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A RELAÇÃO SINO-JAPONESA E A SUA INFLUÊNCIA NA REVOLUÇÃO CHINESA

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A RELAÇÃO SINO-JAPONESA E A SUA INFLUÊNCIA NA REVOLUÇÃO CHINESA 
Luís Fernando Silva Lima
Profº. Charles D’Almeida Santana
Universidade do Estado da Bahia – UNEB
Graduação em Licenciatura em História
25/12/2020
RESUMO
A Revolução Chinesa de 1949 é um evento que possui tantas especificidades que se distingue em muito de todas as outras revoluções ocorridas no século. Um fator, contudo, não é alheio a todos os processos revolucionários, sobretudo os anticoloniais, que é a motivação anti-imperialista. O Japão nação vizinha que por eras foi um país que baseou sua estrutura e lógica de funcionamento na sua vizinha China, a partir do século XIX terá uma mudança de postura ocasionada por uma série de processos, que transformará uma espécie de aliado numa ameaça imperialista que terá um papel de destaque no cerne revolucionário.
Palavras-Chave: China, Japão, Guerra Sino-Japonesa, Revolução Chinesa.
INTRODUÇÃO
	O seguinte trabalho pretende discutir com brevidade a Revolução Chinesa a partir de uma análise da relação sino-japonesa. Primeiro se tenta compreender a extensão da relação entre as nações que começou a milhares de anos atrás, identificando a centralidade do império chinês, ao modo que o japonês se inspirava na nação vizinha. Posteriormente caminha-se para se perceber qual o panorama que permitiu a mudança da relação dos dois países, de pacífica à beligerante.
	Com o início da rivalidade entre as duas nações de maneira cronológica se discorre acerca primeiramente de como os elementos centrais do país, KMT e PCC lidaram com a ameaça japonesa e qual a influência do segundo conflito entre os países para a revolução em 49.
	Por fim, se compara os dois partidos antes e depois das hostilidades nipônicas, concluindo em como os sentimentos contrários ao Japão serão motor central da formação de um Nacionalismo Chinês.
O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES AO LONGO DOS ANOS: O INÍCIO DA AMEAÇA BELIGERANTE DO JAPÃO À CHINA
China e Japão são dois países asiáticos que tem uma relação milenar. Os primeiros contatos como descreve Keneth Henshall em seu livro A história do Japão, datam de 3000 anos atrás. Durante grande parte da história, as relações se estabeleceram a partir da China como Império Central e o Japão não sendo necessariamente um subordinado, mas se inspirando na estrutura e organização imperial chinesa. E nesses anos todos, as relações quase nunca foram beligerantes, com a exceção de tentativa de invasão mongol no século XIII, panorama que irá mudar a partir do século XIX, com a expansão colonialista europeia sobre os países africanos e asiáticos.
 A China que de acordo com Amaury Porto de Oliveira seria a nação mais rica do planeta, foi submetida a influência colonial (com destaque britânico, mas exercida por outros europeus também), por sua vez, o país insular de certa forma por receio de ser subjugado como a china, mas ao mesmo tempo com um objetivo de se tornar uma potência, se desenvolve economicamente e militarmente, a ponto de poder desafiar e derrotar a China no primeiro conflito sino-japonês (1894-1895). Essa derrota encaminhará no começo do século XX a desestruturação do império e a posterior formação da República da China. A guerra também inicia a população chinesa numa espécie de sentimento anti-japão que será fortalecido principalmente no segundo conflito sino-japonês.
As expedições militares japonesas à China terão um interregno nas duas primeiras décadas do século XX (apesar da ameaça nipônica ainda ameaçar o país a partir de tratados desfavoráveis e até “humilhantes”), sendo nesse período onde se desenvolveu o Partido Comunista Chinês e onde se inicia a primeira etapa da Guerra Civil Chinesa. Mas a partir de 1928 as intervenções militares japonesas na China se intensificam a ponto de em 1937 se iniciar o segundo conflito sino-japonês (1937-1945), conflito que pelo seu grau de mobilização.
A GUERRA CIVIL CHINESA E A AMEAÇA JAPONESA
	Com a morte de Sun Yat Sen em 1925, o KMT (Kuomintang), como define Osvaldo Coggiola, em seu texto “A revolução chinesa”, irá a partir de 1926 possuir uma política de reunificação do território chinês. Dividido entre senhores da guerra, milícias e diversos outros grupos, nesse contexto o PCC que ainda era um partido afiliado ao KMT tem vários líderes mortos e retirados da liderança do Kuomintang pelo exército de Chiang Kai Shek, posteriormente o PCC se estabelece em Wuhan juntamente com uma ala mais à esquerda do KMT, porém essa ala se reunifica com a célula original liderada por Chiang e o líder militar massacra operários e comunistas. O cenário interno se define a partir de então da seguinte forma, as tropas do KMT avançam agressivamente “reconquistando” territórios, enquanto o PCC tenta insurreições fracassadas em cidades como Wuhan e Changsha, até que até 1930 será empurrado para fora dos centros urbanos e tentará se organizar nas áreas rurais, esse momento completamente instável e conflituoso propiciará o início de expedições japonesas à Jinan, em setembro de 1931, o Japão invadirá a Manchúria onde irá instaurar um estado-satélite, “Manchuko”.
Chiang Kai Shek que liderava o KMT, ainda tinha de resolver questões com os territórios dominados por senhores da guerra, mesma as ações militares japonesas sendo um grande problema a ponto do próprio governo nacionalista pedir intervenção internacional (que não ocorreu), os comunistas, como argumenta Coggiola, no momento seriam um problema maior ainda. Essa perspectiva de Chiang é sintetizada pela sua famosa frase: “Os japoneses são uma enfermidade da pele, os comunistas do coração".
Os nacionalistas de 1930 a 1933 fizeram uma série de expedições contra bases comunistas, no confronto apoiado pelas montanhas e camponeses, os comunistas conseguiam se defender, entretanto no confronto direto sofriam muitas baixas. Finalmente em 1934, enquanto cada vez mais tropas japonesas penetravam o país, Chiang mobiliza cerca 500 mil homens para massacrar os comunistas, que fogem e iniciam a “Longa Marcha”, uma retirada que durou 1 ano, onde os então 100.000 comunistas percorrem 10.000 quilômetros, apenas 9.000 terminaram o processo, mas o fato tem um forte apelo sentimental para causa, como Edgar Snow, em A China Ontem e Hoje, destaca: “Pode-se rejeitar ou desprezar a ideologia comunista como religião universal ou fé política, mas é impossível não reconhecer na Longa Marcha um dos grandes triunfos do homem contra as probabilidades, e do homem contra a natureza". 
O evento também serviu para a solidificação do Exército Vermelho e mobilização do campesinato em favor do PCC. Uma aliança entre os dois partidos chineses, se dará de fato em 1936, às vésperas do início do segundo conflito sino-japonês, onde os próprios soldados de Chiang desgostosos com a situação firmam aliança com os comunistas que desde 1933 demonstravam querer uma Frente Unida. As tensões crescentes, culminarão finalmente em 1937, o início da Segunda Guerra Sino Japonesa, após um incidente na ponte Marco Polo que os nipônicos usaram como pretexto.
O SENTIMENTO ANTI-JAPÃO NA GUERRA E OS DESDOBRAMENTOS NA REVOLUÇÃO CHINESA
	O Japão no contexto que inicia suas hostilidades não só à China, mas ao sudeste asiático, na década de 1930, estava num ponto onde a sua transformação numa potência imperialista, tal como as europeias, só se daria de fato com a utilização de matérias-primas que eram inexistentes no seu território. Sendo assim, a expansão territorial, ou a colonização de outros países para aumento de mercado se faz fundamental nessa empreitada. Naturalmente, essa ambição nipônica não se faz de modo pacífico e amistoso, a China sobretudo, experimenta uma série de situações que fortalecerão ainda mais o sentimento anti-japão que vinha sendo construído desde o primeiro conflito que ocorreu no século XIX.
	Inicialmente no Segundo Conflito Sino-Nipônico, o Japão terá investidas avassaladoras, o fato dos países do que viria a ser o bloco aliado na Segunda Guerra ignorarem o perigo japonês fez o país avançar sobre o continente e apenas a partir de 1941, começar ater seus ataques repelidos de forma contundente, com a entrada dos EUA na guerra (ocasionada pela própria ação japonesa). Nesse meio tempo, massacres como em Nanjing, onde milhões de pessoas foram massacradas, e milhares de mulheres estupradas. Calcula-se que os japoneses estupraram de 20 a 80 mil mulheres chinesas levando muitas à morte por ferimentos e ao suicídio por conta de danos psicológicos (CHANG, 1998). R.j. Rummel (1991) discorre que só esse evento ocasionou 19 milhões de morte por assassinatos, ou decorrência de fome, doenças e bombardeios.
	A violentíssima invasão japonesa causa graves fraturas na mentalidade do povo chinês como um todo e a postura dos dois Partidos em reação ao perigo ocasionado pelo Japão serviu de mobilização popular. Enquanto o KMT, sintetizado na figura de Chiang (ressaltando que não necessariamente fosse a opinião majoritária no partido, tendo em vista os eventos que levarão à formação da Frente Unida em 1936), mesmo no momento de unidade dos dois exércitos ameaçava cisão e antes de deflagrada a guerra, minimizou a ameaça nipônica em detrimento dos Comunistas. Por outro lado, o PCC para além de no pré-guerra estar espalhado pela área rural da China (não por preferência), aliado com a maior parte da população chinesa, tinha uma perspectiva, sintetizada na figura de Mao Zedong, do perigo nipônico como o primordial e uma defesa ferrenha de uma Frente Unida desde 1933. Esse panorama permite ao PCC ter um enorme recrutamento, que foi fundamental para o aumento exponencial de afiliados do partido.
	A partir da entrada dos EUA de 1941, a 1944 as forças aliadas terão grandes avanços ao ponto de que finalmente em 1945 com a URSS assumindo o controle da Manchúria e posteriormente com a utilização das bombas nucleares, o Japão se rende. A participação dos 2 partidos na guerra é fundamental para se compreender a posterior possibilidade de vitória do PCC em 1949, o KMT como parte “principal” do Exército chinês participou e sofreu muito mais baixas que o PCC que como discorre Martins no seu texto As relações Sino-nipônicas durante o século XX, 
“Sublinha-se, contudo, que a contribuição comunista foi muito reduzida para o esforço de guerra, pouco afectando a estratégica balança de poderes. As suas acções reduziam-se a sabotar as linhas de comunicação japonesas, hostilizar soldados japoneses e forças fantoche que se aventuravam para além das estradas que defendiam e a punir colaboradores chineses. A única excepção foi aquando da Ofensiva dos Cem Regimentos em 1940, um conjunto de assaltos militares convencionais. Isto apesar das bases bélicas comunistas se situarem bem perto das forças japonesas, que estavam concentradas no Norte e no Nordeste chinês. De destaque, temos a capacidade do Partido Comunista de recrutar pessoas para o partido e mesmo para constituir a força da Oitava Rota e os Novos Quartos Exércitos. Isto porque apresentava, desde 1937, como principal objectivo, a luta contra os japoneses. ”
Percebe-se que a participação distinta dos partidos, por um lado enfraquecerá o KMT em relação ao número de tropas, por outro fortalecerá as tropas comunistas que terão no posterior desenrolar da Guerra Civil, um treinamento muito melhor do que na década anterior, assim como armas também. Apesar de desacredita inclusive pela URSS, as tropas de Mao Zedong sairão vitoriosos na culminação da Revolução, em 1949.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O PCC, agora comandando a nova República Popular da China, reconhece as 5 décadas, do final do século XIX até meados do XX, onde o Japão subjugou a população chinesa como fundamentais no pensamento anti-imperialista. Todos acontecimentos do período, com destaque para uns, serão um elemento fundamental para a construção do Nacionalismo chinês posteriormente, além obviamente de terem sido decisivos para os acontecimentos da Revolução Chinesa.
É impossível compreender o complexo e demorado processo revolucionário chinês sem se analisar as relações do país para com o mundo exterior, mas naturalmente seus vizinhos terão um grau maior de relevância. O Japão por toda sua relação conflituosa com a nação continental, que gerou um contexto anti-imperialista, junto com uma enorme mobilização e adesão popular, se faz decisivo para o processo chinês, liderado por Mao Zedong.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, G.; PROZEZINSKI, D. A Revolução no Extremo Oriente: a URSS e a fundação da República Popular da China.
CHANG, Iris. The Rape of Nanking: the forgotten holocaust of World War II. New York: Basic Books, 1998.
COGGIOLA, Osvaldo. A Revolução Chinesa.
HENSHALL, KENETH. A História do Japão. 2ª ed.
MARTINS, D. As relações sino-nipônicas durante o século XX.
OLIVEIRA, Amaury Porto de. China e Japão: Parceiros ou rivais.
SOUZA, Hércules Paulino. O sentimento anti Japão na China: Origens, estímulos e consequências. Belo Horizonte: Rev. Carta Inter, volume 12, 2017.
RUMMEL, R.J. China’s Bloody Century: Genocide and Mass Murder Since 1900. New Brunswick: Transaction, 1991.

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