda aqueles que assinalam os problemas entre a 
administração central e as províncias, do ponto de vista econômico e político 
(principalmente com a incorporação de alguns povos germânicos). 
Além disso, há os pesquisadores que afirmam que a difusão da cultura e das 
práticas cristãs foram responsáveis pelo enfraquecimento do Império, devido à 
assimilação que a população fez de valores tais como a humildade e a resignação. 
Por fim, existe uma corrente que interpreta o fim do Império a partir de aspectos 
militares, como a perda da capacidade de conquista e a incorporação dos “bárbaros” 
ao Exército. Embora as possibilidades interpretativas sejam várias, os historiadores 
parecem concordar que o período que se estende de 193 a 284, chamado de “crise 
do século III”, representa um ponto de inflexão na história do Império Romano. 
Essa “crise” foi, na verdade, um conjunto de crises estruturais e problemas inter-
relacionados que levaram a transformações profundas e generalizadas: uma 
crescente influência da cultura germânica, uma tendência valorativa positiva à 
monarquia autocrática em detrimento da autoridade imperial e do Senado, um 
processo de ruralização, a expansão da cristandade, etc. 
Como afirma Machado (2015, p. 90–91), o século III foi “[...] um período 
caracterizado por problemas políticos (especialmente relativos à sucessão imperial), 
mas principalmente por guerras (civis e contra invasores) e a peste. Estes não são 
processos idênticos, mas que foram combinados e que levaram à formação de uma 
nova sociedade e ordenamento políticos [...]”. Aqui, você vai ver como se deu a 
pressão das tribos germânicas sobre as fronteiras do Império Romano. 
Contudo, lembre-se de que esse é apenas um dos aspectos de uma sociedade 
que estava em profunda transformação. A movimentação das tribos germânicas nas 
 
15 
 
 
fronteiras romanas ocorria desde o período dos antoninos, ou seja, não era uma 
novidade no século III. Contudo, nesse período, houve um agravamento dessa 
relação. Isso ocorreu primeiramente pela morte de Alexandre Severo, em 235, 
assassinado após a notícia de um possível acordo com os persas (o Império 
Sassânida, de origem persa, representava uma ameaça às províncias orientais). 
Outra causa foi a assimilação, por parte das tribos germânicas, de certos 
conhecimentos, práticas e valores romanos. Tais tribos passaram a se estabelecer 
próximo às fronteiras do Império para saqueá-lo ou por sobrevivência; assim, as 
invasões não eram mais circunstanciais ou esporádicas, mas frequentes, com 
liderança e motivações. 
Por fim, havia movimentos internos dos germanos, principalmente os orientais, 
que pressionavam territorialmente os ocidentais e, por consequência, as fronteiras do 
Império. Portanto, no século III, o império sofria pressões em sua fronteira com os 
germanos no norte e com o Império Sassânida ao leste. O Império Romano tinha sob 
seu controle um dos mais extensos domínios territoriais já conquistados, motivo pelo 
qual o exército ficava em primeiro plano, tendo peso decisivo na manutenção do poder 
instituído. “A partir do século III, assiste-se a um progressivo e inexorável processo de 
crise das estruturas imperiais, responsável pela fragmentação da unidade política 
romana, pelo desmembramento e desaparecimento definitivo do Império [...]” 
(MACEDO, 2006, p. 78–79). 
Para Macedo (2006), uma das causas está nas transformações ocorridas no 
recrutamento para o Exército e na possibilidade de germanos serem utilizados como 
guardiões de fronteiras. Veja: 
No princípio do século IV, as antigas formações militares (legiões e guarda 
pretoriana) foram praticamente dissolvidas e em seu lugar apareceram duas 
unidades militares específicas: as tropas de fronteira, colocadas em fortificações 
permanentes nos limes, isto é, nos limites do mundo romano, com a incumbência 
de protegê-los de eventuais invasões; e uma força tática móvel, colocada em 
posições estratégicas no interior do território imperial. A tais reformas 
corresponderam novas formas de recrutamento. As consequências econômico-
financeiras da crise afetaram a estabilidade militar devido à dificuldade de 
remuneração dos soldados. No século IV, uma das formas de pagamento do 
serviço militar consistia na concessão de lotes de terra de fronteira a soldados 
regularmente recrutados e incorporados aos quadros do exército quando 
cumpriam seu tempo regular de serviço ao fim de 25 anos. Era uma maneira de 
 
16 
 
 
assegurar a presença de pessoas capacitadas a defender as fronteiras em caso 
de ataque (MACEDO, 2006, p. 79). 
Portanto, as invasões que ocorrem no século V não são uma novidade para os 
romanos, mas se tornam um fator de enfraquecimento do poder imperial em função da 
crise do século III. Nesse sentido, é importante lembrar que, para um dos maiores 
especialistas em Idade Média, Le Goff (2016), as causas do fim do Império Romano são 
internas, não têm a ver com as invasões: 
A causa da catástrofe é interna. Foram os pecados dos romanos — inclusive 
cristãos — que destruíram o Império que seus vícios entregaram aos bárbaros. 
Os romanos eram, de si mesmos, inimigos piores do que seus inimigos de fora, 
pois, embora os bárbaros já os tivessem arrasado, eles se destruíam ainda mais 
por si mesmos (LE GOFF, 2016, p. 21). 
Em outro trecho, o historiador reforça a questão da crise como maior fator 
explicativo: “A verdade é que os bárbaros foram favorecidos pela cumplicidade ativa ou 
passiva da massa da população romana. A estrutura social do Império Romano, em que 
as camadas populares eram cada vez mais esmagadas por uma minoria de ricos e 
poderosos, explica o sucesso das invasões bárbaras [...]” (LE GOFF, 2016, p. 22). 
2.2 Os povos bárbaros 
Quem eram esses “invasores”? No tópico anterior, você estudou o fim do Império 
Romano do Ocidente a partir da presença dos povos germanos em seu território e em 
suas fronteiras. Contudo, também deve considerar a falsa dicotomia étnica existente 
entre romanos e não romanos. Veja: 
Os romanos e seus vizinhos, que viviam próximos ao limes, não possuíam 
diferenças muito consistentes em termos de identidade ou etnia, que a existência 
dicotômica entre romanos e bárbaros é uma criação moderna e que esta só se 
consolidara no discurso político, na tentativa de enaltecer a tradição clássica face 
ao constante crescimento do poder provinciano e estrangeiro. [...] Nesta óptica, 
as populações germânicas da antiguidade já não poderiam mais ser vistas como 
racialmente homogêneas, organizadas a partir de características étnicas de 
“matriz” germânica ou ariana, mas por tradições culturais — a crença em um 
determinado deus, um antepassado em comum, semelhanças linguísticas —, o 
que permitiria que estes grupos tivessem uma configuração poliétnica (SILVA; 
ALBUQUERQUE, 2015, p. 347). 
 
17 
 
 
A seguir, você vai conhecer melhor os reinos germânicos, formados a partir da 
política dos foederati (domínios relativamente independentes do Império). Você vai ver 
que a organização política, religiosa e social desses reinos em nada se assemelhava à 
condição de “barbárie”, termo pejorativo utilizado para lhes referenciar. O termo 
“bárbaros” é encontrado em crônicas romanas desde o século I a.C. e era utilizado para 
fazer referência a todos os povos que não falavam o latim, sem distinção entre celtas, 
eslavos, gauleses ou germanos. Considere o seguinte: 
[...] a denominação de “bárbaros”, no sentido moderno do termo, não era 
absolutamente justificada, porque os germanos, os persas, os árabes e os outros 
numerosos povos vizinhos do Império não podiam ser absolutamente reduzidos 
a hordas desorganizadas, selvagens e incontroláveis. Por outro lado, eles nunca 
haviam formado uma coalizão devotada a uma tarefa deliberada de destruição 
do Império Romano, como se isso fosse desejado por Deus. A diversidadegeográfica das fronteiras era acompanhada por povoamentos variados, e 
ambições muito diferentes eram expressas pelos externi, “aqueles do mundo 
exterior” (LE ROUX, p. 2013, p. 86) 
Os primeiros contatos entre Roma e aqueles que foram chamados de “germanos” 
ocorreram no final do século II a.C. Pressionados por questões ambientais e pelo excesso 
populacional, os povos teutões e cimbros migraram para o sul e pressionaram as 
fronteiras de Roma no norte da Itália. Veja: 
Certamente aqueles tempos foram principalmente de confusão. Confusão 
surgida antes de tudo da própria mistura de invasores. Ao longo de seu trajeto, 
as tribos e os povos haviam se combatido, submetido uns aos outros, misturado. 
[...] Confusão acrescida pelo terror. Mesmo levando em conta os exageros, os 
relatos de massacres, de devastações, que abundam na literatura do século V, 
não deixam dúvida quanto às atrocidades e destruições que acompanharam os 
“passeios” dos povos bárbaros (LE GOFF, 2016, p. 26). 
Durante muito tempo, predominou a visão historiográfica segundo a qual as 
relações entre os romanos e germanos ocorrera apenas nos séculos IV e V, sendo 
marcadas por ataques e invasões violentas, já que o objetivo principal desses povos 
que viviam fora das fronteiras do Império era destruir e saquear. Contudo, há registros 
de relações comerciais e diplomáticas entre romanos e não romanos. 
Assim, novas abordagens têm procurado desconstruir a visão das “[...] invasões 
bárbaras enquanto um fluxo de populações que irrompem violentamente no seio do 
Império de um momento para outro — e por momento entendemos o último quarto do 
 
18 
 
 
século V — e que seriam responsáveis pelo esfacelamento da coesão imperial [...]” 
(SILVA, 2011, p. 4–5). 
Por exemplo, após a crise do século III, o Império Romano estabeleceu acordos 
para que os francos repovoassem a Gália e para que os ostrogodos se fixassem na 
Península Ibérica, em uma política chamada hospitalias (“hospitalidade”). Tratou-se de 
uma estratégia para manter a integridade dos territórios e a soberania do Imperador 
nas províncias do Mediterrâneo. Ao mesmo tempo, tal estratégia possibilitou a fixação 
de alguns povos nômades no território. Posteriormente, alguns desses reinos foram 
elevados à condição de federados ao Império. Porém, a preocupação com as 
fronteiras e as possíveis invasões do território antecede e muito o século III: 
Durante o período republicano (509–27 a.C.), Roma sofreu uma série de 
ameaças, sendo a mais famosa imposta por Breno, chefe gaulês da costa 
adriática da Itália, que em 387 a.C., invadiu e saqueou a cidade. No Principado, 
Augusto (63 a.C.–14 d.C.) manteve um interesse particular pela conquista da 
Germânia (atual Alemanha). Porém, a expansão é finalizada quando Armínio (16 
ou 17 a.C.–21 d.C.), germano de nascimento, porém cidadão romano e treinado 
na arte da guerra pelos mesmos, aniquilou o exército comandado pelo cônsul 
Públio Varo (46 a.C.–9 d.C.), na Batalha da Floresta de Teutoburg. No segundo 
século da Era Cristã, o imperador Adriano (76–138) mandou erguer na Bretanha 
a Muralha de Adriano, com a intenção de deter os constantes invasores pictos 
(originários da Escócia) (CARLAN, 2010, p. 169). 
A historiografia contemporânea tem demonstrado a necessidade de se superar a 
dicotomia aliados versus inimigos para se considerarem as relações entre os povos 
romanos e não romanos. Nesse sentido, afirma-se que, em diferentes situações, essas 
relações poderiam ser “[...] de opositores militares, de refugiados, de povos assimilados, 
de povos assimilados que se rebelam, de contingentes militares integrados ao Império, 
de contingentes integrados ao exército imperial que novamente se insurgem [...]” 
(BARROS, 2009, p. 556–557). Na Figura 2, veja as migrações dos povos bárbaros. A 
seguir, veja uma descrição das principais rotas. 
 
 
 
19 
 
 
 
 
 Anglo-saxões: compreendiam os anglos, os saxões, os jutos, os frísios e outros 
povos que se instalaram na foz do rio Reno. Alguns grupos, posteriormente, 
migraram para a ilha da Grã-Bretanha, no século V, dominando as populações 
celtas e criando reinos que perduraram até a invasão dos normandos (vikings) em 
1066. 
 Burgúndios: formaram um reino no início do século V, que foi destruído pelos 
hunos. Posteriormente, fundaram um novo reino, em 443, que foi destruído pelos 
francos aproximadamente um século depois. 
 Francos: constituíram um dos mais poderosos reinos. Em 481, dominaram grande 
parte da Europa Central, na margem esquerda do rio Reno. Nessa mesma região, 
os hunos fizeram incursões contra o Império Romano. 
 Ostrogodos: criaram na Itália um reino que congregou romanos e germanos. Em 
553, foram conquistados pelo Império Bizantino. 
 Suevos: estabeleceram, em 410, um reino na região da Galícia (norte de Portugal 
e noroeste da Espanha), tendo sido conquistados em 585 pelos visigodos. 
 
20 
 
 
 Vândalos: invadiram a Península Ibérica entre 407 e 409, tendo sido expulsos 
primeiramente pelos romanos, depois pelos visigodos. Ocuparam o norte da África 
em 429, fundando um poderoso rei. 
 Visigodos: instalaram-se primeiramente na Gália e, em 409, partiram para a 
Península Ibérica, estabelecendo-se em 418. Foram conquistados pelos 
muçulmanos no século VII, migrando para a região dos Pirineus e colaborando 
com os francos. 
Novamente, note a diversidade de povos abarcados pelos termos “bárbaros” e 
“germânicos”. Os caracteres que costumeiramente foram utilizados para distinguir os 
povos uns dos outros talvez não sejam suficientes para se estabelecer uma etnia e, 
por consequência, criar uma diferenciação tão grande dos romanos. Veja: 
Tal como os relatos dos gregos/romanos sobre as gentes barbarorum, língua, 
armas, roupas ou cabelos (cortes ou penteados) também não são sinais 
confiáveis para identificar identidades étnicas estáveis. Isso não significa que não 
houvesse diferenças marcantes nos povos antigos, ou que essas projeções 
culturais — cabelo, língua, roupas, armas — não fossem relevantes, mas sim que 
elas eram muito fluidas e dinâmicas, e a supervalorização destas atende mais 
aos estereótipos do que à História (SILVA; ALBUQUERQUE, 2015, p. 352) 
Após o intenso movimento migratório ocorrido no século V, aos poucos as tribos 
germânicas foram se fixando num determinado local. Seus membros, por sua vez, foram 
se misturando aos romanos, ocorrendo uma fusão das duas culturas. Você vai estudar 
mais sobre isso no próximo tópico. 
2.3 A cultura dos povos germânicos 
Como você viu nos tópicos anteriores, diferentes povos foram reunidos por meio 
do termo “germânicos”. Hoje, há diferentes níveis de informações sobre tais povos. 
Como lembram Silva e Albuquerque (2015, p. 347), grande parte do que se sabe a 
respeito do mundo germânico deriva de “[...] uma construção ideológica alemã [...]”. 
Tal construção tem início com a “redescoberta dos escritos de Tácito no século XV, 
atingindo seu ápice no século XIX, quando as tendências políticas e intelectuais da 
época (romantismo, pan-germanismo, filologia, teoria da raça ariana, dentre outras) 
 
21 
 
 
buscavam legitimar uma unificação do mundo nórdico”. A seguir, você vai ver algumas 
características desses povos, mas lembre-se de que é preciso estudá-los em suas 
singularidades e nas variações que ocorrem ao longo do tempo. Veja o que afirma Le 
Goff (2016, p. 25): 
Os bárbaros que se instalaram no Império Romano no século V não eram aqueles 
povos jovens, mas selvagens, recém-saídos de suas florestas ou de suas 
estepes, descritos por seus detratores da época ou seus admiradores modernos. 
Tinham evoluído muito com seus deslocamentos, muitas vezes seculares, que 
acabaram por lançá-los no mundo romano. Tinham visto muito, aprendido muito 
e incorporado bastante. Seus caminhos os levaram a contatos com culturas e 
civilizações das quais absorveram costumes, artes e técnicas. Direta ou 
indiretamente, a maioria deles haviasofrido influência das culturas asiáticas, do 
mundo iraniano e do próprio mundo greco-romano, principalmente em sua parte 
oriental, que, em vias de tornar-se bizantina, continuava sendo a mais rica e mais 
brilhante. 
Aqueles povos que viviam mais próximos aos limes estabeleceram constantes 
trocas com os romanos, apropriando-se de alguns de seus hábitos e práticas culturais. 
Esse estabelecimento dos povos nas fronteiras do Império deveu-se a um processo 
de assentamento de culturas que eram anteriormente nômades e viviam nas estepes 
e florestas. Tais povos dominavam técnicas de trabalho com o couro e a madeira, além 
da fundição de metais. Em seu processo de sedentarização, alguns desses povos 
permaneceram com suas práticas religiosas, com rituais animistas e de adoração à 
natureza, enquanto outros se converteram ao cristianismo ariano. Veja: 
Por um curioso acaso, que acarretou pesadas consequências, esses bárbaros 
convertidos — ostrogodos, visigodos, burgúndios, vândalos e, mais tarde, 
lombardos — o foram ao arianismo, que, depois do Concílio de Niceia, tornara- -
se heresia. [...]. Assim, o que deveria ter sido um vínculo religioso foi, ao contrário, 
objeto de discórdia e gerou lutas acirradas entre bárbaros arianos e romanos 
católicos (LE GOFF, 2016, p. 24) 
Quanto ao culto pagão, provavelmente havia cultos a rochas, bosques, árvores, 
fontes, etc. Não há indícios de grandes construções. Nos poucos locais de culto com 
edificações, estas eram utilizadas para “[..] alojar ex-votos, imagens de divindades 
(provavelmente muito singelas, a julgar pelos poucos exemplares indubitáveis 
achados) e objetos sagrados [...]” (CARDOSO, 2012, p. 10–11). 
 
22 
 
 
Além disso, eram realizadas visitas individuais, não cerimônias coletivas. Em 
decorrência do processo de ruralização ocorrido durante o Medievo, há um predomínio 
da vida privada em detrimento da vida pública: 
Antes a alegria de viver estava nas ruas e nos grandes monumentos urbanos; 
agora se refugia nas casas e nas cabanas. Antes, com suas leis, tropas e edis, o 
Império se honrara em facilitar a vida pública como ideal de vida; agora, com os 
reinos germânicos, dilui-se o culto da urbanidade em proveito da vida privada. 
Para os recém-chegados, os germanos, quase tudo é de domínio privado 
(ROUCHE, 1900, p. 403) 
A cultura dos germanos era essencialmente rural, com atividades agrárias, mas 
com forte ênfase no pastoreiro. Dessa forma, a organização familiar tornou- -se muito 
importante para esses povos. As famílias agrupavam-se em tribos a partir de laços de 
solidariedade e, assim, criavam uma estabilidade. Daí decorre um traço importante da 
cultura germânica, a ideia de linhagem, formada pela herança dos antepassados, o que 
dá aceitação social e prestígio perante o grupo. As sociedades germânicas eram 
patriarcais, sendo o papel masculino decisivo para a organização familiar e matrimonial, 
bem como para a educação dos filhos e as decisões políticas e militares, que ocorriam 
por meio dos comitatus. Alguns desses povos estruturaram formas de Estado com poder 
monárquico. Assim, o militarismo e a participação em guerras faziam parte da cultura dos 
povos germânicos. 
3 A FORMAÇÃO DOS REINOS GERMÂNICOS 
3.1 Os reinos germânicos 
A desintegração do Império Romano do Ocidente ocorreu formalmente em 476, 
com a deposição do imperador Rômulo Augusto por Odoacro, chefe da confederação 
de tribos germânicas dos hérulos. A partir de então, formaram- -se diversos reinos 
romano-germânicos. Como se deu esse processo durante a chamada Alta Idade 
Média ocidental? De acordo com Bastos (2008, p. 3), é um erro supor que a 
organização política dos reinos germânicos decorreu “[...] de uma suposta limitação 
 
23 
 
 
étnica, da gestão inconsequente derivada da incapacidade política germânica [...]”, ou, 
ainda, que foi “[...] uma forma inacabada, decadente ou deformada de instituição [...]”. 
Segundo o autor, essas abordagens são decorrentes de uma 
[...] atenção exacerbada à crise da formação estatal imperial romana no Ocidente, 
ao passo que se minimizam, quando não se desconsideram radicalmente, as 
expressões várias das transformações “políticas” que se impunham às 
comunidades germânicas ao longo do período. Estratificação social e 
cristalização de núcleos de poder foram as suas manifestações mais marcantes, 
e deram ensejo à constituição de chefaturas, de protoestados e, enfim, de 
estruturas estatais (BASTOS, 2008, p. 3). 
Utilizando referências provenientes de Aidan Southall, Bastos (2008, p. 9) 
apresenta da seguinte forma as características políticas dos reinos da Alta Idade Média 
ocidental: 
a soberania territorial é reconhecida, mas limitada: a sua autoridade esbate- -se 
ao aplicar-se às regiões afastadas do centro; b) o governo centralizado coexiste 
com focos de poder sobre os quais exerce um controle apenas relativo; c) o 
centro dispõe de uma administração especializada que também se encontra, mas 
reduzida, nas diversas zonas; d) os níveis de subordinação são distintos, mas as 
suas relações permanecem de caráter piramidal: a autoridade é conforme, em 
cada um deles, a um mesmo modelo; e) as autoridades subordinadas têm tanto 
mais possibilidades de mudar de obediência quanto ocupam uma posição mais 
periférica; f) a autoridade central não possui o monopólio absoluto do emprego 
legítimo da força. 
A seguir, você vai ver como se deu o processo de constituição desses reinos em 
diferentes regiões do território europeu, de acordo com os povos que lá estavam ou que 
para lá se dirigiram. Como você já sabe, após a desintegração do Império Romano, 
formam-se diversos reinos romano-germânicos, ou seja, com populações de culturas 
galo-romana, hispano-romana e ítalo-romana, mas 2 A formação dos reinos 
germânicossob o governo de reis germânicos. “Dentre os reinos romano-germânicos da 
Europa destacavam-se o visigótico (na atual Península Ibérica), o ostrogótico e, 
posteriormente, o lombardo (na atual Itália), os reinos anglo-saxões (na atual Grã-
Bretanha) e o franco (na atual França) [...]” (BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 4). 
Entretanto, esses não foram os únicos povos germânicos a se estabelecerem no 
território do antigo Império Romano. Os visigodos possuíam uma longa relação 
estabelecida com o Império Romano. Em certos momentos, houve convivência de mútuo 
 
24 
 
 
proveito, mas em outros períodos aconteceram conflitos, como quando os visigodos 
pilharam a cidade de Roma, em 410. 
Depois desse episódio, estabeleceram-se na região da Aquitânia e tiveram seu 
período de maior prosperidade durante o reinado de Eurico (466–484), em que 
estenderam seus domínios sobre a maior parte da Hispânia e da região da Provença. Em 
507, foram vencidos pelos francos, o que levou ao término desse primeiro reino e obrigou 
os visigodos sobreviventes a fugirem pelos Pirineus. O segundo reino visigótico, o da 
Hispânia, foi, para alguns autores, o mais próspero e poderoso de todos os reinos 
romano-germânicos, ainda que a unidade e a paz interna fossem dificilmente 
estabelecidas. Isso ocorria, 
[...] primeiramente, pela presença de povos inimigos instalados na própria 
Hispânia, como os germânicos suevos, que formavam um reino no oeste da 
Península [...]. Também devido às constantes lutas contra os sempre 
insubmissos bascos e cantábricos. Finalmente, pelas tentativas de frear o avanço 
dos bizantinos [...] (BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 4). 
A unificação política ocorreria somente sob o reinado de Leovigildo (568–586). 
Já na Península Itálica, em 489, Teodorico, chefe dos ostrogodos, invadiu a região sob 
o consentimento do imperador oriental Zenão e derrotou Odoacro, levando à conquista 
ostrogótica da Itália. Seu reinado caracterizou-se por um hibridismo, que mantinha 
paralelamente tradições germânicas e imperiais romanas. Ele “Manteve as antigas 
leis, deixou o nome do imperador nas moedas, conservou os magistrados nos cargos 
de outrora; sobretudo,soube ganhar o apoio da classe senatorial, respeitando-lhe os 
privilégios, e do povo de Roma [...]” (BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 5). 
Ao mesmo tempo, “[...] conservou estreitos contatos com tribos estabelecidas na 
atual Alemanha, de onde recrutava soldados e enviava legados destinados a reforçar 
a solidariedade dos germanos [...]” (BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 5). 
Além disso, estabeleceu laços familiares com outros povos por meio de 
casamentos com vândalos, visigodos e burgúndios. Após sua morte, houve problemas 
que terminaram por levar à conquista dos ostrogodos pelos lombardos. Os lombardos 
migraram para a região das planícies da Europa Central, gerando muitas guerras e um 
 
25 
 
 
período de grandes destruições. Tais conflitos constituíram a chamada Guerra Gótica 
(535–555), que terminou por destruir a Itália. 
Nos primeiros tempos, as populações fugiam perante os ataques destes novos 
germanos, violentamente hostis, pouco influenciados pela civilização romana, 
ligados a cultos ancestrais ou recentemente convertidos ao arianismo, que 
pareciam animados por um ardor xenófobo contra os cristãos romanos. Assim a 
ocupação lombarda foi, por muito tempo, regida pela dura lei militar dos 
conquistadores: as terras foram confiscadas, a aristocracia romana ou goda 
exterminada. Durante muito tempo nenhuma lei garantiu as pessoas ou os bens 
dos romanos, submetidos a vexames e grandes dificuldades. Além disto, a 
migração destruiu o limes do Friul e as praças fortes da Venécia, deixando assim 
abertos os passos e as rotas dos Alpes aos ávaros e aos eslavos, que, por várias 
vezes, lançaram suas raízes nas planícies e sobre as costas do Adriático 
(BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 6). 
O reino lombardo desintegrou-se em função de inúmeras crises sucessórias até 
ser dominado no século VIII pelos exércitos francos. Alguns autores afirmam que “[...] 
foram as diferenças religiosas (entre lombardos arianos e ítalo-romanos nicenos) e a 
incapacidade de criar um reino unitário que [...] tornaram inviável a identificação da 
Península com seus novos hóspedes [...]” (BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 6). 
Nas ilhas da Grã-Bretanha, a ordem política e social também se constituiu por 
meio de conquistas militares e migrações de povos de origens diversas, como os anglos, 
os jutos e os saxões, que começaram a se estabelecer na região na segunda metade do 
século V, em caráter descontínuo. Veja o que é dito sobre sua organização política: 
Todos pareciam habituados a uma vida comunitária, à manutenção de 
assembleias de camponeses livres para repartir as tarefas. [...] Os reis, de início 
chefes guerreiros de uma só tribo, viviam cercados por seus companheiros que 
formavam “nobrezas militares”. Estes laços de homem a homem, estas relações 
pessoais hereditárias da antiga sociedade de guerreiros germânicos, marcaram 
sensivelmente por muito tempo a vida política da Ilha. Estas tribos, desde o 
século VI, reuniram-se em reinos mais poderosos, dominados por um chefe 
principal ligado a inúmeros pequenos senhores. Estes reinos, mais precisamente 
confederações de tribos, permaneceram por muito tempo incertos, mal fixados, 
ligados à sorte de seu rei, frequentemente desintegravam-se após sua morte 
(BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 7). 
Os francos eram provenientes das margens inferiores do rio Reno e conquistaram 
todo o norte da Gália. Clóvis foi o responsável por reunir sob sua autoridade inúmeras 
colônias francas e por empreender expedições contra os povos vizinhos dos alamanos, 
 
26 
 
 
burgúndios e turíngios. Após a conversão ao cristianismo, houve uma enorme expansão 
do reino, que adquiriu uma missão evangelizadora. 
4 DECLÍNIO POPULACIONAL E RURALIZAÇÃO 
Como você viu, os reinos germânicos surgiram a partir da ocupação territorial 
ocorrida antes da desintegração do Império Romano e também a partir das 
transformações posteriores ao fim do poder político romano no Ocidente. Agora, você 
vai conhecer os fatores que levaram à ruralização dos territórios ocupados pelos reinos 
bárbaros, bem como verificar por que houve um declínio populacional durante esse 
primeiro momento após o fim do Império. 
Na verdade, os especialistas no período medieval concordam que há dificuldades 
para se estabelecer estudos ou estimativas demográficas para o período entre os 
séculos V a VII, o que é devido à escassez de registros. As informações disponíveis 
permitem, sim, afirmar que não havia grandes núcleos populacionais e que a 
população era desnutrida e apresentava baixo crescimento vegetativo. Esses 
elementos, somados às guerras, à fome e às epidemias, configuravam um quadro 
nada favorável para um aumento populacional (MORENO, 2011). 
Outra questão apontada pelos pesquisadores é que a chamada “crise 
demográfica dos séculos V a VII” encontra suas origens em um processo que remete 
ao século III, ainda durante o Império Romano, e que se agravou com a passagem do 
tempo. Nesse sentido, podem-se citar as perdas populacionais ocorridas com as 
guerras (que também afetam diretamente a reprodução e a economia) e com a fome, 
devido aos cercos das cidades e ao abandono de campos de cultivo, para além da 
destruição de algumas plantações e colheitas (MORENO, 2011). 
Outro dado que aparece seguidamente nas fontes é a pequena quantidade de 
mão de obra campesina. Somada a esse fator, existia a fome. De acordo com Moreno 
(2011, p. 124), a má alimentação: 
 
 
27 
 
 
[...] era consequência, quase sempre, de dois fatores distintos que, em grande 
medida, se encontram inter-relacionados: o grande número de mudanças de 
propriedade de terra, com a redução da produtividade por falta endêmica de mão 
de obra, que fugia dos campos por diferentes motivos, e as parcas tecnologias 
agrícolas. 
Segundo Anderson (2000, p. 192), 
[...] o solo [se] deteriorava por causa da pressa e do mau uso. As últimas reservas 
de terra regenerada eram normalmente de qualidade pobre, solo muito fino ou 
úmido, mais difícil de cultivar, e onde eram semeadas as plantações inferiores, 
como a aveia. As terras aradas mais antigas, por outro lado, estavam sujeitas ao 
desgaste e deterioração pela própria antiguidade de seu cultivo. 
 
A fome levava um grande contingente populacional a marchar sem rumo, vivendo 
da caridade de outras pessoas ou da Igreja. Por consequência, a expectativa de vida 
era baixa, assim como o crescimento vegetativo. As famílias possuíam, em média, na 
Toscana, 4,8 membros (MORENO, 2011). 
A situação de má nutrição tornava propícia a disseminação de doenças, como a 
epidemia da peste negra. Veja: 
Passando da Crimeia aos Bálcãs via Mar Morto, a peste viajou como um furacão 
por Itália, Espanha, Portugal, fez uma curva em direção ao norte através da 
França, Inglaterra e dos Países Baixos, e finalmente tomou impulso de volta ao 
Oeste e passou novamente pela Germânia, Escandinávia e Rússia. Com a 
resistência demográfica já enfraquecida, a Peste Negra cortou uma faixa da 
população talvez em torno de um quarto dos habitantes do continente 
(ANDERSON, 2000, p. 195). 
O processo de ruralização iniciou-se ainda durante o Império Romano, em função 
das incursões dos povos visigodos, ostrogodos, vândalos e hunos, além de outros, no 
território imperial. As mudanças cotidianas decorrentes dessas invasões, bem como o 
medo e o pânico, enfraqueceram as estruturas econômicas, políticas e sociais, o que 
levou a uma migração das grandes cidades para o campo. 
Como afirma Anderson (2000, p. 115), “Enquanto as cidades continuavam a 
declinar, o campo foi deixado basicamente intocado pela primeira onda de invasões, 
à parte a desordem de guerras externas e guerras civis e a introdução de propriedades 
e camponeses germânicos lado a lado com seus protótipos romanos [...]”. Em relação 
ao processo de ruralização, a atividade agrícola dos reinos germânicos variou muito 
 
28 
 
 
conforme a região. O território europeu possui uma diversidade de paisagens e 
condições agrícolas,o que torna certas regiões mais ou menos propícias para certos 
cultivos ou para a própria prática agrícola, característica dessas sociedades. Veja o 
que diz o historiador Le Goff (2016, e-book) sobre o processo de ruralização ocorrido 
em território europeu: 
Fato econômico, fato demográfico, a ruralização é ao mesmo tempo, 
primordialmente, um fato social que modela a fisionomia da sociedade medieval. 
A desorganização das trocas multiplica a fome, e a fome impele as massas para 
o campo e as submete à servidão aos que dão o pão, os grandes proprietários. 
Fato social, a ruralização é apenas o aspecto mais visível de uma evolução que 
imprimirá na sociedade do Ocidente medieval um caráter essencial que 
permanecerá ancorado nas mentalidades por mais tempo ainda do que na 
realidade material: a compartimentação profissional e social. A fuga em relação 
a certos ofícios, a mobilidade da mão de obra rural levara os imperadores do 
baixo Império a tornar obrigatoriamente hereditárias certas profissões e 
estimulara os grandes proprietários a vincular à terra os colonos destinados a 
substituir os escravos, cada vez menos numerosos. 
Em outra obra, Le Goff (2007, p. 47) assinala que o processo de ruralização 
significou “[...] a ruína das estradas, das oficinas, dos entrepostos, dos sistemas de 
irrigação [...]”. De acordo com ele, “O refluxo da população urbana para a zona rural não 
enche o vazio deixado pela regressão demográfica. No lugar da cidade, urbs, é a vila, o 
grande domínio, que se torna a célula econômica e social de base [...]”. Economicamente, 
as consequências dessa transformação são o recuo da economia monetária e o aumento 
dos sistemas de troca, além de uma diminuição do comércio de longo alcance. 
Assim, a ruralização e o problema demográfico estão intimamente relacionados. 
A ruralização e a fragmentação do poder político estiveram presentes nos reinos 
germânicos formados após a desintegração do Império Romano. Somadas a outros 
aspectos, essas condições conformariam as principais características da sociedade 
medieval, que você vai estudar no próximo tópico. 
4.1 Os germânicos e a Europa Ocidental medieval 
Um dos principais esforços da historiografia contemporânea sobre o Medievo 
envolve desvencilhar a concepção de Idade Média da de feudalismo. Tal analogia foi 
 
29 
 
 
construída em determinado momento e até os dias de hoje permanece em algumas 
narrativas, inclusive nos livros didáticos. Para além de ultrapassar essa concepção 
reducionista do período medieval enquanto sistema econômico e político feudal, é 
imprescindível refletir sobre a origem da sociedade da Idade Média. A ideia é identificar 
quais são as características provenientes dos romanos e quais foram legadas pelos 
povos germânicos. Os legados romanos para o Medievo incluem: 
 
 a organização de vilas (grandes latifúndios de economia de base agrária, 
relativamente autossuficientes); 
 o sistema de trabalho de colonato (vínculo estabelecido pelo trabalhador com o 
lote por ele ocupado); 
 a descentralização do poder político (ocorrida pelo processo de ruralização do 
Império). E quais são os legados dos povos germânicos? Esses povos legaram: 
 uma sociedade de base agropastoril, sustentada na relação do beneficium 
(concessão do direito de usar a terra em troca de serviços e tributos); 
 o poder descentralizado, em que cada tribo era formada não somente por relações 
familiares, mas também de lealdade; 
 o comitatus, ou seja, a relação de fidelidade que se estabelecia entre os soldados 
e os seus chefes, em troca de proteção e participação na distribuição das 
pilhagens; 
 o direito consuetudinário, ou seja, nos costumes e usos de cada tribo 
 
Considere o seguinte: 
A tradição jurídica propriamente germânica era consuetudinária e exercida nas 
Sippen (comunidades de sangue) que seguiam fielmente seus chefes guerreiros 
que [...] estavam condenados a vencer para poder manter sua autoridade. O 
fundamento das organizações germânicas não foi como o de Roma no período 
do Império, que estava assentada na ideia de salvação pública e de bem comum, 
mas era uma “reunião de interesses privados numa associação provisória 
automaticamente reconstruída pela vitória” (DE PAULO, 2009, p. 180–181). 
 
 
30 
 
 
Le Goff (2007, p. 47–48) afirma que houve dois elementos de uniformização dos 
reinos germânicos que deixaram um legado para a Europa Ocidental: as monarquias e, 
principalmente, a figura dos reis; e o seu conjunto de leis, que, segundo o autor, 
resumiam-se na “[...] lista de tarifas, de multas, de compensações monetárias ou 
corporais, que castigam os delitos e os crimes, e diferentes segundo a pertença étnica e 
a classe social dos culpados [...]”. Essa teria sido a base jurídica da Alta Idade Média. 
5 O REINO FRANCO 
5.1 Império Franco 
Os francos, um dos povos germânicos que ocupavam o território da Europa 
Ocidental, são originários da união de grupos que viviam na região do vale do rio Reno. 
Tal união ocorreu em torno dos séculos II e III da Era Cristã. Durante esse período, os 
francos estiveram em guerra com o Império Romano em diversas ocasiões devido a 
invasões territoriais bastante significativas, tendo chegado, por exemplo, até a região de 
Tarragona, na atual Espanha. Já no século IV, entre 355 e 358, o imperador Juliano 
estabeleceu relações mais diplomáticas com os francos, cedendo-lhes uma parte 
considerável do norte da Gália (na região da atual Bélgica). 
A partir de então, tornaram-se um povo com o status de federado junto ao Império 
Romano. Dessa forma, ajudaram na proteção das fronteiras do Império como aliados. 
Não restam muitas fontes que possam contribuir para o estudo dos primeiros reinados 
dos francos, sendo muito difícil separar acontecimentos políticos de narrativas 
mitológicas. Assim, é difícil saber se os reis Faramond e Clódio, por exemplo, possuíam 
alguma relação com a dinastia merovíngia. 
Durante o século V, os francos germânicos se tornaram líderes de um número 
cada vez maior de subalternos galo-romanos, principalmente por meio de guerras contra 
inimigos comuns, estrangeiros. Essas guerras, que também dão indícios do 
expansionismo do período, acabaram por firmar o domínio da dinastia merovíngia. Os 
francos haviam conquistado o norte da Gália antes do reinado de Clóvis, porém foi após 
 
31 
 
 
a posse deste como rei dos francos que ocorreu a dominação de todas as regiões ao 
norte do rio Loire. Esse domínio se estabeleceu não somente por meio de guerras — 
como a realizada contra os alamanos, os burgúngios e os turíngios —, mas também pela 
reunião, sob a autoridade dos francos, de inúmeras colônias. 
 
 
Fonte: www.povosgermanicos.com.br 
 
É neste contexto que surge a figura de Clóvis, que conseguirá realizar a união 
política dos francos e estender sua hegemonia por toda a região das Gálias por 
meio de uma série de vitórias militares e de uma política de alianças matrimoniais 
com outras monarquias. No entanto, o prestígio advindo dos triunfos militares não 
era capaz de resolver uma questão decisiva para a consolidação do poder de 
Clóvis, qual seja, o alinhamento da poderosa aristocracia galo- -romana à sua 
autoridade. Uma das dificuldades para tanto era o problema religioso (CRUZ; 
JOAQUIM, 2014, p. 64) 
Com a conversão de Clóvis ao cristianismo niceno (não se sabe se ela ocorreu 
no ano de 496, 498, 499 ou 506), iniciou-se uma aliança junto à Igreja Católica. Assim, o 
processo expansionista adquiriu um viés evangelizador e Clóvis conquistou o sudoeste 
da Gália, até a região dos Pirineus, e, posteriormente, as tribos francas do rio Reno 
(BIBIANI; TÔRRES, 2002). 
 
32 
 
 
Clóvis teria se convertido oficialmente ao catolicismo em Reims, condenando, 
dessa forma, o arianismo. Após a vitória nos confrontos com os alamanos e visigodos e 
a conquista do sudoeste da Gália até a região dos Pirineus, Clóvis adquire “[...] a fama 
de rei inspiradopor Deus e representante da verdadeira cristandade, apesar dos 
discutíveis métodos com que realiza a sua expansão, dominando os francos e mais ou 
menos toda a Gália [...]” (METZNER, 2010, p. 117). 
Quais são os problemas que se colocam aos historiadores para o estudo desse 
reino, principalmente durante a dinastia merovíngia? Muitos são os historiadores que 
apontam o intervalo compreendido entre o século VI e a primeira metade do século VIII 
na Gália como um período de poucos testemunhos escritos. De acordo com alguns 
autores, as principais fontes para o estudo dos francos nesse período são: “[...] a Lei 
Sálica, a correspondência dos príncipes da Austrásia, os capitulários, os cânones 
conciliares, os poemas de Venâncio Fortunato (c. 535–c.600), pequenas crônicas, vidas 
de santos e, sobretudo, as obras de Gregório de Tours (c. 538–594) [...]” (SILVA; 
MAZETTO JÚNIOR, 2006, p. 90). 
Para além da questão quantitativa, existem problemas relativos ao estado de 
conservação dos documentos, que nem sempre é satisfatório, e às dificuldades em 
compreender o latim desses manuscritos, que se difere bastante do latim clássico. 
Ademais, há os erros cometidos pelos copistas nas transcrições dos manuscritos (SILVA; 
MAZETTO JÚNIOR, 2006). 
Quais eram as características desse reino durante a dinastia merovíngia? Veja o 
que afirma Cruz (2013, p. 54): 
[...] o período merovíngio é marcado pela existência concomitante de diversos 
monarcas pertencentes à dinastia reinante. Somente em poucos momentos, 
encontramos a monarquia unificada sob a égide de um único monarca, sendo os 
mais importantes e longos períodos os reinados de Clóvis e Dagoberto, em que 
observamos a unidade do poder real nas Gálias. 
5.2 A conversão de Clóvis e a expansão do Império Merovíngio 
Antes de ler a respeito da conversão de Clóvis e da expansão do Reino Franco, 
você deve compreender como funcionava o catolicismo na Europa durante a Alta 
 
33 
 
 
Idade Média. A Igreja, tendo os seus muitos bispos atuando de maneira autônoma em 
suas dioceses, sentindo-se herdeira do Império Romano, enxergava os povos 
germânicos, na sua grande maioria pagãos no início da eminente ameaça ao Império, 
como os seus grandes inimigos. 
Apesar de os ostrogodos, visigodos e vândalos já estarem convertidos ao 
estabelecerem contatos com o Império Romano, eles não professavam a fé católica, 
aquela que Constantino oficializou no Concílio de Niceia, em 325. Ao contrário, esses 
povos haviam se convertido ao arianismo, considerado herético nesse mesmo 
concílio. Isso gerou um confronto religioso entre os migrantes e invasores “heréticos” 
e as populações católicas locais. 
Nessa conjuntura, os francos, que eram um povo predominantemente pagão, no 
final do século V, diferentemente dos demais reinos germânicos, convertem-se ao 
cristianismo, e não ao arianismo. Clóvis compreendera o poder que os bispos haviam 
adquirido em seu reino e, convertendo-se ao cristianismo, conseguiu o apoio do clero 
e da população em geral para suas conquistas militares (BASCHET, 2006). 
Você deve compreender quem era Clóvis a fim de entender a importância de seu 
processo de conversão. Nas últimas décadas do século V, os francos estavam 
divididos em diferentes grupos antagônicos e reconheciam alguns aristocratas galo-
romanos como autoridade máxima. 
Em 481, Clóvis foi eleito rei dos francos e, embora pertencesse a um clã de 
origem sálica, promoveu a unidade militar e política desse povo na batalha contra 
Siágrio, um aristocrata galo-romano, em 486. Sua vitória, somada ao bom 
relacionamento com os segmentos aristocráticos galo-romanos, foi decisiva para a 
construção da hegemonia franca na antiga província da Gália. 
Um dos principais desafios do reinado de Clóvis foi o enfrentamento às tribos de 
origem alamana que, estabelecidas nas regiões próximas à atual cidade de Colônia, 
na Alemanha, ameaçavam o poder franco e as propriedades dos aristocratas de 
origem germano-romana. Assim, aliado aos romanos, Clóvis enfrentou os alamanos 
na Batalha de Tolbiacum, em 496, saindo vitorioso e consolidando o seu poder militar 
e político. É a partir da vitória nessa batalha que se pode falar sobre a conversão de 
 
34 
 
 
Clóvis ao cristianismo. Existem diferentes explicações historiográficas para a 
conversão de Clóvis. Antes de conhecer algumas dessas teorias, você deve 
compreender as práticas religiosas no Reino Franco. 
Diferentemente de outros povos germânicos, os francos não se converteram ao 
arianismo, mantendo-se com seus cultos pagãos, com rituais à natureza e aos 
fenômenos naturais, bem como a algumas divindades da mitologia nórdica. Assim, 
alguns missionários e monges da Igreja Católica veem no Reino Franco uma grande 
possibilidade de disseminação do catolicismo e conversão dos povos germanos. A 
pressão exercida pela esposa de Clóvis, a princesa católica de origem burgúndia 
Clotilde, também é comentada como fator que levou ao rei a se converter. Além disso, 
os pesquisadores apontam as guerras contra os alamanos, entre 496 e 497, como um 
dos motivos para a conversão do rei ao catolicismo: Clóvis teria prometido que se 
converteria caso ganhasse os confrontos. 
Veja o que afirma Le Goff (2006, p. 31): 
O século VIII é, na verdade, o século dos francos. [...]. O golpe de mestre de 
Clóvis foi converter-se com seu povo, não ao arianismo, como os outros reis 
bárbaros, mas ao catolicismo. Com essa cartada religiosa ele consegue 
beneficiar-se do apoio, se não do papado ainda fraco, pelo menos da poderosa 
hierarquia católica e do igualmente poderoso monaquismo. No século VI os 
francos conquistaram o reino dos burgúndios, de 523 a 534, e depois a Provence, 
em 536. 
O processo de conversão do rei foi realizado pelo bispo de Reims, São Remígio, 
e envolveu três mil soldados que também foram batizados no mesmo dia. Obviamente, a 
adoção do catolicismo como religião entre os francos não aconteceu espontaneamente, 
mas foi primordial para a unificação política das tribos germânicas e para o fortalecimento 
do poderio da Igreja Católica. “Além disso, o apoio da Igreja Cristã era um poderoso 
elemento de legitimação do poder monárquico, porém a conversão deveria atender 
também aos interesses régios de manutenção de sua autoridade e autonomia em relação 
à própria Igreja e aos demais reinos bárbaros [...]” (CRUZ; JOAQUIM, 2014, p. 70). 
A partir de então, Clóvis, com o apoio da Igreja, iniciou uma série de conquistas 
nas regiões vizinhas do Reino Franco, associando a dominação política com a 
evangelização e, dessa forma, pressionando outros reis arianos a converterem-se ao 
 
35 
 
 
catolicismo ortodoxo. Em outras palavras, a unificação política sob o domínio de Clóvis 
também se deu sob o comando eclesiástico da Igreja Católica. Houve uma aliança de 
interesses políticos e religiosos, e a atuação militar pôde ser respaldada pela crença e 
pela fé. Existem referências que apontam que as conquistas de Clóvis eram seguidas de 
muita violência. 
Havia a possibilidade de se convertem os conquistados a partir dos trabalhos dos 
bispos e missionários, que promoveram processos de conversão em massa de tribos 
arianas, ou seja, de forma pacífica. Contudo, em outros lugares, esse processo se deu 
por meio de conflitos e guerras. Portanto, a conversão de Clóvis, além de contribuir para 
as suas empreitadas militares, permitiu um contato muito mais receptivo com as 
populações galo-romanas do que, por exemplo, com os povos arianos, burgúndios, 
vândalos ou visigodos. Os merovíngios puderam então construir um reino que se tornaria 
estável ao longo do tempo. 
Neste sentido, o batismo de Clóvis é um ato político que estabelece uma ruptura 
com as tradições pagãs que sustentavam e legitimavam a realeza franca. Mais 
do que a atuação de um Providencialismo, que é uma estratégia narrativa, a 
conversão ao catolicismo do rei merovíngio deve ser analisada tendo em vistaa 
necessidade da monarquia franca de marcar sua independência e autoridade 
diante dos reinos visigodo de Alarico II e ostrogodo de Teodorico Amalo por um 
lado, e a busca de angariar o apoio da aristocracia galo-romana por outro (CRUZ; 
JOAQUIM, 2014, p. 65). 
Após a conversão de Clóvis, suas iniciativas expansionistas e militares tornaram-
se melhor vistas pelo episcopado católico. Este passa a apoiar Clóvis no enfrentamento 
com os visigodos, convertidos ao arianismo, considerado herético. Apoiado pelas forças 
burgúndias, Clóvis derrotou Alarico II, em 507, na batalha de Vogladum (localidade 
próxima à atual cidade de Poitiers, na França), acabando com o reino visigodo de Tolosa 
e incorporando seu território ao Reino Franco. 
Essa vitória, bem como a construção da hegemonia pelos francos no território da 
antiga província da Gália, fez com que o imperador romano-oriental Anastácio conferisse 
a Clóvis os títulos de augusto e de cônsul. Portanto, os processos de conversão dos reis 
bárbaros ao cristianismo respondem tanto a questões religiosas quanto a interesses 
políticos. Em ambos os casos, a conversão foi utilizada como forma de afirmação de 
 
36 
 
 
poder e de independência em relação às demais monarquias surgidas após a 
fragmentação da autoridade tardo-romana. 
5.3 Enfraquecimento dos merovíngios 
Na Figura 1, veja as fronteiras do Reino Franco à época de Clóvis para 
compreender o alcance de suas expansões e as causas, após sua morte, do 
enfraquecimento da dinastia merovíngia. 
 
 
 
37 
 
 
Não existem informações precisas sobre a morte de Clóvis. Sabe-se apenas que 
faleceu em 511, aos 45 anos de idade, talvez por consequência de uma guerra por ele 
iniciada junto ao atual Canal da Mancha. De acordo com a lei sálica, o reino foi dividido 
entre seus quatro filhos homens: Teodorico (485–533), filho de uma princesa renana, e 
Clodomiro (496/497–524), Childeberto (?–558) e Clotário (500–561), filhos de Clotilde 
(METZNER, 2010). Iniciou-se então uma fase de muitos conflitos no Reino Franco. 
Houve um crescente descumprimento da lei, além de problemas comerciais, o 
que ocasionou um processo fragmentação social, com a criação de vilas cada vez mais 
autossuficientes. Além disso, as terras passaram a ser compreendidas como objeto de 
herança, o que levou a movimentos de divisão e unificação territorial frequentes — não 
sem assassinatos e guerras entre famílias, aos quais a família real não ficou imune. 
A rivalidade entre os filhos de Clóvis acirrava ainda mais os antagonismos. 
Apenas Clotário, no curto espaço de tempo entre 558 e 561, conseguiu restabelecer a 
unidade régia dos francos. Com sua morte, houve uma nova partilha e surgiram os reinos 
francos que se prolongariam até o século VII: Neustria, Austrasia, Aquitania e Borgonha. 
Nesse contexto, havia muitos confrontos entre os reis e as aristocracias regionais. Essa 
fragmentação política e social acabou enfraquecendo o poder central do monarca devido 
à criação de nobrezas locais: 
Após sua morte [de Clóvis], em 511, os sucessores, que invocavam um ancestral 
legendário, Meroveu, e que por isso passaram a ser chamados pela historiografia 
de merovíngios, deram prosseguimento às conquistas francas: as seguidas 
vitórias sobre burgúngios, alamanos e bávaros proporcionou-lhes um vasto 
“império”, muitas vezes sobre a forma de protetorados sancionados por tributos. 
Mas o poder real foi gradualmente dissolvendo-se na medida em que se afirmava 
o dos duques, comandantes dos exércitos, e sobretudo o dos membros do 
palácio, que formavam um grupo fechado e solidário, enriquecido com a posse 
de grandes domínios e capaz de arrancar importantes concessões aos reis 
(BIBIANI; TÔRRES, 2002, p. 8) 
Durante os reinados dos filhos de Clóvis, o Reino Franco seguiu seu processo 
de expansão, dominando praticamente todo o território da atual França, bem como áreas 
do sudoeste da atual Alemanha (um território conhecido como Alâmania) e a Turíngia (a 
partir de 531). A unidade do Reino Franco sob o comando da dinastia merovíngia vai, 
aos poucos, cedendo espaço a outras famílias, até a consolidação da dinastia carolíngia. 
 
38 
 
 
Os reis merovíngios distanciaram-se das funções administrativas e políticas e, por isso, 
foram chamados por alguns de “reis indolentes”. 
A partir de 639, com a ascensão ao poder dos chamados reis indolentes, o 
governo passou a ser exercido na prática pelos prefeitos do palácio, cargo 
administrativo tornado hereditário e concentrado com os duques de Heristal. O 
Reino Franco 9Carlos Martel, da família de Heristal, em 714 tornou-se prefeito do 
Palácio. Vencendo os muçulmanos, em expansão pela Europa Ocidental, na 
Batalha de Poitiers (732), passou a ter grande prestígio. Com sua morte, seu filho, 
Pepino, o Breve tornou-se prefeito do palácio em 471. Com apoio do papa 
Zacarias, interessado em usar a força militar dos francos contra o avanço 
bizantino e lombardo na Itália, Pepino, o Breve, com um golpe de Estado, retirou 
do poder o último rei merovíngio, Childerico III, e assumiu como novo rei franco, 
iniciando a dinastia carolíngia (MERCADANTE, 1990, p. 150). 
O poder de fato passou a ser exercido pelos major domus (“prefeitos do palácio”), 
altos funcionários pertencentes à nobreza. Como afirma Le Goff (2006, p. 31): 
As divisões e as rivalidades entre os descendentes de Clóvis retardam o esforço 
franco, que até parece comprometido no início do século VII com a decadência 
da dinastia merovíngia — legendária pela imagem de seus reis vadios — e do 
clero franco. [...] a dinastia jovem e empreendedora dos carolíngios substituía a 
dinastia merovíngia debilitada. 
Aos problemas relativos à fragmentação política e ao enfrentamento entre o 
poder real e as aristocracias regionais, soma-se um problema econômico e político. 
De acordo com Franco Júnior (2001), já havia naquela época uma tendência à busca 
da autossuficiência dos feudos, em função de uma série de fatores (inseguranças 
causadas pelas invasões e ruralização da sociedade, por exemplo). Dessa forma, 
houve o fortalecimento do poder local pelos proprietários de terras, que passaram a 
desempenhar algumas funções estatais, como a cobrança de tributos. Os 
administradores públicos e os soldados também eram remunerados com imunidades 
e terras e, dessa forma, segundo o autor, houve um enfraquecimento da dinastia 
merovíngia, cedendo lugar à família latifundiária dos carolíngios. Essa visão é 
compartilhada por Carlà (2010, p. 52): 
[...] as camadas aristocráticas, especialmente em determinadas zonas como a 
Gália merovíngia, preferem deixar de residir no centro urbano para viver nas suas 
propriedades fundiárias, atraindo para elas numerosas estruturas produtivas e 
deslocando, pelo menos em parte, o baricentro econômico e administrativo da 
cidade para o território [rural]. 
 
39 
 
 
A partir da construção dessa rede de fiéis proprietários de terra em torno dos 
soberanos, criaram-se laços de parentesco que deram origem às linhagens dos 
arnolfíngios, pepínidas ou carolíngios. Assim, foi possível tornar hereditário o cargo de 
prefeito do palácio e estabelecer clientelas militares. 
6 A FORMAÇÃO DO IMPÉRIO BIZANTINO 
6.1 Constantinopla e as invasões bárbaras 
A formação do Império Bizantino começa com a reconstrução da antiga cidade 
grega de Bizâncio, ordenada pelo imperador romano Constantino. Surge assim uma 
nova capital para o Império Romano, com rotas comerciais estratégicas que 
colocariam a Roma do Oriente como interface entre o mar Mediterrâneo e o mar Negro, 
ou seja, na zona limítrofe entre Europa e Ásia. Nesse sentido, a história de Bizâncio 
remete ao mundo greco-romano, perdurando por aproximadamente mil anos na Idade 
Média. Segundo Monteiro (2016), a colonização grega que deu origem a Bizâncio teria 
ocorrido em meados do século VII a.C., com um agrupamento de gregos oriundos de 
Mégara, uma cidade ao oeste de Atenas. 
Segundo o autor,

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