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1 1. Arminianismo Clássico – Eleição Condicional Vinicius Couto, Jack W. Cottrell. 2. Calvinismo – Eleição Incondicional Bruce A. McDowell, John Piper (Estudo realizado na Igreja PorTuaCasa, São Paulo, 2017. Pr Ronaldo José Vicente. ronjvicente@gmail.com/www.lagrimasportuacausa.blogspot.com.br) 2 Arminianismo (Clássico) Quem foi James Arminius? Um teólogo holandês. Arminius nasceu em Oudewater (18 m. em direção ao leste e nordeste de Roterdã) em 10 de outubro de 1560 e morreu em Leiden em 19 de outubro de 1609. Após a morte prematura de seu pai ele foi morar com Rudolphus Snellius, professor em Marburg. Em 1576 retornou para casa e estudou teologia em Leiden sob Lambertus Danæus. Aqui ele passou seis anos, até que recebeu autorização dos burgomestres de Amsterdã para continuar seus estudos em Genebra e Basel sob Beza e Grynæus. Ele fez preleções sobre a filosofia de Petrus Ramus e a Epístola aos Romanos. Sendo chamado de volta pelo governo de Amsterdã, em 1588 ele foi nomeado pregador da congregação reformada. Durante os quinze anos que passou aqui, ele obteve o respeito de todos, mas suas concepções sofreram uma mudança. Sua exposição de Rm 7 e 9 e seu pronunciamento sobre a eleição e reprovação foram considerados ofensas. Seu colega, erudito mas irascível, Petrus Plancius se opôs a ele em particular. Disputas surgiram no consistório, que temporariamente foram impedidas pelos burgomestres. Arminius foi suspeito de heresia porque considerava o consentimento com os livros simbólicos como não unificadores e estava pronto a conceder ao Estado mais poder nas questões eclesiásticas do que os rígidos calvinistas gostariam de admitir. Quando dois dos professores da Universidade de Leiden, Junius e Trelcatius, morreram (1602), os administradores chamaram Arminius; e Franciscus Gomarus, o único professor de teologia vivo, protestou, mas ficou satisfeito após uma entrevista com Arminius. O último assumiu suas obrigações em 1603 com um discurso sobre o ofício sumo sacerdotal de Cristo, e se tornou doutor em teologia. Mas as disputas dogmáticas foram renovadas quando Arminius realizou palestras públicas sobre a predestinação. Gomarus se opôs a ele e publicou outras teses. Sucedeu uma grande agitação na universidade e os estudantes foram divididos em dois partidos. Os ministros de Leiden e de outros locais participaram da controvérsia, que se tornou geral. Os calvinistas queriam que a questão fosse decidida por um sínodo geral, mas os Estados Gerais não queriam fazê-lo. Oldenbarneveldt, o estadista liberal holandês, deu em 1608 a ambos os oponentes oportunidade para defender suas opiniões diante da suprema corte, e o veredicto pronunciado foi que, visto que a controvérsia não tinha qualquer relação com os pontos principais relativos à salvação, cada um deveria ser indulgente com o outro. Mas Gomarus não se renderia. Até os Estados da Holanda tentaram realizar uma reconciliação entre os dois, e em agosto de 1609, ambos os professores e quatro ministros foram convidados para fazer novas negociações. As deliberações foram primeiro mantidas oralmente, sendo depois continuada por escrito, mas foram encerradas em outubro com a morte de Arminius. Em suas disputas, que foram parcialmente publicadas durante sua vida, parcialmente após sua morte, e que incluíam toda a seção de teologia, assim como em alguns discursos e outros escritos, Arminius clara e diretamente definiu 3 sua posição e expressou sua convicção. No geral estes escritos são um belo testemunho de sua erudição e sagacidade. A doutrina da predestinação pertencia aos ensinos fundamentais da Igreja Reformada; mas a concepção dela afirmada por Calvino e seus partidários, Arminius não poderia adotar como sua. Ele não queria seguir um desenvolvimento doutrinário que tornava Deus o autor do pecado e da condenação dos homens. Ele ensinava a predestinação condicional e atribuiu mais importância à fé. Ele não negava nem a onipotência de Deus nem sua livre graça, mas ele considerava que era seu dever preservar a honra de Deus, e enfatizar, baseado nas claras expressões da Bíblia, o livre- arbítrio do homem bem como a verdade da doutrina do pecado. Nestas coisas ele estava mais do lado de Lutero do que de Calvino e Beza, mas não pode ser negado que ele expressou outras opiniões que foram vigorosamente contestadas como sendo afastamentos da confissão e do catecismo. Seus seguidores expressaram suas convicções nos famosos cinco artigos que eles apresentaram diante dos Estados como sua justificação. Chamados de remonstrantes, por causa destas Remonstrantiæ, eles sempre se recusaram a ser chamados de arminianos1. O que é o Arminianismo? A posição de Jacob Armínio (1560-1609) e seus seguidores – frequentemente conhecidos como remonstrantes – quanto à graça, o livre- arbítrio, à predestinação e à perseverança dos crentes. Armínio era um teólogo calvinista holandês que, em todos aqueles pontos nos quais a tradição reformada diferia da católica ou da luterana, continuou sendo calvinista. É importante recordar isso, visto que frequentemente se diz que o arminianismo é o contrário do calvinismo, quando na realidade tanto Armínio como seus seguidores eram calvinistas em todos os pontos, exceto nos que debatiam. Além disso, é necessário notar que o debate envolvia também o interesse de um dos grupos em sublinhar o calvinismo estrito a fim de salvaguardar a independência recentemente conquistada do país, enquanto que o outro buscava posições que tornassem mais fácil para o país comercializar com outros que não fossem estritamente calvinistas. Em parte, por essa razão, os calvinistas estritos fundamentavam seus argumentos sobre as Escrituras, e o princípio da justificação só pela graça, construindo sobre isso um sistema rigidamente lógico e racional, enquanto seus opositores desenvolveram argumentos igualmente coerentes fundamentados sobre os princípios geralmente aceitos da religião – razão pela qual em certo modo foram precursores do racionalismo. Armínio envolveu-se em um debate quando resolveu refutar as opiniões daqueles que rejeitavam a doutrina calvinista estrita da predestinação. Mas 1 .C.Rogge, em The New Schaff-Herzog Encyclopedia Of Religious Knowledge, Vol I, Editado por Samuel 4 então se convenceu de que eram eles que tinham razão, e se tornou o principal defensor dessa posição. Os calvinistas estritos que se opuseram a ele e que mais tarde condenaram seus ensinamentos eram supralapsarianos. Sustentavam que Deus havia decretado antes de tudo a eleição de alguns e a reprovação de outros, e depois havia decretado a queda e suas consequências, de tal modo que o decreto inicial da eleição e reprovação pudesse ser cumprido. Também sustentavam que as consequências da queda são tais que toda a natureza humana está totalmente depravada, e que o decreto da predestinação é tal que Cristo morreu unicamente pelos eleitos, e não por toda a humanidade. Em princípio, Armínio tratou de responder a essas opiniões adotando uma posição infralapsariana; mas logo se convenceu de que isso não bastava. Criticou então seus adversários argumentando, em primeiro lugar, que sua discussão dos decretos da predestinação não era suficientemente cristocêntrica, visto que o verdadeiro grande decreto da predestinação é aquele “pelo qual Cristo foi destacado por Deus para ser o salvador, a cabeça e o fundamento daqueles que herdarão a salvação”; e, em segundo lugar, que a predestinação dos fiéis por parte de Deus baseia-se em sua presciência de sua fé futura. Visto que a doutrina da predestinação de seus opositores se fundamenta na primazia da graça, e de uma graça irresistível, Armínio respondeu propondo uma graça “preveniente” ou “preventiva”, que Deus dá a todos, e que os capacita para aceitar a graça salvadora se assim decidirem. E, visto que a graça não é irresistível, isso implica que é possível um crente, mesmo depois de haver recebido a graça salvadora, cair dela. Foi contra todas essas propostas dos arminianos que o Sínodo de Dordrecht, ou de Dort (1618-19) afirmou os cinco pontos principais do calvinismo estrito, a depravação total da humanidade, a eleição incondicional, a expiação limitada por parte de Cristo, a graça irresistível, e perseverança dos fiéis. As teorias de Armínio foram adotadas por vários teólogos de tradição reformada que não estavam dispostos a levar seu calvinismo às consequências que Dordrecht as havia levado. O mais destacado entre eles foi João Wesley (1703-91). Entre os batistas ingleses, aqueles que aceitaram o arminianismo receberam o nome de “batistas gerais”, porque insistiam que Cristo morreu por todos, enquanto que aqueles que ensinavam a expiação limitada foram chamados “batistas particulares”2. 2 Fonte: Breve Dicionário de Teologia, p. 46, 47. 5 O que foi a Remonstrância? Jacó Armínio e a controvérsia dos remonstrantes A Holanda na qual Jacó Armínio nasceu e foi criado estava lutando contra a tradição católica romana e contra o domínio da Espanha católica. Um pequeno grupo de rebeldes uniu várias províncias contra o domínio espanhol e estabeleceu uma aliança instável conhecida como Províncias Unidas (dos Países Baixos). A Holanda era a maior e a mais influente das províncias. Ao mesmo tempo em que os holandeses se libertaram da Espanha, estabeleceram sua igreja nacional protestante. A igreja reformada de Amsterdã foi fundada em 1566 e seus principais ministros e leigos mantiveram os três princípios protestantes fundamentais, sem se aliarem a nenhum ramo específico do protestantismo. O protestantismo holandês primitivo era um tipo sui generis que não seguia rigidamente o luteranismo ou o calvinismo. Armínio foi criado como protestante na cidadezinha de Oudewater, entre Utrecht e Roterdã, mas sua formação cristã na juventude não foi pesadamente calvinista. Aos quinze anos de idade, foi enviado a Marburgo, na Alemanha, para obter sua educação. Enquanto estava lá, sua cidade natal foi invadida por soldados católicos leais à Espanha e muitos habitantes foram massacrados. A família inteira de Armínio foi exterminada em um único dia. O jovem estudante ficou sob os cuidados de um respeitado ministro holandês de Amsterdã e acabou se tornando um dos primeiros alunos a se matricular na recém- estabelecida universidade protestante de Leiden. A igreja reformada de Amsterdã considerava Armínio um dos jovens candidatos mais promissores ao ministério e por isso custeou seu estudo superior em Leiden e, depois, na Suíça. Lá, estudou por algum tempo na “Meca” da teologia reformada, a Academia de Genebra, dirigida por Beza. Em 1588, Armínio iniciou o ministério na igreja reformada de Amsterdã, aos 29 anos de idade. Todos os relatos contam que seu pastorado foi ilustre. Conforme observa certo biógrafo: “Armínio se tornou o primeiro pastor holandês da igreja reformada holandesa da maior cidade da Holanda, exatamente quando ela estava emergindo de seu passado medieval e irrompendo na Idade de Ouro”. Era notadamente benquisto e respeitado, tanto como pastor quanto como pregador, e rapidamente se tornou um dos homens mais influentes de toda a Holanda. Casou-se com a filha de um dos principais cidadãos de Amsterdã e entrou para o grupo dos privilegiados e poderosos. Nem por isso demonstrou qualquer indício de arrogância ou ambição. Nem sequer seus críticos ousaram acusá-lo de abusar de seu cargo pastoral ou de qualquer outra falha pessoal ou espiritual. Acabaram acusando-o de heresia somente porque, como pastor de uma das igrejas mais influentes da Holanda, começou a criticar abertamente o supralapsarismo que entrou em ascensão conforme cada vez mais ministros holandeses retornaram de seus estudos em Genebra sob a direção de Beza. Armínio era da “escola amiga” do protestantismo holandês de mentalidade independente, que se recusava a declarar como ortodoxo qualquer 6 ramo específico da teologia protestante. Alguns, no entanto, insistiam cada vez mais que o supralapsarismo era a única teologia protestante ortodoxa e que qualquer outra opinião significava, de alguma forma, uma acomodação à teologia católica romana e, portanto, era uma aliada em potencial da Espanha, inimiga política dos Países Baixos. Na década de 1590, o conflito entre Armínio e os calvinistas rígidos da Holanda se tornou cada vez pior. Alguns estudiosos sugerem que Armínio mudou de opinião nesse período. Acreditam que tinha sido um “hipercalvinista” ou mesmo um supralapsário. Essa suposição parece ter se fundamentado simplesmente no fato de ele ter sido aluno de Beza. O principal intérprete moderno de Armínio contradiz a ideia da alegada mudança de opinião de Armínio: “Todas as evidências levam a uma só conclusão: Armínio não concordava com a doutrina de Beza sobre a predestinação, quando assumiu o seu ministério em Amsterdã; na realidade, é provável que nunca tenha concordado com ela”. Na série de sermões sobre a Epístola de Paulo aos romanos, o jovem pregador começou a negar abertamente não somente o supralapsarismo, mas também a eleição incondicional e a graça irresistível. Interpretou Romanos 9, por exemplo, como uma referência não a indivíduos, mas a classes – crentes e incrédulos – conforme predestinadas por Deus. Afirmou que o livre-arbítrio dos indivíduos os incluía nas classes de “eleitos” e de “réprobos” e explicou a predestinação como a presciência divina acerca da livre escolha dos indivíduos. Para apoiar essa ideia, Armínio apelou a Romanos 8.29. Conforme observa o biógrafo e intérprete de Armínio, Carl Bangs, o teólogo holandês demonstrou, em seus sermões da década de 1590, o desejo de encontrar o equilíbrio entre a graça soberana e o livre-arbítrio humano: “o objetivo era uma teologia da graça, que não deixasse o homem ‘entre a cruz e o punhal’”. Os rígidos oponentes calvinistas de Armínio em Amsterdã e outros lugares não tardaram em farejar o pavoroso erro de sinergismo em sua pregação e ensino e, publicamente, acusaram-no de heresia para os oficiais da igreja e da cidade, que examinaram a questão e inocentaram Armínio das acusações. Armínio apelou à tradição protestante holandesa da independência dos sistemas teológicos específicos e à tolerância de diversidade nos pormenores da doutrina. Os oficiais concordaram. Os oponentes supralapsários de Armínio ressentiram-se e decidiram que o arruinariam de qualquer maneira. Sofreram uma derrota fragorosa quando Armínio foi nomeado para ocupar a prestigiosa cátedra de teologia na Universidade de Leiden em 1603. O outro catedrático de teologia daquele período era Francisco Gomaro, que talvez tenha sido o calvinista supralapsário mais franco e rígido de toda a Europa. Gomaro, além de considerar todas as outras opiniões, inclusive o infralapsarismo, falhas ou até heréticas, “tinha, segundo quase todos os relatos a seu respeito, um temperamento extremamente irascível”. Quase que imediatamente, Gomaro iniciou uma campanha de acusações contra Armínio. Algumas delas eram verídicas. Por exemplo, Armínio não escondia a rejeição não somente do supralapsarismo, mas também da doutrina clássica calvinista da predestinação como um todo. Gomaro distorceu esse fato 7 e, publicamente e por trás das costas de Armínio, insinuou que ele era um simpatizante secreto dos jesuítas – uma ordem de sacerdotes católicos romanos especialmente temida que era chamada “tropa de choque da Contra-Reforma”. Essa alegação de Gomaro, assim como outras, era claramente falsa. Por exemplo, Gomaro acusou Armínio de socinianismo, que era uma negação da Trindade e de quase todas as demais doutrinas cristãs clássicas. Não importa o que Armínio escrevesse ou dissesse em sua defesa, via-se constantemente atacado por boatos e sob suspeita. “Quando a controvérsia ultrapassou os limites das salas acadêmicas e chegou aos púlpitos e às ruas, suas defesas perderam o efeito. Era mais fácil chegar à conclusão de que ‘onde há fumaça, há fogo’”. A controvérsia cresceu a ponto de provocar uma guerra civil entre as províncias dos Países Baixos. Algumas apoiavam Armínio, outras apoiavam Gomaro. O conflito eclodiu em 1604, quando Gomaro, pela primeira vez, acusou Armínio abertamente de heresia e durou até a morte de Armínio por causa de tuberculose em 1609. Quando morreu, sua teologia estava sob a inquisição pública de líderes religiosos e políticos. Em seu enterro, um de seus amigos mais íntimos fez o discurso fúnebre diante do corpo de Armínio: “Viveu na Holanda um homem que só não era conhecido por quem não o estimava suficientemente e só não o estimava quem não o conhecia suficientemente”. Depois da morte de Armínio, quarenta e seis ministros e leigos holandeses respeitados redigiram um documento chamado “Remonstrância” que resumia a rejeição, por Armínio e por eles mesmos, do calvinismo rígido em cinco pontos. Graças ao título do documento, os arminianos passaram a ser chamados de remonstrantes. Entre eles, estavam os estadistas e líderes políticos holandeses que tinham ajudado a libertar os Países Baixos da Espanha. Seus inimigos acusavam-nos de apoiar secretamente os jesuítas e a teologia católica romana, e de simpatizar com a Espanha, só porque concordavam com a oposição de Armínio a respeito das doutrinas da predestinação! Não existe nenhuma evidência de que qualquer um deles realmente tivesse alguma culpa em relação às acusações políticas feitas contra eles. Mesmo assim, ocorreram tumultos em várias cidades holandesas, nos quais foram pregados sermões contra os remonstrantes e distribuídos panfletos que os difamavam como hereges e traidores. Finalmente, o grande poder político dos Países Baixos, o príncipe Maurício de Nassau, entrou na luta em favor dos calvinistas. Em 1618, ordenou a detenção e o encarceramento dos principais arminianos, para aguardar o resultado do sínodo nacional de teólogos e pregadores. O Sínodo de Dort entrou em sessão em novembro de 1618 e foi encerrado em janeiro de 1619, contando com a presença de mais de cem delegados, inclusive alguns da Inglaterra, da Escócia, da França e da Suíça. “João Bogerman, um pregador calvinista com opiniões extremadas, que havia defendido em um documento a pena de morte por heresia, foi escolhido como presidente”. Como esperado, a despeito das eloquentes defesas do arminianismo feitas pelos principais remonstrantes, na conclusão do sínodo, todos os líderes remonstrantes foram condenados como hereges. Pelo menos duzentos foram depostos do ministério da igreja e do estado e cerca de oitenta foram exilados 8 ou presos. Um deles, o presbítero, estadista e filósofo Hugo Grotius (1583- 1645), foi confinado em uma masmorra da qual posteriormente escapou. Outro estadista foi publicamente decapitado. Um historiador moderno da controvérsia concluiu que “o modo de [o príncipe] Maurício tratar os estadistas arminianos só pode ser considerado um dos grandes crimes da História”. O Sínodo de Dort promulgou um conjunto de doutrinas padronizadas para a igreja reformada holandesa, que se tornou a base do acrônimo TULIP. Cada cânon, conforme eram chamadas as doutrinas, baseava-se em um dos cinco pontos da “Remonstrância”. As coisas que os arminianos negavam, Dort canonizou como doutrina oficial, obrigatória para todos os crentes protestantes reformados. Não arbitrou, no entanto, sobre o supralapsarismo e o infralapsarismo e, desde então, as duas teorias continuaram dentro do consenso calvinista expresso pelo Sínodo de Dort. Após a morte do príncipe Maurício em 1625, o arminianismo gradualmente voltou a fazer parte da vida holandesa. Já em 1634, muitos exilados voltaram e organizaram a Fraternidade Remonstrante, que cresceu e formou a Igreja Reformada Remonstrante, que ainda existe. Não foi nos Países Baixos, no entanto, que a teologia arminiana causou maior impacto. Isso aconteceu na Inglaterra e na América do Norte pela influência de destacados ministros anglicanos, batistas gerais, metodistas e ministros de outras seitas e denominações que surgiram nos séculos XVII e XVIII. João Wesley (1703-1791) tornou-se o arminiano mais influente de todos os tempos. Seu movimento metodista adotou o arminianismo como teologia oficial e, através dele, tornou-se parte da tendência prevalecente na vida protestante da Grã- Bretanha e da América do Norte3. Quais foram os Cinco Pontos da Remonstrância? Artigo 1 1 - Eleição Condicional Que Deus, por um eterno e imutável plano em Jesus Cristo, seu Filho, antes que fossem postos os fundamentos do mundo, determinou salvar, de entre a raça humana que tinha caído no pecado – em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo – aqueles que, pela graça do Santo Espírito, crerem neste seu Filho e que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim; e, por outro lado, deixar sob o pecado e a ira os costumazes e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo, segundo a palavra do Evangelho de Jo 3.36 e outras passagens da Escritura. 3 Fonte: Roger E. Olson, , 471-475 9 Artigo 2 2- Expiação Universal Que, em concordância com isso, Jesus Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e cada um dos homens, de modo que obteve para todos, por sua morte na cruz, reconciliação e remissão dos pecados; contudo, de tal modo que ninguém é participante desta remissão senão os crentes. Artigo 3 3 - Fé Salvadora Que o homem não possui por si mesmo graça salvadora, nem as obras de sua própria vontade, de modo que, em seu estado de apostasia e pecado para si mesmo e por si mesmo, não pode pensar nada que seja bom – nada, a saber, que seja verdadeiramente bom, tal como a fé que salva antes de qualquer outra coisa. Mas que é necessário que, por Deus em Cristo e através de seu Santo Espírito, seja gerado de novo e renovado em entendimento, afeições e vontade e em todas as suas faculdades, para que seja capacitado a entender, pensar, querer e praticar o que é verdadeiramente bom, segundo a Palavra de Deus [Jo 15.5]. Artigo 4 4- Graça Resistível Que esta graça de Deus é o começo, a continuação e o fim de todo o bem; de modo que nem mesmo o homem regenerado pode pensar, querer ou praticar qualquer bem, nem resistir a qualquer tentação para o mal sem a graça precedente (ou preveniente) que desperta, assiste e coopera. De modo que todas as obras boas e todos os movimentos para o bem, que podem ser concebidos em pensamento, devem ser atribuídos à graça de Deus em Cristo. Mas, quanto ao modo de operação, a graça não é irresistível, porque está escrito de muitos que eles resistiram ao Espírito Santo [At 7 e alibi passim]. Artigo 5 5- Indefinição Quanto à Perseverança. Que aqueles que são enxertados em Cristo por uma verdadeira fé, e que assim foram feitos participantes de seu vivificante Espírito, são abundantemente dotados de poder para lutar contra Satã, o pecado, o mundo e sua própria carne, e de ganhar a vitória; sempre – bem entendido – com o auxílio da graça do Espírito Santo, com a assistência de Jesus Cristo em todas as suas tentações, através de seu Espírito; o qual estende para eles suas mãos e (tão somente sob a condição de que eles estejam preparados para a luta, que peçam seu auxílio e não deixar de ajudar-se a si mesmos) os impele e sustenta, de modo que, por 10 nenhum engano ou violência de Satã, sejam transviados ou tirados das mãos de Cristo [Jo 10.28]. Mas quanto à questão se eles não são capazes de, por preguiça e negligência, esquecer o início de sua vida em Cristo e de novamente abraçar o presente mundo, de modo a se afastarem da santa doutrina que uma vez lhes foi entregue, de perder a sua boa consciência e de negligenciar a graça – isto deve ser assunto de uma pesquisa mais acurada nas Santas Escrituras antes que possamos ensiná-lo com inteira segurança. Calvinismo João Calvino Nascido em 10 de Julho de 1509 em Noyon, França, João Calvino cresceu em uma família católica romana tradicional. O bispo local empregou o pai de Calvino na administração da catedral da cidade, o qual, em troca, queria que Calvino se tornasse padre. Devido aos laços estreitos com o bispo e sua nobre família, companheiros e colegas de Calvino em Noyon (e mais tarde em Paris) tiveram uma influência aristocrática e cultural sobre a juventude de Calvino. Aos 14 anos de idade, Calvino mudou-se para Paris, a fim de estudar no College de Marche e preparar-se para a universidade. Seus estudos consistiam nas matérias: gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música. Ao final de 1523, Calvino transferiu-se para a famosa College Montaigu, uma espécie de escola do monastério. Nessa época, a educação de Calvino foi custeada, em parte, pelo lucro de pequenas paróquias. Assim, embora os novos ensinos teológicos de pessoas como Lutero e Jacques Lefevre d’Etaples estivessem se espalhando por toda Paris, Calvino estava mais ligado à Igreja Romana. No entanto, em 1527, Calvino fez amizade com pessoas que tinham uma visão reformada. Esses contatos formaram o cenário para a eventual mudança de Calvino para a fé reformada. Também, nessa época, o pai de Calvino o aconselhou a estudar direito ao invés de teologia. Em 1528, Calvino mudou-se para Orleans para estudar direito civil. Nos anos seguintes, estudou em vários lugares e sob a orientação de vários eruditos, enquanto recebia uma educação humanista. Em 1532, Calvino terminou seus estudos na área de direito e também publicou seu primeiro livro, um comentário sobre De Clementia [Sobre a Misericórdia], do filósofo romano Sêneca. No ano seguinte, Calvino fugiu de Paris devido aos contatos que teve com pessoas que, através de oratórias e escritos, se opunham à Igreja Católica Romana. Diz-se que em 1533 Calvino tenha experimentado uma conversão súbita e inesperada, sobre a qual escreveu em seu prefácio dos comentários sobre Salmos. Nos três anos seguintes, Calvino viveu em vários lugares fora da França com diferentes nomes. Estudou por conta própria, pregou e começou a trabalhar em sua primeira edição das Institutas – um best seller instantâneo. Em 1536, Calvino desvinculou-se da Igreja Católica Romana e fez planos para sair para sempre da França e ir para Estrasburgo. Entretanto, a guerra entre Francisco I, rei da França, e Carlos V, imperador do Sacro Império Romano, 11 eclodiu, e Calvino decidiu fazer um desvio de uma noite para Genebra. Mas a fama de Calvino em Genebra o precedeu. Guillaume Farel, um reformador local, o convidou para ficar em Genebra e o ameaçou com a ira de Deus se não o fizesse. Assim, começou uma longa, difícil, mas, finalmente, frutífera relação com a cidade de Genebra. Calvino começou como professor e pregador, mas em 1538 foi convidado a deixar Genebra devido a conflitos teológicos. Ele foi para Estrasburgo, onde ficou até 1541. Sua estada ali como pastor de refugiados franceses foi tão pacífica e feliz que em 1541, quando o Conselho de Genebra o convidou de volta, Calvino ficou profundamente dividido. Ele desejava permanecer em Estrasburgo, mas sentiu grande responsabilidade em retornar para Genebra. Ele fez isso e permaneceu em Genebra até a sua morte, em 27 de maio de 1564. Esses anos foram preenchidos com aulas, pregações e escritos de comentários, tratados e várias edições de As Institutas da Religião Cristã4. O acróstico TULIP representa os assim chamados cinco pontos do Calvinismo, os quais são, em resumo, como seguem: 1. Depravação Total. Tanto por causa do pecado original, como pelos seus próprios atos pecaminosos, toda a humanidade, exceto Cristo, em seu estado natural é inteiramente corrupta e completamente má, ela é restringida de manifestar a sua corrupção em plenitude por causa da instrumentalidade da graça comum de Deus. Em conformidade com a sua natureza, ela é completamente incapaz de salvar a si mesma. 2. Eleição Incondicional. Antes da criação do mundo, em sua simples e livre graça e amor, Deus elegeu a muitos pecadores para uma completa e final salvação, contudo, sem prever a fé ou as boas obras, ou qualquer outra coisa que lhes servisse de condição ou causa, que movesse Deus a escolhe-los. Que seja afirmado, a base da eleição não estava neles, mas em Si mesmo. 3. Expiação Limitada. Cristo morreu eficazmente, o que é verdadeira salvação somente para o eleito, apesar da infinita suficiência de sua expiação e o divino chamamento a todos ao arrependimento e confiança em Cristo, prover a garantia para a proclamação do evangelho a todos os homens. Eu pessoalmente, prefiro os termos “expiação definitiva”, “expiação particular”, ou “expiação eficaz”, em vez de “expiação limitada”, tanto por causa de uma possível confusão da palavra “limitada”, como também, por causa de todo “limite” evangélico que a expiação possa ter em seu desígnio (o Calvinista), ou em seu poder de aplicar o seu propósito (o Arminiano). 4 Fonte: www.calvin.edu/about/john-calvin/ Os Cinco Pontos do Calvinismo por Robert L. Reymond, Ph. D. 12 4. Graça Irresistível. Esta doutrina não significa que o não-eleito encontrará a graça irresistível de Deus, mas sim, que a graça salvadora de Deus não se estende igualmente a ele. Nem mesmo significa que o eleito encontrará a irresistível graça salvadora de Deus, desde o início se estendendo a ele, como se o eleito pudesse resistir a sua oferta por um período. O que ela significa é que o eleito é incapaz de resistir continuamente a graciosa oferta de Deus. No tempo designado, Deus atrai o eleito, um por um, a si mesmo, removendo a sua hostilidade e oposição a Ele e seu Cristo, produzindo o desejo de receber o seu Filho. 5. Perseverança dos Santos. O eleito está eternamente seguro em Cristo, que preserva para Si mesmo, capacitando-lhe a perseverar nEle até o fim. Aqueles que professam ser cristãos, e se apostatam da fé (1 Tm 4:1), são como João disse: “eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos” (1 Jo 2:19)5. INTRODUÇÃO Vinicius Couto6 (ponto de vista Arminiano) A discussão teológica acerca dos pontos calvinistas e arminianos não se limitam à predestinação e ao livre-arbítrio. Na verdade, esses dois pressupostos são parte de dois sistemas soteriológicos que se opõe em praticamente todos seus quesitos. O calvinismo, por exemplo, tem esse seu sistema montado num raciocínio lógico, conhecido pelo acróstico, do inglês, TULIP, a saber: Total depravity (Depravação total), Unconditional election (Eleição incondicional), Limited atonement (Expiação limitada), lrresistible grace (Graça irresistível) e Perseverance of the saints (Perseverança dos santos). Esses pontos foram respostas aos artigos dos remonstrantes, seguidores de Armínio, que protestaram as ideias calvinistas baseados em cinco observações, as quais podemos resumir da seguinte forma: 1) depravação total, 2) eleição condicional, 3) expiação ilimitada, 4) graça preveniente e 5) perseverança condicional. Nosso propósito é estudar cada um dos axiomas soteriológicos supracitados, segundo a ótica arminiana. Para isso, dividiremos, doravante, nosso estudo em cinco etapas, a fim de abordar com maior precisão cada um 5 Fonte: Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith (Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1998), Apêndice E. Traduzido por: Rev. Ewerton Barcelos Tokashiki Cerejeiras-RO, 04 de Agostode 2004. 6 Retirado do Livro: Introdução à Teologia Armínio-Wesleyana, Ed Reflexão. 13 desses pontos. Ademais, optaremos por seguir nosso raciocínio na mesma ordem dos artigos da remonstrância, visando um aproveitamento mais didático. Determinou salvar “Que Deus, por um eterno e imutável plano em Jesus Cristo, seu Filho, antes que fossem postos os fundamentos do mundo, determinou salvar, de entre a raça humana que tinha caído no pecado - em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo - aqueles que, pela graça do Santo Espírito, crerem neste seu Filho e que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim; e, por outro lado, deixar sob o pecado e a ira os contumazes e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo, segundo a palavra do Evangelho de jo 3.36 e outras passagens da Escritura.” Jo 3.36 – “Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”. 1. Eleição condicional A predestinação “Os decretos divinos são o seu plano eterno que, em virtude de suas características, faz parte de um só plano, que é imutável e eterno (Ef 3.11; Tg 1.1 7). São independentes e não podem ser condicionados de nenhuma maneira (Si 135.6). Têm a ver com as ações de Deus e não com a sua natureza (Rm 3.26). Dentro desses decretos, há as ações praticadas por Deus, pelas quais Ele, embora permita que aconteçam, não é responsável. Base- ado nessa distinção, torna-se possível concluir que Deus nem é o autor do mal... nem é a causa do pecado.”7 Essa diferença é melhor explicada pelo teólogo metodista, Sa- muel Wakefield. Ele descreve os decretos como sendo “os propó- sitos de Deus ou Sua determinação com respeito a suas criaturas” e reconhece-os como sendo eternos, livres e imutáveis, mas faz uma distinção interessante: ele classifica os decretos em absolutos e condicionais. Os primeiros são aqueles que “se relacionam com os eventos da administração divina que não dependem das ações livres das criaturas morais”. Já os condicionais são “aqueles nos quais Deus respeita as ações livres de Suas criaturas morais”. Ele cita o arrependimento, a fé e a obediência como exemplos dessas condições para a salvação do homem8. 7 JOINER, Russell E.. O Deus Verdadeiro. In: Teologia Sistemática. HORTON, Stanley M. (org.). 1996, CPAD, p. 153 8 WAKEFIELD Apud GARRETT, James Leo. Teologia Sistemática. 2000, Casa Bautista de Publicaciones, p.452. 14 Objeções à predestinação (calvinista) A doutrina da predestinação não é simplesmente “uma das mais difíceis de serem abordadas”, mas uma das mais distorcidas biblicamente, pois acaba por fazer, como observa Wynkoop, do decreto divino a causa primeira da salvação, ao passo que a morte de Cristo torna-se causa secundária e subsidiária, não sendo absolutamente essencial para a salvação, mas um elo de uma corrente predeterminada de eventos. É como se o sacrifício de Cristo fosse um evento para cumprir tabela (decreto) e não um ato gracioso de um Deus cuja essência é o amor. Muitas são as objeções sobre a doutrina da predestinação e vale a pena avaliar as principais observações, começando por Armínio, que rejeitava o conceito supralapsarianista dos decretos de Deus por quatro razões: 1) Não era sustentado pelas Escrituras: os conceitos deterministas do supralapsarianismo transformam Deus num tirano que faz acepção de pessoas. Esses conceitos estão mais pautados numa teologia lógica e filosófica dos teólogos calvinistas, a quem Olson chama de calvinistas escolásticos, do que na própria Palavra de Deus. Em um de seus artigos, Armínio declarou que, “a regra da verdade teológica não deve ser dividida em primária e secundária; é una e simples, as Sagradas Escrituras.” Para ele, “nenhum escrito composto por homens, seja um, alguns ou muitos indivíduos, à exceção das Sagradas Escrituras [...] está [...] isento de um exame a ser instituído pelas Escrituras”, pois elas “são a regra de toda a verdade divina, de si, em si e por si mesmas.” Portanto, “é tirania e papismo controlar a mente dos homens com escritos humanos e impedir que sejam legitimamente examinados, seja qual for o pretexto adotado para tal conduta tirânica.”9 2) Deus se tornava o autor do pecado: Vejamos a seguir próprias palavras de Armínio sobre esse questionamento: “De todas as blasfêmias que podem proferir-se contra Deus, a mais ofensiva é aquela que O declara autor do pecado; o peso dessa imputação é aumentado seriamente se lhe agrega que, segundo essa perspectiva, Deus é o autor do pecado cometi- do pela criatura, para poder condená-la e lançá-la à perdição eterna que lhe havia destinado para ela de antemão, sem ter relação com o pecado. Porque, desse modo, “Ele seria a causa da iniquidade do homem para poder infligir o sofrimento eterno”... Nada imputará tal blasfêmia a Deus, a quem todos concebem como bom... Não pode atribuir-se a nenhum dos doutores da Igreja Reformada, que eles “abertamente declarem Deus como autor do pecado”... No entanto, “é provável que alguém possa, por ignorância, ensinar algo do qual fora possível, como claro resultado, deduzir que, por essa doutrina, Deus permaneça declarado autor do pecado.” Se tal for o caso, então... (os 9 (OLSON, Roger. Op. Cit., pp. 466-470 ). ! ! "& ! doutores) devem ser admoestados a abandonar e desprezar a doutrina da qual se tem tirado tal infer�ncia.Ó 10 3) O decreto da elei��o se aplicara ao homem ainda n�o criado : objetivamente falando, se Deus tivesse decretado a elei��o antes da queda do homem, ent�o Òa queda do homem tinha sido desejada por EleÓ 11. Por isso Deus teria de ser o autor do pecado! Laurence Vance explica que, segundo esse sistema, ÒDeus primeiramente decidiu eleger alguns homens para o c�u e reprovar os outros homens ao inferno, de forma que ao cri� -los, ele os fez cair, usando Ad�o como um bo de expiat�rio, de forma que pa receria que Deus foi gracioso ao enviar os ÔeleitosÕ ao c�u e justo ao enviar os ÔreprovadosÕ ao inferno.Ó Ele explica, ainda, que Òa caracter�stica distintiva deste esquema � seu decreto positivo da reprova��o. A reprova��o � a conde na��o deliberada, preordena- da, predestinada de milh�es de almas ao inferno como resultado do soberano benepl�cito de Deus e conforme o Ôconselho da sua vontadeÓÕ(Ef 1.11)12. Obje��es de John Wesley Em sua obra ÒA predestina��o calmamente consideradaÓ, Wesley faz uma an�lise da doutrina citada, baseada nos atributos divinos da sabedoria, justi�a e miseric�rdia. No primeiro atributo, ele diz que na multiforme sabedoria de Deus, foram postos diante dos homens a vida e a morte, o bem e o mal e que for�ar o ho-mem a aceita-lo seria desrespeitar o livre-arb�trio. Segundo Wesley, o desejo de Deus � que Òtodos os homens se jam salvos, mas n�o se querendo for�� -los a isso, querendo-se que todos os homens sejam salvos, mas n�o como �rvores ou pedras, mas como home ns, como criaturas inteligentes, dotadas de entendimento para discernir o que � bom e de liberdade para aceit� -lo ou recus� -loÓ, pois Òo homem �, at� certo ponto, um agente livreÓ. Deus quer Òsalvar o homem como homemÓ, n�o como uma pedra ou uma �rvore, is to �, um ser sem intelig�ncia, sem capacidade de racioc�nio. Portanto, Deus coloca a vida e a morte perante o homem e ent�o, sem o for�ar, o persuade (convence) a escolher a vida13. No tocante � justi�a, Wesley argumenta que, ÒSe o homem � capaz de escolher entre o bem e o mal, ele se torna um objeto pr�prio da justi�a de Deus que o absolve ou o condena, que o recompensa ou pune. Mas se ele n�o �, n�o se torna objeto daquela. Uma simples m�quina n�o capaz de ser absolvida nem condena- da. Ajusti�a n�o pode punir uma pedra por cair ao ch�o, nem, no !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 10 NICHOLS, James; NICHOLS, Willian. Op. Cit., pp. 645-655. 11 BERKOUWER, G. C.. Divine Election. 1960, Eerdmans Publishing Co., p. 257. 12 VANCE, Laurence M.. Sistemas Laps�rios. In:______. O Outro Lado do Calvi - nismo. Material n�o publicado. Dispon�vel em www.arminianismo.com. 13 BURTNER, Robert W.; CH1LES, Robert. E. (org.). Colet�nea da Teologia de Jo�o W 17 calvinistas, os quais pudemos ver, creem que Deus elegeu pessoalmente cada indivíduo que será salvo ou condenado. O arminianismo não nega a doutrina da predestinação, apenas a interpreta de forma diferente. Enquanto o entendimento calvinista parte da escolha pessoal de Deus, em nosso sistema, cremos numa eleição corporativa, ou seja, de que Deus não escolheu as pessoas, mas a Igreja. Não os israelitas, mas Israel. Não os salvos, mas a salvação. Não os redimidos, mas a redenção. A predestinação foi definida por Armínio como o “decreto eterno e gracioso de Deus em Cristo, pelo qual ele determina justificar e adotar crentes, e os dotar com vida eterna, mas condenar os descrentes e impenitentes.” Contudo, “tal decreto, (...) não é que Deus resolve salvar certas pessoas e, para que Ele possa fazer isso, resolve dota-las com fé, mas que, para condenar outros, ele não os dota com fé”. O Dr. Wiley explica que, “a eleição difere da predestinação nisto, que a eleição implica uma escolha, enquanto a predestinação não”. A predestinação, por sua vez, é conceituada por Wiley como “o propósito gracioso de Deus de salvar da ruína toda a humanidade”. Em outras palavras, trata-se do plano corporativo e condicional de Deus para toda a humanidade. Ele complementa o aspecto condicional da eleição, mostrando que, os eleitos são os escolhidos, “não por decreto absoluto, mas por aceitação das condições da chamada.” Como vimos no primeiro artigo da remonstrância, cremos no decreto de que Deus “por um eterno e imutável plano em jesus Cristo, seu Filho, antes que fossem postos os fundamentos do mundo, determinou salvar, de entre a raça humana que tinha caído no pecado”. Todavia, esse plano de redenção é condicionado à fé daqueles que, “pela graça do Santo Espírito”, isto é, não por uma fé própria, mas gerada por Deus mediante sua graça preveniente (cf Hb 12.2), “crerem neste seu Filho e que, pela mesma graça, perseverarem na mesma fé e obediência de fé até o fim”. Em contrapartida, a condenação faz parte do plano de Deus que deixará “sob o pecado e a ira os contumazes e descrentes, condenando-os como alheios a Cristo, segundo a palavra do Evangelho de jo 3.36 e outras passagens da Escritura.” John Wesley classificou a eleição sob dois pontos de vista: um deles, específico, visando o cumprimento de determinado propósito de Deus e outro macro ou corporativo, como são a salvação e a condenação: “Creio que a eleição signifique comumente uma destas duas coisas: primeiro, um chamado divino para determinados homens para que realizem uma obra especial no mundo. Creio que esta eleição não seja pessoal, mas absoluta e incondicional. Deste modo, Ciro foi eleito para reconstruir o templo, S. Paulo e os doze para pregarem o evangelho. Mas não vejo nisto qualquer conexão necessária com a felicidade [eterna]. Certamente não existe tal conexão, pois, aquele que é eleito neste sentido ainda poderá perder-se eternamente (...) Em segundo lugar, creio que esta eleição signifique um chamado divino a certos homens à felicidade eterna. Mas creio que esta eleição seja condicional tanto quanto a condenação. Creio que o decreto eterno concernente a ambas esteja expresso nestas palavras: “Aquele que crê será salvo, aquele que não crê será 18 condenado". Sem dúvida, Deus não pode mudar e o homem não pode resistir a este decreto. De acordo com isto, todos os verdadeiros crentes são chamados eleitos nas Escrituras e os descrentes são propriamente condenados, isto é, não aprovados por Deus e sem discernimento das coisas espirituais.”15 Concluindo essa seção, podemos citar os teólogos metodistas Klaiber e Marquardt: “a vontade salvífica de Deus não abrange pessoas cuja reação ao Evangelho Deus sabe de antemão. Deus não predetermina, pois, para ele, o mais importante é a experiência com o caminho da salvação”16. Considerações finais Cremos nos decretos eternos de Deus e que em Sua presciência predestinou o homem para a salvação, “porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm 8.29). Cremos, coadunando e complementando o pensamento anterior, que essa eleição foi corporativa, isto é, Ele elegeu a Igreja, visto que, “nos elegeu [a Igreja] nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis diante dele em amor; e nos predestinou para sermos filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.5). E cremos que através da fé, operada no sinergismo entre a graça preveniente de Deus e o livre-arbítrio do homem, o ser humano é salvo, pois “aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a es- tes também glorificou” (Rm 8.30). Todavia, nossa discussão está apenas começando. Será que é possível resistir ao chamado de Deus? Será que Jesus morreu apenas pelos salvos ou pela humanidade? Será que o homem têm livre-arbítrio ou livre agência? Será que o cristão, verdadeiramente convertido, pode cair da graça? Estes serão assuntos para nossos próximos capítulos. Até lá...17 15 BURTNER, Robert W.; CHILES, Robert. E. (org.). Op. Cit., pp. 51-52. 16 KLAIBER, Walter; MARQUARDT, Manfred. Viver a Graça de Deus: um compêndio de teologia metodista. 1999, Editeo, p. 238. 17 Retirado do livro Introdução a Teologia Armínio – Wesleyana, Vinicius Couto, Editora Reflexão, São Paulo, 2014. 19 Eleição Condicional Jack W. Cottrell Desde a era da Reforma nenhuma doutrina bíblica tem sido mais deturpada e maldita do que a doutrina da predestinação soteriológica (ou eleição). Muitas pessoas não consideram a idéia de a predestinação ser bíblica de forma alguma. Isto é porque elas a tem equiparado em suas mentes com uma determinada interpretação da predestinação, a saber, aquela doutrina desenvolvida por Agostinho e que se tornou popular através da influência de João Calvino. Reconhecendo que a predestinação calvinista é estranha à Bíblia, elas a rejeitam ou a explicam de forma totalmente errada. Isto é extremamente lamentável, uma vez que a doutrina da predestinação é definitivamente escriturística, e quando bem entendida, é um dos mais significativos e gratificantes ensinamentos da Bíblia. Ela engrandece a majestade, sabedoria, amor e fidelidade de Deus, e fortalece o coração do crente. Todo o conselho de Deus não é proclamado quando esta doutrina é ignorada. A principal preocupação deste capítulo é apresentar os aspectos positivos do ensino bíblico sobre eleição ou predestinação. Isto exigirá, no entanto, alguma consideração das falsas ou inadequadas idéias a respeito da predestinação, especialmente aquelas que resultam da tradição calvinista. I – A Doutrina Bíblica da Eleição Os termos do Novo Testamento que são particularmente relevantes são as palavras proöridzo, que significa “predestinar, predeterminar, decidir de antemão”; e eklogomai, que significa “eleger, escolher, selecionar”. Termos relacionados são o adjetivo eklektos, que significa “eleito” ou “escolhido” e o substantivo eklogë, que significa “a eleição”. Dentro do contexto da doutrina da eleição, não há distinção significativa entre os termos teológicos predestinar e eleger.[1] A palavra predestinar inclui um elemento de tempo por meio de seu prefixo, e ela pode ser um termo mais geral;[2] mas nenhum ponto doutrinário pode ser feito extraindo uma nítida distinção aqui. Neste capítulo, a palavra eleger irá ser utilizada normalmente, uma vez que é a mais comum, versátil e conveniente entre as duas. A. A Estrutura da Eleição É muito importante perceber que a doutrina bíblica da eleição é muito mais ampla no âmbito do que a eleição à glória eterna. O seu contexto mais amplo é o total propósito redentor de Deus. Ao escolher o elenco para o grande drama do resgate, o Deus soberano selecionou algumas pessoas para preencher certas funções ou para realizar tarefas específicas e limitadas. 20 1. A Eleição de Jesus O principal personagem do drama é o próprio Redentor, aquele que deve fazer o que for necessário, a fim de libertar a humanidade da culpa e servidão do pecado. O único escolhido para esse papel é Jesus de Nazaré, filho de uma humilde judia virgem. Somente Ele está qualificado para executar esta tarefa, pois somente Ele, de acordo com o plano de Deus, é o Filho de Deus encarnado. Esta eleição de Jesus é o central e principal ato da eleição. Todos os outros aspectos da eleição estão subordinados e dependentes dela. Este é o coração do plano redentor. Através do profeta Isaías o Senhor fala de Jesus como o eleito: “Eis aqui o meu servo, a quem sustenho; meu escolhido em quem a minha alma se apraz.”[3] (Is 42.1). Mt 12.18 cita esta passagem e a refere a Jesus. Na transfiguração Deus falou diretamente do céu e anuncia a eleição de Jesus com estas palavras: “Este é meu filho, meu escolhido; a ele ouví!” (Lc 9.35). Como Pedro diz, Jesus é a pedra angular que foi eleita (1Pe 2.4, 6). A eleição de Jesus fazia parte do plano divino, mesmo na eternidade, antes de os mundos serem criados. Pré-conhecendo tanto a obediência do Redentor quanto a desobediência de seus inimigos, Deus predeterminou a realização da redenção através de Jesus de Nazaré (At 2.23; 1Pe 1.20). Jesus foi predestinado ou preordenado a morrer pelos pecados do mundo (At 4.28). 2. A ELEIÇÃO DE ISRAEL Embora Jesus tenha o papel principal no drama da redenção, existe um grande elenco de personagens de apoio. Estes são necessários, a fim de preparar o caminho para o aparecimento de Cristo sobre o palco da história. O principal elemento do plano preparatório de Deus foi a eleição de Israel como o povo que produziria o Cristo. Dt 7.6 diz: “Pois vocês são um povo santo ao Senhor vosso Deus, o Senhor vosso Deus vos tem escolhido para ser um povo para a sua própria possessão dentre todos os povos que estão sobre a face da terra.” (Ver Dt 14.2.) Os israelitas foram “escolhidos” de Deus (1Cr 16.13). Paulo começa seu sermão na sinagoga de Antioquia, lembrando a seus compatriotas judeus, que “o Deus de Israel escolheu nossos pais, e fez o povo grande durante a sua estada na terra do Egito” (At 13.17). Vários pontos importantes sobre a eleição de Israel devem ser notados. Em primeiro lugar, foi uma eleição para serviço e não para salvação. Ser escolhido como o povo do qual viria o Cristo traria com isso alguns dos mais elevados privilégios conhecidos ao homem (Rm 9.4, 5), mas a salvação necessariamente não estava entre eles. Se um israelita era salvo ou não, não depende simplesmente de sua filiação ao povo eleito. A nação poderia servir ao seu propósito de preparação para o Cristo, mesmo se a maioria dos indivíduos pertencentes a ela se perdesse. Isto leva a um segundo ponto, a saber, que a eleição de Israel foi a eleição de um grupo ou de um corpo coletivo, e não a eleição de indivíduos. 21 Como Daane diz, “A Divina eleição do Antigo Testamento na sua forma básica é coletiva, corporativa, nacional. Ela abrange uma comunidade da qual o indivíduo israelita é parte integrante.”[4] Berkouwer concorda que mesmo Romanos 9 deve referir-se à nação de Israel e não ao destino eterno de indivíduos.[5] Em outras palavras, o propósito de Deus de preparação para o Messias foi servido através da nação como tal, não necessariamente através dos membros individuais da nação. Em terceiro lugar, no entanto, deve ser notado que, por vezes, determinados indivíduos ligados a Israel foram escolhidos para funções especiais, a fim de facilitar o propósito da nação como um todo. A fim de criar Israel, Deus escolheu Abraão, Isaac e Jacó (ver Ne 9.7; Rm 9.7, 13). Ele escolheu a Moisés (Sl 106.23) e David (Sl 78.70), entre outros; ele mesmo escolheu certos governantes gentios para ajudar a realizar o seu propósito para Israel (por exemplo, Faraó: Rm 9.17; Ciro: Is 45.1). O fato que Deus elegeu estes indivíduos para serviços específicos na história da salvação, não significa, entretanto, que eles foram eleitos para salvação pessoal (ou condenação, como pode ser o caso). Desde que Israel foi escolhido para preparar o caminho para o aparecimento do Messias, seu propósito foi realizado e seu destino cumprido na encarnação, morte e ressurreição de Jesus Cristo (At 13.32, 33).[6] 3. A Eleição da Igreja O drama da redenção não está completo, é claro, quando Israel finalizou o seu papel. Nem está completo mesmo quando Cristo realizou seu trabalho de salvação na história. Cristo foi escolhido a fim de redimir os pecadores e trazê- los de volta para a comunhão com Deus. Assim, o drama não está completo até a sua obra redentora dar seus frutos, até que exista um corpo redimido de pessoas. Estes, também, estão incluídos na representação histórica do drama. Deus já tinha decidido criar sobre este lado da cruz uma nova nação, um novo Israel. Seu papel difere do de Israel do Antigo Testamento. Seu propósito não é a preparação para a vinda de Cristo, mas antes a participação no seu trabalho salvador e sua proclamação. Este novo corpo eleito é a Igreja. Assim como foi o caso de Israel do Antigo Testamento, a eleição da Igreja é uma eleição corporativa ou coletiva. A igreja como um corpo é agora o povo eleito de Deus, escolhida para completar o propósito redentor de Deus. Esta eleição corporativa da Igreja é refletida na referência de Pedro à “raça eleita” (1Pe 2.9) e na descrição de João das congregações locais como “senhora eleita” e sua “irmã eleita” (2Jo 1.13). Como com Israel do Antigo Testamento, a eleição da Igreja é uma eleição para serviço. A Igreja é o veículo de Deus para a proclamação das boas novas de redenção em Cristo. Quando Pedro descreve a Igreja uma “raça eleita”, ele adiciona seu propósito para a escolha: “que você possa proclamar as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9). 22 Assim como Deus escolheu certos indivíduos para serviço especial em relação a Israel, Ele selecionou um grupo de indivíduos que seriam seus instrumentos no estabelecimento da igreja. Dentre os seus discípulos Jesus “escolhe doze deles, os quais ele também nomeou como apóstolos” (Lc 6.13). Depois ele lhes perguntou “Eu não escolhi a vós, os doze...?” (Jo 6.70). Cristo está falando aos apóstolos quando ele diz, “Vocês não me escolheram, eu vos escolhi e vos designei para que vão e dêem frutos...” (Jo 15.16; veja 13.18; 15.19). Da mesma forma o apóstolo Paulo foi escolhido para um serviço especial (Gl 1.15, 16). Em muitas maneiras, então, o Israel do Antigo testamento e a Igreja do Novo Testamento são paralelos com relação ao propósito eletivo de Deus. A eleição de cada um é uma eleição corporativa; cada um é eleito para serviço (Israel para preparação, a Igreja para a proclamação); e certos indivíduos são escolhidos para papéis especiais em conexão com cada um (Israel e Igreja). B. A Eleição de Indivíduos para a Salvação Em adição a essas similaridades, entretanto, existe uma importante diferença. Com o estabelecimento da Igreja uma nova dimensão é adicionada ao propósito da eleição, pois agora não é somente eleição para serviço, mas também eleição para salvação. A Igreja é eleita não somente para a proclamação do, mas também participação no, trabalho salvador de Cristo. A Igreja é o verdadeiro objeto do amor e sacrifício redentor de Cristo (At 20.28; Ef 5.25). Nós somos escolhidos para a salvação (2Ts 2.13). Disto nasce a questão mais controversa associada com o assunto inteiro da eleição, a saber, qual é o relacionamento de indivíduos com o processo de eleição para salvação? Os indivíduos são eleitos ou predestinados à salvação? Se é assim, de que forma? Estas perguntas serão agora discutidas em detalhes. 1. A ELEIÇÃO INCONDICIONAL DE INDIVÍDUOS Provavelmente a visão mais bem conhecida da eleição individual é a que está associada à teologia calvinista.[7] O Calvinismo ensina que certos indivíduos são incondicionalmente eleitos ou predestinados a se tornarem crentes em Jesus Cristo e assim serem salvos. Dentre a massa total da humanidade pecadora, mesmo antes de ser criada, Deus escolhe quais indivíduos Ele deseja que respondam à chamada do evangelho. Quando o chamado é feito, aqueles que foram escolhidos são irresistivelmente capacitados a respondê-lo. Estes são salvos, enquanto o restante da humanidade é condenada ao inferno para sempre. Sobre qual base Deus escolhe aqueles a quem ele salva? Isto é somente conhecido pelo próprio Deus e ele determinou não revelar. Deus tem as suas próprias razões para as decisões que ele toma, mas elas não podem ser conhecidas pelos homens.[8] Assim, do ponto de vista humano, a eleição é totalmente incondicional. Não existem condições estabelecidas às quais se podem reunir a fim de qualificar para ser escolhido. 23 Esta visão foi ensinada por João Calvino. Nas Institutas ele diz: “Portanto, estamos afirmando o que a Escritura mostra claramente: que designou de uma vez para sempre, em seu eterno e imutável desígnio, àqueles que ele quer que se salvem, e também àqueles que quer que se percam. Este desígnio, no que respeita aos eleitos, afirmamos haver-se fundado em sua graciosa misericórdia, sem qualquer consideração da dignidade humana; aqueles, porém, aos quais destina à condenação, a estes de fato por seu justo e irrepreensível juízo, ainda que incompreensível, lhes embarga o acesso à vida”.[9] Também pertinente é a declaração de Calvino que “Deus não foi movido por nenhuma causa externa – por nenhuma causa além Dele – na nossa escolha; mas que Ele próprio, Nele próprio, foi a causa e o autor da escolha de Seu povo”.[10] A Confissão de Fé de Westminster explica assim: “Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa”. (III.5) De acordo com o Calvinismo, então, indivíduos específicos são o objeto da eleição, e eles são escolhidos incondicionalmente. 2. A ELEIÇÃO CONDICIONAL DE UMA CLASSE DE INDIVÍDUOS A maior parte da Cristandade nunca foi capaz de aceitar o conceito da eleição incondicional de indivíduos como bíblico. Eles declaram que as Escrituras não ensinam tal idéia, pois parece injusto e arbitrário da parte de Deus e parece levar ao pessimismo e quietismo da parte do homem. Muitos que se opõem a este conceito asseveram, ao invés, que a eleição se baseia em certas condições, as quais qualquer pessoa pode reunir, e é a eleição de uma certa classe ou grupo, não a eleição de indivíduos específicos. Esta visão é apoiada por muitos arminianos e é às vezes imaginado ser a visão arminiana do assunto. Enfatizando o caráter corporativo da eleição, o Dr. H. Orton Willey, o eminente teólogo nazareno, declarou, “Creio, naturalmente, na predestinação de uma classe”.[11] Ele entende ser censurável dizer que “Deus determinou de antemão se alguém deve ser salvo ou não, aplicado aos indivíduos”.[12] 24 Outra teóloga nazarena, Mildred B. Wynkoop, declara que as teorias sobre a predestinação são o divisor de águas entre o Calvinismo e o Arminianismo Wesleyano.[13] Ela traça a origem da idéia predestinação pessoal, particular e individual até Agostinho.[14] A teoria arminiana da predestinação declara justamente o oposto: “As pessoas não são eleitas individualmente para salvação, porém é Cristo quem foi nomeado como o único Salvador dos homens. O caminho da salvação está predestinado.”[15] Robert Shank, no seu recente livro, Eleitos no Filho, apresenta uma visão similar. Eleição, ele diz, é primariamente corporativa e somente secundariamente particular.[16] Indivíduos tornam-se eleitos somente quando eles se identificam ou se associam com o corpo eleito.[17] Ele resume sua visão da eleição como “potencialmente universal, corporativa antes que particular, e condicional antes que incondicional”.[18] 3. A ELEIÇÃO CONDICIONAL DE INDIVÍDUOS A visão recém discutida é uma tentativa deliberada de apresentar uma alternativa bíblica à doutrina calvinista da eleição incondicional, particular. Tal alternativa é necessária, pois a visão calvinista por inteiro é definitivamente contrária às Escrituras. É provável, entretanto, que o pêndulo tem pendido muito para a direção oposta. A eleição bíblica para salvação é na verdade condicional, mas é também individual ou pessoal. O elemento distintivo na eleição calvinista é sua natureza incondicional, não sua particularidade. Somente a anterior deve ser rejeitada; rejeitar a última é também uma reação exagerada e uma distorção do próprio ensino bíblico. Qual é a doutrina bíblica da eleição? Como entendido aqui, é a idéia de que Deus predestina para salvação aqueles indivíduos que reúnem as condições graciosas, as quais Ele definiu. Em outras palavras, eleição para salvação é condicional e particular.[19] a. Eleição individual. Uma crença popular entre os não-calvinistas é que “Deus predestinou o plano, não o homem”. As Escrituras, entretanto, mostram que são sempre pessoas que são predestinadas e não apenas algum plano abstrato e impessoal.[20] Isto é tão óbvio que dificilmente parece necessário mencionar. Em Rm 8.29, 30, Paulo está falando de pessoas. As mesmas pessoas que são predestinadas são chamadas, justificadas e glorificadas. Em 2Ts 2.13 ele diz que “Deus escolheu vocês”, o povo cristão de Tessalônica, “para salvação”. Ef 1.4, 5, 11 fala da predestinação de Deus em relação ao seu plano, mas é declarado especificamente que Deus nos predestinou (pessoas) para adoção como filhos de acordo com o seu propósito e plano. Eleição, então, não é limitada a um plano impessoal, mas se aplica também a pessoas. Mas é aplicado a pessoas particularmente? São indivíduos específicos predestinados para a salvação? A resposta é sim. Nenhuma outra visão pode fazer justiça ao ensino bíblico em vários aspectos. Primeiro deve ser notado que a Bíblia frequentemente fala de predestinação em termos que especificam indivíduos particulares. Muitas 25 passagens fazem referência aos eleitos em geral, mas outras referências focalizam pessoas especificamente. Em Rm 16.13 Rufo é identificado como uma pessoa eleita. Em 1Pe 1.1, 2 o apóstolo cumprimenta os cristãos eleitos em certas localidades geográficas específicas. Uma claríssima declaração da predestinação de indivíduos para salvação é 2Ts 2.13. Aqui Paulo diz aos irmãos tessalonicenses que “Deus escolheu vocês desde o princípio para salvação”. Esta declaração não pode ser generalizada e despersonalizada. Outro ponto que deve ser notado é que Ap 17.8 fala daqueles “cujos nomes não estão escritos no livro da vida, desde a fundação do mundo”. Esta é uma declaração negativa, mas seria sem sentido dizer que alguns nomes pessoais não foram escritos no livro da vida desde o princípio, a menos que existam outros cujos nomes foram escritos lá desde o princípio. Existe algum questionamento quanto a se os nomes podem ser apagados do livro da vida (veja Êx 32.32, 33; Sl 69.28; Ap 3.5) Se é assim, estes não seriam os nomes escritos lá desde a fundação do mundo, mas aqueles que tem o status, talvez, das sementes que brotaram em solo rochoso e árido (Mt 13.20- 22). Aqueles que venceram são especificamente prometidos que seus nomes não serão apagados (Ap 3.5) e estes são, com toda probabilidade, aqueles escritos desde a fundação do mundo. Em qualquer caso, existem certos indivíduos cujos nomes estão no livro da vida desde a fundação do mundo. E cujos nomes não serão apagados. Quem podem ser estes exceto aqueles a quem Deus predestinou individualmente para salvação? E o ponto aqui é que seus verdadeiros nomes tem sido conhecidos por Deus desde o princípio. O que pode ser isto, além de predestinação individual? “Alegrem-se, pois os seus nomes estão escritos nos céus”! (Lc 10.20). Como é possível que Deus determinasse, mesmo antes da criação, quais indivíduos serão salvos, e até mesmo escrevesse seus nomes no livro da vida? A resposta é encontrada no fato e natureza do pré-conhecimento de Deus. A Bíblia explicitamente relaciona a predestinação ao pré-conhecimento de Deus e um correto entendimento deste relacionamento é a chave para a questão inteira da eleição para a salvação. Rm 8.29 diz: “Aqueles a quem Ele conheceu, Ele também predestinou a se tornarem conformados à imagem do seu Filho, o qual Ele tornou o primogênito entre muitos irmãos”. Pedro endereça sua primeira carta àqueles “que são escolhidos de acordo com o pré-conhecimento de Deus, o Pai” (1Pe 1.1, 2). Em outras palavras, o pré-conhecimento de Deus é o meio pelo qual Ele determinou quais indivíduos devem ser conformados à imagem do seu Filho (no seu corpo ressurreto e glorificado). Dizer que Deus tem pré-conhecimento significa que Ele tem real conhecimento ou cognição de algo antes que ele realmente aconteça ou exista na história. Este é o âmago (núcleo irredutível) do conceito, o qual não deve ser eliminado nem atenuado. Nada é mais consistente com a natureza de Deus.[21] Uma das verdades básicas da Escritura é que Deus é eterno. Isto significa duas coisas. Primeira, significa que quando o tempo é considerado como uma sucessão linear de momentos com um antes, um agora e 26 um depois, Deus é infinito em ambas as direções. Ele existiu antes do agora até o tempo infinito no passado (i.e., eternidade) sem nunca ter começo e Ele existirá após o agora até o infinito tempo no futuro (de novo, eternidade), sem nunca ter fim. “De eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2). Mas dizer que Deus é eterno significa mais que isto. A eternidade de Deus não é apenas uma distinção quantitativa entre Ele e sua criação. Eternidade é também qualitativamente diferente do tempo. Que Deus é eterno significa que Ele não está limitado pelas restrições do tempo; Ele está acima do tempo. Um dado momento, que é passado e futuro para a criatura finita, é presente para o conhecimento de Deus. Tudo é agora para Deus, em um tipo de panorama do tempo; ele é o grande “EU SOU” (Êx 3.14). Para se ter alguma idéia da majestade do infinito e eterno Criador, quando contrastada com a finitude de todas as criaturas, deve-se ler os desafios do Senhor aos falsos deuses e ídolos em Isaías 41-46. A verdadeira coisa que distingue Deus como Deus é que Ele transcende o tempo e o vê do começo ao fim em um único e mesmo momento. Deus desafia os falsos deuses a recitar o passado e a predizer o futuro. Eles não podem, mas Ele pode, porque Ele é Deus; e seu conhecimento do passado e futuro prova que Ele é Deus. Aqui está o Ele diz: “Apresentai a vossa demanda, diz o SENHOR; trazei as vossas firmes razões, diz o Rei de Jacó. Tragam e anunciem-nos as coisas que hão de acontecer; anunciai-nos as coisas passadas, para que atentemos para elas, e saibamos o fim delas; ou fazei-nos ouvir as coisas futuras. Anunciai-nos as coisas que ainda hão de vir, para que saibamos que sois deuses; ou fazei bem, ou fazei mal, para que nos assombremos, e juntamente o vejamos. Eis que sois menos do que nada e a vossa obra é menos do que nada; abominação é quem vos escolhe.” (Is 41.21-24) Quem anunciou isto desde o princípio, para que o possamos saber, ou desde antes, para que digamos: Justo é? Porém não há quem anuncie, nem tampouco quem manifeste, nem tampouco quem ouça as vossas palavras. (Is 41.26) “Assim diz o SENHOR, Rei de Israel, e seu Redentor, o SENHOR dos Exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus. E quem proclamará como eu, e anunciará isto, e o porá em ordem perante mim, desde que ordenei um povo eterno? E anuncie-lhes as coisas vindouras, e as que ainda hão de vir. Não vos assombreis, nem temais; porventura desde então não vo-lo fiz ouvir, e não vo-lo anunciei? Porque vós sois as minhas testemunhas. Porventura há outro Deus fora de mim? Não, não há outra Rocha que eu conheça”. (Is 44.6-8) Lembrai-vos das coisas passadas desde a antiguidade; que eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim. Que anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha vontade. Que chamo a ave de 27 rapina desde o oriente, e de uma terra remota o homem do meu conselho; porque assim o disse, e assim o farei vir; eu o formei, e também o farei. (Is 46.9- 11) À luz do ensinamento bíblico a respeito da eternidade e pré-conhecimento de Deus e a relação entre seu pré-conhecimento e predestinação, deve ficar evidente que a predestinação deve ser de indivíduos. Seguramente Deus conhece tudo a respeito da vida de cada indivíduo. Ele não pode deixar de pré- conhecer justamente porque Ele é Deus. Ele vê o escopo inteiro de cada destino individual – mesmo antes da fundação do mundo.[22] a. Eleição condicional. Muitos arminianos afirmam o pré-conhecimento de Deus enquanto ao mesmo tempo negam a predestinação individual. Alguns apenas ignoram a inconsistência envolvida, enquanto outros a descartam com um tipo de murmúrio embaraçado.[23] A razão por que eles estão tão determinados a rejeitar a eleição individual é que eles acreditam ser inseparável da doutrina calvinista da eleição. Este não é o caso, entretanto, o Calvinismo ensina a predestinação individual, mas isto não é o que o torna Calvinismo. A essência da doutrina calvinista, como percebido anteriormente, é que a eleição é incondicional. O divisor de águas não é entre particular e geral, mas entre condicional e incondicional. O erro calvinista é evitado quando se afirma que a eleição é condicional. O pré-conhecimento de Deus foi enfatizado. Deus elege indivíduos de acordo com o Seu pré-conhecimento. Mas a seguinte pergunta pode ser feita: conhecimento do quê? A resposta é que Ele pré-conhece se um indivíduo reunirá as condições para salvação, as quais Ele tem soberanamente imposto. Quais são estas condições? A básica e toda-suficiente condição é se a pessoa está em Cristo, a saber, se o indivíduo entrou para uma união salvífica com Cristo por meio da qual Ele compartilha de todos os benefícios da obra redentora de Cristo. A quem Deus pré-conheceu estar em Cristo (“até a morte” – Ap 2.10), Ele predestinou para ser glorificado como o próprio Jesus. Este é o significado de Ef 1.4, que diz “Ele nos escolheu Nele” – em Cristo – “antes da fundação do mundo”. Os eleitos são escolhidosem (έν) Cristo, isto é, porque eles estão em Cristo; eles não são escolhidos para (έίς) Cristo, isto é, a fim de que eles possam estar em Cristo. Eles estão em Cristo antes da fundação do mundo, não na realidade, mas no pré-conhecimento de Deus. Que a condição básica para a eleição é estarmos em Cristo preserva o caráter cristocêntrico da predestinação, o que parece ser a maior preocupação para muitos.[24] Não deve ser esquecido que Jesus Cristo é o eleito e que qualquer eleição rendentora é Nele. Assim, não obstante a eleição é condicional, tudo depende de Cristo e dos graciosos benefícios da sua obra rendentora. É claro, existem também condições que se deve reunir a fim de estar em Cristo, isto é, a fim de entrar em união redentora com Ele e permanecer nesta união. A condição básica, é claro, é a fé (Gl 3.26; Ef 3.17; Cl 2.12). Outras condições relacionadas são o arrependimento e o batismo ( At 2.38; Gl 3.27; Cl 2.12). Estas condições não devem de forma alguma ser interpretadas como meritórias da parte do homem, visto que elas são graciosa e soberanamente 28 impostas pelo próprio Deus. Assim, tendo definido estas condições para se estar em Cristo, Deus pré-conhece desde o princípio quem irá e quem não irá reuni- las. Aqueles a quem ele prevê como as reunindo são predestinados para a salvação. Como, então, a predestinação bíblica deve ser descrita? O Calvinismo diz, “Deus incondicionalmente seleciona certos pecadores e os predestina a se tornarem crentes.” Isto é contrário ao ensino da Escritura, entretanto, que na verdade diz, que Deus seleciona todos os crentese os predestina a se tornarem Seus filhos na glória.[25] Em outras palavras, é importante ver exatamente para o que os indivíduos são eleitos. Eles são predestinados para a própria salvação, não aos meios de salvação. Eles não são predestinados a se tornarem crentes; eles não são predestinados à fé. Sua escolha de Jesus Cristo não é predestinada; sua escolha é pré-conhecida e as bênçãos subsequentes da salvação são então predestinadas.[26] A Bíblia é muito clara quanto a isto. Rm 8.29 diz que aqueles a quem Ele pré-conheceu foram predestinados por Deus “a se tornarem conformados à imagem de Seu Filho, para que Ele possa ser o primogênito entre muitos irmãos”. A referência a Cristo como sendo o primogênito é uma referência à Sua ressurreição dos mortos para o estado glorificado (Cl 1.18; Ap 1.5). Nosso ser conformado à sua imagem aqui se refere à nossa glorificação (Rm 8.30), quando nós iremos receber um corpo ressurreto como o Seu próprio corpo (Fp 3.21). Assim nós somos escolhidos para nos tornarmos filhos glorificados de Deus, Cristo sendo o primogênito entre muitos irmãos. (Similar a isto é Ef 1.5, que declara que nós somos predestinados para a adoção como filhos.) Os crentes são predestinados não apenas para receber a glória futura, mas também para gozar os benefícios presentes da obra redentora de Cristo. Como 2Ts 2.13 diz, “Deus escolheu vocês desde o princípio para a salvação (έίς σώτήρίάν).” Em 1Pe 1.2 se vê que esta salvação inclui uma vida de boas obras e justificação pelo sangue de Cristo (“escolhidos... para que possam obedecer a Jesus Cristo e ser aspergidos com Seu sangue”). A doutrina bíblica da eleição, então, definitivamente inclui a eleição condicional de indivíduos para a salvação. Através de Seu pré-conhecimento, Deus vê quem irá crer em Cristo como Salvador e Senhor e se tornar unidos a Ele no batismo cristão; então mesmo antes da criação do mundo Ele predestina estes crentes a compartilharem a glória do Cristo ressurreto. II. Eleição e Doutrinas Relacionadas É agora proposto mostrar que a doutrina da eleição esboçada acima é consistente com o ensino bíblico como um todo. Atenção será direcionada sobre duas doutrinas em conexão com as quais objeções são freqüentemente levantadas, a saber, a doutrina de Deus e a doutrina do homem. Será mostrado que a eleição individual e condicional é mais consistente com estas duas doutrinas. 29 A. A Natureza de Deus A objeção mais forte a este entendimento da eleição é que ela viola o ensino bíblico concernente à natureza de Deus. Esta objeção, que é a mais levantada pelos calvinistas, deve ser levada muito a sério. Veremos, entretanto, que ela não tem base, visto que a eleição individual e condicional é perfeitamente consistente com a soberania, graça e justiça de Deus. 1. A SOBERANIA DE DEUS Nenhuma doutrina é mais importante que a soberania de Deus. M. B. Wynkoop acertadamente disse:[27] ...Sua soberania suprema é o fundamento da totalidade da teologia cristã. Não se pode permitir nenhuma teoria filosófica que admita a mais leve brecha nessa soberania. Cada doutrina cristã depende desse ensinamento... Se Deus não é completamente soberano não pode sustentar a fé cristã. Uma das objeções mais comuns à eleição condicional é que ela necessariamente viola a soberania de Deus. Berkouwer resume a objeção assim: “Em tal noção, a decisão de Deus depende da decisão humana”.[28] É claro, ele diz, que a predestinação de acordo com o pré-conhecimento “lanças sombras sobre a soberana eleição de Deus e é uma flagrante contradição à natureza da fé cristã”.[29] É por isso que ela foi rejeitada por João Calvino[30] e pelo Sínodo de Dort.[31] A rejeição da fé prevista por Calvino, como resumida por Berkouwer, é como segue:[32] ...Ele vê nela um ataque à grandeza de Deus. Ela supõe um Deus que fica esperando, cujo julgamento e ato final dependem da e seguem a decisão e aceitação humana, de forma que a decisão final e principal repousa sobre o homem; ela ensina a auto-destinação ao invés da divina destinação (Institutas I, xviii, 1) Esta é basicamente a mesma objeção expressa por Roger Nicole:[33] Acho censurável que na posição arminiana os resultados últimos parecem depender da escolha do homem e não da escolha de Deus. E me parece que tanto as Escrituras como um entendimento adequado da soberania divina exigem que a escolha seja deixada com Deus e não com o homem.... A idéia da soberania divina de Hermam Hoeksema, de acordo com James Daane, é que “nada que Deus faz é uma resposta ao que o homem tem feito. Deus nunca é condicionado pelo homem. As ações do homem não podem tornar-se condições para a resposta de Deus”.[34]Assim, a divina soberania deve excluir a eleição condicional. 30 Em resposta a essa objeção, é livremente admitido que a eleição condicional significa que em algum sentido Deus reage a uma decisão feita pelo homem. Mas deve-se insistir que isto de forma alguma viola a soberania de Deus.[35] E isto é apoiado por duas considerações. Em primeiro lugar, um arranjo sob o qual Deus reagiria às escolhas humanas violaria sua soberania somente se Deus fosse forçado a tal arranjo, somente se fosse uma necessidade imposta sobre Deus de fora. Mas este não é o caso. Foi a escolha soberana de Deus trazer à existência um universo habitado por criaturas livres cujas decisões, em certa medida, determinariam o quadro total.[36] Quando Deus estabeleceu o sistema de eleição condicional, foi Ele apenas quem impôs soberanamente as condições.[37] A liberdade de Deus para decretar o que quer que Lhe agrade é a prova e essência da Sua absoluta soberania. Samuel Fisk assinala que a decisão voluntária e livre de Deus para permitir ao homem uma medida de autodeterminação “é algo que somente um Deus grande e onipotente faria”.[38] Antes que diminuir a Sua soberania, isto na verdade a engrandece e a glorifica ainda mais. Em segundo lugar, negar a eleição condicional em princípio porque ela apresenta Deus reagindo às ações humanas ignora o fato de que Deus tem reagido e reage às decisões humanas em formas mais básicas do que esta. De primeira importância está o fato de que a decisão humana de pecar é um fator contingente ao qual Deus reagiu. Esta é a própria essência do Cristianismo: porque o homem pecou, Deus providenciou a redenção. Virtualmente cada ação de Deus registrada na Bíblia após Gn 3.1 é uma resposta ao pecado do homem. O pacto abraâmico, o estabelecimento de Israel, a encarnação de Jesus Cristo, a morte e ressurreição de Cristo, o estabelecimento da Igreja, a própria Bíblia – todas estas são parte da reação divina ao pecado do homem. Como C. S. Lewis assinalou, Deus não perdoaria pecados se o homem tivesse não cometido nenhum. “Nessee sentido a ação divina é conseqüente, condicionada e produzida por nosso comportamento”.[39] Da mesma forma, o julgamento de Deus sobre os pecadores impenitentes é uma reação ao pecado do homem. É muito interessante que o próprio Berkouwer argumenta em favor deste ponto,[40] ainda que, ao assim fazê-lo, ele compromete todo o seu argumento contra a eleição condicional. Sua inconsistência aqui é resultado da sua inabilidade para aceitar uma reprovação incondicional que é simétrica a uma eleição incondicional. Assim, ele diz que as “Escrituras repetidamente falam da rejeição de Deus como uma resposta divina na história, como uma reação ao pecado e desobediência do homem, não como sua causa.” A rejeição de Deus dos pecadores “é claramente Sua santa reação contra o pecado”.[41] É “um ato reativo, uma santa e divina resposta ao pecado do homem.”[42] À luz de afirmações como estas, como pode Berkouwer ou qualquer calvinista continuar a argumentar que a eleição condicional é uma violação da soberania de Deus? Se Deus pode manter Sua soberania enquanto reage ao pecado do homem, Ele seguramente pode mantê-la enquanto reage à fé (prevista) do homem. 31 Outra área na qual Deus reage às decisões humanas é a oração. C. S. Lewis argumenta nas suas Cartas para Malcolm que se Deus pode reagir ao pecado, Ele certamente pode reagir à oração.[43] Nós podemos pressionar esta questão mais e perguntar, se Deus pode reagir ao pecado e à oração sem comprometer a Sua soberania, por que Ele não pode reagir à fé prevista? A resposta, é claro, é que Ele pode e reage. Dizer que isto faz Deus dependente do homem ou que o homem está, desse modo, causando Deus a fazer algo, é uma infundada caricatura. A idéia completa de que a eleição incondicional é o sine qua non da soberania de Deus é, com diz Shank, uma “trapaça teológica” e “uma das maiores falácias do Calvinismo”.[44] 2. A GRAÇA DE DEUS Outra objeção igualmente forte à eleição condicional é que ela viola a graça de Deus. Isto é, se Deus elege por meio do Seu pré-conhecimento da fé, isto faria do homem, em alguma medida, a causa de sua própria salvação. Onde, então, está a graça?[45] Agostinho e Calvino rejeitaram a eleição condicional como inconsistente com a graça e como significando a justificação pelas obras.[46] Isto aconteceu em parte porque muitas pessoas a quem eles se opuseram ainda ensinavam algum tipo de salvação por mérito, e portanto, elas ensinavam a predestinação sobre a base do mérito previsto. Ambrósio, por exemplo, comentando Rm 8.29, diz que Deus “não predestinou antes que Ele pré-conheçeu, mas àqueles cujo mérito Ele pré-conheceu, Ele predestinou as recompensas do mérito”.[47] Um dos principais opositores de Calvino, Pighius, era, como diz Wendel, “o herdeiro de um longa tradição, a qual tinha se empenhado em fazer a predestinação dependente do pré-conhecimento dos méritos”.[48] Isto certamente prejudicou a formulação do problema por Calvino, como é demonstrado na seguinte declaração:[49] ...Mas é uma peça de fútil astúcia agarrar-se ao termo presciência e assim usá- lo como pino ou âncora para a eterna eleição de Deus mediante os méritos dos homens, a qual em todos os lugares o apóstolo atribui somente ao propósito de Deus.... É bastante apropriado rejeitar o pré-conhecimento dos méritos como incompatível com a graça. Mas o calvinista não pára por aí. Mesmo quando se rejeita todas as noções de mérito e se insiste na fé prevista, não adianta, o calvinista ainda clama que a graça é anulada. Isto acontece porque ele não consegue perceber a distinção bíblica entre a fé e as obras. Berkouwer assevera que a “eleição não encontra suas bases nas obras humanas e portanto não em sua fé prevista”.[50] Seja mérito ou fé que é prevista, “a decisão de Deus é dependente da decisão humana. A iniciativa e a majestade da graça de Deus é ofuscada”.[51] Assim, a graça é “limitada e obscurecida”.[52] 32 Este tipo de objeção à eleição condicional não enxerga um dos princípios mais básicos no sistema da graça, a saber, que a fé e as obras são qualitativamente diferentes. A graça é consistente com a fé como uma condição, mas não com as obras como uma condição (Rm 4.4, 5, 16; 11.16). “Pois pela graça sois salvos através da fé,” mas “não como um resultado da obras” (Ef 2.8, 9). Nestas passagens Paulo claramente mostra que a fé não está na categoria das obras. Elas são qualitativamente diferentes. Assim, devemos concordar que as obras, mérito ou santidade previstos como uma condição para a eleição seriam contrários à graça. Mas devemos dizer o mesmo a respeito da fé? É claro que não. A fé por sua natureza é consistente com a graça, seja ela prevista ou não. Se Deus pode dar a salvação na condição da fé post facto, então Ele pode predestinar um crente à salvação como resultado de Seu pré-conhecimento da sua fé.[53] Assim, dizer que a eleição é da graça não significa que é incondicional; simplesmente significa que não é condicionada pela obras. Um dos problemas básicos aqui e com o sistema calvinista em geral é a noção da graça soberana. A tese de Berkouwer é que a eleição de acordo com a fé prevista é simplesmente sinergismo e é apenas outro meio de oposição “à soberania da graça de Deus.”[54] Ele fala do “escândalo da graça soberana”.[55] A idéia da graça soberana realmente é um escândalo, mas foi criada pelo homem quando os conceitos da soberania e da graça de Deus foram fundidos e confundidos juntamente. Seguramente Deus é soberano em todas as coisas, mas Sua soberania não absorve ou cancela os Seus outros atributos. Sua sabedoria, Seu amor e Sua graça não são sinônimos de Sua soberania. A soberania de Deus se expressa em termos de poder absoluto, o poder de força e intensidade absolutas, o poder de criar e destruir. Mas a graça é expressa em um tipo totalmente diferente de poder, a saber, o poder atrativo de amor e compaixão e auto-sacrifício (veja Jo 12.32) No conceito de graça soberana, a soberania domina e destrói a graça, de forma que não é permitido à graça ser graça. O pastor está vestido inadequadamente de uniforme de guerreiro. Nós devemos tomar a graça nos seus próprios termos. A graça não deseja forçar o seu caminho. Como Cristo, ela aguarda na porta e bate (Ap 3.20). A Bíblia ensina muito claramente que os dons da graça são apropriados pela fé. Se for pelas obras, então a graça não é mais graça. Nisto todos concordam. Mas, da mesma forma, se é por soberana imposição, então, também, a graça já não é mais graça. A eleição condicional, então, é bastante consistente com a graça; ela se opõe somente ao falso híbrido da graça soberana. 3. A JUSTIÇA DE DEUS Finalmente, deve ser percebido que a eleição condicional de indivíduos é consistente com a justiça de Deus. A justiça de Deus leva-O a tratar todas as pessoas com igualdade e não conceder favor especial com respeito à salvação. 33 Este é o ponto do ensino da Bíblia de que Deus não faz acepção de pessoas. (veja At 10.34; Rm 2.11; Ef 6.9; Cl 3.25; 1Pe 1.17.) O calvinista freqüentemente cita este ensino bíblico para provar a eleição incondicional. Isto é feito tomando o ensino para significar que Deus não leva em conta nada no próprio indivíduo (i.e., nem certas condições) quando o seleciona para receber a fé e a salvação. O princípio é dado na Escritura, entretanto, para mostrar exatamente o oposto, a saber, que Deus recompensa e pune somente na base do que Ele encontra na própria pessoa. O contexto no qual o princípio é asseverado estabelece isto. Ele visa ensinar a justiça e lealdade de Deus no julgamento. A verdadeira coisa que violaria este princípio da justiça de Deus seria decidir o destino eterno de um indivíduo sem levar em conta qualquer coisa nele. Mas isto é exatamente o que a doutrina da eleição incondicional assevera. Somente a doutrina da eleição condicional, onde Deus elege para salvação aqueles indivíduos que estão em conformidade com Seus termos de perdão dados e anunciados graciosamente, pode preservar a justiça e imparcialidade de Deus.[56] B. A Natureza Humana Visto que a eleição condicional é vista ser consistente com a doutrina bíblica de Deus, segue-se que não existe agora nenhuma razão para rejeitá-la? Não, porque a natureza humana está também no assunto em pauta. De fato, a razão básica para a rejeição do Agostinianismo da eleição condicional e a afirmação da eleição incondicional jaz nessa área. Assim, resta ser demonstrado que a eleição condicional é consistente com a doutrina bíblica do homem. 1. DEPRAVAÇÃO TOTAL Por que o calvinista continua insistindo na predestinação incondicional, mesmo quando a soberania e a graça não estão em jogo? Qual é o imperativo que exige isso? A resposta é a doutrina da depravação total, a qual na sua essência significa que todas as pessoas, por causa do pecado de Adão, estão desde o nascimento, incapazes de responder de qualquer maneira positiva ao chamado do evangelho. Existe uma total incapacidade para chegar à decisão de colocar a própria confiança em Cristo. Este ponto é verdadeiramente a pedra fundamental no sistema calvinista. Este ponto é aquele que faz a eleição incondicional lógica e doutrinariamente necessária. Isto é mostrado na freqüente objeção de que a fé prevista não resolve nada, visto que Deus dá a fé para quem quer que Ele escolha.[57] Por que deve Deus escolher aqueles a quem Ele daria fé? Não a fim de preservar Sua soberania, mas por que ninguém na massa pecadora da humanidade é capaz de responder quando o evangelho é pregado. Portanto, se alguém responderá, Deus deverá decidir quais deles será capaz de crer. A situação é como aquela de um médico que aperfeiçoou uma técnica na qual restaurará sanidade à maioria das pessoas desarranjadas mentalmente. 34 Pelas mesmas razões ele não pode usar a técnica em todas as pessoas, assim alguns devem ser selecionadas e outras rejeitadas. Uma vez que os indivíduos em questão são tão loucos mesmo para saber o que está acontecendo, o próprio médico simplesmente vê os pacientes e decide com base em fundamentos totalmente desconhecidos por eles, quais deles devem se tornar sãos. O fato é, entretanto, que a Bíblia não retrata o homem como totalmente depravado. O homem como um pecador está verdadeiramente depravado e corrupto (Jr 17.9), mesmo a ponto de estar morto em delitos e pecados (Ef 2.1, 5; Cl 2.13). Isto não significa, entretanto, que ele é incapaz de responder ao chamado do evangelho. O paralelo entre Ef 2.1-10 e Cl 2.11-13 mostram que mesmo a pessoa que está morta em seus pecados é regenerada através da sua fé em Cristo, isto é, ela crê antes de ser regenerada. Sua regeneração ou sua vinda para a vida depende da sua fé. Isto é visto em Cl 2.12, que diz que no batismo uma pessoa é ressuscitada com Cristo (isto é, torna-se viva, regenerada) através da fé na obra de Deus. Assim, uma pessoa não pode vir à fé sem o evangelho (Rm 10.17), mas ela é capaz de responder ao evangelho em fé. Deus pré-conhece quem dará tal resposta e a estes Ele predestinou para salvação. 2. RESPONSABILIDADE HUMANA Somente a eleição condicional preserva a integridade da livre vontade e, assim, da responsabilidade humana, sem a qual um sistema moral é impossível. Deus não força o homem ao pecado; o homem escolhe o pecado de sua livre vontade. Assim, o indivíduo é responsável por seu pecado e por sua rejeição da graça e ele justamente sofre a punição por isto. Assim, Deus não força uma pessoa a pecar, nem força ninguém a aceitar a sua graça. Uma pessoa escolhe aceitar a graça quando decide reunir as condições que Deus estabeleceu para recebê-la. É claro, não existe mérito em fazer a decisão, pois a condição é uma condição da graça e não das obras. No entanto, uma pessoa é responsável pela própria decisão. Se ela não a toma, ela tem somente a si mesma para culpar. Um outro ponto deve ser enfatizado, a saber, que o caráter autêntico e livre da decisão de uma pessoa não é anulado pelo pré-conhecimento de Deus. Alguns arminianos objetam à predestinação individual em tais bases. Como pode a escolha humana ser verdadeiramente livre, eles dizem, se Deus as conhece de antemão? A fim de preservar a liberdade humana, eles são compelidos a diminuir a majestade do pré-conhecimento de Deus. Alguns argumentam que Deus tem limitado voluntariamente o seu próprio pré- conhecimento.[58] A idéia é que Deus, por sua própria escolha, não sabe de antemão quem irá aceitar Cristo; Ele deve esperar até que a real decisão seja feita. Esta visão ignora o ensino bíblico a respeito da eternidade de Deus. A idéia que Deus tem voluntariamente limitado o seu conhecimento não tem base bíblica, e é simplesmente impensável na visão do majestoso retrato do Deus eterno discutido anteriormente. Mas, pensar que Deus teria que limitar seu pré- 35 conhecimento a fim de preservar a liberdade humana é impossibilitado da mesma forma pela eternidade de Deus. Pois, afinal de contas, mesmo as decisões livres dos homens são feitas dentro da estrutura do tempo. São decisões verdadeiramente livres, mas são decisões de criaturas limitadas pelo tempo. Mas Deus é eterno, acima do tempo, conhecendo o fim desde o princípio. Dizer que Deus não poderia pré-conhecer verdadeiramente as decisões humanas é ou exaltar demais o homem ou reduzir Deus a posição de criatura. Uma objeção similar é esta: se as decisões humanas são pré-conhecidas, então elas certamente irão ocorrer. Mas, se elas são certas, como elas podem ser livres e contingentes? Isto, novamente, ignora a distinção entre tempo e eternidade e negligencia a realidade da história. Verdade é que cada decisão é certa no que diz respeito ao pré-conhecimento de Deus, mas pré-conhecimento não é predeterminação. Toda decisão deve ser feita na arena da história. Ela não é real até ser produzida por uma vontade humana na história. O fato que Deus pré-conhece o que aquela escolha será, não significa que Ele a causou. Ele simplesmente sabia de antemão o que seria decidido livremente. Ele pode fazer isto porque Ele é Deus, não homem. Somente a predestinação condicional de indivíduos, então, pode preservar a majestade do Deus eterno e a integridade da vontade livre e da responsabilidade humana. Conclusão Em resumo, a doutrina da predestinação com respeito à salvação e condenação pode ser descrita assim: (1) Existe uma predestinação absoluta, incondicional, feita sem referência ao pré-conhecimento. Esta predestinação é geral ou de um grupo, corporativa, do plano ou de classe de homens. Pelo absoluto decreto soberano, Deus determinou salvar qualquer um que responde à sua livre oferta de salvação e condenar qualquer um que a rejeita. (2) Existe também uma predestinação condicional, feita por meio do pré-conhecimento de Deus. Esta é uma predestinação particular, a eleição de indivíduos para salvação ou a reprovação de indivíduos para condenação. Porque Deus pré- conhece cada decisão pessoal, Ele predetermina cada destino pessoal. Esta é a doutrina da predestinação como ensinada pelo próprio Armínio. Bangs resume uma das declarações de Armínio, assim:[59] Por uma predestinação absoluta Deus deseja salvar aqueles que crêem e condenar aqueles que perseveram na desobediência; por uma predestinação condicional Deus deseja salvar aqueles indivíduos a quem Ele pré-conhece como crentes e perseveram e condenar aqueles a quem Ele pré-conhece como não crentes. Mas é somente incidental que Armínio ensinou esta visão da predestinação. De importância infinitivamente maior é o fato de que a Bíblia a ensina18. 18 Tradução: Cloves Rocha dos Santos. Retirado do site: http://www.arminianismo.com/index.php 36 [1] Robert Shank tenta distingui-las assim: “Ambas – eleição e predestinação – são atos de determinação, mas a eleição é a escolha de Deus do homem per se, enquanto a predestinação olha além do fato da própria eleição, aos propósitos e objetivos compreendidos na eleição”. Também, ele diz, “A eleição é o ato pelo qual Deus escolhe homens para Si mesmo, enquanto a predestinação é Seu ato determinando o destino dos eleitos que escolheu.” (Eleitos no Filho [Springfield, Mo.: Westcott Publishers, 1970] pag. 156). Esta distinção, entretanto, não é inerente aos termos, nem autorizada pelos vários contextos. A palavra proöridzo como tal não contém a idéia de destinação; nem é o uso da voz média poreklegomai teologicamente conclusivo (como Shank reivindica), visto que esta é a forma comum da palavra sempre que usada. Que ambos os termos são usados com referência aos propósitos, objetivos e circunstâncias da eleição é evidente de uma comparação de Rm 8.29, 30 e 1Pe 1.2. (Veja também 2Ts 2.13, onde haireonai, um sinônimo de eklegomai, é usado.) [2] Refere a eventos bem como a pessoas. Veja At 4.28. [3] Todas as citações das Escrituras são da Nova Bíblia Padrão Americana. [4] James Daane, A Liberdade de Deus: Um Estudo da Eleição e do Púlpito (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1973). pag 104. [5] G. C. Berkouwer, Eleição Divina, trad. Hugo Bekker (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1960). pp. 210ff. Sua principal preocupação é evitar a conclusão da reprovação individual como uma contrapartida simétrica da eleição individual. [6] “A eleição divina de Jesus cumpre o propósito da eleição de Israel....” (Daane, op. cit., p. 107). [7] O sistema calvinista de teologia não se origina realmente com Calvino, mas antes com Agostinho. [8] Berkouwer, op. cit., p.60. [9] João Calvino, As Institutas da Religião Cristã, III. xxi. 7, trad. Ford Lewis Battles (vol. XXI em Biblioteca dos Clássicos Cristãos, ed. John T. McNeill. Philadelphia: Westminster,1960), II, 931. [10] Calvino, “Tratado Sobre a Eterna Predestinação de Deus”, em Calvinismo de Calvino, trad. Henry Cole (Grand Rapids, Mich.: Eerdmans, 1956). pag 46. [11] H. Orton Willey e outros, “O Debate a Respeito da Eleição Divina”, Christianity Today, IV (12 de outubro de 1959), p. 3. [12] Ibid., p. 5. [13] Mildred Bangs Wynkoop, Fundamentos da Teologia Arminio Wesleyana (Campinas, SP: Casa Nazarena de Publicações, 2004), p. 17. [14] Ibid., p. 33. [15] Ibid., p. 57. [16] Shank, op. cit., p. 45. [17] Ibid., pp. 50, 55. [18] Ibid., p. 122. [19] Veja Jack Cottrell, “Eleição Condicional”, The Seminary Review, XII (Summer 1966), 57-63; também, Cottrell, “A Predestinação de Indivíduos”, Christian Standard, CV (4 de outubro de 1970), 13-14. [20] O plano, é claro, é predeterminado por Deus. Isto se aplica tanto à obra redentora de Cristo (At 4.28), quanto ao estabelecimento da Igreja. Mas este não é o ponto da predestinação para a salvação. [21] A maioria dos calvinistas tenta evitar as claras implicações do pré-conhecimento de Deus mudando o significado de “pré-conhecer” para “pré-amar” ou algo similar. A idéia de cognição é subordinada a algum outro conceito. Por exemplo, Roger Nicole diz, “As passagens que lidam com o pré-conhecimento não são de todo difíceis de integrar, visto que o termo pré-conhecimento na Escritura não tem meramente a conotação de informação de antemão (a qual o termo comumente tem em linguagem não teológica), mas indica a escolha especial de Deus unida à afeição” (H. Orton Wiley e outros, op. cit., p. 16). Esta é uma definição arbitrária, entretanto, e não é consistente com o uso do termo em At 2.23, onde ele pode significar não mais que presciência. Veja Samuel Fisk, Soberania Divina e Liberdade Humana (Neptune, N.J.: Loizeaux Brothers, 1974), pp. 73-75, 106-7. [22] Calvino reconheceu que esta foi a visão dos Antigos Pais da Igreja, e mesmo de Agostinho por um tempo. Mas ele sugere que “imaginemos que eles não falassem isto” (Institutas, III. xxi. 8; op. cit., pp. 941-2). Berkouwer percebe que “Bavinck chega ao ponto de chamar esta solução de ‘geral’, pois ela é aceita pelos ortodoxos gregos, católicos romanos, luteranos, remonstrantes, anabatistas e pelas igrejas metodistas” (Berkouwer, op. cit., p. 37). [23] Por exemplo, Wiley objeta aplicar a predestinação aos indivíduos, todavia admite que Deus tem pré-conhecimento daqueles que irão crer em Cristo. (Willey e outros, op. cit., pp. 5, 15). O tratamento de Shank do pré-conhecimento é um quebra-cabeças: “Assim, é evidente que as passagens que pressupõem o pré-conhecimento e a predestinação devem ser entendidas como tendo uma estrutura de referênciaprimariamente à nação de Israel de Deus corporativamente e secundariamente a indivíduos, não incondicionalmente, mas somente em associação e identificação com o corpo eleito...” (Shank, op. cit., p. 154). É como se a eleição corporativa fosse o oposto da eleição incondicional. Além do mais, Shank diz que “se Deus ativamente pré-conheceu cada indivíduo – ambos eleitos e reprovados – pode restar uma questão a discutir. A doutrina bíblica da eleição não requer tal pré-conhecimento particular eficiente, pois a eleição é primariamente corporativa e objetiva e somente secundariamente particular. As passagens que pressupõem o pré- conhecimento e a predestinação dos eleitos podem ser entendidas tanto de uma forma como de outra” (Ibid., p. 155). [24] Veja Shank, op. cit., pp. 27ff.; Berkouwer, op. cit., pp. 132ff. [25] A mente calvinista vê a eleição como fazendo a transição da incredulidade à fé, por conseguinte, torna os incrédulos objetos da eleição. O arminiano diz que esta transição é realizada por um ato livre da vontade; a eleição é então o ato de Deus dirigido ao crente após a transição ter sido feita. Ignorando esta importante distinção, Daane critica a visão 37 arminiana da eleição como sendo impossível de ser pregada visto que “Ela transforma a eleição de Deus em um ato humano”. Ela faz a eleição ser meramente “uma descrição das possibilidades da liberdade humana”. Assim, “o Arminianismo não pode pregar a eleição porque ele não considera a eleição como um ato de Deus e, portanto, como uma ação de Sua Palavra; a eleição é meramente uma possível resposta que o pecador pode fazer à Palavra” (Daane, op. cit., pp. 15-18). Sua crítica erra o alvo, entretanto, uma vez que a eleição não é algo dirigido a incrédulos, mas dirigido a crentes. Na verdade, a transição da incredulidade à fé não é um ato de Deus, mas também não é resultado da eleição. Veja Fisk, op. cit., pp. 37-40. [26] A controvérsia supralapsariana-infralapsariana está no lugar errado. Ela discorre sobre se o decreto de Deus para eleger é antes ou subseqüente ao Seu decreto da queda. Mas o ponto focal da eleição não é a decisão humana para pecar, mas, antes, sua decisão com relação à oferta de Deus da graça. A questão crucial é se o decreto de Deus de eleger é antes da decisão humana de aceitar Cristo ou se ele a segue. A última é a visão bíblica. [27] Wynkoop, op. cit., p. 97. [28] Berkouwer, op. cit., p. 42. [29] Ibid., p. 35. [30] Ibid., p. 36. [31] Ibid., p. 26. [32] Ibid., p. 36. [33] Willey e outros , op. cit., p. 5. [34] Daane, op. cit., p. 25. [35] Para uma discussão mais completa, veja Jack Cottrell, “Soberania e Livre-arbítrio”, The Seminary Review, IX (Spring 1963), 39-51. [36] Veja C. S. Lewis, Cartas a Malcolm: Principalmente sobre a Oração (London: Geoffrey Bles, 1964), p. 72. Ele diz, “Todavia, para nós criaturas racionais, ser criado também significa ‘ser feito agentes’. Nós não temos nada que não temos recebido; mas, parte daquilo que nós temos recebido é o poder de sermos algo mais do que receptáculos”. [37] James Daane apresenta uma caricatura irresponsável e totalmente falsa da eleição condicional quando diz, ”A teologia reformada rejeita o Arminianismo porque ele faz Deus sujeitar-se às condições humanas. Ela rejeita a noção que Deus não é livre para operar exceto dentro das condições colocadas pelo homem e que Deus não pode salvar o homem a menos que o homem primeiro decida crer e escolher Deus” (Daane,op. cit., p. 127). Ele então refere a “imposição do arminiano de restrições sobre Deus” (Ibid). [38] Fisk, op. cit., pp. 51-52. [39] Lewis, loc. cit. [40] Berkouwer, op. cit., pp. 183ff. [41] Ibid., p. 183. [42] Ibid., p. 184. [43] Lewis, loc. cit. [44] Shank, op. cit., pp. 143-4. [45] Daane diz que “os arminianos asseguram que Deus decretou eleger todos os homens, e então, em resposta à incredulidade de muitos deles, decretou eleger somente aqueles que crêem. O pensamento reformado acha isto inaceitável, pois se rende à verdade da salvação do homem pela graça somente” (Daane, op. cit., p. 54). [46] Berkouwer, op. cit., p. 36. Veja Wynkoop, op. cit., p. 56. [47] Ambrósio, De Fide, lib. V. n. 83, citado por Harry Buis, O Protestantismo Histórico e a Predestinação (Philadelphia, Pa.: Presbyterian and Reformed, 1958) p. 9. [48] Francois Wendel, Calvino: As Origens e o Desenvolvimento do seu Pensamento Religioso, trad. Philip Mairet (New York: Harper and Row, 1963), p. 271. [49] Calvino, “A Eterna Predestinação de Deus”, p. 48; cf. p. 64. Veja também as Institutas, III. xxi. 3, onde Calvino fala da previsão da santidade e das boas obras. [50] Berkouwer, op. cit., p. 42; itálicos supridos. [51] Ibid. [52] Ibid., p. 43. [53] Veja Fisk, op. cit., pp. 77-78; e Shank, op. cit., pp. 125, 144-5. [54] Berkouwer, op. cit., p. 47. [55] Ibid., p. 8. [56] Veja Fisk, op. cit., p. 47. Wiley faz uma infeliz declaração quando diz que “ela impugna a justiça de Deus, para ele decidir – sem considerar se um homem crê ou não – se ele pode, se ele será salvo” (Wiley e outros, op. cit., p. 5). O Dr. Wiley pensa disto como uma crítica da predestinação incondicional e individual; mas ela não representa precisamente essa posição nem qualquer outra. [57] Veja Carl Bangs, Armínio: Um Estudo da Reforma Holandesa (Nashville, Tn.: Abingdon Press, 1971), p. 129. [58] Por exemplo, T. W. Brents, O Plano Evangélico de Salvação (reimpressão, Nashville, Tn.: Gospel Advocate, 1966), pp. 92ff. [59] Bangs, op. cit., p. 221. 38 Calvinismo Eleição Incondicional - Romanos 9:6-26 Bruce A. McDowell19 6 E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas;7 nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência. 8 Isto é, estes filhos de Deus não são propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os filhos da promessa. 9 Porque a palavra da promessa é esta: Por esse tempo, virei, e Sara terá um filho. 10 E não ela somente, mas também Rebeca, ao conceber de um só, Isaque, nosso pai. 11 E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), 12 já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. 13 Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú. 14 Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! 15 Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão.16 Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia. 17 Porque a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para mostrar em ti o meu poder e para que o meu nome seja anunciado por toda a terra. 18 Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz.19 Tu, porém, me dirás: De que se queixa ele ainda? Pois quem jamais resistiu à sua vontade? 20 Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? 21 Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?22 Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, 23 a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, 24 os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios? 25 Assim como também diz em Oséias: Chamarei povo meu ao que não era meu povo; e amada, à que não era amada; 26 e no lugar em que se lhes disse: Vós não sois meu povo, ali mesmo serão chamados filhos do Deus vivo. Alguns cristãos se perguntam: por que é importante entender a nossa eleição por Deus? Não deveríamos ficar satisfeitos simplesmente em saber que fomos salvos? A eleição de Deus de certas pessoas para a salvação e não 19 Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto19 39 outras é um ensino difícil para muitas pessoas aceitar. Elas pensam que devem ter alguma parte em determinar se são salvas ou não. Embora muitos cristãos lerão na Bíblia sobre a eleição e escolha de Deus de pessoas particulares para a salvação, os tais ignorarão ou tentarão interpretar isso de uma forma que redefina o seu significado. Não obstante a eleição de Deus ser um ensino difícil, visto que é ensinada em centenas de páginas da Bíblia, não deve ser ignorada. Ela nos dá um entendimento correto de Deus com respeito a sua misericórdia, graça e onipotência e de seu plano eterno para a nossa salvação. Ter um entendimento correto da eleição é determinante para se entender corretamente outras doutrinas relacionadas, tais como a natureza e extensão do nosso pecado, a escravidão da nossa vontade, a graça de Deus na nossa salvação e a nossa apresentação do evangelho aos perdidos. I. Eleição Incondicional Definida O que se quer dizer por “eleição incondicional”? Antes de definirmos isso, é útil entender primeiro alguns termos relacionados. Pré-ordenação O ensino da Escritura sobre a eleição é uma parte de uma doutrina mais ampla da soberania absoluta de Deus. Não somente nossa eleição para a salvação, mas tudo o que acontece no universo é parte do decreto eterno de Deus. Pré-ordenação é o plano soberano de Deus no qual ele decide tudo o que acontecerá no universo. Nada acontece por acaso. Deus conhece todas as coisas antes que aconteçam, e isso porque as planejou e faz acontecer. Paulo escreve: “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade...” (Ef. 1:11). Vemos no relato da vida de José como embora seus irmãos o tenham vendido para ser escravo no Egito, Deus usou isso para o bem, para salvar a eles e aos egípcios da fome. José diz aos seus irmãos: “Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa, e como regente em toda a terra do Egito” (Gn. 45:8). Tudo está debaixo do controle de Deus. Assim, não precisamos ficar ansiosos. O salmista diz: “Mas o nosso Deus está nos céus e faz tudo o que lhe apraz” (Sl. 115:3). Predestinação Predestinação é uma parte da pré-ordenação no fato de ser o plano de Deus para o destino eterno do homem: céu ou inferno. Paulo explica aos efésios como Deus nos predestinou em amor. “Assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça, que ele nos concedeu gratuitamente no Amado” (Ef. 1:4-6). Paulo fala aos romanos dos mistérios do que Deus fez por nós em Cristo. “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem 40 conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm. 8:29-30). O pré-conhecimento (presciência) de Deus sobre nós significa que ele nos amou de antemão. Na linguagem bíblica “conhecer” significa “amar”. Assim, aqueles a quem Deus “de antemão amou”, também os predestinou para serem conformes à imagem de Jesus. Sua pré-ordenação dos crentes é baseada em seu amor eterno. Isso leva a uma cadeia contínua de salvação de ser chamado, justificado e glorificado. Aqueles que crêem em Jesus podem louvar a Deus pela segurança dessa promessa. Eleição Incondicional Eleição pode ser definida como “o propósito eterno de Deus de salvar alguns da raça humana em e por Jesus Cristo”. Pedro escreveu sua primeira epístola “aos eleitos de Deus... segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo” (1Pe. 1:1-2). Toda eleição que é feita é uma eleição condicional. Quando votamos num candidato em determinada eleição, assim fazemos baseados em suas promessas, sua posição política, sua boa aparência, sua raça ou etnia ou algum outro fator. Mas a nossa escolha por Deus, para sermos filhos de Deus que foram adotados em sua família, é puramente incondicional. Ela não depende de algo que pensamos, dizemos, fazemos ou somos. Não há como saber o porquê Deus escolhe salvar certas pessoas. Mas com certeza não é baseado em algo presente nessa pessoa. Realmente, esse é um pensamento maravilhoso. Pois quem poderia permanecer diante de Deus para fazer qualquer alegação de que era bom o suficiente para Deus o escolher? Todos estávamos igualmente mortos no pecado, e não tínhamos feito sequer alguma coisa “boa” que nos fizesse aceitáveis a Deus. Se nossa eleição fosse baseada em algo que fazemos, ninguém seria capaz de ir para o céu. Todos seríamos condenados ao inferno, pois ninguém é bom. Assim, podemos louvar a Deus por sua eleição incondicional. II. A Escolha Soberana de Deus Eleição é um fato diário. Pois se cremos que Deus tem algum controle sobre a história e as nossas vidas, devemos crer em algum tipo de eleição. Jesus escolheu dozes discípulos com os quais gastou três anos. Ele poderia ter escolhido mais ou diferentes discípulos. Então, Jesus enviou seus discípulos para pregar o evangelho. Ao serem guiados por Deus para ir numa ou noutra direção, houve eleição. Ir para oeste, e não leste, significa necessariamente que certas pessoas não ouvirão a mensagem do evangelho. Se você decide compartilhar o evangelho com um amigo, mas não com outro conhecido distante, você estará experimentando uma forma de eleição. Então, 41 necessariamente milhões de outros não estarão tendo a oportunidade de ouvir as boas novas das quais você está falando. Em nossa salvação, Deus faz sua escolha soberana quanto a quem salvará. Não há nada num homem ou no que ele faz que faça Deus escolhê-lo. Nem é a vontade do homem escolher a Deus (Jo. 1:13). “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia” (Rm. 9:16), Paulo argumenta. Ele prova isso quando fala da escolha de Jacó sobre Esaú por Deus. “...Rebeca, ao conceber de um só, Isaque, nosso pai. E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú” (Rm. 9:10- 13). Aqui somos claramente informados que Deus já tinha decidido antes dos gêmeos nasceram quem era eleito. Deus disse, “Amei Jacó...”. III. Liberdade do Homem Se Deus escolheu soberanamente quem ele salvará e determinou o que acontecerá em cada detalhe da história, por que deveríamos ser responsáveis? Cada pessoa faz todas as suas ações livremente, de acordo com a sua vontade. Mas essas ações “também são a obra do propósito eterno e pré-ordenação de Deus”. 20É difícil para nós, a partir da nossa perspectiva humana limitada, entender como Deus pode pré-ordenar tudo o que acontecerá, e ainda nos manter plenamente responsáveis por nossas ações. Todavia, isso é consistente com o ensino da Escritura. Veja o sermão de Pedro no dia de Pentecoste. “Sendo este [Jesus] entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos” (At. 2:23). Pedro reconhece que, embora estivesse no plano de Deus que Jesus fosse morto, os judeus que condenaram Jesus e o entregaram aos romanos que o crucificaram, foram culpados por suas ações. “Deus ordena os meios bem como os fins dos eventos humanos, sem violar a liberdade e responsabilidade humana”.3 Isso é adicionalmente ensinado na oração dos discípulos após Pedro e João terem sido soltos do Sinédrio, o tribunal judeu, quando disseram: “Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At. 4:27-28). Aqui vemos que nada, nem mesmo a morte ofensiva do Filho de Deus, acontece à parte do propósito fixado por Deus. Deus assegura soberanamente que sua mão forte acompanha sua vontade. Todavia, aqueles que praticaram esse assassinato maligno de Jesus eram agentes plenamente responsáveis diante de Deus por suas ações. 20 R.C. Sproul, editor, New Geneva Study Bible (Nashville: Thomas Nelson Publishers, 1995), 1487. 42 O calvinista crê que todo o mundo é totalmente livre, livre para fazer o que quer. Deus não coage alguém a fazer algo contra a sua vontade. Mas todo o mundo é escravo do pecado. Assim, nessa escravidão o homem não pode escolher o bem em vez do mal. Você poderia comparar isso com um alcoólico que tecnicamente pode fazer uma escolha de beber ou não beber. Mas ele não pode parar de beber. Está escravizado ao álcool. Todavia, ele é livre para escolher seguir a Cristo ou rejeitá-lo. Mas ele faz exatamente o que seu coração deseja. Ele segue o desejo do seu coração, que é continuamente para o mal e ódio para com Deus. Ele entrega-se livremente ao pecado que ama. Mas o homem não tem um livre-arbítrio para escolher a Cristo ou rejeitá-lo. A vontade do homem está presa às cadeias do pecado. O cristão também não tem um livre-arbítrio, pois o Espírito de Deus muda a vontade daquele escravizado pelo pecado para escolher seguir a Cristo. Como Jesus disse: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim...” (Jo. 6:37). Ele continua mais tarde para dizer: “...ninguém poderá vir a mim, se, pelo Pai, não lhe for concedido” (Jo. 6:65). Então, daqueles que vêem, Jesus disse: “...o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora”. “... eu não perderei nenhum de todos os que me deu...” (Jo. 6:37b, 39; versão do autor). Deus assim captura nossa vontade para que nunca o rejeitemos totalmente, se somos realmente seus. Que pensamento encorajador! Alguns pensam que a eleição é uma doutrina dura, que força as pessoas a fazerem o que não querem. Isso é um mal-entendido. Todo o mundo consegue exatamente o que quer. Aqueles destinados a irem para o inferno estão satisfeitos ao irem para lá, pois odeiam a alternativa. Sim, aqueles no inferno estão em contínua agonia. Mas o que eles odeiam ainda mais é se submeter à adoração do Deus triúno. Como Edwin Palmer diz: “O último lugar que eles querem estar é no céu. Eles não podem engolir a idéia de se arrepender dos pecados e amar a Deus e aos outros mais que a si mesmos. Eles não querem estar no inferno, mas quando sabem que a alternativa ao inferno é ir para o céu com um curacao puro, desejarão permanecer no inferno. Assim, é verdade que cada um consegue o que quer: os cristãos estão satisfeitos por estarem com Deus, e os habitantes do inferno estão satisfeitos por não estarem com Deus”.21 IV. Reprovação No caso das muitas pessoas que não estão entre os eleitos, Deus fez uma decisão eterna de não lhes conferir sua misericórdia. João escreve em Apocalipse “[d]aqueles que habitam sobre a terra, cujos nomes não foram escritos no Livro da Vida desde a fundação do mundo...” (Ap. 17:8). Em vez disso, Deus os punirá com juízo por seus pecados. Chamamos isso de reprovação. É uma doutrina mui claramente descrita por Paulo em Romanos 9. 21 Edwin H. Palmer, The Five Points of Calvinism (Grand Rapids: Baker Book House, 1972), 37. 43 “Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz” (Rm 9:18). Claramente Deus endureceu o coração de Faraó e dos egípcios quando libertou os israelitas da escravidão, durante o êxodo. “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou, não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (Ro. 9:22-24). Sendo Deus um Deus santo, glorioso e maravilhoso, deseja que seja glorificado em tudo o que faz. Assim, ele é glorificado em sua santidade, poder e justiça pela destruição dos ímpios que rejeitam a verdade e desobedecem aos seus mandamentos. O poder e a força soberana de Deus, ao salvar o seu povo de uma das nações mais poderosas da terra e sobrepujar todo o poder dos deuses do Egito, foram feito conhecidos através do endurecimento do coração dos egípcios e no afogamento do exército egípcio. Está simplesmente no beneplácito de Deus revelar sua verdade ao humilde, mas ocultá-la do orgulhoso. Como disse Jesus: “Por aquele tempo, exclamou Jesus: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim foi do teu agrado” (Mt. 11:25-26). O papel de Deus na reprovação é passive. 22O ímpio é ignorado ou deixado de lado. Eles são condenados por sua incredulidade. Jesus disse: “... o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo. 3:18). Mas a redenção de Deus dos eleitos é um papel ativo, ao estender a sua misericórdia àqueles que foram ordenados para a vida eterna. Jesus disse: “Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele” (Jo. 3:17). Deus enviou seu Filho para salvar pecadores. O fato de Deus deixar de lado alguns pecadores, não lhes concedendo sua misericórdia, é um justo julgamento pelo pecado deles. Como Pedro diz: “São estes [aqueles que não crêem] os que tropeçam na palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos” (1Pe. 2:8). Aqui novamente vemos a responsabilidade humana e um cumprimento do propósito eterno de Deus. V. Deus é justo? Frequentemente a objeção surge quando as pessoas ouvem que Deus elege incondicionalmente alguns e ignora outros para a salvação, pensando que isso necessariamente significa que Deus é injusto. Contudo, para acusar Deus de ser injusto, a pessoa deve de alguma forma provar que algum ser humano 22 Nota do tradutor: Visão infralapsariana, como a defendida por Sproul em Eleitos de Deus (Cultura Cristã). Ler artigo “reprovação”, de Vincent Cheung, disponível no Monergismo.com. 44 merece ser salvo. Mas vemos claramente na Escritura que todos merecem apenas ser condenados ao inferno por sua incredulidade, pecado e rebelião contra Deus. Portanto, Deus seria perfeitamente justo em mandar todo o mundo para o inferno e a morte eterna. A Lei de Deus nos mostra que merecemos sua maldição, como quando o Filho do Homem disse aos bodes à sua esquerda: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” (Mt. 25:41). Contudo, podemos nos maravilhar com o amor compassivo e a misericórdia de Deus quando ele chama seu povo dizendo, “Convertei-vos ao SENHOR, vosso Deus, porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal” (Joel 2:13). O contraste entre o que merecemos e o que temos em Cristo é visto no versículo muito amado de Romanos 6:23: “Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Paulo argumenta que é totalmente prerrogativa de Deus escolher quem ele salvará: Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão” (Rm. 9:14-15). Portanto, a justiça de Deus não seria maculada se ele tivesse escolhido não salvar ninguém ou salvar todo o mundo. Ninguém pode presumir conhecer a mente do Senhor. Quando Paulo irrompe numa doxologia em Romanos 11, ele diz, Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! “Quem, pois, conheceu a mente do Senhor?” (Rm. 11:33b-34a). Ou como Isaías diz, “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos”, diz o SENHOR (Is. 55:8). Se culpamos a Deus de injustiça, a réplica de Paulo é encontrada em Romanos 9. Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: ‘Por que me fizeste assim?’ Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? (Rm. 9:20-21). Assim, mesmo ao ignorar pecadores e deixá-los em sua condenação, Deus tem um direito perfeito e justo de assim fazê-lo. Além do mais, ele recebe a glória ao assim fazer. Ninguém tem algum direito à misericórdia e salvação de Deus, mas somos todos seus devedores. VI. Benefícios Duradouros A doutrina da eleição incondicional nos dá pelo menos cinco benefícios duradouros à nossa fé. Primeiro, tem um efeito humilhante sobre o nosso orgulho natural. Temos um desejo contínuo de pensar que temos alguma parte em nossa salvação, que nos 45 faça dignos de Deus nos salvar. Mas se fomos escolhidos antes da fundação do mundo, antes de termos nascido, então podemos estar certos que nossa eleição não tem nada a ver com algo que fizemos. Ela tem origem puramente na graça de Deus, nos dada como um dom (Ef. 2:8-9). Portanto, não temos nada sobre o que nos gloriar, senão em nosso Senhor. Segundo, nossa eleição incondicional produz em nós um profundo amor por Deus. Como James Boice explica: “Se temos uma parte na salvação, não importa quão pequena, então nosso amor por Deus é diminuído nessa proporção”. 23Tristemente, muitos cristãos hoje tomam o amor de Deus como garantido. Eles pensam que merecem o amor de Deus. “Se eu me amo, não deveria Deus me amar também?”. Eles também confundem o amor geral de Deus por toda a sua criação, com o seu amor específico e redentor pelos seus eleitos. Mas quando entendemos que fomos eleitos pela graça de Deus somente, de nossa depravação radical, nossa forma egocêntrica de pensar é reorientada. Então, nos maravilhamos com a maravilha de seu amor profundo por nós e respondemos em amor para com ele. Terceiro, nosso entendimento da eleição aumenta nossa adoração a Deus. Como podemos admirar um Deus que é frustrado pela vontade rebelde de homens e mulheres? Se pensamos que escolhemos a Deus por nossa própria vontade, necessariamente limitamos nosso entendimento da natureza e poder de Deus. Como Martinho Lutero disse: “Ora, se sou ignorante das obras e do poder de Deus, sou ignorante do próprio Deus; e se não conheço a Deus, não posso adorá-lo, louvá-lo, dar-lhe graças ou servi-lo, pois não sei quanto devo atribuir a mim mesmo e quanto a ele”.7 Assim, um entendimento correto de Deus e da sua obra leva a uma adoração correta de Deus. Quarto, nossa eleição incondicional encoraja o evangelismo. Alguns objetam, supondo que visto que Deus salvará aqueles a quem já elegeu, por que devemos pregar o evangelho? Mas é o claro ensino da Escritura que os meios ordenados por Deus através dos quais ele cumprirá os seus propósitos na salvação é mediante a pregação do evangelho, através do seu povo. Jesus nos ordenou especificamente a “ir e fazer discípulos... ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (Mt. 28:19-20). O apóstolo nos exorta a fazer o mesmo por palavra e exemplo. Paulo diz aos coríntios: “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os que crêem pela loucura da pregação” (1Co. 1:21). Assim, os meios pelos quais Deus ordenou que cheguemos a fé é através da pregação do evangelho. Como Paulo diz aos romanos: “Como, porém, invocarão 23 James Montgomery Boice and Philip Graham Ryken, The Doctrines of Grace (Westchester, IL: Crossway Books, 2002), 111. 46 aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm. 10:14). Mas alguém pode objetar: se apenas Deus pode capacitar uma pessoa a responder à pregação do evangelho, por que deveríamos pedir às pessoas para fazer o que não podem por natureza? Fazemos assim, porque pela pregação do evangelho recebemos a certeza que Deus converterá os corações. É apenas ao conhecer a verdade da eleição que temos alguma esperança de sucesso em nosso evangelismo. Se o coração das pessoas é tão duro e obscurecido como descrito na Bíblia, não podemos ter esperança de ver alguém chegar à fé através da nossa pregação. Se a salvação de outros depende da nossa eficácia em dizer a coisa certa e ser persuasivo o suficiente, como poderíamos esperar alguém receber a Cristo? E se cometermos um engano, respondermos erroneamente, não entendermos as perguntas reais da pessoa ou não usarmos uma técnica persuasiva? Como poderíamos viver com a culpa do destino eterno dos outros residindo ao menos parcialmente sobre os nossos ombros? Mas sabendo que Deus elegeu alguns para salvação, podemos testemunhar com ousadia, não temendo cometer um engano. Pois Deus chamará os seus à salvação, a despeito da nossa fraqueza. Sua Palavra não retornará vazia, mas cumprirá o que ele deseja (Is. 55:10-11). Jesus disse: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto...” (Mt. 28:18-19a). Jesus promete que algumas das sementes da Palavra que semeamos produzirão fruto e florescerão. O choro do nosso semear resultará em alegria, quando colhermos o grão que se multiplicou. Assim, saber que Deus trará os seus eleitos em e através da nossa perseverança na evangelização é um grande encorajamento. Podemos estar confiantes que todos os eleitos serão salvos e “a causa de Deus triunfará no final, para a sua honra e glória”.24 Quinto, nossa eleição nos dá uma certeza da nossa salvação. Alguns argumentam que se somos eleitos pelo decreto de Deus, sempre estaremos nos perguntando se somos um dos eleitos ou um dos condenados. Na realidade, tal doutrina tem um efeito oposto, enquanto o arminiano nunca está seguro que fez o suficiente. Ou então tem uma falsa confiança, pois fez uma decisão de “aceitar” a Cristo, mas não tem nenhuma evidência de uma vida transformada. É somente através da doutrina que reconhece a salvação como sendo um dom de Deus pela graça somente, que não depende de nós, que alguém pode ter plena confiança que Deus nos salvará. Somos fracos demais em nós mesmos para estarmos confiantes de nossa salvação. Mas pela confirmação interior do Espírito testificando com o nosso espírito que somos filhos de Deus, temos confiança que somos salvos (Rm. 8:16). O Espírito opera uma consciência do pecado em nossa vida, que se torna mortificada – morta. Começamos a produzir mais e mais frutos do Espírito em boas obras e fé. A boa obra começada por Deus será completada no dia que encontramos o Senhor Jesus em sua vinda. 24 John Cheeseman, et. al., The Grace of God in the Gospel (London: The Banner of Truth Trust, 1972), 66. 47 Saber que fomos predestinados à salvação por Deus antes da fundação do mundo é uma segurança confortadora. Como um dito atribuído a Charles Spurgeon diz, “é uma boa coisa que Deus tenha me escolhido antes de nascer, pois certamente não teria feito depois!”.25 Ter certeza da nossa fé é um dom de Deus. Torna a nossa vida presente doce e confortável, embora trabalhemos duro com o poder com o qual Deus nos capacita. A certeza nos abençoa no céu e em nossa consciência. Louvado seja Deus por sua graça eletiva, com a qual nos abençoou. Bênção: “Salva-nos, SENHOR, nosso Deus, e congrega-nos de entre as nações, para que demos graças ao teu santo nome e nos gloriemos no teu louvor. Bendito seja o SENHOR, Deus de Israel, de eternidade a eternidade. e todo o povo diga: ‘Amém!’ Aleluia!” (Sl. 106:47-48). 25 Michael P. Green, editor, Illustrations for Biblical Preaching (Grand Rapids: Baker Book House, 1989), 116. 48 ELEIÇÃO INCONDICIONAL26 John Piper Se todos nós somos tão corrompidos que não podemos achegar-nos a Deus sem sermos nascidos de novo pela graça irresistível de Deus, e se esta graça específica foi comprada por Cristo na cruz, então, é claro que a salvação de qualquer um de nós se deve à eleição de Deus. Ele escolheu aqueles para os quais mostraria graça irresistível e para os quais a compraria. A eleição se refere à escolha de Deus quanto aqueles a quem salvaria. É incondicional porque não há nenhuma condição que o homem tenha de satisfazer antes de Deus escolher salvá-lo. O homem está morto em delitos e pecados. Por isso, não há nenhuma condição que ele possa satisfazer antes que Deus escolha salvá-lo de sua morte. Não estamos dizendo que a salvação final é incondicional. Não é. Por exemplo, temos de satisfazer a condição de fé em Cristo para herdarmos a vida eterna. Mas a fé não é a condição para a eleição. É exatamente o contrário. A eleição é uma condição para a fé. Porque nos escolheu desde a fundação do mundo, Deus comprou a nossa redenção na cruz, nos deu vida espiritual por graça irresistível e nos trouxe à fé. ELEIÇÃO ANTERIOR À FÉ Atos 13:48 relata como os gentios responderam à pregação do evangelho em Antioquia da Pisídia. “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”. Observe: o texto não diz que todos os que creram foram escolhidos para serem destinados à vida eterna. Diz que aqueles que foram destinados para a vida eterna (ou seja, aqueles que Deus escolheu) creram. A eleição por parte de Deus precedeu a fé e a tornou possível. Esta é a razão decisiva por que alguns creem e outros não. De modo semelhante, Jesus disse aos judeus: “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas” (João 10:26). Observe novamente: ele não disse: “Vós não sois minhas ovelhas porque não creem”. Quem são as ovelhas é algo que Deus resolve antes de chegarmos a crer. Isto é a base e o elemento que capacita o nosso crer. “Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas”. Cremos porque somos as ovelhas eleitas de Deus, e não o contrário (cf. João 8:47; 18:37). INCONDICIONALIDADE EM ROMANOS 9 Em Romanos 9, Paulo enfatizou a incondicionalidade da eleição. Nos versículos 11 e 12, ele descreveu o princípio que Deus usou na escolha de Jacó 26 www.santoevangelho.com.br 49 e não de Esaú: “E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela (Rebeca): O mais velho será servo do mais moço”. A eleição de Deus é preservada em sua incondicionalidade porque foi realizada antes de sermos nascidos ou de havermos feito qualquer bem ou mal. Sei que alguns intérpretes dizem que Romanos 9 não tem nada a ver com a eleição de indivíduos para seus destinos eternos, mas apenas trata de pessoas em contexto de coletividade, desempenhando seus papéis históricos. Penso que isto é um erro, principalmente porque não se harmoniza com o problema que Paulo estava abordando no capítulo. Você mesmo pode ver isto ao ler os primeiros cinco versículos de Romanos 9. Quando Paulo disse em Romanos 9:6 “E não pensemos que a palavra de Deus haja falhado”, é claro que algo causou a impressão de que as promessas de Deus haviam falhado. O que foi? A resposta é dada nos versículos 2 e 3. Paulo disse: “Tenho grande tristeza e incessante dor no coração; porque eu mesmo desejaria ser anátema, separado de Cristo, por amor de meus irmãos, meus compatriotas, segundo a carne”. A questão mais profunda que Paulo estava tratando não era por que Israel, como nação, tinha este ou aquele papel histórico, e sim que indivíduos em Israel eram anátemas e separados de Cristo. Em outras palavras, destinos eternos individuais estão realmente em jogo. E a natureza do argumento de Paulo confirma isto, porque a primeira coisa que ele disse, para confirmar que a Palavra de Deus não havia falhado, foi: “Nem todos os de Israel são, de fato, israelitas” (Romanos 9:6). Em outras palavras, os indivíduos em Israel que pereciam nunca foram parte do verdadeiro Israel. Em seguida, Paulo mostrou como a eleição incondicional de Deus estava operando em Israel. A incondicionalidade da graça eletiva de Deus é enfatizada novamente em Romanos 9:15, 16: “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me- ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”. A própria natureza da misericórdia que necessitamos é uma que desperta e transforma a vontade. Nos capítulos anteriores, concernentes à graça irresistível e à depravação total, vimos que somos incapazes de amar a Deus, confiar em Deus e seguir a Cristo. Nossa única esperança é misericórdia soberana e irresistível. Se isso é verdadeiro, o que Paulo disse nesta passagem faz sentido. Não estamos em condição de merecer misericórdia ou de exigir misericórdia. Se tivermos de receber misericórdia, ela virá da resolução espontânea de Deus. Isso é o que Paulo estava dizendo: “Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia”. Em Romanos 11:7, Paulo enfatizou outra vez a natureza individual da eleição dentro de Israel: “O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos”. Portanto, em Romanos 9 a 11 Paulo admitiu que a eleição lida com indivíduos e com destinos eternos, e é 50 incondicional. Há, eu creio, um compromisso pactual divino com o Israel corporativo, mas isso não contradiz nem anula a conotação individual e eterna de Romanos 9. O princípio de incondicionalidade é visto mais claramente em Romanos 9:11. Deus elegeu desta maneira – “Ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse)”. OUTRA AFIRMAÇÃO PODEROSA DA INCONDICIONALIDADE Efésios 1:3 – 6 é outra afirmação poderosa da incondicionalidade de nossa eleição e de nossa predestinação para a filiação. Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade, para louvor da glória de sua graça. Alguns intérpretes argumentam que esta eleição antes da fundação do mundo foi apenas uma eleição de Cristo, mas não uma eleição de quais indivíduos estariam realmente em Cristo. Isto equivale a dizer que não há nenhuma eleição incondicional de indivíduos para a salvação. Cristo é apresentado como o escolhido de Deus, e a salvação de indivíduos dependem de sua própria iniciativa, para vencerem sua depravação e serem unidos a Cristo pela fé. Deus não os escolhe, e, por isso, Deus não pode convertê- los eficazmente. Pode apenas iniciar a convicção, mas tem de esperar e ver quem proverá o impulso decisivo para despertar a si mesmo dentre os mortos e escolhê-lo. Esta interpretação não se harmoniza bem com o versículo 11, o qual diz que fomos “predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade”. Também não se harmoniza com a fraseologia do versículo 4. O significado normal da palavra traduzida por “escolheu”, no versículo 4, é selecionar ou pegar de um grupo (cf. por exemplo, Lucas 6:13; 14:7; João 13:18; 15:16, 19). Portanto, o significado natural do versículo é que Deus escolheu pessoas dentre toda a humanidade, antes da fundação do mundo, por vê- las em relacionamento com Cristo, seu redentor. Esta é a maneira natural de entendermos o versículo. É verdade que toda a eleição se deu em relação a Cristo. Na mente de Deus, Cristo estava crucificado antes mesmo da fundação do mundo (Apocalipse 13:8). Não haveria eleição de pecadores para a salvação se Cristo não tivesse sido designado para morrer em favor dos pecados deles. Portanto, nesse sentido, eles são eleitos em Cristo. Mas são eles que são escolhidos do mundo para estarem em Cristo. Igualmente, a fraseologia do versículo 5 sugere a eleição de pessoas para estarem em Cristo e não somente a eleição de Cristo. Literalmente, o versículo diz: “Havendo nos predestinado para a filiação por meio de Jesus Cristo”. Nós somos os predestinados e não Cristo. Ele é aquele que torna possível a eleição, a predestinação e a adoção de pecadores. Por isso, a 51 nossa eleição é “por meio de Jesus Cristo”, mas o versículo não diz que na eleição Deus tinha em vista apenas Cristo. Os cristãos vêm à fé, são unidos a Cristo e cobertos por seu sangue porque foram escolhidos antes da fundação do mundo para este destino de santidade. TALVEZ O TEXTO MAIS IMPORTANTE Romanos 8:28 – 33 talvez seja o texto mais importante de todos em relação ao ensino da eleição incondicional. Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Esta passagem é usada frequentemente para argumentar contra a eleição incondicional, com base no versículo 29, que diz: “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou”. Por isso, alguns dizem que pessoas não são eleitas incondicionalmente. São eleitas com base no conhecimento antecipado de sua fé, que elas produzem sem a ajuda da graça irresistível e que Deus viu de antemão. No entanto, isto não se harmoniza com a maneira como Paulo desenvolveu seu argumento. Oberve que Romanos 8:30 diz: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”. Focalize por um momento o fato de que todos os que Deus chama ele também justifica. Este chamar, no versículo 30, não é feito para todas as pessoas. A razão, conforme sabemos, é que todos os que são chamados são também justificados. Há uma conexão infalível entre chamados e justificados. “Aos que chamou, a esses também justificou”. Mas todas as pessoas não são justificadas. Por isso, este chamar, no versículo 30, não é o chamado geral ao arrependimento que os pregadores fazem ou que Deus outorga por meio da glória da natureza. Todos recebem esse chamado. O chamar do versículo 30 é feito somente àqueles que Deus predestinou para serem conformados à imagem de seu Filho (v.29). É um chamar que leva necessariamente à justificação: “Aos que chamou, a esses também justificou”. Sabemos que a justificação acontece somente por meio da fé. “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Romanos 3:28; cf. 5:1). O que é, então, este chamado feito a todos os que são predestinados e que leva à justificação? Vimos isto antes, no capítulo 4, quando discutimos a graça irresistível. É o chamado de 1 Coríntios 1:23, 24 “Pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios; mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus”. 52 Em outras palavras, o chamado não é a pregação, visto que é feita para todos os judeus e gentios. Pelo contrário, o chamado acontece por meio da pregação, no coração de alguns ouvintes. Ele os desperta dentre os mortos e muda sua percepção da cruz, para que o aceitem como a sabedoria e o poder de Deus. Em outras palavras, o chamado de Romanos 8:30 é a graça irresistível, criadora da fé. Agora considere de novo o fluxo do pensamento de Paulo em Romanos 8:30 “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”. Entre o ato de predestinação e o de justificação, há o ato de chamar. Visto que a justificação é somente pela fé, o chamar em vista tem de ser o ato de Deus pelo qual ele gera a fé. E, visto que sempre resulta em justificação (todos os chamados são justificados), esse ato tem de ser soberano. Ou seja, ele vence a resistência que se coloca no caminho. Portanto, o chamar do versículo 30 é a obra soberana de Deus que traz uma pessoa à fé, pela qual ela é justificada. Agora, observe a implicação disto no significado de conhecer de antemão, no versículo 29. Quando Paulo disse: “Aos que de antemão conheceu, também os predestinou” (v.29), suas palavras não podem significar (como muitos tentam fazê-las significar) que Deus conheceu de antemão aqueles que usariam seu livre- arbítrio para virem à fé, para que ele os predestinasse para a filiação, porque fizeram por si mesmos essa livre escolha. Esse não é o significado da afirmação de Paulo, porque acabamos de ver, com base no versículo 30, que a causa decisiva da fé nos justificados não é a vontade humana caída e sim o soberano chamado de Deus. Deus não conheceu de antemão aqueles que vêm à fé, sem a sua obra de criar a fé, porque tais pessoas não existem. Todo aquele que crê foi “chamado” à fé pela graça soberana de Deus. Quando Deus olhou desde a eternidade para o futuro e viu a fé dos eleitos, ele viu a sua própria obra. E escolheu fazer incondicionalmente essa obra por pecadores mortos, cegos e rebeldes. Pois não éramos capazes de satisfazer a condição de fé. Somos espiritualmente mortos e cegos. Portanto, o conhecer de antemão mencionado em Romanos 8:29 não é o mero conhecimento de algo que acontecerá no futuro, sem a predeterminação de Deus. Antes, é o tipo de conhecimento referido em textos do Antigo Testamento como Gênesis 18:19 (“Porque eu o (Abraão) escolhi (literalmente, conheci) para que ordene a seus filhos (...) a fim de que guardem o caminho do SENHOR”), Jeremias 1:5 (“Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações”) e Amós 3:2 (“De todas as famílias da terra, somente a vós outros – Israel – vos escolhi – conheci”). Em um sentido, Deus conhece todas as famílias da terra. Mas o significado aqui é: somente vós, ó Israel, eu escolhi para mim mesmo. Como disse C. E. B. Cranfield, o conhecer de antemão em Romanos 8:29 é “a graça eletiva de Deus tomando conhecimento especial de uma pessoa”. Esse conhecer de antemão é quase o mesmo que eleição: “Porquanto aos que de antemão conheceu (isto é, escolheu), também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho”. Logo, o que este magnificente texto 53 (Romanos 8:28 – 33) ensina é que Deus realiza a redenção completa de seu povo, desde o começo até ao fim. Ele conhece de antemão (ou seja, elege) um povo para si mesmo, antes da fundação do mundo, predestina este povo para ser conformado à imagem de seu Filho, os chama para si mesmo pela fé, os justifica somente pela fé e, finalmente, os glorifica. E nada pode separá-los do amor de Deus em Cristo, para sempre e sempre (Romanos 8:39). A ele seja todo o louvor e a glória! Se você é um crente em Cristo, é amado por Deus desde toda a eternidade. Ele colocou seu favor sobre você antes da criação do mundo. Ele o escolheu quando o viu em sua condição desesperadora. Ele o escolheu incondicionalmente para si mesmo. Não podemos nos vangloriar de nossa eleição. Isso seria uma profunda incompreensão do significado de incondicionalidade. Quando não tínhamos nada, de maneira alguma, a nos recomendar para com Deus, ele colocou espontaneamente o seu favor sobre nós. Aconteceu conosco o mesmo que aconteceu na eleição de Israel: “Não vos teve o SENHOR afeição, nem vos escolheu porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava” (Deuteronômio 7:7, 8). Leia com atenção: ele o ama porque o ama. Ele resolveu fazer isso na eternidade. E, porque o seu amor por você nunca teve um começo, não pode ter fim. O que estamos estudando neste livro é apenas a maneira como Deus realiza este amor eterno na história, para salvar o seu povo próprio e trazer-nos ao gozo eterno dele mesmo. Que Deus o conduza à experiência cada vez mais profunda desta graça soberana e maravilhosa! Paz e graça. (1) Romanos 9 é tão fundamental à doutrina da eleição incondicional que dediquei um livro inteiro aos versículos 1- 23: John Piper, The Justification of God: Na Exegetical and Theological Study of Romans 9:1 – 23 (Grand Rapids: Baker Academic, 1993). (2) Mais argumentos em favor deste entendimento de Romanos 9 são dados em John Piper, The Justification of God: An Exegetical and Theological Study of Romans 9:1 – 23, p. 38 – 54. Extraído do Livro: Cinco Pontos; Capítulo Cinco; 2014, Editora Fiel