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1 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Cirurgia Geral AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA Introdução: Todos os atos cirúrgicos apresentam riscos de complicações. Os riscos iniciam-se na indução anestésica, permanecem durante a cirurgia e prolongam-se no pós-operatório. Além disso, há também os riscos de infecção, que dependem do tipo de cirurgia a ser realizada (limpa, potencialmente contaminada, contaminada ou infectada), da imunidade do paciente e da microbiologia presente no hospital. Assim, todos os cuidados no pré-operatório devem ser empregados de forma a evitar o desenvolvimento de condições clínicas inesperadas, aumentando o risco intraoperatórios e pós-operatórios. A avaliação pré-operatória objetiva otimizar a condição clínica e funcional do paciente candidato à cirurgia, de forma a reduzir sua morbimortalidade intraoperatória e pós- operatória. Tipos de Cirurgia: Quanto ao tempo necessário para a realização da intervenção cirúrgica, as cirurgias podem ser classificadas em: - Cirurgia Eletiva: cirurgia programada, que apresenta tempo adequado para a realização de todos os cuidados pré- operatórios; os principais exemplos são as hérnias abdominais e as cirurgias estéticas. - Cirurgia de Urgência: quando há tempo de até 24 horas para a intervenção cirúrgica; os principais exemplos são apendicite aguda e colecistite aguda. - Cirurgia de Emergência: quando a condição clínica do paciente envolve risco iminente de morte, havendo necessidade de intervenção cirúrgica imediata; os principais exemplos são trauma, choque hemorrágico e sepse abdominal. Quanto ao porte cirúrgico, as cirurgias podem ser classificadas em: - Pequeno porte. - Médio porte. - Grande porte (necessidade de realização de todos os exames complementares). Quanto ao risco de infecção intraoperatória, as cirurgias podem ser classificadas em: - Cirurgia limpa: quando não há contato com trato gastrointestinal, trato respiratório ou trato genitourinário; os principais exemplos são as cirurgias de hérnias inguinais e as cirurgias estéticas; a antibioticoprofilaxia é indicada em casos de uso de próteses (prótese de mama em mamoplastia de aumento). - Cirurgia potencialmente contaminada: quando há exposição de trato gastrointestinal, trato respiratório ou trato genitourinário, mas sem contaminação; os principais exemplos são colecistectomia, gastrectomia, cistectomia e histerectomia; a antibioticoprofilaxia é sempre indicada. - Cirurgia contaminada: quando há contaminação de trato gastrointestinal, trato respiratório ou trato genitourinário por bactérias em período < 6 horas; por exemplo, ferimento por arma branca com perfuração intestinal e vazamento de fezes por período de 4 horas; a antibioticoprofilaxia é sempre indicada e, às vezes, indica-se também antibioticoterapia. - Cirurgia infectada: quando há contaminação de trato gastrointestinal, trato respiratório ou trato genitourinário por bactérias em período > 6 horas, com a presença de abcesso, necrose ou tecidos desvitalizados no interior da cavidade torácica, abdominal, pélvica, etc; por exemplo, apendicite aguda com peritonite generalizada; indica-se antibioticoterapia e não antibioticoprofilaxia. Quando utilizar antibioticoprofilaxia? - Cirurgias limpas com prótese. - Cirurgias potencialmente contaminadas. - Cirurgias contaminadas. Avaliação Anestésica Pré-Operatória: Avalia-se as comorbidades do paciente e como elas podem influenciar o resultado do processo de anestesia e/ou cirurgia. As doenças descompensadas clinicamente devem ser corrigidas antes de qualquer procedimento cirúrgico eletivo. A Sociedade 2 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 Americana de Anestesiologia criou o escore ASA para a classificação dos pacientes quanto a seu status clínico pré-operatório e seu risco anestésico. ASA Definição Mortalidade I Paciente com saúde normal 0,08% II Paciente com doença sistêmica leve (ex. HAS controlada) 0,27% III Paciente com doença sistêmica limitante, mas não incapacitante (ex. DM descompensado) 1,8% IV Paciente com doença sistêmica incapacitante que lhe representa ameaça à vida (ex. DPOC em uso de O2) 7,8% V Paciente moribundo, com sobrevida < 24 horas com ou sem cirurgia 9,4% VI Paciente doador de órgãos (morte cerebral) 100% E Cirurgia de Emergência Considera-se o dobro do risco cirúrgico Avaliação Pré-Operatória: - Anamnese (história clínica) detalhada. - Exame físico completo. - Exames complementares, se necessário, dependendo da avaliação clínica (anamnese + exame físico). Anamnese: - História da doença atual e de seu tratamento. - Avaliação da tolerância ao exercício. - Última consulta com médico clínico. - Medicações em uso e história de alergias. - Uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas. - Comorbidades e história médica pregressa: doenças cardiovasculares, pulmonares, endócrinas, hepáticas, renais e neurológicas. - Antecedentes anestésicos e cirúrgicos: complicações anestésicas e/ou cirúrgicas, dor, náuseas, vômitos, sangramentos, necessidade de transfusão sanguínea, febre, reações adversas, tempo de internação hospitalar, necessidade de internação em UTI, etc. - Cicatrização e sangramentos. - Avaliação da via aérea e das condições de intubação orotraqueal. - História anestésica familiar (investigar complicações anestésicas). - Avaliação de pulsos, locais de punção para acessos arteriais e/ou venosos. - Avaliação de exames complementares prévios. Exames Pré-Operatórios: Os exames complementares pré-operatórios são realizados com o objetivo de identificar doença não detectada pelo exame clínico (anamnese + exame físico) em pacientes assintomáticos e aparentemente saudáveis, de forma a avaliar comorbidades que possam afetar o desfecho cirúrgico do paciente. Os exames complementares pré-operatórios que devem ser solicitados dependem da idade, do sexo, das comorbidades e das alterações identificadas na anamnese e/ou exame físico do paciente. Além disso, nas cirurgias de grande porte, deve-se sempre solicitar exames complementares pré- operatórios. Pacientes saudáveis com idade < 45 anos não necessitam de nenhum exame complementar pré-operatório, sendo suficientes apenas anamnese e exame físico. Os principais exames complementares pré- operatórios e suas principais indicações são: - Eletrocardiograma (ECG): → Homens ≥ 45 anos. → Mulheres ≥ 55 anos. → Obesidade. → Tabagismo. → HAS. → Alteração no exame clínico (anamnese + exame físico), como queixa de dor torácica e/ou alteração na ausculta cardíaca. - Radiografia de Tórax: → Tabagismo. 3 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 → Asma. → DPOC. → Infecção por HIV. → Cirurgia de tórax ou de abdômen superior. - Hemograma + Plaquetas: → Homens ≥ 45 anos. → Mulheres ≥ 55 anos. → Suspeita clínica de anemia. → Cirurgia de grande porte. → Cirurgia vascular. → Cirurgia neurológica. - Coagulograma (TP e TTPA): → Cirurgia de grande porte. → Cirurgia vascular. → Cirurgia neurológica. → Cirurgia oftalmológica. → Perda de sangue estimada ≥ 800 mL. → História de sangramentos. → Doença hepática, doença renal, doença autoimune, abuso de álcool ou uso de drogas. - Creatinina e Glicemia: → Idade ≥ 70 anos. → HAS. → DRC. → DM (solicitar também HbA1c). → Cirurgia de médio ou grande porte. → Presença de comorbidades. - Exames complementares dependendo da doença de base: → Ecocardiograma. → Espirometria. → Cintilografia. - Exames complementares dependendo da cirurgia a ser realizada: → Provas hepáticas: colecistectomia. → Manometria esofágica e pH-metria: fundoplicatura. → Estadiamento TNM: cirurgia oncológica. Quanto à validade dos exames complementares, pacientes que apresentam exames laboratoriais e ECG dos últimos 3 meses e exames de imagem dos últimos 6 meses não precisam repeti-los novamente.Medicamentos: Os medicamentos que devem ser mantidos até o dia do procedimento cirúrgico são: - Anti-hipertensivos e β-bloqueadores. 4 Bruno Herberts Sehnem – ATM 2023/2 - Insulina. - Anticonvulsivantes. - Broncodilatadores. Os medicamentos que devem ser suspensos antes do dia do procedimento cirúrgico são: - AAS: 7-10 dias antes. - Anticoagulantes orais: 5 dias antes. - Heparina: 6 horas antes. - Antidiabéticos orais (recomenda-se a substituição por insulina NPH ou regular): → Metformina: 24 horas antes. → Pioglitazona: não suspender. → Acarbose: suspender no dia do procedimento cirúrgico. → Sulfonilureias: 48-72 horas antes. → Glinidas: suspender no dia do procedimento cirúrgico. Benefícios da Avaliação Pré-Operatória: - Redução do tempo de internação hospitalar pré-operatória e pós-operatória. - Aumento do número de procedimentos cirúrgicos ambulatoriais. - Redução em 30% das suspensões de procedimentos cirúrgicos. - Aumento do número de internações no mesmo dia do procedimento cirúrgico. Complicações Pós-Operatórias: Os principais fatores de risco para complicações pulmonares pós-operatórias associados ao paciente são: - Idade avançada (> 60 anos). - DPOC. - Estado clínico (classificação ASA). Escore ASA Risco de Complicações I 1,2% II 5,4% III 11,4% IV 10,9% V - - Tabagismo. - Doenças cardiovasculares, principalmente insuficiência cardíaca. - Hipoalbuminemia. - Hipercapnia (pCO2 > 45 mmHg). Os principais fatores de risco para complicações pulmonares pós-operatórias associados ao procedimento cirúrgico são: - Local da cirurgia: torácica, abdominal superior, cabeça e pescoço, neurocirurgia, cirurgia vascular e cirurgia de emergência. - Técnica anestésica: anestesia geral, uso de bloqueadores neuromusculares de longa duração. - Duração da cirurgia: > 3-4 horas. Conclusões: - A execução de procedimentos cirúrgicos associa-se a riscos relativamente altos de complicações. - A avaliação pré-operatória, considerando principalmente dados clínicos (anamnese + exame físico), pode minimizar esses riscos. - O anestesiologista deve fazer parte da equipe de avaliação pré-operatória. - A avaliação pré-operatória adequada diminui os custos do tratamento, a taxa de internação hospitalar e o número de procedimentos cirúrgicos suspensos. - A avaliação pré-operatória aumenta a opção por execução ambulatorial de muitos procedimentos cirúrgicos.
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