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DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Direito Prof. Fabrício Polido Data de entrega: 25/10/2019 Grupo 1 - Turma B: - Bruno Lucas Oliveira Assunção - Débora Santos Tavares - Gabriel Salgueiro Soares - Giulia de Pinho Drummond - Ivan Martins Miranda - Luiz Magno Dias Júnior - Maria Laura Tolentino Marques Gontijo Couto CASO: STJ, Robinho Marketing Esportes Ltda v. Nike do Brasil Comércio e Participações Ltda. Agravo em Recurso Especial n° 323.253 - SP (2013/0096653-6) Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Julgado 18/08/2005 QUESTÕES (1) breve retrospecto/resumo executivo do caso de estudo apresentado; (2) discussão sobre os elementos de internacionalidade/elementos de conexão nos casos relatados – abordar as conexões existentes com distintos/múltiplos sistemas jurídicos e estados a partir da leitura/releitura dos casos e da doutrina; (3) indicar as possíveis situações relativas ao “conflito de jurisdições” presentes na matéria controvertida no litígio e discussão de fundo, bem como relacionar potenciais normas domésticas, internacionais – multilaterais e bilaterais - tratados e convenções, resoluções de OIs, recomendações aplicáveis aos temas, considerando os estados/organizações internacionais envolvidas (interfaces com o tema de Fontes do Direito Internacional Privado); (4) indicar casos semelhantes a partir de consulta feita pelos grupos nas fontes de pesquisa de modo a verificar repercussão (e.g. artigos em jornal, doutrina, jurisprudência dos tribunais brasileiros e estrangeiros); (5) opinião do grupo sobre a solução alcançada no caso pelo Tribunal e breve análise sobre a relevância do contexto no caso (e.g. social, político, econômico/comercial, cultural). RELATÓRIO 1. O CASO ROBINHO Vs. NIKE 1.1 Principais pontos O caso discutido no presente trabalho trata de litígio entre Robson de Souza - Robinho, jogador que já atuou pela Seleção Brasileira e por vários clubes famosos, e a também conhecida empresa de produtos esportivos Nike, que foi sua patrocinadora. Em suma, a discordância principal se refere à prorrogação do contrato de patrocínio/imagem firmado entre ambos. Na análise da demanda, o grupo pretende: (1) primeiramente, apontar de modo breve o ponto contratual que é centro da disputa, seguindo-se a apresentação do julgamento no Superior Tribunal de Justiça, como foco no Agravo em Recurso Especial n° 323.253 - SP e no Recurso Especial nº 1.518.604 - SP, documentos principais da tramitação, sem deixar de comentar os encaminhamentos a eles posteriores; (2) elementos de conexão; (3) conflito de jurisdição e normas; (4) casos semelhantes; (5) opinião do grupo e análise do contexto. Comentários sobre o tema sob o ponto de vista do Direito Internacional Privado, com ênfase nos conceitos e temas abordados nesta disciplina, serão realizados em todos os tópicos, focando no tema da Jurisdição. É importante destacar que o caso de Robinho pode ser lido sob a ótica da “vida social da pessoa na ordem internacional” : faz-se necessário abordar sujeitos, objetos, processos e 1 eventos, conferindo grande importância à dimensão humana, posto que os protagonistas são os sujeitos. Como jogador de grande destaque, Robinho passou por vários clubes e países, onde desenvolveu diversas relações jurídicas, de vários campos do direito, das quais foi sujeito. Apenas no litígio com a Nike, podemos observar a menção às áreas e normas de Direito Civil, notadamente Direito Contratual e Direito do Consumidor (além de envolver empresas - Direito Empresarial), Direito Processual Civil e Direito Internacional Privado, que congloba essas diversas áreas no encaminhamento da causa. 1 Conceito de Pontes de Miranda trabalhado pelo Prof. Fabrício Polido nas aulas de Direito Internacional Privado, semestre 2019/2, Curso de Direito na UFMG. Nesse sentido, o centro da disputa é a prorrogação do contrato entre as partes. Isto porque, de acordo com o jogador, houve a assinatura do “contrato de futebol” em 2002 e dois aditivos, em 2003 e 2006. Nesse último aditivo, que estendia a relação contratual até 2010, ficou estipulado que a Nike poderia fazer nova extensão, até 2014, da seguinte forma: A NIKE terá a opção de prorrogar este Contrato além de 1.º de Dezembro de 2010 por um período adicional de quatro Anos Contratuais, de forma que o Prazo Contratual prorrogado termine em 30 de novembro de 2014, com uma Remuneração Base de 1.800.000 dólares dos Estados Unidos se o JOGADOR estiver jogando em um time de categoria A e satisfizer o requisito de performance 1 da Seleção Brasileira previsto no Anexo 1 com todos os termos e condições aplicáveis ao Ano Contratual de 1.º de Dezembro de 2009 a 30 de Novembro de 2010, a menos que de outra forma ajustado pela NIKE. A NIKE deve enviar aviso por escrito à COMPANHIA dessa prorrogação até 30 de Novembro de 2010. Na visão de Robinho, essa cláusula indicava que o contrato poderia ser renovado pela Nike apenas na condição de estar o jogador atuando em um clube de “categoria A”, o que não era o caso da equipe em que ele estava na ocasião em que a empresa lançou mão do disposto. Já para a Nike, essa condição da “categoria A” apenas influía na remuneração indicada na cláusula, e não na possibilidade de renovação. Considerando o contrato encerrado após 2010, o jogador deixou de cumpri-lo, o que levou a Nike a, conforme o disposto no contrato, que determinava a eleição de foro holandês, bem como a aplicação de lei holandesa aos litígios dele decorrentes, postular na Corte Arbitral em Amsterdã pelo cumprimento do contrato e de sua extensão por Robinho. Nessa corte, o resultado foi se encaminhando de modo favorável à empresa. Já o jogador, conforme se conclui dos autos, além de apresentar defesa no processo na Holanda, ajuizou em 2011 ação com medida inaudita altera pars no Foro de Barueri/SP, tendo-lhe sido negado seguimento, e, posteriormente, ajuizou nova ação no Foro de Santos/SP. Permitimo-nos aqui comentar o caso também na primeira instância, pois, embora os documentos principais se refiram ao julgamento no STJ, aqui já se fazem presentes itens essenciais à discussão. Nesta ação, a parte autora era composta por Robson de Souza e a empresa Robinho Marketing Esportes Ltda., e a parte ré, pela Nike do Brasil Comércio e Participações Ltda., embora o contrato tenha sido firmado com a Nike Europa Operações Netherlands - Nike NEON, pessoas jurídicas distintas, sendo esta última responsável pelo acerto de contratos de patrocínio no âmbito do grupo Nike. A controversa cláusula era considerada abusiva pelo jogador, que entendia o contrato como de adesão (lançando, por isso, mão de dispositivos do Código do Consumidor em seus argumentos) e via também má fé da Nike, posto haver alegadas divergências entre as versões do contrato em português e em inglês. Entretanto, e este é o ponto que mais nos interessa aqui, a parte autora também discorre sobre a cláusula de eleição do foro holandês, alegando que se tratava de competênciaconcorrente e não exclusiva da Holanda, e que era possível, portanto, o ajuizamento também no Brasil. Ademais, intentava, diversamente do disposto no contrato, a aplicação da lei brasileira. Os argumentos eram pautados no Código de Processo Civil então em vigência (1973), art. 88, I, III e §1º (Jurisdição competente brasileira pelo fato de a ré ter sucursal no Brasil - entendendo-se a Nike Brasil como parte do mesmo grupo que a Nike NEON - e pelo fato de o contrato e seu primeiro aditamento, bem como as negociações do segundo aditamento, terem sido celebrados no Brasil). Também levantou, nesse ponto, o art. 12 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Para postular a aplicação da lei brasileira, valeu-se, sobretudo, do art. 9º da LINDB, caput e §2º (pelo fato de a proponente do contrato ter sucursal no Brasil e pelo local de celebração do contrato principal). Já a Nike Brasil, primeiramente, alegou ilegitimidade passiva, por ter personalidade jurídica distinta da Nike NEON. Ademais, discordava do jogador quanto aos demais argumentos, defendendo a aplicação das cláusulas contratuais - seja de prorrogação, de Jurisdição ou de lei aplicável. Tendo sido reconhecida em primeira instância como parte legítima, por fazer parte do grupo Nike, a Nike Brasil interpôs agravo de instrumento. Embora o Tribunal de Justiça de São Paulo tenha mantido a decisão quanto a este ponto, deu provimento parcial ao recurso, em 2013, extinguindo a ação, porquanto considerou válida a cláusula de eleição de foro. Assim, para o TJSP, verificamos que a questão restou assentada no primeiro dos pilares fundamentais do Direito Internacional Privado: o pilar da Jurisdição competente. Considerou a competência concorrente entre Brasil e Holanda, e, já havendo ação na Holanda - inclusive com a sentença homologada no Brasil -, a ação no Brasil seria mero reexame de causa. 1.2 O processo no Superior Tribunal de Justiça Diante disso, Robinho interpôs Recurso Especial e Recurso Extraodinário, ambos com seguimento negado pelo TJSP. Entretanto, ainda lançou mão de Agravo em Recurso Especial (Agravo em Recurso Especial n.º 323.253 - SP (2013/0096653-6) - Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino - 06 de março de 2015). Apresentou novamente questionamentos contra o acórdão do TJSP, cuja ementa indicava que a cláusula de eleição de foro no contrato entre Robinho e Nike não era abusiva, que a competência do caso era concorrente e não exclusiva, e que a pretensão já havia sido em parte julgada pela Justiça Holandesa, como já ressaltado. Os agravantes sustentaram a hipótese de competência concorrente, argumentando, no caso, que não restava afastada a jurisdição brasileira. Sob o fundamento da “relevância das questões suscitadas”, o Min. Paulo de Tarso Sanseverino deu provimento ao agravo, para possibilitar maior análise do Recurso Especial. Assim, passou a ser analisado o Recurso Especial n.º 1.518.604 - SP (2013/0096653-6) - Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, acórdão de 15 de março de 2016. Conforme o relatório, os recorrentes apontaram violações a dispositivos do Código de Defesa do Consumidor, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e do Código de Processo Civil (semelhantes aos já comentados por este grupo quando da análise da primeira instância). Seus principais argumentos diziam que o acórdão continha omissões e contradições sobre: (1) impossibilidade de processamento do agravo da Nike como instrumento; (2) aditamento do contrato, que passou a prever, em certa circunstância, competência concorrente do local de residência do jogador, e não da Justiça holandesa; (3) tramitação de processo na Holanda sendo que a pessoa jurídica tem sede no Brasil, resultando na invalidade da cláusula de eleição de foro; (4) não pertinência da ideia de que o ajuizamento de medida provisória em outra Jurisdição implicaria em renúncia da Jurisdição brasileira; (5) extinção em parte da ação no Brasil, mesmo com o reconhecimento da competência concorrente. Já as contrarrazões da recorrida, Nike do Brasil Comércio e Participações Ltda., são apontadas como: (1) já haver sentença holandesa, que deu ganho de causa à Nike, em 14/01/2011, homologada pelo STJ em 26/05/2011; (2) inexistência de prejuízo à defesa de Robinho e da Robinho Marketing; (3) discussão apenas sobre matéria fática; (4) ausência de mácula pela tramitação do agravo em instrumento; (5) inexistência de relação de consumo que pudesse resultar em nulidade da cláusula de eleição de foro. O Min. Relator Paulo de Tarso, em seu voto, assim estabeleceu os pontos a serem discutidos pelo Superior Tribunal de Justiça e seus posicionamentos diante deles: (a) negativa de prestação jurisdicional: o julgador entendeu que não havia vícios no acórdão do TJSP que permitissem essa conclusão. Para ele, as omissões alegadas não se constituíam. Ademais, acerca dos pontos que o Tribunal não analisara expressamente, a questão sobre o processamento do agravo como instrumento seria irrelevante e o argumento dos recorrentes sobre a nova circunstância prevista no contrato não era pertinente à temática (pois esta, na realidade, não modificava a competência da Justiça holandesa, e sim adicionava a possibilidade para a Nike ajuizar medidas em outros locais na eventualidade de quebra de exclusividade), não havendo motivos para se contestar o acórdão por isso; (b) retenção do agravo de instrumento: o Min. aduziu que a questão era irrelevante e não havia violação ao Código de Processo Civil; (c) nulidade da cláusula de eleição: para o Min., o art. 101, I do Código de Defesa do Consumidor não ensejaria nulidade, por se tratar de contrato paritário, regido pelas normas de Direito Civil, e não consumerista; (d) competência da Justiça brasileira: os recorrentes alegavam violação ao art. 9º da LINDB, o que não procede, por ter o acórdão tratado da Jurisdição e não da legislação aplicável, a qual é objeto de tal artigo. Não obstante, a competência internacional no caso é concorrente ou cumulativa, com fulcro no art. 12 da LINDB e no art. 88, parágrafo único do CPC/1973. Assim, sendo a competência concorrente e o contrato paritário, o Min. entende válida a modificação de competência por cláusula de eleição de foro. Ainda, não haveria violação ao art. 90 de CPC/1973. E, em suma: “Em que pese o possível ajuizamento da ação na Justiça brasileira, essa possibilidade acaba por se esvaziar tendo sido suscitada, oportunamente, a incompetência da Justiça brasileira pelo demandado, tendo em vista a cláusula de eleição de foro”. Desse modo, o Min. Relator Paulo de Tarso Sanseverino negou provimento ao Recurso Especial, no que foi acompanhado por toda a Terceira Turma do STJ, tendo sido negado provimento por unanimidade, em acórdão datado de 15 de março de 2016. Ressalta-se aqui, novamente, a importância do primeiro pilar do Direito Internacional Privado. Ademais, o relatório do Ministro indica que, em certo momento, houve confusão da parte recorrente entreo primeiro e o segundo pilar, o da legislação aplicável, cuja análise não era cabível no momento já que a resolução fora dada logo na questão de Jurisdição. 1.3 Posterior andamento do caso Inconformados com o acórdão do STJ, os recorrentes opuseram Embargos de Declaração em Recurso Especial, que foram rejeitados por unanimidade pela Terceira Turma, em acórdão de 02 de junho de 2016, e caracterizados como meramente protelatórios pelo Min. Relator Paulo de Tarso. Ainda assim, foram posteriormente ajuizados Embargos de Divergência pela mesma parte, admitidos pelo Ministro Relator Marco Buzzi em 15 de agosto de 2016. Entretanto, recentemente, em 02 de agosto de 2019, o Min. decidiu julgando prejudicados os Embargos, por perda de objeto, posto que tencionavam desconstituir decisão já tratada pela Justiça estrangeira, com base na cláusula de eleição de foro, tendo havido homologação no curso de tais Embargos. Trata-se da HDE n.º 1119/NL, referente a sentença holandesa que reconheceu a validade do acordado entre Nike e Robinho e da prorrogação do contrato de patrocínio até 30 de novembro de 2014. A homologação já transitou em julgado e, frise-se, menciona o Ministro que não houve contestação por parte de Robinho nos trâmites de reconhecimento dessa sentença. Vê-se aqui também, portanto, o terceiro pilar do Direito Internacional Privado, de execução e reconhecimento de decisões, sendo aplicado ao caso. Isto posto, a mencionada decisão sobre os Embargos de Declaração é o último documento constante no sítio eletrônico do STJ na busca relativa ao RESP Nº 1.518.604 - SP (2013/0096653-6) . 2 Por fim, observa-se ainda, no âmbito dos Tribunais Superiores brasileiros, que o litígio entre Robinho e a Nike chegou também ao Supremo Tribunal Federal. Não obstante ter o Tribunal de Justiça de São Paulo negado seguimento ao Recurso Extraordinário em 2013, a consulta no site no STF indica recurso protocolado em 11 de setembro de 2019 - após a 3 última decisão do Min. Marco Buzzi no STJ, portanto. Trata-se do Recurso Extraordinário com Agravo n.º 1.232.167 São Paulo. Em decisão de 30 de setembro de 2019, o Min. Dias Toffoli julgou prejudicado o recurso, pelas mesmas razões apontadas pelo Min. Buzzi no Recurso Especial. Restou assentado, portanto, ganho de causa à Nike conforme os documentos judiciais analisados neste trabalho. 2 OS ELEMENTOS DE CONEXÃO/ELEMENTOS DE INTERNACIONALIDADE NO CASO ANALISADO Os “elementos de conexão” estão presentes na estrutura das normas de conflito de Direito Internacional Privado e podem ser definidos como aqueles componentes ou as características do caso concreto que se relacionam simultaneamente a mais de uma ordem jurídica. Tais elementos podem ser classificados a partir de três critérios distintos: (i) subjetivo, como o domicílio, a residência habitual e a nacionalidade da pessoa; (ii) objetivo, como o local da celebração do negócio, do cumprimento da obrigação, de situação dos bens ou do dano; e (iii) volitivo, já que em determinadas situações as partes podem manifestar a sua vontade por meio de uma cláusula contratual de eleição de foro ou de lei aplicável . 4 No caso Robinho v. Nike, o elemento de conexão mais relevante é o volitivo, pois discute-se em juízo brasileiro a validade da cláusula contratual de eleição de foro da justiça holandesa. Ao ajuizar a ação, Robinho argumentou que a competência para julgar o caso seria 2 Conforme consulta realizada em 24 out. 2019. 3 Consulta realizada em 25 out. 2019. 4 ROGERSON, Pippa. A Collier’s Conflict of Laws. Cambridge University Press, 4th Edition, 2013, p. 266. da justiça brasileira, como já repisado anteriormente, em virtude da invalidade da cláusula de eleição de foro. Assim, o ponto fulcral do caso trata-se de analisar a validade da cláusula de eleição de foro presente no contrato internacional firmado entre as partes. O autor ainda alega que o foro brasileiro seria competente para processar e julgar a causa com base em um segundo elemento de conexão: a existência de agência, filial ou sucursal da ré no Brasil (art. 88 do CPC/1973 e art. 21, I e parágrafo único, do CPC/2015, já vigente quando do julgamento no STJ). Sobre a cláusula de eleição de foro, Rechsteiner aponta que: A liberdade das partes, entretanto, não é absoluta. Admite-se a cláusula de eleição de foro tão somente se escrita e se aludir expressamente a determinado negócio jurídico. Também não é permitido que se incluam pretensões sobre as quais, pela lei, as partes não poderiam livremente dispor, e que esta exclua, nesses casos, expressa ou tacitamente, a eleição do foro pelas partes ou determine que um foro seja exclusivo, ou seja, inderrogável . 5 Nesse sentido, observa-se que as cláusulas de eleição de foro previstas em contratos internacionais não serão válidas se resultarem de um contrato de adesão, ou se violarem a ordem pública. No caso, não houve violação da ordem pública e nem se trata de um contrato de adesão característico do Direito do Consumidor, já que as partes negociaram os termos do contrato de cessão de imagem e patrocínio em condição de igualdade, conforme entendimento do STJ. A justiça brasileira entendeu, então, pela validade da cláusula de eleição de foro, em respeito à autonomia da vontade das partes. Ademais, interessantemente, vale ressaltar que, no curso do processo na Holanda, a competência da justiça holandesa não foi sequer questionada pelo jogador. Por fim, mesmo que o argumento de invalidade da cláusula de eleição de foro não proceda, tendo em vista que o objetivo aqui é a análise dos elementos de conexão, deve-se mencionar novamente a questão da existência de agência, filial ou sucursal da ré no Brasil. O art. 88 do CPC/1973 (código processual vigente à época) considera que reputa-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. Entretanto, no caso em questão a parte que assinou o contrato era a Nike European Operations 5 RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática – 15. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012, p. 230. Netherlands, pessoa jurídica distinta da Nike Brasil. Porém, como já dito, por integrarem o mesmo grupo, afigura-se possível esse ajuizamento. Não obstante, a partir da leitura e releitura do caso, pode-se concluir que, com o argumento de postular contra a Nike Brasil, o intuito do autor era apenas negar a vigência da decisão proferida no foro holandês. (3) CONFLITO DE JURISDIÇÕES, NORMAS APLICÁVEIS Inicialmente, cumpre destacar que o conjunto de domínio normativo do Direito Internacional Privado lida com aspectos da vida social da “pessoa” na ordem internacional e estabelece o contato entre os sistemas jurídicos a partir do confronto e da coordenação das soluções que os ordenamentos oferecem para os casos concretos. Neste tópico, serão abordadas questões sobre (i) o conflito de jurisdições e (ii) o conjunto de fontes do Direito Internacional Privado aplicáveis aos temas tratadosno litígio Robinho vs. Nike, caracterizado por dois elementos centrais: pluralidade dos métodos de produção e complexidade. Com efeito, as questões sobre conflitos internacionais de jurisdição são precedentes e não se confundem com a análise das regras e princípios do direito material aplicável aos casos com conexão internacional. Uma vez identificados elementos de internacionalidade no caso concreto, faz-se necessário traçar uma leitura da demanda, à luz do Direito Internacional Privado, a partir de três pilares: a) jurisdição, isto é, qual o tribunal competente para conhecer da causa; b ) legislação aplicável ao caso, ou seja, qual o direito interno ao qual deverá ser buscada a solução para a controvérsia; e c) execução e reconhecimento de decisões estrangeiras. Essa análise deve ser feita de forma sequenciada, importando, quanto ao caso do Robinho vs. Nike, tratar dos dois primeiros pilares supramencionados. Isso porque o que está em discussão é um típico caso de “conflito de jurisdições’’, em que cabe ao magistrado reconhecer ou não sua competência para julgar a demanda, tendo por base as fontes do Direito Internacional Privado, sejam elas domésticas ou internacionais. Assim, quando um juiz tem sua competência internacional invocada, o primeiro questionamento que se deve levantar é se o caso atrai a jurisdição brasileira de forma exclusiva ou concorrente, ou, ainda, se por algum motivo, a jurisdição nacional deve ser afastada. No caso, o contrato de uso de imagem existente entre as partes previa a jurisdição holandesa como competente para conhecimento de qualquer demanda originária daquela relação obrigacional. Diante disso, questiona-se: essa cláusula de eleição de foro é válida? Se sim, ela afasta a jurisdição brasileira? O primeiro ponto a ser esclarecido é a diferença entre competência exclusiva e concorrente. A competência exclusiva está prevista no art. 23 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC), antigo art. 89 do CPC de 1973, assim prevendo: Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra: I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil; II - em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional; III - em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional. Esse dispositivo reflete uma decisão política legislativa para monopolizar o exercício do poder jurisdicional sobre determinadas matérias ou litígios pluriconectados. No mesmo sentido, prevê o art. 12, §1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB): ‘’Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil’’. Ou seja, a depender da matéria, fixa-se o foro acionado com exclusão de qualquer outro. Como consequência disso, tem-se que as regras de competência internacional exclusiva prevalecem sobre a vontade das partes, afastando a sua autonomia para transigir sobre o foro. O caso Robinho vs. Nike é de matéria essencialmente obrigacional, não se encaixando, pois, em nenhum dos incisos do art. 23 do CPC, o que, se assim fosse, já impossibilitaria a aplicação de cláusula de eleição de foro diverso. Cabe, em sequência, destarte, verificar se é caso de competência concorrente da jurisdição brasileira. Reconhecer a competência concorrente ou relativa significa dizer que mais de uma jurisdição pode conhecer da causa, de forma não excludente. Nos termos dos arts. 21 e 22 do CPC, antigo art. 88 do CPC de 1973, tem-se: Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que: I - o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; II - no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação; III - o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal. Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações: I - de alimentos, quando: a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil; b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos; II - decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil; III - em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional. No mesmo sentido, prevê o art. 12, caput, da LINDB: ‘’É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação’’. Destarte, como bem pontuado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, relator do caso Robinho, torna-se indubitável a existência de competência concorrente, visto que a Nike (Ré da ação) possui filial no Brasil, atraindo a incidência do art. 21, inciso I, c/c art. 21, parágrafo único, ambos do CPC. Esse, entre os incisos supratranscritos, é o critério de fixação de competência relativa mais estável, pois tem como parâmetro o domicílio do réu, dando menor margem para subjetividades. Ressalte-se, por oportuno, que o reconhecimento da competência como concorrente não é porque se trata de uma relação de consumo, como sustentam os recorrentes, o que levaria a concluir pela subsunção ao art. 22, inciso II, do CPC. Sendo a competência relativa, ela pode ser afastada pela vontade das partes, da mesma forma que, simetricamente, prevê o art. 22, inciso III, do CPC, de que as partes podem, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição brasileira. Sob essa ótica a cláusula no contrato do Robinho também não possuiria maiores problemas. O que se deve levar em consideração é que uma cláusula de eleição de foro não pode ser aplicada per se, pois em casos envolvendo partes hipossuficientes, como demandas de alimentos e relações de consumo, a jurisdição fixada em benefício da parte mais fraca (o alimentando ou o consumidor) tende a prevalecer, nos termos do art. 22 do CPC. A solução parece atender a um importante critério de proximidade, também associado ao direito de acesso à justiça e maior facilidade do juízo processante . 6 É por esse motivo que o Robinho e a empresa Robinho Marketing Esportes LTDA., recorrentes da demanda em comento, sustentam que se trata, na verdade, de uma relação de consumo (art. 2º do Código de Defesa do Consumidor – CDC), o que afastaria a cláusula de eleição de foro, em benefício da parte hipossuficiente. Trata-se do reconhecimento de foro específico para ações propostas pelo consumidor, em tutela individual ou coletiva, como previstas nos arts. 93, I e II, e 101 do CDC. Entretanto, a decisão se mostra acertada ao afirmar que arelação envolve partes paritárias, em que o jogador de futebol cede o direito do seu uso de imagem, sendo recompensado financeiramente por isso. Seria, no mínimo, uma excrecência considerar a Nike fornecedora de produtos ou serviços, nos termos do art. 3º do CDC. Assim, essa análise do ‘’forum shopping’’ deve ser feita previamente, no momento do estabelecimento do foro competente pelas partes, não podendo uma delas tentar alterar a relação jurídica material havida para atrair ou afastar a incidência de uma determinada jurisdição. Não merece respaldo o argumento dos recorrentes, pois, de que há prejuízos ao acesso à Justiça com uma ação tramitando na Holanda, visto que a cláusula de eleição de foro, admitida pelo ordenamento jurídico (art. 25 do CPC), visa justamente privilegiar a autonomia da vontade das partes. Logo, por não haver hipossuficiência na relação que justifique a abusividade da cláusula, deve ser ela considerada. Se, por outro lado, fosse reconhecida uma típica relação consumerista, poderia haver há subsunção do caso ao art. 22, inciso II do CPC se, à época, o Robinho possuísse domicílio ou residência no Brasil, o que também aparentemente não era o caso. 6 ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil, v. 1, Parte Geral, 11. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 340) Todo o exposto acima está em consonância com o previsto no art. 25 do CPC, a saber: Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação. § 1º Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo. Assim, induvidosa a opção do legislador processual brasileiro em priorizar a cláusula de eleição de foro em contratos internacionais. No mesmo sentido, nota-se que as cláusulas de eleição de foro têm ampla aceitação internacional, tendo se destacado a Convenção de Haia sobre os Acordos de Eleição de Foro de 2005, entrando em vigor em 2015 para os países da União Europeia e México. No mesmo sentido, existem outras convenções que visam dar aplicabilidade às cláusulas de eleição de foro, tais quais: Regulamento nº 1.215/2012 da União Europeia; Convenção Interamericana sobre Competência na Esfera Internacional para Eficácia Extraterritorial das Sentenças Estrangeiras; Protocolo de Buenos Aires sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual. No contexto internacional, a Convenção de Haia sobre os Acordos de Eleição de Foro de 2005 – que se propõe à maior coletividade de países ao redor do mundo – estatui em seu artigo 3º quais são os acordos exclusivos de eleição de foro, os quais são os acordos celebrados entre duas partes para designar uma jurisdição competente para decidir litígios advindos de relação jurídica, e em seu artigo 5º sobre a competência do tribunal eleito, determinando que “o tribunal designado por acordo exclusivo de eleição do foro tem competência para dirimir qualquer litígio a que o acordo se aplica”. Assim, não há ofensa ao art. 24 do CPC (antigo art. 90 do CPC/1973), como sugerem os recorrentes, pois o afastamento da jurisdição brasileira não se dá em virtude de existência de outra causa tramitando na Holanda (não há configuração de litispendência, portanto), e sim por existência de cláusula privilegiando a vontade das partes (art. 25 do CPC). Ainda, apesar de não ter sido levantado isso no caso, poder-se-ia discutir sobre a competência ser concorrente dado o local do cumprimento da obrigação, em que como o Robinho só poderia ser associado à imagem da Nike e a seus produtos, essa obrigação deveria ser cumprida inclusive no Brasil (art. 21, inciso II, do CPC). Trata-se, assim, da possibilidade de execução da obrigação principal no Brasil, atraindo a competência do juiz nacional. Reforça-se, contudo, que isso não afastaria a possibilidade de conhecimento pela jurisdição do local onde a obrigação foi constituída, a exemplo do que prevê o próprio inciso III do mesmo dispositivo. Sobre a matéria, aponta Fabrício Polido: ‘’A existência de um dos elementos já seria suficiente para atrair a competência do juiz nacional. Os incisos II e III referem-se a dois critérios de conexão muito menos precisos do que aquele do domicílio do réu (Art. 21, I) e, por essa razão, apontam para fundamentos muito amplos de competência internacional dos tribunais brasileiros’’. Seguindo-se na análise dos pilares fundamentais à compreensão de um caso com elementos de conexão, o próximo passo seria a identificação da lei interna aplicável para solucionar a controvérsia. Contudo, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a jurisdição brasileira no caso concreto, o acórdão não chegou a versar sobre a legislação aplicável. Quanto à temática obrigacional, o art. 9º da LINDB prevê que para ‘’qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem’’. O §2º, por sua vez, dispõe que a ‘’obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente’’. Vê-se, assim, que novamente os recorrentes tentam justificar a prevalência da jurisdição brasileira, por tratar o §2º sobre o sítio de residência do autor. Entretanto, como já salientado, a referida regra se encontra no pilar da legislação aplicável, configurando-se como uma típica ‘’norma de conflito’’. Assim, quando os recorrentes sugerem ofensa ao art. 9º, §2º, da LINDB, há, na verdade, confusão entre os pilares da jurisdição e da lei aplicável. Conforme pontuado por Fabrício Polido, ‘’pode existir coincidência (ou não) entre a lei material aplicável, segundo a regra de conexão contida no art. 9.º da LINDB, e o foro competente para apreciar eventual litígio entre as partes, mas ambos – lei aplicável e foro – dizem respeito a situações absolutamente distintas’’. Nesse contexto, poderia haver a discussão sobre qual a lei a ser aplicada: a do foro eleito? A do lugar de assinatura do contrato? Ou a do lugar onde a obrigação deve ser prestada? Vê-se que, diante desses questionamentos, o art. 9º aponta uma solução, isto é, onde encontrar a lei aplicável, que regerá a relação jurídica material. Por esse motivo é considerada uma norma ‘’indireta’’ pela doutrina. As normas de conflito referem-se, então, ao fundo da causa, e não às questões processuais (qual tribunal acionar). No caso, para fins de definição do direito material aplicável caberia avaliar se o contrato também possui cláusula de eleição, visto que, pela primazia da autonomia da vontade das partes, os contratantes podem definir qual a legislação regulamentadora da relação, afastando a incidência do art. 9º da LINDB. Trata-se de elemento de conexão volitivo, que não pode ser desprezado no caso concreto. Fazendo uma retrospectiva do direito material controvertido, tem-se que o contrato firmado por Robson de Souza, Robinho Marketing Esportes S/C LTDA. e Nike, denominado “Contratode Futebol”, tem como objeto: i) uso pela Nike do nome, imagem e atributos do atleta Robson; ii) serviços pessoais calcados na perícia para jogar futebol; iii) endosso quanto ao uso de produtos Nike; iv) contraprestação pecuniária da Nike pela cessão dos direitos ligados à sua personalidade e ao endosso. Em razão disso, tem-se que o contrato firmado pelas partes tem o escopo precípuo da cessão dos direitos de imagem do atleta para a fornecedora esportiva, de sorte que se regularia, no direito pátrio, inicialmente, pelos termos do art. 5º, inciso X e inciso XXVIII, alínea ‘a’ da Constituição Federal, os quais estabelecem o princípio de proteção à imagem. Em razão da necessidade de se regular as situações tocantes ao esporte, entrou em vigor a Lei 9.615/98 (vulgarmente conhecida como “Lei Pelé”), a qual fora modificada pelas Leis 12.935/11 e 13.155/15, mormente ao direito de imagem de atletas, para esculpir a regra do art. 87-A: “o direito de uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.’’ Contudo, verificando-se o referido contrato, observa-se que a alínea K do Aditamento nº 2, em conjuntura com a cláusula 24, prevê que a legislação aplicável será a holandesa. Ou seja, mais uma vez, as partes exerceram sua autonomia da vontade para decidir sobre o fundo da causa. Sendo reconhecida a paridade entre os contratantes, não há motivos para desprezar a referida cláusula. Assim, mesmo que o caso viesse a ser julgado pelo magistrado brasileiro, no exercício da sua competência relativa, dever-se-ia aplicar a lei interna holandesa. (4) CASOS SEMELHANTES No caso em análise Robinho v. Nike, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela competência concorrente entre os Estados do Brasil e da Holanda, de modo que seria possível a eleição, mediante cláusula prevista no negócio jurídico qualificado pelas partes como “contrato de futebol” (contrato de patrocínio e cessão de uso de imagem), do foro alienígena como competente para a solução das controvérsias advindas do acordo, conforme abordado. Quanto à possibilidade de eleição de foro, verifica-se decisão semelhante no caso “Companhia Hering x Minimex S.A.”. Trata-se de uma ação ajuizada pela Minimex S.A. pleiteando indenização por suposto descumprimento de acordo de comercialização e distribuição exclusiva dos produtos da marca Hering em todo o território argentino. Em recurso especial, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela validade da eleição da jurisdição brasileira como competente para julgar o processo, porquanto havia previsão contratual escrita e livremente pactuada entre as partes nesse sentido, senão vejamos: RECURSO ESPECIAL Nº 1.633.275 - SC (2012/0176312-5) RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA RECORRENTE : COMPANHIA HERING ADVOGADO : JOSÉ ANTÔNIO HOMERICH VALDUGA E OUTRO(S) - SC008303 RECORRIDO : MINIMEX SA ADVOGADO : VILSON LUIZ DE SOUZA E OUTRO(S) - SC003088 EMENTA RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL. CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO E REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. RUPTURA UNILATERAL. JURISDIÇÃO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO. PROTOCOLO DE BUENOS AIRES. VALIDAÇÃO. FORUM NON CONVENIENS. INAPLICABILIDADE. 1. Ação de indenização ajuizada por empresa sediada na República Argentina em razão de suposto descumprimento de acordo de comercialização e distribuição exclusiva dos produtos da marca "HERING" em todo o território argentino. 2. Existência de cláusula de eleição de jurisdição no contrato celebrado entre as partes. 3. Ao propor a demanda no Juízo da Comarca de Blumenau - SC, limitou-se a autora a observar a cláusula de eleição de jurisdição previamente ajustada, perfeitamente validada pelas regras do Protocolo de Buenos Aires. 4. As adversidades porventura surgidas durante a tramitação do processo no território nacional, a exemplo do cumprimento de cartas rogatórias, exame de documentos em língua estrangeira, entre outras, operar-se-ão em prejuízo da própria autora, a demonstrar que o ajuizamento da demanda no Brasil, a princípio, não lhe traz nenhuma vantagem sob o ponto de vista processual. 5. Havendo previsão contratual escrita e livremente pactuada entre as partes, elegendo a jurisdição brasileira como competente para a solução de eventuais conflitos, deve ela ser plenamente observada. 6. Restrita aceitação da doutrina do forum non conveniens pelos países que adotam o sistema do civil-law, não havendo no ordenamento jurídico brasileiro norma específica capaz de permitir tal prática. 7. Recurso especial não provido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma , por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília (DF), 08 de novembro de 2016(Data do Julgamento) Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA Relator Outro caso marcante envolvendo o conflito de jurisdições entre países se deu na ordem econômica, em uma política de análise antitruste com o caso “United States of America vs. The Watchmakers of Switzerland Information Center” . O case em análise retrata uma ação 7 movida contra várias empresas norte-americanas e suíças em razão do descumprimento do Sherman Act, 15 U.S.A.C.§1º. De acordo com a denúncia, as referidas sociedades combinaram e conspiraram entre si, injustificadamente, a fim de restringir o comércio interestadual e externo de relógios, componentes e peças de reparo, bem como violaram o disposto no Wilson Tariff Act, 15 U.S.C.A., §8º. Segundo a acusação, as empresas suíças obrigaram as empresas americanas a restringir a fabricação e a exportação de relógios e peças fabricadas nos Estados Unidos, com o objetivo de obterem peças suíças. Irresignadas, cinco das empresas rés requereram a rejeição da denúncia por não haver a jurisdição da Corte Americana sobre suas pessoas, dentre elas a Federação Suíça de Fabricantes de Hórlogerie (denominada FH) e a empresa Ebauches S.A. Por outro lado, Gruen S.A. e Wittnauer S.A., duas empresas norte-americanas que se sentiram lesadas pelas condutas das empresas suíças, alegaram que se a causa da ação fosse comprovada o tribunal americano seria competente. Ainda que em cada caso a controladora norte-americana possuísse controle financeiro da subsidiária suíça, a denúncia demonstra que as sociedades americanas que fizeram parte dessa conduta ilícita e lesiva à ordem econômica se submeteram voluntariamente como filiadas ao domínio restritivo das indústrias suíças. Ademais, embora as empresas norte-americanas participantes do esquema tenham comprado as empresas suíças, estas, por meio de seu know-how e relacionamento coletivo 7 Fonte: https://law.justia.com/cases/federal/district-courts/FSupp/133/40/1981372/suíço, determina quais relógios a matriz norte-americana venderá e a que preços e termos a empresa americana se compromete a concordar. Dessa forma, seria completamente plausível uma punição às empresas suíças, ainda que determinada pelo Tribunal Norte-Americano, porquanto seria irrealista afirmar que há uma separação corporativa, quando ambos concordaram que os atos de uma corporação influenciam a outra, bem como uma estabelece condições para a outra por meio de seus membros. Sendo assim, os participantes do esquema ilícito não devem ser tratados de forma independente, de forma que ambos devem ser julgados pela Corte Norte-Americana, considerando que os atos de um podem ser estendidos a atos do outro. Por fim, Gruen S.A. e Wittnauer S.A. fizeram referência à decisão do case “Giusti v. Pyrotechnic Industries, 9 Cir, 156 F.2d 351, 354”, entendendo que o veredito proferido poderia ser aplicado ao caso em análise. Outro caso importante refere-se à análise feita pelo Superior Tribunal de Justiça acerca dos arts. 38 e 39 da Lei de arbitragem. Para tanto, deve-se observar a Sentença Estrangeira Contestada 507, a qual foi apreciada pela Corte Especial, a qual considerou que o controle judicial da homologação da sentença arbitral estrangeira está limitado aos aspectos previstos nos arts. 38 e 39 da Lei 9.307/1996, de modo que não seria possível apreciar o mérito da relação de direito material afeto ao objeto da sentença homologada. Trata-se de caso que envolvia uma empresa de grãos da Itália, a qual obteve sentença arbitral favorável em demanda promovida contra uma empresa exportadora de grãos brasileira. Na oportunidade, a empresa brasileira argumentou que a sentença arbitral não deveria ser homologada, por entender que a cláusula compromissória seria ilegal. E, ainda que ela fosse válida, posteriormente à sua pactuação as partes teriam aceitado utilizar a jurisdição brasileira – o que seria uma clara renúncia à arbitragem. Segundo o site de notícias do STJ , o entendimento da Corte Especial sobre a questão 8 versou que: O ato homologatório da sentença estrangeira limita-se à análise dos seus requisitos formais. Isto significa dizer que o objeto da deliberação na ação de homologação de 8http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/A-jurisdicao-arbitral-prestigiada-pela-interpre tacao-do-STJ.aspx sentença estrangeira não se confunde com aquele do processo que deu origem à decisão alienígena, não possuindo conteúdo econômico. É no processo de execução, a ser instaurado após a extração da carta de sentença, que poderá haver pretensão de cunho econômico", comentou o relator do caso, o ministro Gilson Dipp – hoje aposentado –, sobre a pretensão do recorrente de rediscutir matéria fática da sentença arbitral durante a homologação”. Ademais, a Corte Especial também rejeitou o argumento que afirmava acerca da violação da sentença arbitral à ordem pública, justificado por uma suposta limitação ao exercício do direito de defesa em razão dos altos custos da arbitragem. Em uma análise da defesa de mestrado apresentada por Manon GILLET, mestrando na Faculdade de Direito da Universidade de Lyon, que versa sobre “La Resolution de Conflits de Lois et de Juridictions en Droit International des Assurances” , o autor versa sobre a solução 9 acerca situações que envolvam a possibilidade de diversos tribunais possuírem competência para julgar matéria de direito privado sobre seguros internacionais, isto é, se houver um conflito entre segurado e seguradora de Estados diferentes, há que se decidir pela determinação da competência de um dos Estados. Em resumo, o autor da tese de mestrado deixa claro que a solução para este problema seria a previsão de uma cláusula contratual elegendo um foro de competência para julgamento de eventuais conflitos. Contudo, em relação aos requisitos formais, as soluções judiciais são imprecisas. Segundo alguns, a cláusula deve aparecer em negrito sob pena de nulidade. No entanto, outras decisões que não levam em consideração essas características, a solução permanecerá incerta até que o Tribunal de Cassação tome uma posição sobre este ponto. Por fim, Gillet chega à conclusão de que, na verdade, apenas o consentimento das partes é realmente relevante para determinar a validade da cláusula. (5) OPINIÃO DO GRUPO SOBRE A DECISÃO DO TRIBUNAL E BREVE ANÁLISE SOBRE A RELEVÂNCIA DO CONTEXTO NO CASO Após a leitura e releitura do caso, o grupo concluiu que a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça resolveu com sabedoria a questão. Ao reconhecer o caráter paritário da relação constituída, o STJ acabou não somente por reconhecer a relevância do 9 Fonte: http://ial.univ-lyon3.fr/wp-content/uploads/2018/12/GILLET-M..pdf Direito Internacional Privado, mas também por promover importante passo na garantia das obrigações contraídas no âmbito da autonomia da vontade. Isto porque o argumento calcado na mera soberania estatal, também levantado por Robinho, não pode ser utilizado como modo de opressão dos particulares – e daí a importância do reconhecimento não só da validade da cláusula de eleição de foro (firmada em condição paritária de partes), mas também da própria decisão (na medida em que se reconhece, de forma diplomática, a partilha de competência para apreciar a causa). Frise-se que, em muitos casos, é notório o abuso de grandes marcas e de grandes times diante de jogadores inexperientes, em início de carreira, ao impor-lhes cláusulas mesmo abusivas que venham a resultar em ganho desproporcional para as empresas em momento futuro, em que a carreira do jogador alcance destaque. Entretanto, no caso de Robinho, a fortemente questionada cláusula de prorrogação do contrato, que deu azo a todos os demais questionamentos, foi negociada em um momento em que ele já tinha amplo reconhecimento e contava com possibilidade de assistência jurídica para melhor atendê-lo. Dito isto, para além da relação jurídica firmada entre as partes pelo contrato internacional de cessão de imagem e patrocínio no âmbito do futebol, mostra-se necessário analisar os efeitos econômicos inseridos no contexto do Direito Internacional Privado. Segundo Nadia de Araújo, o efeito econômico do conflito de jurisdição sobre os negócios jurídicos com elementos de internacionalidade é um aspecto pouco enfatizado nas análises de DIPr.. É nesse contexto que a inclusão das cláusulas de eleição de foro em contratos internacionais é uma prática fundamental, em razão da ausência de regras uniformes sobre jurisdição internacional. Para a autora : 10 Quando o litígio surge, há uma corrida para diversos locais que se apresentem como possíveis foros competentes, porque as partes procuram utilizar o tribunal do país em que sintam poder ser mais beneficiadas. Essa busca é denominada como fórum shopping. A incerteza gerada pelas múltiplas possibilidades abertas com o forum shopping pode diretamente afetar o custo da contratação, seus termos e mesmo sua existência, desencorajando certosnegócios somente em razão da análise das condições dos tribunais com possibilidades de julgarem a questão. Daí porque a cláusula arbitral assumiu, com o passar dos anos, grande importância nos contratos internacionais. 10 ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira / Nadia de Araujo. – 1. ed. – Porto Alegre : Revolução eBook, 2016. Neste sentido, a possibilidade de escolha do foro competente por meio da inclusão de cláusula de eleição nos contratos internacionais está relacionada à autonomia da vontade dos sujeitos que integram a relação jurídica. Tal escolha não se confunde com a lei aplicável, que em geral é abordada em outra cláusula do contrato. A primeira tem implicação exclusivamente processual, relacionada à questão da competência concorrente, como restou demonstrado no tópico de nº 03. Sobre o tema, ensina José Carlos Barbosa Moreira : 11 Com certa frequência, as partes de contrato com elementos internacionais fazem inserir no respectivo instrumento uma 'cláusula' (na verdade, negócio jurídico distinto) em que se elege a Justiça de determinado país como o foro próprio para o julgamento de quaisquer litígios porventura oriundos do contrato. O direito brasileiro admite, em princípio, pactos desse gênero, seja quando designam a Justiça brasileira em hipótese não prevista legalmente como de sua competência, seja quando indicam alguma Justiça estrangeira, em hipótese incluída na competência (não exclusiva!) da Justiça brasileira. Por outro lado, vê-se que a opção pelo foro holandês não se deu ao acaso. Ao analisar o contexto econômico-empresarial por detrás do caso, percebe-se que a Nike pode ter estabelecido empresa na Holanda com base na ideia de um planejamento tributário - isto é, o estudo e a gestão de forma de minimizar os custos fiscais incidentes em uma dada operação. A licitude do planejamento, contudo, é questionável - aproximando-se, em verdade, de um cenário de evasão fiscal. Conforme informações divulgadas por meio do vazamento de dados conhecidos por Paradise Papers , de 2017, a companhia se valia, há muitos anos, de 12 13 manobras fiscais inerentes à propriedade intelectual para pagar menos tributos e, no limite, obter vantagens frente às concorrentes. A ilustração abaixo, elaborada pelo periódico inglês The Guardian , ajuda a entender 14 o caso fiscal: 11 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Problemas relativos aos litígios internacionais.Temas de Direito Processual, 5. série, 1994, p. 146. 12 THE WALL STREET JOURNAL (Nova York). Nike’s Dutch Tax Deals Under Scrutiny in Europe. 2019. Disponível em: <https://www.wsj.com/articles/nikes-dutch-tax-deals-under-scrutiny-in-europe-11547120469>. Acesso em: 25 out. 2019. 13 THE GUARDIAN (Londres). Revealed: how Nike stays one step ahead of the taxman. 2017. Disponível em: <https://www.theguardian.com/news/2017/nov/06/nike-tax-paradise-papers>. Acesso em: 24 out. 2019. 14 Ibidem. Consoante Dolinger , o Direito Internacional Privado não mais se limita às 15 instituições do direito privado, mas também acaba por abarcar o direito público em questões administrativas, fiscais, financeiras e monetário-cambiais – áreas estas que possuem aspectos internacionais e demandam que se recorra aos princípios e às regras jurídicas internacionais privadas. Importante, de mesma maneira, apreciar a eficiência econômica gerada no caso: a primeiro, porque a cláusula da eleição de foro permite que as partes ajam da forma mais eficiente possível, modelando o contrato precisamente aos seus respectivos interesses; a segundo, porquanto a inteligência do Acórdão, ao conferir executividade ao contrato, incrementa a percepção de segurança jurídica – fato este que, no limite, impacta positivamente no cenário negocial, favorecendo este ambiente. Embora ao recorrente não se aplique o seguinte raciocínio, urge uma questão social extremamente relevante retratada na exordial do recurso apresentado: a exploração de profissionais do esporte no início de carreira, conforme já abordado. Como diversos atletas carecem, por questões sociais, da devida instrução, e por verem no esporte um meio de 15 DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 9ª. Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. ascensão social, é comum que agentes e empresas se aproveitem da situação de hipossuficiência para estabelecerem cláusulas abusivas. Ademais, ressalta-se o elevado impacto gerado pelas patrocinadoras tanto nos contratos realizados com os jogadores quanto no esporte. O artigo publicado no site jornalístico esportivo “Máquina do Esporte” , retrata justamente o conflito entre os jogadores 16 da seleção dinamarquesa e a patrocinadora Federação Dinamarquesa de Futebol (DBU). No caso em questão, os jogadores dinamarqueses se recusaram a aceitar o acordo de patrocínio com a patrocinadora da DBU, de modo que os atletas objetivavam estabelecer contratos individuais e patrocínio com empresas que competem, no mercado, diretamente com as atuais patrocinadoras da seleção. Como medida drástica e a fim de fossem atendidos, os jogadores optaram por não entrar em campo, resultando em uma possível banimento da Dinamarca pela UEFA. Outra medida extrema também foi tomada pela DBU, a qual definiu por convocar atletas que atuam na 3ª e 4ª divisões do país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAUJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira.1. ed. – Porto Alegre : Revolução eBook, 2016. ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil, v. 1, Parte Geral. 11. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 340. DOLINGER, Jacob. Direito Internacional Privado: parte geral. 9ª. Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática – 15. ed. rev. e atual. – São Paulo : Saraiva, 2012. ROGERSON, Pippa. A Collier’s Conflict of Laws. Cambridge University Press, 4th Edition, 2013. 16 Fonte: https://maquinadoesporte.uol.com.br/artigo/questao-de-patrocinio-pode-levar-dinamarca-ser-banida-p ela-uefa_35398.html
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