Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Em um mundo ideal, os psicólogos cognitivos adorariam ser capazes de observar de modo direto como cada indivíduo representa o conhecimento. Entretanto, métodos empíricos diretos para essa análise não estão disponíveis no mundo real, por esse motivo, utiliza-se métodos alternativos. Um exemplo é solicitar às pessoas para que descrevam suas próprias representações do conhecimento. Infelizmente, nenhum de nós possui acesso consciente a nossos próprios processos de representação do conhecimento e as informações que o indivíduo relata sobre esses processos são extremamente duvidosas (Pinker, 1985). Outra possibilidade é o método racionalista. Na epistemologia clássica – o estudo da natureza, das origens e dos limites do conhecimento humano –, os filósofos distinguiram dois tipos de estruturas do conhecimento. A primeira é o conhecimento declarativo, conhecimento dos fatos que podem ser enunciados, por exemplo, a data de seu nascimento ou o nome do seu melhor amigo. O segundo tipo é o conhecimento de procedimentos que podem ser implementados, por exemplo, os passos desenvolvidos para dar um laço no cadarço do sapato ou dirigir um carro. A distinção está entre saber que e saber como (Ryle, 1949). Os psicólogos cognitivos usaram os insights racionalistas como ponto de partida para compreender a cognição. Entretanto, eles raramente se contentam apenas com as descrições racionalistas, buscando apoio empírico para os insights propostos pelo racionalismo. As duas fontes principais de empirismo são as experiências de laboratório usuais e os estudos neuropsicológicos. Nos trabalhos experimentais, os pesquisadores estudam indiretamente a representação do conhecimento. Eles observam como as pessoas lidam com as várias tarefas cognitivas que exigem a manipulação do conhecimento representado mentalmente. Nos estudos neuropsicológicos, os pesquisadores, normalmente, utilizam um entre dois métodos. Um consiste em observar como o cérebro normal responde a várias tarefas cognitivas envolvendo representação do conhecimento. O outro consiste em observar os elos entre vários déficits de representação do conhecimento e as patologias associadas no cérebro. Os psicólogos cognitivos estão interessados em nossas representações mentais internas daquilo que conhecemos. REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimento na memória: imagens e proposições. Algumas ideias são melhores e mais facilmente representadas em imagens e outras, em palavras. Se alguém te pergunta, por exemplo, qual o formato de um ovo, você pode considerar que desenhar é mais fácil que descrever um ovo. No entanto, se a pergunta é “o que é justiça?”, descrever esse conceito abstrato em palavras seria muito difícil, mas, fazê-lo por meio de imagens seria mais complicado ainda. *Vale destacar que imagens e palavras podem ser usadas para representar objetos e ideias. Porém, nenhuma das duas formas de representação realmente retém todas as características do que está sendo representado e cada uma capta mais prontamente alguns tipos de informações ao invés de outros. Por exemplo, nem a palavra gato nem a imagem do gato, na realidade, se alimenta de peixe, emite miados ou ronrona quando acariciado. A imagem é relativamente análoga ao objeto do mundo real que representa e mostra os atributos concretos, como forma e tamanho relativo, os quais são similares às características e às propriedades deste objeto. Desse modo, mesmo que você cubra uma parte da figura de um gato, o que resta continua análogo a uma parte do gato. Ao contrário da imagem de um gato, a palavra gato é uma representação simbólica, isto é, a relação entre a palavra e aquilo que ela representa é simplesmente arbitrária, pois não existe algo especialmente parecido com um gato na palavra. E, de modo distinto ao que ocorre com a imagem, caso você cubra uma parte da palavra, a parte visível deixa de apresentar até mesmo uma relação simbólica. Ao utilizar a palavra “gato”, é necessário que se use adicionais para descrever melhor as características do animal, como “preto” e “listrado”. Entretanto, a imagem prontamente traz essas informações. Imagens e palavras também representam relacionamentos de diferentes maneiras. Para demonstrar uma relação espacial, por exemplo, esta será representada concretamente na imagem (p. ex., uma foto de um cachorro sentado no sofá). Entretanto, ao se usar palavras, os relacionamentos espaciais entre os objetos precisam ser indicados explicitamente por um símbolo distinto, como uma preposição (p. ex., “o cachorro está sentado no sofá). Cada tipo de representação é bem adaptado para algumas finalidades, porém não para outras. Por exemplo, plantas de engenharia e fotografias de identificação atendem a propósitos diferentes dos de ensaios e memorandos. Imagens constituem a representação mental de objetos e seres que não são percebidos pelos órgãos sensoriais (Befírmann, Kosslyn, Jeannerod, 1996; Thomas, 2003). Na realidade, as imagens mentais podem representar objetos ou seres que nunca foram observados por seus sentidos em REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimento na memória: imagens e proposições. qualquer ocasião. Por exemplo, imagine como seria viajar pelo rio Amazonas. Imagens mentais podem até representar coisas que, simplesmente, não existem fora da mente da pessoa que cria a imagem. Por exemplo, imagine como você seria se tivesse um terceiro olho no centro de sua testa. Imagens podem envolver representações mentais em qualquer das modalidades sensoriais, como audição, olfato ou paladar. Imagine o som de um alarme de incêndio ou o odor de uma rosa ou o gosto de um limão. Contudo, a maior parte das pessoas possui maior consciência de imagens visuais do que de outras formas de imagem. Não obstante, a maioria das pesquisas sobre imagens na Psicologia Cognitiva focalizou as imagens visuais. Tais imagens incluem a representação mental do conhecimento visual, como de objetos ou ambientes que não se encontram visíveis para os olhos presentemente. Usamos imagens visuais para resolver problemas e para responder a perguntas envolvendo objetos, por exemplo: que fruta tem a cor vermelha mais escura: uma cereja ou uma maçã? Ao procedermos desse modo, representamos mentalmente as imagens. *Destaca-se o fato de que é impossível armazenar toda a imagem física observada. De acordo com a Teoria do Código Dual, usamos códigos imaginados e verbais (analógicos e simbólicos, respectivamente) para representar informações (Paivio, 1969, 1971). Esses dois códigos organizam as informações em conhecimento sobre o qual pode-se agir, armazenar de alguma forma e mesmo recuperar posteriormente para uso subsequente. Códigos analógicos são uma forma de representação do conhecimento que preserva as principais características perceptivas de tudo que estiver sendo representado para os estímulos físicos que observamos em nosso ambiente. Por exemplo, árvores e rios poderiam ser representados por códigos analógicos. Do mesmo modo que o movimento dos ponteiros em um relógio analógico são analógicos à passagem do tempo, as imagens mentais que formamos em nossas mentes são analógicas aos estímulos físicos que observamos. Códigos simbólicos correspondem a uma forma de representação do conhecimento que foi escolhida arbitrariamente para significar algo e que não se parece perceptivamente com tudo que estiver sendo representado. Da mesma maneira que um relógio digital usa símbolos arbitrários (normalmente numerais) para representar a passagem do tempo, nossas mentes usam símbolos arbitrários para representar muitas ideias. Por exemplo, reconhecemos que o numeral “9” constitui um símbolo para o conceito da condição de 9, representando uma quantidade de nove de algo. Porém, nada REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimentona memória: imagens e proposições. a respeito do símbolo sugere de algum modo seu significado. Inclusive, “9” possui significado apenas porque o utilizamos para representar um conceito mais profundo. De acordo com a Teoria Propositiva, não armazenamos representações mentais sob a forma de imagens. Nossas representações mentais (denominadas, algumas vezes, "linguagem mental") parecem, preferencialmente, ser mais parecidas com a forma abstrata de uma proposição. Uma proposição é o significado subjacente a um relacionamento específico entre conceitos. Para esta teoria, as imagens são epifenômenos, fenômenos secundários que ocorrem como resultado de outros processos cognitivos. Para entender como opera uma representação propositiva, observe o exemplo: para descrever uma imagem de um gato embaixo de uma mesa, você poderia dizer: “A mesa está acima do gato” ou “o gato está debaixo da mesa”. Ambas as afirmativas indicam a mesma relação que "acima do gato encontra-se a mesa". Evidentemente, os teóricos das imagens minimizariam essas explicações. Explicariam os fenômenos visuais principalmente em termos de imagens visuais e dos mecanismos neuropsicológicos que estão em sua base. As proposições podem ser usadas para descrever qualquer tipo de relacionamento. Exemplos de relacionamentos incluem ações de um tipo sobre o outro, atributos de um objeto, posições de um objeto, classificação de um objeto etc. De acordo com a Teoria Propositiva, informações imagéticas e verbais são codificadas e armazenadas como proposições. Em seguida, quando desejamos recuperar as informações armazenadas, a representação propositiva é recuperada. A partir dela, nossas mentes recriam o código verbal ou imagético de modo relativamente preciso. Algumas constatações indicam limites para a representação analógica de imagens. Os estudantes de um estudo observaram a imagem de uma estrela de Davi (✡︎) e tiveram que determinar se formas específicas (por exemplo, um paralelogramo) pertenciam ou não a uma dada figura completa. Os participantes pareciam incapazes de trazer à lembrança uma imagem mental analógica precisa. Eles não conseguiam usar uma imagem mental para traças as linhas a fim de determinar que formas componentes faziam ou não parte de uma figura completa. Para Reed, essas descobertas indicavam o uso de um código propositivo ao invés de um analógico. Exemplos de um código propositivo seriam "uma estrela REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimento na memória: imagens e proposições. de Davi" ou "dois triângulos sobrepostos, um dos quais está invertido". Outra explicação possível é que as pessoas possuem imagens mentais analógicas que são, de algum modo, imprecisas. Em um outro estudo, em que figuras ambíguas foram mostradas aos participantes, concluiu-se que um código propositivo pode prevalecer sobre o código de imagens em algumas circunstâncias, isto é, a interpretação inicial da figura por um código propositivo pode prevalecer sobre o código de imagens para a figura. Um trabalho realizado muito anteriormente indicou que a informação semântica (verbal) tende a distorcer a rememoração de imagens visuais na direção do significado das imagens. Em contraste com o trabalho que acabamos de discutir, existem algumas constatações de que as imagens mentais podem ser manipuladas diretamente ao invés de por meio de um código propositivo (Finke, Pinker, Farah, 1989). Os participantes desse estudo manipularam imagens mentais combinando duas imagens distintas para formar outra imagem mental totalmente diferente. Na imagem combinada, o conjunto das duas imagens combinadas diferia da soma de suas partes distintas. O estudo mostrou que, em algumas situações, as imagens mentais podem ser combinadas eficazmente para criar imagens mentais. Parece que os códigos proposicionais apresentam menor probabilidade de influenciar os imagéticos quando os participantes criam suas próprias imagens mentais ao invés de quando lhes é apresentada uma ilustração para ser representada. No entanto, os códigos propositivos podem influenciar os imagéticos. Isto é especialmente possível quando a ilustração usada para criar uma imagem for ambígua. Alguns pesquisadores acreditam que a reinterpretação mental das figuras ambíguas envolve duas manipulações. A primeira é um realinhamento mental da estrutura de referência. Isto seria uma mudança na orientação das posições das figuras na "página" ou na "tela" mental na qual a imagem é mostrada. A segunda manipulação é uma reconstrução (reinterpretação) de partes da figura. Investigadores sugerem que os processos envolvidos na construção e na manipulação de imagens mentais são similares àqueles envolvidos em processos perceptivos (Peterson et aí., 1992). Um exemplo seria o reconhecimento de formas. Nem todos concordam com essa visão. Porém, alguma aceitação de suas ideias ocorreu por parte de psicólogos cognitivos, que afirmam que as imagens mentais e a percepção visual são equivalentes funcionalmente. Neste caso, equivalência funcional refere-se a indivíduos que usam aproximadamente as mesmas operações a fim de atender às mesmas finalidades para seus respectivos domínios. Em termos gerais, o peso das constatações parece indicar que existem códigos múltiplos ao invés de apenas um único código. Entretanto, a controvérsia continua (Barsalou, 1994). REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimento na memória: imagens e proposições. De acordo com a hipótese da equivalência funcional, embora a imagem visual não seja idêntica à percepção visual, é funcionalmente equivalente a ela, isto é, embora não construamos imagens que sejam exatamente idênticas aos perceptos, construímos efetivamente imagens com equivalência funcional aos perceptos. Estas imagens funcionalmente equivalentes são análogas aos perceptos físicos que representam. • As provas de equivalência funcional podem ser vistas em estudos de neuroimagens. Em um estudo, os participantes viam ou imaginavam uma imagem. Foi observada a ativação de áreas cerebrais similares, em particular nas regiões frontal e parietal. No entanto, havia uma sobreposição nas áreas associadas com processos sensoriais, como visão (Ganis, Thompson, Kosslyn, 2004). A esquizofrenia é um exemplo importante de similaridades entre percepção e imagem. Muitos esquizofrênicos experimentam alucinações auditivas. Estas alucinações são a experiência de "ouvir" que ocorre na ausência de estímulos auditivos reais. Esse "ouvir" é o resultado de material gerado internamente. Observa-se que estes pacientes possuem dificuldade para discriminar entre diversos tipos de estímulos autoproduzidos e originados externamente (Blakemore et al., 2000). Provas obtidas por outros pesquisadores revelam que, durante as alucinações auditivas, ocorre uma ativação anormal do córtex auditivo (Lennox et al., 2000). Ademais, a ativação de áreas do cérebro envolvidas com linguagem receptiva é observada durante alucinações auditivas (Ishü et al., 2000). Em suma, acredita-se que as alucinações auditivas ocorrem, pelo menos em parte, por causa de disfunções do sistema de imagens auditivas e de processos de percepção problemáticos (Seal, Aleman, McGuire, 2004). Estes desafios tornam difícil para as pessoas afetadas diferenciar entre imagens internas e a percepção de estímulos externos. A rotação mental envolve transformar rotativamente a imagem mental visual de um objeto. Em um experimento, figuras 3D foram giradas de 0º a 180º e os participantes foram solicitados a dizer se uma dada imagem era ou não uma rotação do estímulo original. Para cada aumento do grau de rotação das figuras, houve um aumento correspondente dos tempos de resposta. Esta descoberta á funcionalmente equivalente àquilo que poderíamos esperar se os participantes girassem objetos físicos no espaço. Uma outradescoberta, em um outro estudo, é que os tempos de resposta são maiores para estímulos degradados – estímulos que são indistintos, incompletos ou, sob outros aspectos, menos informativos REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimento na memória: imagens e proposições. – do que estímulos preservados. Os tempos de resposta também são maiores para itens complexos em comparação a itens simples e para figuras desconhecidas comparadas com conhecidas. Os benefícios da maior familiaridade também podem conduzir aos efeitos da prática – melhorias de desempenho associadas à maior prática. Quando os participantes possuem prática na rotação mental de figuras específicas (aumentando sua familiaridade), seu desempenho melhora. Esta melhora, entretanto, parece não se transferir para tarefas de rotação envolvendo figuras novas. Representamos e usamos imagens mentais de um modo que seja equivalente funcionalmente às nossas representações e usos de perceptos. Por exemplo, na percepção visual existem limitações quanto à resolução, nossa capacidade para distinguir elementos individuais, como partes de um objeto ou objetos adjacentes fisicamente. Também podem existir limites em relação à um objeto ou objetos adjacentes fisicamente. Em geral, ver detalhes característicos de objetos grandes é mais fácil do que ver tais detalhes de objetos pequenos. Respondemos mais rapidamente às perguntas sobre objetos grandes que observamos do que às perguntas sobre objetos pequenos. Portanto, se a representação por imagens é equivalente funcionalmente à percepção, os participantes também devem responder mais rapidamente às perguntas sobre características de objetos grandes imagináveis do que às perguntas sobre objetos pequenos imagináveis. A ideia fundamental na base da pesquisa de escaneamento de imagens é que estas podem ser observadas de modo muito parecido como os perceptos físicos podem ser observados. Além disso, espera-se que nossas estratégias e respostas para o exame por imagens sejam equivalentes funcionalmente àquelas que usamos para observação perceptiva. A representação mental tem por objetivo mediar a experiência e a conduta manifesta. Sua função é substituir o objeto do mundo externo no mundo interno. Isto significa que a representação possibilita trabalhar com o objeto sem que o mesmo seja apresentado em termos físicos (Silveira, 2001). Segundo Vieira (1998), são as representações mentais que permitem que o indivíduo desenvolva atividades mentais como resolver problemas, reconhecer ou não um objeto, e lembrar-se de alguém conhecido. O ser humano cria representações para cada informação adquirida, o que o torna um processador ativo na busca de informações de forma inteligente e consciente. Eysenck e Keane (2007) REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimento na memória: imagens e proposições. destacam dois tipos de representações mentais: as proposicionais e as análogas ou imagísticas. As representações proposicionais expressam ideias, um conteúdo abstrato, como por exemplo, a ideia de lar. As representações análogas expressam imagens concretas, análogas a como as percebemos os objetos na realidade, por exemplo, o tradicional desenho de uma casa. As representações análogas podem ser de origem visual, gustativa, olfativa, auditiva e proprioceptiva. Além dessas duas, também podem ser citadas as representações mentais das ações. Estas últimas referem- se às representações de aprendizagens motoras e de processos mentais e são responsáveis pela base do conhecimento processual. REFERÊNCIA: STERNBERG, Robert J. Representação e manipulação de conhecimento na memória: imagens e proposições.
Compartilhar