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LIVRO Psicologia Comunitaria

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1
 
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EE EESSTTRRAATTÉÉGGIIAASS DDEE IINNTTEERRVVEENNÇÇÃÃOO 
 
MAGDA DIMENSTEIN 
Organizadora 
 
Anamélia Lins e Silva Franco 
Angelo Giuseppe Roncalli 
Cecília de Mello e Souza 
Cristiane Paulin Simon 
Enrique Saforcada 
Jorge Castellá Sarriera 
Kátia Biehl 
Laís Oliveira Rodrigues 
Magda Dimenstein 
Maria de Fátima Quintal de Freitas 
Marli Appel da Silva 
Marcos Vieira Silva 
Paloma Silva Silveira 
Rosalina Carvalho da Silva 
Sheila Gonçalves Câmara 
Tânia Maciel 
Zuleika Zandonai 
 
 
 2
SUMÁRIO 
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA E MUDANÇA SOCIAL: RELAÇÕES A PARTIR DA 
VIDA COTIDIANA E DOS PROCESSOS DE PARTICIPAÇÃO. 
 
COMPROMISSO, PARTICIPAÇÃO, PODER E FORTALECIMENTO COMUNITÁRIO: À 
PROCURA DE UM LUGAR NO MUNDO. 
 
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE MINAS GERAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA: 
PROGRAMAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA. 
 
ECODESENVOLVIMENTO E GLOBALIZAÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 
METODOLÓGICAS 
 
O TEMPO LIVRE E O ÓCIO EMANCIPATÓRIO: ALTERNATIVAS AOS COMPORTAMENTOS DE 
RISCO NA JUVENTUDE 
 
¿CUÁL ES EL PARADIGMA INHERENTE A LA COMPRENSIÓN DEL PROCESO DE SALUD?: 
UN INTERROGANTE ESENCIAL 
 
PRÁTICAS PSICOLÓGICAS EM PROMOÇÃO DE SAÚDE NA COMUNIDADE: MANUTENÇÃO 
DO STATUS QUO OU EMANCIPAÇÃO? 
 
ESTAR GESTANDO E ESTAR NASCENDO: O TRABALHO COM MULHERES GESTANTES QUE 
NASCEM COM SEUS FILHOS 
 
A FORMAÇÃO DO PSICÓLOGO COMO PROMOTOR DE SAÚDE 
 
PROJETO EDUCAÇÃO, SAÚDE E CIDADANIA: TRANSFORMANDO A EDUCAÇÃO DE 
PROFISSIONAIS DE SAÚDE EM NATAL/RN 
 
 
 
 
 3
APRESENTAÇÃO
 4
 
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA E MUDANÇA SOCIAL: 
RELAÇÕES A PARTIR DA VIDA COTIDIANA E DOS PROCESSOS DE 
PARTICIPAÇÃO 
 
Maria de Fátima Quintal de Freitas 
 
 
Hoje, com o quadro de desenvolvimento e trajetória da Psicologia Social Comunitária, ao 
longo destas últimas quatro décadas, em nosso país, torna-se importante identificar aspectos 
conceituais e metodológicos que foram se mantendo e se consolidando, no sentido de construir 
uma perspectiva teórica e metodológica mais definida e distinta em relação a outros campos de 
ação. Isto equivaleria a caracterizar o que, hoje, poderíamos dizer que se constitui como sendo o 
campo da Psicologia Social Comunitária e quais são os aspectos teóricos, analíticos e 
metodológicos que lhe imprimem uma configuração particular e uma certa identidade como área 
de conhecimento e de intervenção (Freitas, 2002, 2003; Montero, 1996, 2003). 
O resultado de discussões, debates e intentos de sistematização teórica e metodológica a 
respeito da Psicologia Social Comunitária e de suas práticas, ao longo destes anos, aponta para 
algumas considerações e posicionamentos que, hoje, parecem-nos mais claros e delineados. 
O enfrentamento dos desafios – quanto ao tipo de recorte teórico a ser adotado, assim 
como em relação aos instrumentos e metodologias coerentes ao processo de inserção e 
intervenção psicossocial nas dinâmicas comunitárias - no desenvolvimento dos trabalhos 
comunitários, ao longo destes anos, tem contribuído, em certa medida, para a necessária tarefa de 
sistematização sobre as experiências realizadas e sobre os eixos teórico-metodológicos que tem 
se afirmado neste campo. 
Que aspectos, então, se tornaram importantes na Psicologia Social Comunitária? Pode-se 
falar, com um pouco mais de segurança e clareza, sobre algumas categorias que têm se tornado 
 5
decisivas nas propostas de ação e intervenção comunitárias, assim como sobre as diretrizes 
teórico-analíticas que foram se reafirmando neste campo (Freitas, 2003,2005; Montero, 2003). 
Entre elas podemos apontar a importância de trabalhar com os seguintes aspectos, 
processos e dinâmicas: a rede de relações dentro da comunidade – em pequenos e grandes grupos 
-; a identificação e formação de lideranças autóctones; as diferentes e sutis formas de opressão, 
discriminação, competição e preconceito que se instauram no cotidiano das pessoas; as crenças e 
valores em relação a si mesmo, aos outros e à confiança na capacidade de mudança e 
enfrentamento das adversidades; as possibilidades de construção de formas de coesão, 
cooperação e conscientização; e as diferentes formas de interação, ação e politização na rede de 
convivência comunitária (Freitas, 2002, 2003, 2005; Martín-Baró, 1987; Montero, 2003). 
Para a proposta, aqui delineada, o foco da discussão estará dirigido às relações entre as 
estratégias de ação, a vida cotidiana e as possibilidades de participação, considerando também as 
repercussões disto para a realização e continuidade dos trabalhos em comunidade (Freitas, 
2003,2005). 
Para isso serão desenvolvidos três eixos de análise. No primeiro, serão abordados os 
desafios, que existem e que continuam a existir, em nossa prática comunitária e no campo da 
Psicologia Social Comunitária. Em seguida, far-se-á uma análise sobre as prioridades que 
surgiram e que ainda podem existir neste campo. No segundo eixo, far-se-á uma discussão a 
respeito das condições – existentes e necessárias – para o enfrentamento dos desafios e para a 
realização dos trabalhos comunitários, assim como sobre os conhecimentos de que já dispomos e 
que têm nos guiado nesta área. E, por fim, apresentar-se-á uma proposta de análise a respeito das 
formas de sobrevivência psicossocial que as pessoas lançam mão em seu cotidiano e que 
estratégias de ação atravessam a vida cotidiana e configuram formas diferentes de participação. 
Serão apresentadas algumas considerações a respeito dos efeitos desta articulação sobre a 
continuidade/descontinuidade e fortalecimento/enfraquecimento dos trabalhos comunitários, na 
perspectiva de práticas que levam a uma politização da consciência. 
 6
 
Desafios e Prioridades no Campo da Psicologia Social Comunitária 
 
Tendo como referência o compromisso com a construção de redes de relações e formas 
de convivência e sobrevivência psicossocial mais solidárias e humanas, ao se enfocar as 
características atuais de nossa sociedade - como sendo uma sociedade globalizada, planetária, 
que produz diferentes repercussões da informação globalizada e instantânea sobre a vida das 
pessoas – poderíamos dizer que um grande desafio, colocado a todos nós, refere-se àquilo que 
alguns autores denominam de como “radicalizar a democracia”, como ajudar a tornar o mundo 
mais justo e digno garantindo as diversidades e diferenças e enfrentando os preconceitos e 
ineqüidades vividos cotidianamente. (Dagnino, 2004; Gohn, 2000; Martín-Baró, 1987; Ribeiro, 
2002) 
Falar apenas de democracia não significa que estejam sendo garantidas melhores e mais 
dignas condições de vida para as pessoas. Os problemas relativos à injustiça, à pobreza e ao 
sofrimento humano, assim como seus determinantes estruturais e conjunturais, podem continuar 
a existir e, infelizmente, têm continuado mesmo em sociedades altamente democráticas, como 
bem mostra a nossa história contemporânea (Cardarelli & Rosenfeld, 1998; Watts & Abdul-
Abill, 1999). 
Assim, na perspectiva da Psicologia Social Comunitária Latino-Americana, fazer esta 
radicalização da democracia implica em que se dê conta do conhecimento histórico a respeito da 
vida social dos diferentes grupos e comunidades, relacionando-o às dimensões locais, regionais e 
globais em que acontece. Fazer isto, significa intentar compreender a vida dessas pessoas, seja 
nos seus problemas cotidianos, seja nas suas possibilidades de enfrentamento, assim como na 
construção de possíveis ações coletivas e comunitárias (Freitas, 2002,2003). As condições 
mínimas necessárias para atingir tais objetivos estariam articuladas em uma articulação e 
compromisso a ser estabelecido entre os diferentes movimentos sociais, os grupos comunitários e 
 7
os diversos segmentos da sociedade que deveriam se implicar em uma proposta coletiva, visandofins coletivos e compartilhados. Neste sentido, é que a Psicologia Social Comunitária tem uma 
tarefa importante a cumprir, no momento em que tome como matriz principal, nos trabalhos 
comunitários, os cotidianos de existência das pessoas e as redes de convivência comunitária que 
constroem (Freitas, 2003,2005). 
Esta preocupação em buscar uma articulação dos diferentes grupos, setores e movimentos 
em torno de uma proposta coletiva, de fato, e que possa resultar em práticas e processos 
cotidianos que beneficiem ou retornem a todos os envolvidos, aponta para algumas condições 
desafiadoras aos trabalhos comunitários. Estas situações configuram-se como obstáculos a serem 
vencidos, durante os trabalhos comunitários, para que se possa, efetivamente, conseguir a 
implementação de ações coletivas que estejam dirigidas a uma perspectiva de melhoria das 
condições de vida da comunidade envolvida. 
A primeira situação refere-se à chamada cultura democrática e a como implementá-la a 
partir das relações cotidianas. Em outras palavras, a tarefa de construir e cultivar uma cultura 
democrática, presente na vida cotidiana da sociedade civil, em que sejam compartilhados valores 
de justiça e de dignidade, tanto na perspectiva pública como privada de cada indivíduo, é uma 
das primeiras condições desafiadoras nos trabalhos de intervenção psicossocial em comunidade 
(Freitas, 2003,2005; Martín-Baró, 1987). A tarefa de consolidar e construir relações e redes 
comunitárias e associativas, que sejam coerentes a uma concepção de solidariedade e dignidade 
compartilhadas, em que sejam evitadas alternativas individualistas, constitui-se como o segundo 
desafio aqui indicado. A situação de como fazer com que as pessoas acreditem que vale a pena 
participar, que confiem que haverá melhorias em suas vidas e que as mesmas poderão ser 
mantidas na esfera comunitária e com benefícios, também, coletivos aponta para o terceiro 
desafio às práticas em comunidade, que é a dimensão da participação nas esferas públicas 
(Freitas, 2003). 
 8
Tendo estas preocupações, relativas a como efetivar a resolução de tais desafios no 
cotidiano concreto, é que se pode dizer que as atuações e intervenções, que acontecem nas 
dinâmicas e contextos comunitários, devem ser dirigidas àquilo que é feito e à maneira como 
fazemos (processos de participação), além de se identificar os significados sobre esse fazer (o 
que é feito e como é feito). Ao fazer isto significa estar enfocando o contexto e a dinâmica das 
ações realizadas, assim como seus significados na vida de cada um dos envolvidos, sejam eles 
profissionais ou representantes e membros da comunidade (Freitas, 2003). Assim, a proposta de 
radicalização da democracia passa a ter condições de acontecer, visto que se localizaria 
concretamente nas práticas e nos trabalhos comunitários desenvolvidos, dirigindo-se, também, às 
dimensões e aos determinantes responsáveis dos/pelos vergonhosos padrões de desigualdade 
social, injustiça, violência, miséria, enfim, qualquer forma de falta de humanidade. 
 
Que prioridades e necessidades guiariam as práticas em comunidade? 
Após indicar a necessidade de se explicitar, claramente, os caminhos do compromisso 
político presente na ação e intervenção comunitárias, coloca-se, aqui, como importante que 
falemos sobre as prioridades na realização dos trabalhos comunitários. Ou seja, significa que 
identifiquemos os impactos das práticas psicossociais nos mais diferentes contextos 
comunitários, seja detectando-os na avaliação dos próprios agentes (internos e externos) e da 
comunidade, seja na perspectiva da proposta defendida. 
Torna-se, então, relevante intentar responder a algumas indagações relativas à prática e à 
nossa participação nessa dinâmica. Ou seja, entramos no momento de se indagar sobre as 
necessidades e prioridades do trabalho comunitário: a realização dessas práticas psicossociais 
em comunidade é, de fato, prioritária? Estará atendendo a que necessidades e de quem? Trará 
impactos e mudanças relevantes e na perspectiva de quem? E que tipo de conhecimento e 
envolvimento têm, dentro dos trabalhos comunitários, os diferentes setores destinatários das 
intervenções ou propostas de ação? 
 9
Para uma análise mais profunda e nem por isto, menos delicada e importante, propõe-se 
que sejam considerados alguns aspectos pertinentes à dinâmica e relações travadas dentro dos 
trabalhos comunitários (Freitas, 2003). Tais aspectos referem-se a: 
A. A dimensão do próprio trabalho realizado: trata-se de uma análise que revele as 
razões que justificariam a realização do mesmo; 
B. A dimensão das relações entre comunidade e agentes externos (profissionais): busca-
se, aqui, a identificação da natureza da relação existente entre estes personagens, assim como 
sobre o tipo de participação que cada um tem, em cada uma das etapas de realização do trabalho 
comunitário (Freitas, 2003; Montero, 2003; Sánchez, 2000); e 
C. A dimensão da construção de ações coletivas e comunitárias: pretende-se a análise 
das relações entre o processo do trabalho desenvolvido e os frutos obtidos, para cada um deles 
(Martin-Baró, 1987). 
Proceder a uma análise, considerando estas três dimensões, permite que se caracterize o 
tipo de trabalho que vem sendo realizado, assim como os temas e problemáticas sobre as quais 
tem se debruçado, e as relações que são construídas entre comunidade e profissão. Estas 
dimensões são relativas à vida cotidiana dos mais diferentes participantes, que têm inclusive 
diversos níveis de participação, e cujas repercussões psicossociais nos revelam, também, 
aspectos que são parte constitutiva dos impactos dos trabalhos comunitários, mostrando as 
repercussões psicossociais para a participação e conscientização dos atores envolvidos (Freitas, 
2003,2005). 
 
CONHECIMENTOS E CONDIÇÕES PARA A REALIZAÇÃO DOS TRABALHOS 
COMUNITÁRIOS 
Falar das condições existentes e necessárias, para a realização de práticas de intervenção 
em comunidade, significa falar das condições teóricas e metodológicas que sustentam as práticas 
realizadas, assim como falar das relações travadas com as políticas públicas, no intuito de 
 10 
consolidar esses trabalhos. Significa indagar sobre o que já conhecemos a respeito das diferentes 
dinâmicas comunitárias e sobre o que já sistematizamos sobre essas práticas, em termos teóricos 
e metodológicos. Em continuidade, faz sentido, também, perguntar sobre os instrumentos e 
recursos metodológicos que já foram (estão) construídos, sobre aqueles que já conhecemos e 
sobre os que já foram incorporados quando da atuação e desenvolvimento dos trabalhos em 
comunidade. 
Estes questionamentos e reflexões apontam para uma discussão a respeito dos processos 
de formação dos novos quadros de profissionais, pesquisadores e trabalhadores sociais para 
atuarem nas diferentes dinâmicas comunitárias. Esta é uma preocupação, cada vez mais presente 
nos últimos anos, dentro dos cursos de formação, no sentido de capacitarem, científica e 
politicamente, os futuros profissionais para que desenvolvam intervenções psicossociais em 
comunidade, dentro de uma perspectiva de sensibilidade histórica, para com a realidade de nossa 
população, e de compromisso com a transformação social. Apesar de haver, por parte de vários 
setores da sociedade civil, um crescente movimento na busca de profissionais comprometidos 
com a realidade concreta – seja para atuarem junto às problemáticas sociais, às demandas de 
setores populares ou às políticas públicas em várias áreas, como saúde, educação, moradia, 
cidadania e direitos humanos entre outros - a Psicologia no seu processo de formação, ainda, 
mantém paradigmas tradicionais e conserva visões individualizantes e psicologizantes a respeito 
dos determinantes e condicionantes de tais fenômenos sociais. 
Infelizmente o conhecimento crítico e histórico, o compromisso político-social e a 
proximidadeda Psicologia para com a realidade da maioria da nossa população e de seus 
problemas concretos, não são diretamente proporcionais – em número e conteúdo político – à 
quantidade de trabalhos e/ou ONGs que surgem a cada dia, dirigidos a algum tipo de problema 
vivido pelos setores populares (Gohn,2000; Ribeiro, 2002). 
Depreende-se, também daqui, a necessidade de indagar sobre o tipo de relação e rede que 
temos construído com as diferentes políticas públicas, sejam elas mais sensíveis, ou não, às 
 11 
problemáticas com as quais nossa prática se relaciona. Deriva disto - além da necessidade de se 
detectar mais objetiva e claramente os conhecimentos, contatos e condições existentes para uma 
aproximação às políticas públicas – a importância em se identificar o tipo de compromisso que 
emerge das práticas comunitárias implementadas nessa relação comunidade-profissionais 
(Freitas, 2002, 2003). Ao lado disto, emergem também as diferentes concepções que esses 
agentes possuem a respeito do fenômeno psicológico dentro da dinâmica comunitária, cujas 
bases ontológicas e epistemológicas imprimem cursos distintos aos trabalhos realizados. 
Desta maneira, poder-se-ia dizer que grande parte dos dilemas e desafios enfrentados 
(Freitas, 2003, 2005; Montero, 2003; Watts & Abdul-Abill, 1999) referem-se a: 
A. Que processos de formação de novos quadros de profissionais para atuarem em 
comunidade temos implementado nos cursos de formação? E que resultados têm produzido? 
B. Que tipo de relação e rede os trabalhos comunitários têm estabelecido com as políticas 
públicas? 
C. Que tipo de compromisso tem surgido das práticas comunitárias que têm sido 
desenvolvidas? 
D. Que concepção de mundo e do que seja psicológico aprecem nessas práticas com tais 
compromissos ? 
 
Sobre os Conhecimentos e Condições 
Ao longo destes anos em que têm sido realizados vários e diversificados trabalhos 
comunitários, algumas necessidades têm sido apresentadas aos profissionais que trabalham neste 
campo, como a urgência quanto a: aprimoramento técnico metodológico para a pesquisa; 
absorção de diversos tipos de estratégias de ação; habilidades no planejamento comunitário. 
Assim, nesta dinâmica, do ponto de vista teórico e conceitual, algumas categorias de 
conceitos e de análise foram se mostrando cruciais para o desenvolvimento de tais práticas, tais 
como: processos psicossociais e grupais na rede de interações em comunidade; processos de 
 12 
comunicação e relações de poder e de influência psicossocial; processos de participação e 
sentimentos de pertencimento. No que se refere aos eixos ou temas presentes nos aspectos 
metodológicos, necessários às ações em comunidade, encontram-se: domínio de diversos 
processos de inserção e coleta da dinâmica comunitária; adequação de metodologias qualitativas 
e quantitativas dentro de uma coerente triangulação metodológica; domínio de estratégias de 
avaliação dos impactos no desenvolvimento comunitário. 
Quais têm sido, então, as diferentes e marcantes condições sociais que têm afetado os 
trabalhos comunitários e as nossas vidas, de modos diferentes? 
Algumas dessas condições têm se tornado tão presentes e têm trazido importantes 
repercussões ou implicações para a vida das pessoas que passam a merecer algum destaque 
também nas reflexões e análises sobre os processos de intervenção em comunidade e formação 
de novos quadros. 
Referem-se a situações produzidas pelos chamados contextos de globalização e que 
afetam também, de alguma maneira, a natureza e direção do trabalho comunitário e dos atores 
sociais envolvidos (Cardarelli & Rosenfeld,1998; Dagnino, 2004; Gohn,2000; Sarriera,Berlim, 
Verdin & Câmara, 2004). 
A. Pode-se mencionar como primeira situação aquela ligada ao fenômeno psicossocial 
que se denomina aqui de presentificação da vida cotidiana (Freitas, 2005, 2003). Isto significa 
dizer que há uma contínua atualização dos acontecimentos sociais, independentemente do seu 
grau de aprofundamento ou superficialidade. Junto a isto vem, também, a falsa idéia de que a 
realidade está sendo conhecida, e que, portanto, não é necessário estar em contato real e efetivo 
com essa realidade O resultado psicossocial é que a sensibilidade para com a vida real fica 
prejudicada e está mediatizada pela quantidade de informações recebidas. 
B. Decorre, daí, também, a idéia de que se pode escolher entre o querer se aproximar ou 
se distanciar da realidade, onde seriam realizadas ações ou práticas comunitárias. Aparece 
 13 
então o que se denomina de fenômeno psicossocial de Mitos da Participação (Freitas, 2005, 
2003), apontando para as relações entre os sentidos da participação em comunidade e na vida 
cotidiana, e os graus de envolvimento nesse cotidiano. Em outrsa palavras, pode-se dizer que são 
gerados diferentes “tipos psicológicos de participação” associados a diferentes sentimentos de 
estar participando (Freitas, 2005), cuja intersecção contribui para que se intente compreender 
alguns dos dilemas e desafios quando da realização dos trabalhos comunitários. 
C. Como terceira situação ou condição encontra-se a pseudo-idéia de que as demandas e 
necessidades da população estão sendo atendidas. Isto aparece por conta de alguns aspectos. 
Um deles estaria ligado ao aumento de programas e projetos comunitários que tem se ampliado 
em diferentes setores e dirigidos à diversas temáticas, independentemente de que seus resultados 
sejam promissores e que aconteçam efetivos processos de construção da conscientização nas 
redes comunitárias. Um segundo aspecto refere-se à divulgação da falsa idéia de que as formas 
de inclusão estariam desaparecendo ou diminuindo de intensidade, já que há muitos trabalhando 
com os excluídos. Na verdade o que se pode afirmar é que está havendo uma inclusão que 
continua a excluir e precarizar (ou seja, uma “inclusão excludente”); e, ao mesmo tempo, 
encontramos formas variadas de exclusão que permitem a inclusão de pessoas que estavam á 
margem da dinâmica social (funcionando como uma “exclusão includente”). O efeito 
psicossocial gerado por isto é interessante e distorsivo, visto que cria uma idéia de que a 
sociedade estaria tornando-se mais igualitária e justa, quando o que de fato acontece é um 
alargamento do grau de aceitação e conformismo para com as diferentes e sutis formas de 
injustiça e exploração na vida cotidiana, gerando leques de tolerância e, consequentemente, 
diminuindo as possibilidades de resistência e mudança (Freitas, 2003; Dagnino, 2004; Cardarelli 
&Rosenfeld,1998) 
 
 
 
 14 
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO PSICOSSOCIAL E VIDA COTIDIANA 
Emerge daqui uma questão relativa ao fato do quanto às práticas psicossociais em 
comunidade apontam para uma transformação social e para a preservação de redes mínimas de 
solidariedade entre as pessoas. O que fazer, por exemplo, diante da pobreza, a miséria, o 
sofrimento e a injustiça que vivem as populações com as quais trabalhamos? Como nos sentimos 
diante disso e como repercute isto em nossas práticas? Isto tudo nos remete a pensar sobre os 
dilemas existenciais que vamos, também, tendo em nossa vida, em nossas atividades e como 
podemos lidar com isto? 
Quando se busca avaliar os impactos de nossas práticas em comunidade (para nós, para 
os outros e para a proposta comunitária envolvida) alguns elementos necessitam ser 
compreendidos, tais como: a sensibilidade histórica que os projetos e práticas possuem; as 
repercussões dos trabalhos na vida concreta das pessoas; como desnaturalizar as formas anti-
sociais de existência humana que atravessam as redes de convivência. 
 
Prática e Vida Cotidiana 
Dentro destas preocupações e desafios a ação ou prática dos diferentes trabalhos 
comunitários têm grande importância, em especial, porque se entrelaçam com a vida cotidiana e 
com a experiência particular de cada um (Freitas, 2002, 2003, 2005; Montero, 1996, 2003). 
Neste sentido,a vida cotidiana aparece como categoria importante a ser analisada, 
considerando-a em uma espécie de sistema de tensões ou rede de tensões, em constante mudança 
(Freitas, 2003). Nesta rede encontraríamos diferentes forças de oposição e conflitos revelando os 
dilemas vividos, muitas vezes, de maneira silenciosa e solitária pelo indivíduo em sua prática 
cotidiana. 
Portanto, pode-se dizer que a Vida Cotidiana aparece como uma categoria importante a 
ser analisada, considerando-a em uma espécie de sistema de tensões ou rede de tensões, em 
constante mudança (Freitas, 2003, 2005). Nesta rede encontraríamos diferentes forças de 
 15 
oposição e conflitos revelando os dilemas vividos, muitas vezes, de maneira silenciosa e solitária 
pelo indivíduo em sua prática cotidiana, seja dentro de um projeto comunitário e educacional ou 
na rede de relações cotidianas. 
Assim, a rede intrincada que se estabelece é entre Vida Cotidiana x Participação x 
Estratégias de Sobrevivência Psicossocial. Esta rede nos leva a identificar possibilidades de 
intersecção que vamos vivendo a cada momento e etapa dos trabalhos comunitários: seja quando 
avançamos, seja quando encontramos dificuldades e desafios internos à equipe de profissionais 
ou mesmo envolvendo todos os participantes (Freitas, 2003, 2005). 
Estas possibilidades referem-se à forma e significado da participação das pessoas, dentro 
das práticas e trabalhos comunitários; aos impactos dessa participação em suas vidas em termos 
de resultados para si, para os demais e para o próprio trabalho; e, às formas de sobrevivência 
psicossocial que as pessoas lançam mão, em termos de continuarem participando, em termos de 
avaliarem suas ações, e em termos da consciência que têm sobre o processo de trabalho ou 
prática comunitária (Freitas, 2002; Montero, 1996). 
Neste momento é que podemos nos referir aos Tipos Psicológicos de Participação nas 
práticas comunitárias (Freitas, 2003, 2005), ou diante das diversas problemáticas sociais, e suas 
repercussões para a vida cotidiana . Podemos considerar aqui a bipolaridade entre o fazer e o 
sentir-se em relação a esse fazer; entre o agir e as diferentes maneiras de sentir-se fazendo (ou 
não) algo, independente deste fazer ser real, próximo ou visceralmente implicado coma 
realidade concreta (Freitas, 2005). 
Diante das inúmeras dificuldades, adversidades, mazelas,problemas, formas de exclusão e 
opressão em que vive a maioria de nossa população, como nos situamos, como trabalhadores e 
profissionais envolvidos com a realidade comunitária e preocupados em contribuir para algum 
tipo de melhoria e mudança ? 
 16 
Diante de tudo isto e das possibilidades de realização das práticas de intervenção em 
comunidade, o que fazemos e como nos sentimos nesse fazer? Estes são dilemas contínuos e 
presentes em nossos trabalhos, sejam eles mais próximos ou distantes da realidade das pessoas. 
 
Relações entre Vida Cotidiana e Consciência 
Assim, ao se olhar a prática cotidiana das pessoas e dos trabalhos comunitários realizados 
podemos ir encontrando liames entre as possibilidades de mudança da sociedade, as formas de 
participação, enfrentamento e sobrevivência das pessoas, e suas vidas cotidianas. Portanto, ao 
entender a vida cotidiana, poderemos entender as participações e não participações nas práticas 
comunitárias, nas redes de solidariedade, nas convivências cotidianas e nos processos de 
conscientização (Freitas, 2003, 2005; Montero, 2003; Sánchez, 2000). 
Poderemos encontrar caminhos para que a vida cotidiana possa se transformar em 
práticas de liberdade e justiça (não só individuais, mas principalmente coletivas) e, 
consequentemente, de mudança social. (Martin-Baró, 1997). 
Depreende-se, ao longo da experiência dos trabalhos comunitários no Campo da 
Psicologia Social Comunitária Latino-Americana, que algumas categorias tornaram-se decisivas 
para as propostas de ação e intervenção comunitárias. 
Dentre elas podemos apontar a importância de trabalhar com os seguintes aspectos, 
processos e dinâmicas comunitárias e educacionais: a rede de relações nos pequenos ou grandes 
grupos; as lideranças autóctones; as diferentes formas de opressão e preconceito presentes no 
cotidiano; os valores tributados a si mesmo; crenças na possibilidade de mudança; os processos 
de coesão e as diferentes formas de interação. 
Para isso, então, torna-se imprescindível, também, a preparação e desenvolvimento de um 
Processo de Educação, Formação e Capacitação dos diferentes Agentes Sociais, Comunitários e 
Educacionais (sejam internos ou externos), que estejam implicados com a Construção de uma 
Consciência Crítica e Comprometido coma melhoria da vida das pessoas. E, a possibilidade de 
 17 
fazer isto articula-se, diretamente com os seguintes aspectos desafiadores aos diversos 
trabalhadores comunitários (Freitas, 2002, 2003, 2005): 
 A. Articulação da vida cotidiana com as ações coletivas e formas de organização 
comunitária. Isto permite compreender porque projetos, propostas e programas comunitários e 
de políticas públicas, mesmo sofisticadamente bem elaborados e tendo tudo para dar certo, 
poucas vezes conseguem avançar e gerar processos participativos efetivos na população. 
B. Identificação dos sentidos que as pessoas dão para suas vidas, necessidades e projetos. 
Depreende-se daqui a intrincada rede de relações que se estabelece nos planos privados e 
públicos, permitindo compreender as variações e as mudanças que acontecem em relação aos 
valores da ação, as avaliações sobre o significado de ter se envolvido e participado, expondo-se 
da vida privada para a vida pública. 
C. Compreender relações entre o participar e a vida em comunidade, desvelando-se as 
redes de tensões e conflitos (Freitas, 2003). Isto pode permitir entender como esta rede de 
tensões pode afetar sua participação e envolvimento em práticas cotidianas, desde as mais 
esporádicas, até as mais organizadas e coletivas. 
Torna-se imprescindível, também, a preparação e desenvolvimento de um Processo de 
Educação, Formação e Capacitação dos diferentes Agentes Sociais, Comunitários e Educacionais 
(sejam internos ou externos), que estejam implicados com a Construção de uma Consciência 
Crítica e Comprometido coma melhoria da vida das pessoas. E isto pode ser efetivado através de 
propostas dirigidas à vida cotidiana das pessoas. Assim, ao entender a vida cotidiana, poder-se-á 
entender as participações e não participações nas práticas comunitárias, nas redes de 
solidariedade, nas convivências interpessoais. 
 
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 19 
COMPROMISSO, PARTICIPAÇÃO, PODER E FORTALECIMENTO 
COMUNITÁRIO: À PROCURA DE UM LUGAR NO MUNDO 
 
Sheila Gonçalves Câmara 
 
O conceito de comunidade torna-se cada vez mais difuso. Como refere Bauman (2003), 
parece que na pós-modernidade, estamos cada vez mais nostálgicos de um conceito de 
comunidade que se aproxime às relações ideais, como se estivéssemos ressentidos de viver em 
meio ao turbilhão de relações superficiais. Essas relações, cada vez mais, nos colocam no lugar 
do um, do único, do indivíduo que não tem nada a ver com o outro (Guareschi, 2001). Além 
disso, estamos desejosos de segurança, mas não queremos abrir mão da liberdade que julgamos 
ter (Bauman, 2003). Ainda que vivamos uma ilusão de liberdade, ela nos protege da análise mais 
profunda e reflexiva sobre o lugar que ocupamos no mundo. Esse lugar que nos exige 
responsabilidade, mas nos deixa desamparados. 
Talvez seja cansaço, talvez seja solidão. No entanto, em meio à difusão de relações que 
experienciamos, as identidades locais e regionais lutam por reafirmar-se e começamos a pensar 
em um lugar no mundo no qual possamos sentir-nos fortalecidos junto a um grupo, capazes e, 
mais do que nunca, respaldados por um grupo. 
De acordo com Martín-Baró (1988), a institucionalização das responsabilidades sociais 
que, embora colabore para a resolução de problemas concretos, de certa forma, desvia os sujeitos 
da responsabilização sobre aspectos de sua própria vida. À medida que cada pessoa assume a 
“sua” responsabilidade social, de acordo com sua função no contexto, fortalece-se uma ideologia 
que incrementa o individualismo. Os sujeitos desapropriam-se dos aspectos presentes em sua 
vida pessoal ou de seu grupo e sentem-se sujeitados a fatores externos que lhes afetam 
contundentemente. Isso, em última instância, diminui o potencial de criatividade e 
espontaneidade e, conseqüentemente, de solidariedade. 
 20 
Compromisso social 
Quando as pessoas estabelecem relações autênticas e começam a exercer sua cidadania, 
através de participação ativa, podemos dizer que se inicia um processo de compromisso social. 
Esse não se direciona unicamente a um aspecto macrossistêmico, mas ações em pequenos 
âmbitos, desde onde é possível começar novos núcleos de mudança. É justamente nestes 
âmbitos, mais imediatos que se estabelecem crenças interpessoais, normas sociais e redes que 
podem exercer uma espécie de pressão normativa sobre as características individuais e/ou 
comunitárias no que tange a ação social. A mobilização comunitária pode influenciar as normas 
culturais que definem padrões tanto de comportamento como de representações sociais. 
O compromisso surge das relações entre os indivíduos em uma rede social, onde aspectos 
como confiança e reciprocidade contribuem para uma organização em torno do bem comum. 
Montero (2004, p. 236) define compromisso como “a consciência e o sentimento de 
responsabilidade e obrigação em relação ao trabalho e os objetivos de um grupo, comunidade, 
projeto ou causa que conduz a pessoa a acompanhar, atuar e responder perante eles através das 
ações que realiza”. Nesse sentido, o compromisso estará sempre atrelado a algum aspecto 
concreto da vida valorado pelos sujeitos como significativo e digno. Além disso, o compromisso 
tem estreita relação com a participação, posto que ambos se retroalimentam. 
Nesse campo, é preciso considerar quatro dimensões, relacionadas a compromisso social: 
O senso ou sentimento de comunidade, as relações de vizinhança, a eficácia coletiva e a 
participação cidadã (Nelson & Prilleltensky, 2004). 
 
Senso de comunidade 
A identificação comunitária relaciona-se ao “sentimento psicológico de comunidade” e se 
define através das relações sociais no que tange ao quanto um indivíduo percebe-se e é percebido 
pelo seu grupo como membro daquela comunidade. À medida que o indivíduo sente-se parte da 
 21 
comunidade, ocorre o sentimento de pertencimento e os processos de influência social 
(McMillan & Chavis, 1986). 
Isso ocorre através da integração social, isto é, quando os recursos disponíveis no seio da 
comunidade (incluindo os humanos) dão conta das necessidades e o sentimento de eficácia e 
coesão é reforçado. Também é importante considerar a união emocional, que se origina do 
desejo intrínseco que as pessoas têm de manter relações que também representem, apoio social 
(Sarason, 1974). 
Um conceito que se relaciona estreitamente com o sentimento psicológico de comunidade 
diz respeito às relações de vizinhança, que abarca os seguintes elementos: união afetiva e 
emocional, componente cognitivo e componente social. Com relação à união afetiva e emocional 
vamos encontrar a importância das relações mais próximas e de ajuda mútua; cognitivamente, os 
indivíduos formam um mapa simbólico acerca de sua localização naquele contexto e dos 
recursos que estão presentes; e, socialmente, seriam as relações sociais estabelecidas na rede da 
vizinhança, sendo que estas podem ser conflitivas ou não. Embora existam discrepâncias entre 
interesses individuais e coletivos, ou entre grupos, por maiores que sejam os conflitos, um 
processo de negociação pode ser implementado e o sentimento psicológico de comunidade não é 
destruído (Unger & Wandersman, 1985). 
 
Eficácia coletiva 
O sentimento psicológico de comunidade é o que vai unir as pessoas em torno de ações 
que visem a mudança. E das ações implementadas vai surgir a eficácia coletiva, que se refere às 
crenças compartilhadas acerca do poder coletivo para o alcance de resultados. Os ganhos obtidos 
de forma grupal superam o compartilhamento de habilidades e conhecimentos de cada membro, 
revelando a importância da organização das dinâmicas de interação. Ou seja, a eficácia coletiva 
percebida não é simplesmente a soma das crenças de eficácia individuais, mas uma propriedade 
emergente do grupo. Isto é observável, especialmente, em grupos cujos membros são talentosos 
 22 
individualmente, mas que não conseguem trabalhar em grupo como uma unidade, apresentando 
uma performance grupal pobre. 
Quanto maior a coletividade, mais dispersa fica a sensação de controle ou influência 
sobre determinado aspecto, e menor a percepção da possibilidade de interferência em estruturas 
mais amplas, como é o caso de políticas macroestruturais. Assim, quanto mais passível de 
mudança seja avaliada uma realidade, maior a eficácia percebida. 
Tendo em vista esse aspecto, não podemos esquecer dos elementos que acabam por 
separar indivíduo e seu contexto, como se este fosse uma estrutura pré-estabelecida e não uma 
construção dos próprios sujeitos. Elementos que, por afastamento, impedem qualquer esforço 
grupal, posto que dinamitamo sentimento de eficácia. Entretanto, as crenças compartilhadas 
acerca da eficácia coletiva serão, justamente, as responsáveis pelo tipo de objetivo que será 
procurado, como serão utilizados os recursos, quanto esforço será investido, o nível de aceitação 
quando os esforços grupais não apresentam, em curto prazo, os resultados esperados e a 
vulnerabilidade à frustração quando os resultados não são alcançados. Tudo isso, evidentemente, 
em uma perspectiva coletiva (Bandura, 2000). Ou seja, existe uma reordenação que se dá, 
justamente, em função da própria eficácia percebida. 
Assim, a eficácia coletiva consiste em um atributo grupal que prediz a performance do 
grupo e, da mesma forma, reflete os processos que se operam no grupo, pondo em relevo a 
simultaneidade entre a ação individual e coletiva. 
As relações recíprocas se dão, ao mesmo tempo, entre os indivíduos, entre o indivíduo e o 
grupo, entre grupos (o coletivo ou o comunitário), e entre o indivíduo e os grupos (coletivo ou 
comunitário). Ampliando essas relações para as relações entre eficácia e performance nos níveis 
individual e grupal, fica clara a presença da eficácia comunitária, sendo esta desgastada ou 
reforçada pela performance comunitária. Ou seja, a performance comunitária refere-se ao quanto 
a comunidade é capaz de alcançar seus objetivos, de acordo, também com a relação cíclica entre 
eficácia e performance (Bandura, 2000). 
 23 
Faz-se importante pensar na eficácia coletiva como um atributo do grupo ou comunidade, 
que existe no grupo e não acima dele. Ou seja, não se constitui em uma entidade etérea. 
Concepção esta que perderia toda a efetividade em termos tanto teóricos quanto empíricos. 
Podemos dizer que a eficácia coletiva tem uma existência bastante real, que se manifesta através 
do comportamento dos membros do grupo, atuando coletivamente e compartilhando crenças, e 
situa-se na mente de cada um. 
As crenças compartilhadas pelas pessoas de que podem exercer certo poder quando 
unidas em prol do alcance de seus objetivos comuns é o princípio da atuação coletiva. Mais que 
uma simples divisão de tarefas, conhecimentos e habilidades dos membros, os ganhos obtidos 
através da atuação coletiva revelam a capacidade dos sujeitos em interagirem de forma 
coordenada e organizada (Bandura, 2000). 
A questão primordial talvez seja como dar início a esse processo de participação grupal e 
de compartilhamento de responsabilidades, o que estaria temporalmente situado antes que os 
esforços comecem a resultar positivamente, quando já se estabelece automaticamente um 
processo de retroalimentação. 
 
Participação cidadã 
Esse seria o processo de participação ativa, o qual, de acordo com Góis (1993), possibilita 
que indivíduos e grupos passem a vivenciar sua realidade através de uma inserção mais profunda 
e intencional no mundo, com a decorrente apropriação da realidade. 
O progressivo processo de tomada de consciência implica em sair dos padrões de 
conformidade, nos quais um subjacente acordo com a realidade (que está posta) implica em uma 
uniformidade de comportamento (Montero, 2004). Nas classes sociais mais desfavorecidas, esta 
conformidade revela uma aceitação da marginalização social como um desígnio divino, mas que, 
através de uma análise mais profunda, significa a incorporação de uma série de influências 
ideológicas que têm por objetivo estagnar o processo de desenvolvimento e mobilização. 
 24 
Mas a tomada de consciência, advinda da atividade dos membros de um grupo, sua 
interação e os sentimentos mútuos que estabelecem, de certa forma, provoca uma ruptura neste 
ciclo permanente de conformismo, que não deixa espaço para qualquer atuação ou reflexão. 
Estamos referindo-nos à conversão dos aspectos interiorizados por um determinado grupo 
que são percebidos como naturais ou imutáveis. Essa conversão pode ocorrer no seio da 
comunidade, isto é, em um movimento interno, ou pode expandir-se para um processo que 
redimensiona os fatores contextuais mais amplos. São transformações e inovações no modo de 
pensar e perceber o mundo e o lugar das pessoas e comunidades no mundo. Evidentemente, isso 
causa desacomodação e sofrimento, mas é a propulsão para a ruptura e a mudança (Montero, 
1994, 2004). 
Como refere Barriga (1982), as minorias ativas não se conformam em ficar numa posição 
marginalizada e tampouco aceitam ficar passivos frente às circunstâncias. Ao contrário, iniciam 
um movimento de transformação. Para tanto, é preciso que estas minorias tenham um alto grau 
de firmeza em seus posicionamentos, o que só é possível quando os membros mantêm uma única 
posição através do tempo, a fim de que possam manter uma oposição às maiorias. 
O processo em si apresenta como características fundamentais: 1) A transposição da 
interpretação dos fatos baseada em aparências exteriores para a explicação de seu sentido, 
através de um processo reflexivo que rompe com a lógica submissa da causa-efeito; 2) A 
compreensão dos fenômenos particulares e locais como parte de uma globalidade social, 
histórica, complexa e dinâmica; e, 3) O desenvolvimento da capacidade individual de reflexão, 
juntamente com a promoção social do indivíduo, o que ocorre na interação grupal (Ministério de 
Salud Publica de Uruguai, 1994). 
 
Fortalecimento 
As dimensões de senso de comunidade, relações de vizinhança, eficácia coletiva e 
participação cidadã vão nos levar a considerar o movimento que denominamos de fortalecimento 
 25 
da comunidade, ou empowerment. De acordo com Rappaport (1984), empowerment diz respeito 
ao processo a través do qual as pessoas, organizações e comunidades alcançam poder e domínio 
sobre si mesmos, seu funcionamento e suas vidas. 
Montero (2003) defende que a palavra correta para definir o conceito de empowerment, 
seria “potenciação” ou “fortalecimento”, posto que nem todas as definições presentes sob o 
conceito de apoderamento (tradução de empowerment para o português) dizem respeito a esse 
processo coletivo que ocorre nos grupos, em prol dos grupos. O sentido mesmo do conceito, de 
acordo com a autora, seria o de tornar-se forte para modificar as condições do contexto, através 
de mudanças no próprio individuo e/ou grupo, o que é mais coerente com a realidade latino-
americana. 
Dessa forma, a potenciação ou fortalecimento propicia que ocorra o desenvolvimento de 
um sentido mais forte do “si mesmo” e de sua relação com o mundo, o que diminui o sentimento 
de impotência que leva à apatia. Quando transposto para a ação, o processo se configura através 
da elaboração de estratégias funcionais e de busca e obtenção de recursos que visam alcançar 
metas e objetivos sociais (Kieffer, 1984). Os indivíduos ou grupos adquirem a capacidade de 
identificar os fatores externos, de caráter sócio-político, que estão afetando sua auto-estima, 
eficácia e alternativas para fazer frente aos problemas que se apresentam (Francescatto, 1998). 
Na perspectiva de uma atuação social para a mudança, no que tange ao fortalecimento 
dos indivíduos e grupos sobre suas vidas, indivíduo e ambiente conformam uma unidade na qual 
se assume que “virtualmente, nenhum comportamento está sob o controle completo e voluntário 
dos indivíduos” (Brown, 1991). Ao contrário, os comportamentos são parte de “padrões de vida 
socialmente condicionados, culturalmente imbricados e economicamente limitados” (Green e 
Kreuter, in Beeker, Guenther-Grey e Raj, 1998). 
O contexto estrutural onde se apresentam os problemas é considerado em conjunto com 
as pessoas que nele se inserem. Nesse sentido, são imprescindíveis as dimensões cultural, física, 
estrutural, política e legal (Westergaard & Kelly, 1999). 
 26 
A idéia é que o processo de fortalecimento ocorra tanto em nível individual quanto 
comunitário. Individualmente, no sentido de que cada sujeito desenvolva capacidade para atuar 
comunitariamente, tomar decisões em conjunto e reconhecer osrecursos que se apresentam. Isso 
implica, também, em uma ampliação da consciência acerca da interação entre circunstâncias 
individuais e comunitárias. Comunitariamente, no sentido da efetivação e ampliação de recursos, 
oportunidades e redes sociais, aspectos que surgem diretamente sob a influência da ação coletiva 
que se inicia em nível individual. 
Os objetivos do fortalecimento além de direcionarem-se às crenças e comportamentos 
que podem constituir-se em entraves para o grupo, também enfocam as crenças e práticas através 
das quais é possível obter algum nível de mudança interpessoal, organizacional e comunitária. 
Rappaport (1987) define três dimensões presentes no processo de fortalecimento: A 
psicológica, a política e a psicossocial. Em relação à dimensão psicológica as comunidades são 
consideradas como capazes de utilizar estratégias de reflexão lógica para analisar, compreender e 
modificar suas contingências sociais, isto é, são capazes de pensar e decidir por si próprias. No 
âmbito político, a disponibilidade de informação e recursos propicia que a comunidade possa 
exercer influência em seu contexto interno e externo. Em termos psicossociais se considera que o 
fortalecimento é produto da interação recíproca entre as pessoas e seu contexto social. 
No processo de fortalecimento, portanto, é fundamental a criação de contextos que 
propiciem a participação social organizada em estruturas sociais mediadoras. Essas estruturas 
dizem respeito a coalizões sociais nas quais os diversos grupos, das diferentes instâncias 
envolvidas converjam para um objetivo comum que represente os interesses coletivos. A tomada 
de decisão passa a ser consensuada com possibilidade de oportunidades igualitárias no grupo 
(Rappaport, 1984). 
Um a comunidade fortalecida é capaz de controlar seu funcionamento de maneira a 
direcioná-lo para os objetivos estabelecidos pelos seus membros. É ela que define as normas e 
 27 
valores que formam a base para a tomada de decisão consensuada e o compromisso com os 
interesses grupais, através da ajuda mútua. 
Os membros vão adquirindo uma atitude crítica crescente para a análise de problemas e 
identificação dos recursos necessários para fazer frente a cada um. O sentimento de eficácia para 
lidar com as dificuldades é reforçado pelo alcance das metas bem definidas e operacionalizadas, 
de maneira que a cada superação, o fortalecimento é ampliado. 
Mas, evidentemente, o processo de fortalecimento só será possível através de organização 
comunitária, definida por Bracht e Kingsbury (in Beeker, Guenther-Grey e Raj, 1998) como “um 
processo planejado para utilizar as estruturas sócio-comunitárias e qualquer recurso disponível 
para alcançar as metas comunitárias, definidas por seus representantes e consistentes com os 
valores locais” (p. 67). 
De acordo com o problema social em questão, é importante que sejam organizadas 
atividades que requeiram a participação ativa das pessoas. É através da ação que a participação 
se desenvolve. Para isso, um recurso fundamental é a diferenciação de diferentes papéis a serem 
assumidos pelos membros do grupo, com o estabelecimento de princípios de liderança. 
 
Poder e liderança 
Sempre que abordamos o tema das lideranças no contexto comunitário, é preciso 
considerar o poder como pano de fundo. 
São as relações dinâmicas que ocorrem no seio do grupo/comunidade que definem e 
redefinem as relações presentes naquele contexto. Essas relações multifacetadas é que dão 
origem às lideranças comunitárias, aspecto inseparável do processo de organização comunitária 
e, portanto, de fortalecimento. Dessa forma, entendemos a liderança não como um conceito 
abstrato, absoluto, externo ao indivíduo, mas, fundamentado nas relações de poder. Como coloca 
Foucault (2005), o poder é um elemento presente em cada relação humana. É importante 
considerar que cada grupo social, cada tipo de relação interpessoal, implica em uma relação de 
 28 
poder que lhe é própria e característica, considerando que o poder é uma dimensão psicossocial e 
estruturante das relações humanas que ocorre em qualquer sistema social e subjaz às ações 
humanas (Blanco & De la Corte, 2003). 
Em termos de convivência comunitária vamos encontrar alguns aspectos positivos, como 
é o caso da coesão grupal, do apoio social e do trabalho conjunto em torno de objetivos comuns. 
No entanto, a comunidade está longe de ser o ideal. As relações estabelecidas, como em qualquer 
grupo, podem dar origem a aspectos negativos como é o caso de uma rigidez normativa que pode 
gerar processos de discriminação e exclusão de alguns membros que não estejam adequados ao 
padrão dominante naquele grupo. Em termos da configuração de poder também vamos encontrar 
essa polarização, isto é, enquanto, por um lado, o poder é propulsor do sentimento de controle 
sobre a realidade e de organização para o alcance de metas, ele pode adquirir padrões de 
desigualdade, dando origem a situações internas de dominação (Nelson & Prilleltensky, 2004). 
O poder, na concepção de Martín-Baró (Blanco, Caballero & De la Corte, 2004), pode 
operar de formas distintas. Em alguns casos, quando os recursos dos quais dispõem os atores 
criam diferenças hierárquicas entre eles, a configuração das relações sociais estará relacionada à 
dominação. Nesse campo, o poder poderá ser exercido de forma mais ou menos visível. No caso 
da coerção, a influência é imediata, porém ela pode estar subjacente à estrutura institucional, 
social e material onde ocorrem as ações humanas. O poder serve também para produzir 
mudanças quando consiste em um sentimento de apropriação da realidade e das circunstâncias 
que criam as contingências de vida. Em ambos os casos, a dificuldade está relacionada às 
próprias características do poder, que tende sempre a ocultar-se ou negar sua existência. 
Nelson e Prilleltensky (2004) defendem que a conjunção entre habilidades (agência 
humana) e oportunidades (estrutura contextual) para influenciar o curso dos eventos é uma 
definição de poder. Nesse sentido o poder pode ser exercido a partir do desejo de mudança e das 
oportunidades históricas e sociais para efetivá-la. 
 29 
Segundo Moscovici (2003), o poder está extremamente vinculado ao processo de 
influência social, ou seja, à medida que uma pessoa influencia outras em sua maneira de pensar 
ou agir, esta pessoa tem poder. Entretanto, o poder não é uma estrutura estática, pois são os 
próprios influenciados que conferem poder ao influenciador. Este processo ocorre a partir da 
percepção de múltiplos fatores cognitivos e emocionais que fazem com que um grupo perceba 
uma pessoa como detentora de um atributo especial, o que está vinculado à dinâmica do grupo 
influenciado/influenciador em cada situação e contexto-tempo. 
Assim, o fenômeno da liderança deve ser entendido como um fenômeno complexo, no 
qual interagem vários fatores. Alvarez (1992) salienta os seguintes: “uma pessoa e suas 
características particulares, a posição que esta ocupa, outras pessoas que lhe rodeiam, o processo 
de interação grupal, o processo de diferenciação de tarefas, a execução de certos atos, o exercício 
do poder e a expressão centralizada de características grupais” (p. 186). A partir destas 
considerações, fica evidente que liderança é um processo social, o que significa que é dinâmico e 
envolve mais de uma pessoa, existindo em cada contexto determinado, o que, de certa forma, o 
define. 
As lideranças cumprem papel fundamental no processo de fortalecimento comunitário. 
Não estamos falando de uma única liderança ou de uma liderança que se mantenha 
indefinidamente através do tempo. Ao contrário, estamos falando do fenômeno de liderança que 
ocorre como um processo natural nos grupos humanos e que tem caráter multidimensional. Essa 
liderança é definida por Hernández (1994, p. 212) como o “motor que impulsione a participação 
das comunidades como uma maneira de transformá-lasem protagonistas das mudanças que 
levem à melhora de suas condições de vida e à conquista de uma identidade criadora que lhes 
permita converter-se em referência para a política do país”. 
Nesse sentido, a liderança comunitária, dentro de uma concepção participativa, que tenha 
capacidade de organizar, mobilizar e inovar no campo tanto da reflexão, quanto da ação consiste 
 30 
em um importante recurso para o fortalecimento comunitário, especialmente porque surge da 
própria organização daquele grupo (Montero, 2003). 
Situando-se a vida sócio-econômica e cultural em um determinado contexto específico, 
antes de tudo, é necessário que indivíduos e grupos percebam-se como parte e construtores deste 
contexto; que se percebam como uma rede em que são importantes todas as conexões, ou 
relações estabelecidas. É nesse ponto que se pode começar a pensar que algumas dessas relações 
melhoram substancialmente a qualidade de vida de todos os membros, ao passo que outras são 
produtoras de problemas. 
A complexidade dos problemas que apresenta a sociedade atual e a cultura individualista 
em que vivemos tem produzido uma fragmentação no modo de ver a realidade. Isso exige que os 
grupos, cada vez mais, organizem esforços para manter-se unidos para poder iniciar o processo 
de reversão das contingências que lhes afetam de forma negativa. 
Quando tudo está disperso e cada indivíduo sente-se solitário, perdido e exausto, o 
fortalecimento dos grupos confere poder e o conceito de comunidade torna-se paupável. Esse 
processo cria um “lugar no mundo”, isto é, localiza, dá visibilidade, cria uma nova concepção de 
comunidade, na qual valores sociais e humanitários apresentam força e abertura à mudança. 
 
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 33 
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS DE MINAS GERAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 
COMUNITÁRIA: PROGRAMAS DE AÇÃO COMUNITÁRIA 
Marcos Vieira Silva 
 
O presente trabalho surgiu de uma comunicação apresentada na Mesa Redonda: “Aportes 
Teóricos e Metodológicos na Consolidação da Psicologia Social Comunitária no Continente 
Latino-americano”, realizada durante o I Congresso Latino-americano da Psicologia – ULAPSI, 
em abril de 2005. 
Para que se entenda um pouco das perspectivas desenvolvidas atualmente por alguns 
grupos de pesquisa de universidades mineiras é necessário que se reveja, rapidamente, um pouco 
da trajetória que as práticas em Psicologia Comunitária vêm desenvolvendo em Minas Gerais. 
Nos anos sessenta, na UFMG, o Setor de Psicologia Social começa a investigar/intervir em 
comunidades. Em 1974, também na UFMG, é criada a primeira disciplina de Psicologia 
Comunitária em cursos de Psicologia no Brasil (Bomfim, 2003), como resultado de uma reforma 
de currículo conduzida por grupos de trabalho e comissões paritárias formadas por professores e 
estudantes. 
No final dos anos setenta a Psicologia Social Comunitária era parte das temáticas 
estudadas por grupos de alunos e professores que desenvolviam projetos de extensão 
universitária. A partir de 1980, com a criação da ABRAPSO – Associação Brasileira de 
Psicologia Social, práticas em Psicologia Comunitária são cada vez mais presentes nos 
Departamentos e Cursos de Psicologia, articulando experiências de ensino, pesquisa e extensão. 
(Silva, 2000). Os eventos da ABRAPSO, realizados durantes as duas próximas décadas, tanto a 
nível regional quanto nacional, passam a ser um espaço de construção de parcerias e trocas em 
torno das questões teóricas e práticas enfrentadas pelos professores, estudantes e membros das 
comunidades, envolvidos com os trabalhos de Psicologia Comunitária. 
Na UFSJ – UniversidadeFederal de São João Del-Rei, desde os anos 90 o ensino e a 
 34 
prática da disciplina vêm sendo desenvolvidos com regularidade. A Área de Psicologia Social do 
Departamento de Psicologia vem desenvolvendo projetos de pesquisa e extensão com 
comunidades e instituições de São João del-Rei e da região. A partir de junho de 2000, com a 
criação do LAPIP – Laboratório de Pesquisa e Intervenção Psicossocial da UFSJ, vem ocorrendo 
uma ampliação e consolidação de várias práticas em Psicologia Social Comunitária, articuladas 
em um Programa de Pesquisa, Extensão e Estágio curricular. O LAPIP é um laboratório 
constituído por pesquisadores de várias áreas do Departamento de Psicologia da UFSJ, a saber, 
Psicologia Social, Psicologia da Educação, Psicologia do Trabalho e Psicologia Clínica; 
pesquisadores do Departamento de ciências Sociais e do Departamento de ciências Naturais. 
Conta, ainda, com o trabalho de membros associados, profissionais não pertencentes aos quadros 
da UFSJ e pesquisadores de outras universidades. 
Nossos projetos de trabalho propõem o desenvolvimento de ações articuladas de ensino, 
pesquisa e extensão. Atuamos em vários contextos – instituições asilares para idosos, 
associações e grupos comunitários, Policlínica Central do SUS, Programa Saúde da Família, 
Associação de Portadores de Diabetes. As intervenções realizadas circulam entre perspectivas de 
assessoria e atendimento aos grupos comunitários e institucionais, tanto no que diz respeito à luta 
por conquistar a efetivação junto aos poderes públicos de melhores condições de vida e saúde, 
principalmente aquelas que já estão, teoricamente, garantidas pelas políticas públicas, quanto em 
termos da construção de práticas que possam auxiliar tais grupos na conquista de autonomia, 
participação social, gestão coletiva, produção de identidades grupais, de relações de poder mais 
igualitárias e de momentos e espaços para vivências de afetividade, enfim, conquista e exercício 
cotidiano de cidadania e saúde mental. 
Os Programas do LAPIP têm como requisitos fundamentais a busca de uma permanente 
articulação entre ensino, pesquisa e extensão e a formação de um profissional de Psicologia com 
visão crítica e compromissado com a transformação das condições adversas vivenciadas pela 
população que constitui sua clientela. Em função disso, nos trabalhos que estamos 
 35 
desenvolvendo em comunidades, certos pressupostos teóricos e metodológicos são privilegiados, 
por acreditarmos que oferecem maiores possibilidades de alcance de tais requisitos e objetivos. 
Assim sendo, quando falamos em metodologia de diagnóstico e intervenção em grupos 
comunitários e institucionais, estamos falando da utilização dos pressupostos da Pesquisa-Ação e 
da Pesquisa Participante, ou seja, buscamos a estreita vinculação entre pesquisa e intervenção e a 
permanente participação da população investigada no processo da investigação. Autores como 
Lewin, Thiolent e Brandão são referências. Acreditamos que não há como separar o diagnóstico 
da intervenção. Ao procurarmos fazer um diagnóstico de um grupo estamos fazendo uma 
intervenção. 
Por outro lado, quando fazemos uma intervenção, estamos, obrigatoriamente, levantando 
dados sobre o grupo, procurando entender sua dinâmica, ou seja, estamos fazendo um 
diagnóstico, uma investigação. Outra referência considerada como fundamental por nós é a 
Análise Institucional. A partir dela trabalhamos nos grupos, principalmente com os pressupostos 
de análise da demanda (cada solicitação que nos é demandada deve ser analisada criticamente, 
levando-se em consideração seu surgimento, possibilidades de atendimento, implicações sócio-
institucionais, etc.), de autogestão (tentativa de criação e manutenção de espaços e práticas de 
gestão crítica e coletiva), e da regra da livre expressão (o restituir, trazer à tona o não dito, a 
explicitação dos rumores e dos segredos). A construção ou elucidação de analisadores também é 
uma estratégia utilizada (construção de dispositivos de análise ou utilização de recursos ou 
dispositivos já existentes e que podem ser utilizados). 
Buscamos desenvolver com os grupos atividades que se orientam no sentido da criação 
de espaços que possibilitem o desenvolvimento da conscientização e da percepção crítica dos 
fenômenos grupais (Silva, 2000). Nessa direção, lançamos mão, também, das contribuições dos 
grupos operativos e da análise dialética do processo grupal (Pichon-Rivière, 1980; Lane, 1982, 
Baró, 1989), bem como das oficinas de grupo (Afonso, 2000). Em vários destes grupos “recursos 
de imagem”, tais como vídeo, filmes, slides, dramatizações, etc., têm sido utilizados associados a 
 36 
tais técnicas e fundamentos. Essa utilização tem permitido uma maior participação da população 
observada no processo de intervenção e investigação, bem como proporcionado maiores 
oportunidades de identificação e implicação dessa população com os problemas enfrentados e 
com o trabalho desenvolvido. 
Além disso, aspectos ligados às manifestações de afetividade e lazer, bem como ao 
processo de produção da identidade grupal podem, através destes recursos, serem captados, 
registrados e analisados em uma “dimensão mais inteira”. É em função disso que temos 
considerado os recursos de imagem, principalmente os vídeos e as fotografias, como 
instrumentos privilegiados de coleta e análise de dados, bem como de construção e resgate da 
história e da identidade dos indivíduos e dos grupos. Os recursos de imagem são utilizados, 
também, como recursos suporte para atividades de reflexões com os grupos comunitários e 
institucionais, permitindo que eles mesmos avaliem suas formas de interação e participação 
social. 
Como exemplos, podem ser comentadas e analisadas informações relativas ao trabalho 
desenvolvido pelo LAPIP com os internos do Lar de Idosos Monsenhor Assis, de Prados. Esta 
instituição é uma casa de abrigo para idosos, localizada na cidade de Prados, próxima a São João 
del-Rei. 
A Casa Lar possui uma realidade institucional, um pouco diferenciada das “instituições 
totais” (Goffman, 1974). Lá existe uma liberdade maior, os portões permanecem abertos, não há 
dias determinados para visitas e as pessoas podem transitar livremente, ou seja, os moradores do 
Lar não vivem sob um regime de total confinamento. 
Muitos fatores contribuem para esta realidade. Um deles nos parece estar relacionado à 
forma como a cidade de Prados trata os “diferentes”. Seus habitantes interagem com estes 
indivíduos e os integram na comunidade, eles não se encontram isolados do convívio social, 
saem quando querem, recebem visitas e visitam amigos e parentes em suas casas, participam de 
comemorações festivas e eventos realizados na cidade, freqüentam a igreja e participam das 
 37 
atividades desenvolvidas pelos grupos que trabalham na paróquia. Acredita-se que em Prados há 
uma preservação da memória social de seu povo. 
Outro ponto de diferenciação vem sendo construído, com certeza, pela atuação da 
Psicologia. O trabalho realizado pelas estagiárias do LAPIP tem alcançado ganhos significativos; 
um exemplo disso é a abertura dos portões, uma decisão tomada pela Direção do Lar a partir de 
intervenções e reflexões realizadas pelas estagiárias. Estamos percebendo que elas conquistaram 
um “lugar” de atuação profissional nessa instituição. Conseguiram superar as resistências 
iniciais, e vêm desenvolvendo um trabalho eficiente. Essa eficiência representa um espaço de 
abertura para a continuação e evolução dessa atuação. 
A abertura dos portões representa uma conquista que pode acionar uma representação 
psíquica muito significativa. A sensação do livre trânsito, certamente, pode ampliar a noção de 
liberdade, e provavelmente vai atuar como desbloqueador no processo de institucionalização. 
Acreditamos que algumas mudanças atuam significativamente no imaginário dos grupos. Esse 
tipo de intervenção (abriros portões), é uma ação concreta, e acreditamos que resulta em reações 
psicológicas aparentemente subjetivas, mas muito significativas para os residentes da instituição. 
Continuamos a perceber que no cotidiano, os idosos do Lar ainda apresentam apatia e 
entraves na comunicação, em alguns casos, também e principalmente, por uma condição 
orgânica e física limitadora. No entanto, as manifestações de sentimentos, pensamentos e as 
diversas interações que demonstram nos encontros e eventos da instituição, antes pouco 
presentes fora destes, já começam a ocorrer mais vezes e a serem mais significativos. Isto nos 
parece ser um fator que aponta para o resgate de uma relação interacional que vem possibilitando 
a reconstrução de uma identidade grupal, antes abafada ou impedida pelas situações de apatia, 
introversão e, até mesmo, fragmentação da identidade individual. Concordando com Pagès 
(1976), vemos que todo esse quadro é resultado de uma subjetividade reprimida em termos de 
expressão no grupo, devida tanto aos processos anteriores de uma socialização historicamente 
repressora, quanto a uma situação atual de submissão internalizada, em conseqüência da vivência 
 38 
de processos e mecanismos de institucionalização que enfraquecem o vínculo entre as pessoas, e 
também, a capacidade de se vincular, instalando empecilhos ao desenvolvimento pleno do 
processo grupal. 
No período de observação e análise deste grupo percebemos que com a temática lúdica as 
estagiárias conseguiram trabalhar as resistências e dificuldades grupais, e assim os membros se 
permitiram experienciar alguns afetos e compartilhá-los com os demais. Temos percebido que a 
exposição desses afetos no grupo gera uma atmosfera de empatia e confiança, fortalecendo os 
vínculos grupais, e contribuindo para um aumento da coesão do grupo. O grupo já apresenta 
evolução no que diz respeito ao desenvolvimento do Processo Grupal, pois seus membros 
começam a trazer questões da convivência cotidiana para discussão e busca de resoluções no 
espaço grupal. Tais fatos no fazem concordar com as colocações de Pichon-Rivière (1988), para 
quem os grupos são espaços de manejo tanto das alegrias quanto das angústias, o que possibilita 
a construção e fortalecimento de vínculos grupais, e, conseqüentemente, de uma identidade 
grupal. 
Segundo Pagés (1976), “o desafogo dos desejos reprimidos, é necessário como etapa de 
mudança para fins de uma tomada de consciência do sentimento de perda, e aí sim dar origem a 
uma adesão e a um desejo de mudar as formas de adesão. A violência institucional não é outra 
coisa senão, uma defesa contra o luto”. Para que sejam possíveis mudanças psíquicas no sentido 
de favorecer uma conduta saudável dos indivíduos, o luto deve ser elaborado e não negado, só 
assim, se torna possível compreender e aceitar as perdas no decorrer da história de vida das 
pessoas. 
Acreditamos que os integrantes do grupo conseguiram atingir mudanças significativas. 
Durante as reuniões, se pronunciam na primeira pessoa do plural (“nós”), o que dá indícios de 
uma identidade grupal sendo produzida e de uma vida institucional coletiva. Possivelmente, a 
elaboração subjetiva que eles vêm experienciando através das reuniões de grupo, está atuando no 
sentido de promover a construção de uma identidade grupal forte, capaz de amenizar as relações 
 39 
de poder na instituição, ou pelo menos, seus reflexos na vivência cotidiana do dia-a-dia 
institucional. 
Um outro dado é o aproveitamento de “datas” comemorativas como o carnaval, semana 
santa e o período de festas juninas. As estagiárias aproveitam estas festividades para resgatar a 
memória e identidade dos residentes através de jogos em que eles são divididos em sub-grupos e 
competem, respondendo a perguntas pertinentes ao próprio grupo e às festividades 
comemoradas. Através do trabalho com o lúdico ocorre o resgate da história de vida de cada 
membro da instituição e também a união dessas diferentes vivências que culminam, por meio do 
processo grupal, num melhor manejo da afetividade e coesão da identidade do grupo. 
Um outro momento do grupo a ser discutido é o trabalho das estagiárias com o 
investimento de poder nos jogos e a aprendizagem, através destes, no lidar com a perda. 
O grupo de residentes vem vivenciando vitórias e derrotas nas atividades lúdicas. Como 
são divididos em dois sub-grupos há alternância entre “ganhadores e perdedores” nos jogos. Essa 
vivência está levantando no grupo uma maior dedicação e atenção aos assuntos relativos às 
perguntas comumente feitas a eles durante os jogos. Os residentes têm então investido “poder” 
naqueles integrantes que alcançam melhores resultados durante as partidas e não é raro observar 
competições entre eles quando não há jogo. 
As estagiárias também estão trabalhando, durante os jogos, com reações emocionais 
quanto às “vitórias e derrotas” que tem causado algumas manifestações grupais. É fato que a 
maioria dos residentes da instituição perderam em algum momento de sua história o vínculo com 
a sua família de origem. Ensinar a elaborar e lidar com a derrota é compreender melhor essas 
questões afetivas que esbarram a todo o momento no processo do grupo, afinal o sentimento de 
derrota durante as partidas se assemelha ao da perda da família. Portanto, estas questões têm sido 
alvo de trabalhos constantes das estagiárias com o grupo. 
Por fim, cabe retomar a importância do processo de abertura dos portões. O livre trânsito 
dos internos que apresentam condições de locomoção pela cidade e dos moradores pela 
 40 
instituição modifica radicalmente as relações institucionais se pensamos em um asilo. 
Festividades conjuntas entre um grupo de terceira idade formado por moradores e o Lar 
Monsenhor Assis têm significado um começo de mudanças institucionais, com a criação de 
novas perspectivas para o atendimento de idosos que não podem contar com condições de 
moradia junto a seus familiares. É fundamental estarmos alertas para que não se trate apenas de 
ações paliativas e para que não haja retrocessos em termos das conquistas ora assinaladas. 
No desenvolvimento cotidiano de nossas atividades temos trabalhado com algumas 
categorias de análise/intervenção, que funcionam como instrumentos de preparo das 
intervenções, de análise de conjuntura e de reflexões sobre o processo de envolvimento das 
comunidades no trabalho. Citamos e comentamos algumas delas a seguir, com o objetivo de 
provocar o debate e contribuir para a construção de perspectivas de transformação através da 
atuação em Psicologia Social Comunitária. 
• Identidade Grupal: Produção de identidades grupais a partir das identidades vivenciadas 
pela população no enfrentamento cotidiano de sua realidade. A identidade grupal tem 
articulações com as identidades individuais, mas é muito mais do que a soma das 
identidades dos indivíduos que formam o grupo; 
• Afetividade Grupal: Avaliação e proposição de formas de vivência da afetividade 
individual e coletiva. Nossos dados de pesquisa têm confirmado que os grupos que 
conseguem vivenciar coletivamente sua afetividade, seja na alegria seja na tristeza, 
conseguem produzir sua identidade grupal com mais facilidade e coerência. Recorremos 
a Maritza Montero: 
 “Lo importante es que la afectividad es um aspecto constitutivo de la 
actividad humana que se expresa em los innumerables actos de la vida 
cotidiana, Em tal sentido, el trabajo comunitário, al proponer procesos de 
problematización, de desnaturalización conducente a la 
desideologización, de concientización, nesariamente debe tomar en 
cuenta la parte afectiva de tales procesos. El afcto, la conciencia y la 
acción está relacionados y es sólo po un acto de prestidigitación teórica 
que podemos separar lo cognoscitivo, lo afectivo y lo conativo.” 
(Montero, 2004) 
 
 41 
• Processo Grupal: o estabelecimento de vínculos e as características constituintes dos 
fenômenos grupais,

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