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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Gastroenterologia GASTRITES Definição e Classificação: A gastrite é definida de forma diferente por paciente, médico clínico, médico endoscopista e médico patologista. A gastrite geralmente é o termo utilizado pelos pacientes para explicar sintomas dispépticos, entretanto, há baixa associação entre os sintomas e as alterações compatíveis com o diagnóstico de gastrite na EDA e no exame histopatológico da mucosa gástrica (biópsia). A definição histológica de gastrite, avaliada pelo médico patologista, é a da presença de alteração inflamatória da mucosa gástrica, acompanhada ou não de alteração estrutural. O processo inflamatório da mucosa gástrica é caracterizado pela presença de infiltrado de células inflamatórias, como neutrófilos, macrófagos e linfócitos. - Gastrite aguda ou ativa: predomínio de neutrófilos na biópsia (infiltrado polimorfonuclear). - Gastrite crônica: predomínio de macrófagos e linfócitos na biópsia (infiltrado mononuclear). OBS.: Não devemos confundir gastrite aguda com gastrite crônica ativa, na qual pode haver a presença de neutrófilos em meio ao infiltrado mononuclear. Etiologia: As principais de causas de gastrite aguda são: - Infecção aguda. - Intoxicação alimentar aguda. - Uso excessivo de AINES ou AAS. - Tipos de alimentos. - Ingestão excessiva de álcool. - Isquemia. - Trauma. - Choque. OBS.: O uso excessivo de álcool e de AINES concomitantemente potencializa a lesão causada à mucosa gástrica. As principais causas de gastrite crônica são: - Infecção por Helicobacter pylori (causa mais comum de gastrite crônica). - Infecção crônica por outros microrganismos menos frequentes que a H. pylori, como CMV e Treponema pallidum (sífilis). - Doenças autoimunes. - Doenças granulomatosas sistêmicas, como Doença de Crohn e sarcoidose. - Gastrite por refluxo enterogástrico. - Gastrite eosinofílica. - Gastrite linfocítica. Gastrite Aguda: Processo inflamatório agudo que pode acometer todo o estômago ou predominar na região do antro gástrico e no duodeno. As lesões teciduais localizam-se nas regiões epitelial e subepitelial, caracterizando-se por edema da lâmina própria, congestão dos capilares sanguíneos e diferentes graus de hemorragia intersticial. As erosões do epitélio gástrico podem ou não estar presentes, uma vez que o reparo ocorre rapidamente. Gastrite Crônica por Helicobacter pylori: Processo inflamatório crônico que pode acometer predominantemente o corpo gástrico ou predominantemente o antro gástrico ou todo o estômago (pangastrite). A inflamação crônica da mucosa gástrica causada pela bactéria H. pylori pode ser caracterizada por destruição celular que ultrapassa a capacidade de regeneração celular, resultando em atrofia da mucosa gástrica (gastrite atrófica). A atrofia da mucosa gástrica caracteriza-se por grande destruição das células parietais que formam a estrutura da glândula gástrica/oxíntica, resultando em diminuição da liberação de seus produtos: ácido clorídrico e fator intrínseco. A atrofia da mucosa gástrica pode evoluir para o desenvolvimento da metaplasia intestinal da mucosa gástrica, lesão pré- neoplásica que aumenta o risco de evolução 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 para displasia do epitélio gástrico e, finalmente, para câncer gástrico do tipo adenocarcinoma. Classificação de Sidney: Classificação das gastrites quanto às suas características endoscópicas por meio do Sistema Sidney (1990). Topografia Categoria Grau de Intensidade Gastrite do antro Enantematosa e/ou Exsudativa Leve Gastrite do corpo Erosiva plana Moderada Pangastrite Erosiva elevada Grave/Severa Atrófica Hemorrágica Refluxo enterogástrico Pregas mucosas hiperplásicas A gastrite enantematosa e/ou exsudativa é a forma mais comum de gastrite observada na EDA e caracteriza-se por mucosa avermelhada localizada ou difusa e/ou por presença de exsudato mucoso. Ela pode ser classificada em leve, moderada ou grave. A gastrite erosiva plana caracteriza-se por erosões planas localizadas ou difusas. Ela é classificada quanto ao diâmetro das erosões em leve (< 5 mm), moderada (5-10 mm) ou grave (> 10 mm). A gastrite erosiva elevada caracteriza-se por erosões elevadas localizadas ou difusas classificadas da mesma forma que as erosões planas, ou seja, quanto ao seu diâmetro. A gastrite atrófica pode estar associada ou não à presença de metaplasia intestinal e caracteriza-se por diminuição do diâmetro das pregas mucosas e/ou por sua atrofia, mucosa acinzentada ou esbranquiçada e vasos sanguíneos submucosos visíveis. A gastrite hemorrágica caracteriza-se pela presença de múltiplos pontos de hemorragia subepitelial, ou seja, petéquias na superfície da mucosa gástrica. Ela está associada ao uso excessivo de AINES. A gastrite por refluxo enterogástrico é mais comum em pacientes já submetidos à procedimentos cirúrgicos do estômago ou à colecistectomia e caracteriza-se por presença de secreção biliar na mucosa gástrica, mucosa gástrica nodular, edemaciada, friável e intensamente congesta. A gastrite com hiperplasia das pregas mucosas caracteriza-se por aumento do diâmetro das pregas mucosas do corpo gástrico. Ela pode estar presente na Síndrome de Zollinger Ellison. Sistema OLGA: Avalia a presença de atrofia da mucosa gástrica e classifica o grau de atrofia, de forma a determinar o risco de desenvolvimento de câncer gástrico. O sistema OLGA baseia-se na realização de biópsias da mucosa gástrica em 5 locais diferentes: 2 biópsias no antro gástrico (1 na grande curvatura e 1 na pequena curvatura), 2 biópsias no corpo gástrico (1 na grande curvatura e 1 na pequena curvatura) e 1 biópsia na incisura angular. Além disso, pode-se realizar biópsias adicionais de lesões da mucosa gástrica com suspeita de malignidade. O sistema OLGA classifica o grau de atrofia da mucosa gástrica em: - Escore 0: ausência de atrofia. - Escore 1: atrofia leve (< 30%). - Escore 2: atrofia moderada (30-60%). - Escore 3: atrofia grave/severa (> 60%). Complicações: Aproximadamente 80% dos pacientes com gastrite crônica por Helicobacter pylori não evoluem para formação de lesões pré- neoplásicas. Aproximadamente 20% dos pacientes com gastrite crônica por Helicobacter pylori apresentarão a evolução atrofia-metaplasia- displasia da mucosa gástrica. A erradicação da H. pylori nas fases precoces da gastrite crônica resulta em regressão das alterações inflamatórias da mucosa gástrica. Entretanto, o tratamento contra a H. pylori reverte apenas a atrofia da mucosa gástrica na região do corpo do estômago, mas não na região do antro do estômago. Além disso, a terapia de erradicação da H. pylori não é capaz de causar a regressão da metaplasia intestinal 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 da mucosa gástrica. Portanto, a erradicação da H. pylori resulta em significativa melhora da gastrite e da atrofia da mucosa gástrica, mas não da metaplasia intestinal. A infecção por H. pylori é um fator crucial no processo carcinogênico de várias etapas que envolve o desenvolvimento do câncer gástrico. Neste processo, a mucosa gástrica transita por diferentes estágios de gastrite aguda, gastrite crônica, gastrite atrófica, metaplasia intestinal e displasia em uma cascata de alterações que precedem o desenvolvimento do adenocarcinoma gástrico. Ao longo dos anos, sempre se questionou a presença de benefícios a longo prazo para a mucosa gástrica após a erradicação da H. pylori. A partir de metanálises envolvendo inúmeros estudos clínicos randomizados revisando os efeitos a longo prazo da erradicação da H. pylori na histologia da mucosa gástrica, os resultados demonstraram que houve significativa melhora da atrofia gástrica, entretanto essa melhora não pode se aplicar em relação à metaplasia intestinal. Em relação aoseguimento dos pacientes que apresentam lesões pré-neoplásicas na mucosa gástrica e que já receberam terapia de erradicação da H. pylori, devemos seguir as seguintes recomendações: - Atrofia leve ou moderada apenas no antro gástrico sem metaplasia intestinal: não há necessidade de seguimento. - Metaplasia intestinal apenas no antro gástrico ou apenas no corpo gástrico: → Sem história familiar de câncer gástrico, sem metaplasia intestinal incompleta, sem gastrite autoimune e sem infecção persistente por H. pylori: não há necessidade de seguimento. → Com história familiar de câncer gástrico, com metaplasia intestinal incompleta, com gastrite autoimune e com infecção persistente por H. pylori: seguimento com EDA + biópsias a cada 3 anos. - Atrofia ou metaplasia intestinal tanto no antro quanto no corpo gástrico: → Sem história familiar de 1º grau de câncer gástrico: seguimento com EDA + biópsias a cada 3 anos. → Com história familiar de 1º grau de câncer gástrico: seguimento com EDA + biópsias a cada 1-2 anos. - Displasia da mucosa gástrica: → Sem lesão visível na EDA: displasia de alto grau (EDA + biópsias a cada 6 meses), displasia de baixo grau (EDA + biópsias a cada 12 meses). → Com lesão visível na EDA: estadiamento e ressecção cirúrgica e posterior acompanhamento com EDA + biópsias anual. Se houver confirmação de gastrite crônica por H. pylori independentemente da localização da lesão, deve-se realizar tratamento de erradicação da infecção por H. pylori, devido ao risco de evolução para câncer gástrico. Portanto, até mesmo em pacientes com DRGE, se houver confirmação da presença da H. pylori na mucosa gástrica, a terapia tripla de erradicação deve ser iniciada, visto que não há comprovação de que a eliminação da bactéria cause piora dos sintomas da DRGE.
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