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1 Louyse Jeronimo de Morais Cetoacidose diabética Referência: aula do prof. Júlio Cavalcanti Caso clínico Criança de 7 anos, previamente saudável, retornou de uma festinha de aniversário apresentando vômitos em grande quantidade, seguido por falta de ar, que aumentou progressivamente até que seus pais a levaram ao hospital mais próximo de casa. No IS, a mãe revelou que a criança vinha urinando com mais frequência, inclusive levantando à noite para isso. Também percebeu que estava comendo mais, porém perdendo peso. Na chegada ao PA, estava com EGG, desidratada 4+/4+, dispneica 3+/4+, ritmo respiratório de Kussmaul, e com rebaixamento do nível de consciência. Foi feito um teste de glicemia capilar, que mostrou resultado maior que 400 mg/dL. Colhida gasometria que mostrou pH 6,9. A criança foi levada para UTI, com diagnóstico de cetoacidose diabética, onde foi intubada e recebeu o tratamento especializado. Introdução A cetoacidose diabética [CAD] é um conjunto de alterações clínico-laboratoriais decorrente da insuficiente ação insulínica e do aumento da produção de hormônios contrarreguladores da insulina em resposta a alguma situação de estresse. Chama atenção para o fato de ser criança previamente hígida, com sintomas passados despercebidos e evolução rápida para o quadro de CAD. Epidemiologia • É a complicação aguda mais grave relacionada ao diabetes [DM1 ou 2]. • 15 a 67% das crianças diabéticas são diagnosticadas em CAD. • Em crianças diabéticas, o risco é de 1 a 10% por ano. • Mortalidade de 0,15 a 0,31% • 50% dos óbitos entre DM < 24 anos É a complicação aguda mais grave, mas não é a mais frequente. A mais frequente é a hipoglicemia. Fatores precipitantes Deve-se buscar identificar o fator precipitante, a fim de orientar e evitar que a CAD ocorra novamente. Fisiopatologia Partindo de uma falta de insulina [insulinopenia], teremos redução da captação celular da glicose, a qual faz com que a glicemia aumente no sangue, provocando hiperglicemia. Também vai levar a uma falta de glicose celular e consequente falta de energia [ATP], fazendo com que as células lancem mão de outros mecanismos para produção de energia, através da produção de hormônios contrarreguladores [GH, cortisol, catecolaminas e glucagon]. Assim, haverá glicogenólise e neoglicogênese, para produzir glicose e aumentar ainda mais a glicemia. O mecanismo de glicogenólise e, principalmente, de neoglicogênese leva à quebra de gordura do armazenamento de lipídios [lipólise = glicerol + ácidos graxos livres]. Isso produz acidose vista no quadro clínico. Além disso, a hiperglicemia provoca diurese osmótica, cuja consequência é glicosúria e poliúria. Esta última leva à desidratação, com redução da perfusão tecidual, hipóxia tecidual e produção de ácido lático, por um mecanismo de respiração anaeróbico e piora da acidose. O mecanismo não quebra de forma espontânea, o que leva ao óbito, se não tratado. Uma das formas da pessoa tentar equilibrar a acidose é através de vômitos e respiração de Kussmaul [respiração mais profunda e lenta inicialmente, depois taquipneica], podendo levar à alteração de consciência. 2 Louyse Jeronimo de Morais Depois do mecanismo instalado, não tem como recuperar sem tratamento. Quadro clínico • Poliúria, polidipsia, polifagia e perda de peso • Desidratação: leve, moderada, grave. • Instabilidade hemodinâmica: pulso fino, taquicardia, hipotensão • Náuseas, vômitos, dor abdominal • Taquipneia leve, respiração de Kussmaul: para tentar eliminar a acidose. • Hálito cetônico: cheiro de maçã adocicada. Diagnóstico laboratorial • Hiperglicemia: glicose > 200 mg/dL; • Acidose: pH sérico < 7,3 e/ou bicarbonato < 15 mEq/L [quanto mais acidose, mais grave é o quadro]; • Cetonemia > 3 mg/dL ou cetonúria presente. Tratamento inicial • Monitorização e reavaliação constante em ambiente especializado em emergência • Oxigênio • Acesso venoso • Colher exames: glicemia, gasometria venosa, eletrólitos [Na, K, Cl], ureia/creatinina, cetonúria ou cetonemia É um paciente grave, que precisa de acompanhamento à beira leito constante. Tratamento específico • Reposição hídrica [fluidoterapia] • Correção dos distúrbios eletrolíticos / acidobásicos • Insulinoterapia 1. Fluidoterapia A infusão de líquidos deve ser iniciada imediatamente ao diagnóstico, uma vez que se trata de uma urgência. Começa com soro fisiológico 0,9% em uma velocidade de 10 a 20 ml/kg/hora Se o paciente estiver em choque [pressão baixa, sem pulso, inconsciente] dá volume de forma mais rápida. Então, dá 20 ml/kg em 20 minutos e não em uma hora [máximo de 1000 ml/h]. Depois que ele estiver bem hidratado, continua com soro de manutenção [1500 a 2000 ml/m²/dia]. Isso é mantido até o paciente estar hidratado e aceitando bem a dieta via oral. A partir de tal momento, pode suspender soro de manutenção e passa a dar líquidos pela boca mesmo. Se, por um acaso, durante a evolução do paciente, a glicemia ficar abaixo de 250 mg/dL, adicionar soro glicosado 5% ao soro fisiológico, em uma proporção de 1:1, a fim de evitar hipoglicemia. 2. Reposição eletrolítica • Hipopotassemia [poliúria + vômitos] • Iniciar a partir da 2ª hora da hidratação • Se K+: o < 3,5 = 70 mEq/L o 3,5 – 6,5 = 20 a 40 mEq/L o > 6,5 = repetir exame em uma hora. O potássio é importante na condução das fibras nervosas musculares. Uma depleção desse eletrólito pode causar arritmia cardíaca. É esperado que haja uma hipopotassemia, então é recomendado que já se faça uma reposição de potássio [associa no soro de expansão] desde o início do tratamento para prevenir as consequências do déficit desse íon. A própria insulinoterapia reduz o potássio, pois uma das formas do corpo lidar com a acidose é trocar H+ com K+. Quando dá insulina, reverte acidose, então o potássio extracelular volta para as células, o que reduz os seus níveis sanguíneos. O nível encontrado de potássio geralmente é mais alto do que o real. Inicia a partir da segunda hora para ter certeza que o paciente está hidratado e urinando. 3. Correção da acidose A hidratação melhora a perfusão tecidual e reduz produção de ácido lático. Ademais, a própria insulina aplicada bloqueia a lipólise e a formação de ácidos graxos [neoglicogênese]. Dessa forma, o tratamento com hidratação e insulina, por si só, já corrige a acidose. O uso do bicarbonato aumenta o risco de edema cerebral. Deve-se usar apenas se pH ≤ 6,9, devido ao alto risco de depressão miocárdica. Não usa bicarbonato de rotina, porque hidratação e insulinoterapia já corrige acidose. 4, Insulinoterapia 3 Louyse Jeronimo de Morais • Objetivo: promover redução gradual da glicemia e da cetogênese. Quando o paciente entra em CAD significa que o organismo dele passou por um tempo nessa hiperosmolaridade [por conta da hiperglicemia]. Para se proteger disso, o corpo passa por um processo de adaptação, de forma que não se deve reduzir glicemia muito rapidamente. Se fizer isso, eleva-se muito o risco de edema tecidual por osmose, principalmente o cérebro. O objetivo é corrigir a CAD em 12 a 24 horas. Quanto mais rápido baixar a glicemia, aumenta o risco de complicação. A infusão endovenosa de insulina ocorre em paralelo com a infusão de soro. Usa única e exclusivamente as insulinas rápidas. • Infusão endovenosa contínua [paralela à hidratação]: o Insulina regular ou ultrarrápida – 0,1 U/kg/h o Glicemia capilar a cada hora o Ajustar para queda glicêmica de 60 a 90 mg/dL/hora o Quando houve resolução da acidose [pH > 7,3 e Bic > 15], iniciar insulina NPH [0,3 U/kg/dia] e suspender a infusão contínua de insulina regular. Se a infusão reduzir glicemia muito rápido, reduz a velocidade de infusão pela metade. Enfim, a cada hora vai ajustando.Essa infusão lenta de insulina associada à hiper-hidratação leva a uma queda segura da glicemia e reversão do mecanismo de acidose. Um único detalhe a se atentar é que, antes de suspender a infusão contínua [30 min – 1 hr], temos que fazer aplicação subcutânea de uma primeira dose de NPH, porque ela demora um pouco para ser absorvida. A partir disso, monitora através das glicemias capilares. Complicações do tratamento 1. Hipopotassemia [< 3,5 mEq/L] • Risco de arritmias • Uso precoce [após a primeira hora] • Controle laboratorial 2-3h Quanto menor o nível de potássio, maior a alteração no segmento ST e, principalmente, na onda T. 2. Hipoglicemia • Controle glicêmico intensivo à beira do leito [1h- 1h... 2h-2h] • Uso de soro glicosado 5% se glicemia < 250 mg/Dl • Redução da velocidade de infusão da insulina [0,05 UI/kg/hora] 3. Edema cerebral • Complicação mais temida • 0,5 a 2% dos casos de CAD • Mortalidade de 40 a 90% • Dano neurológico permanente em 10 a 25% Fisiopatologia Na imagem abaixo, temos um vaso sanguíneo e a célula cerebral, com os solutos presentes em ambos. O mecanismo de membrana permeável faz com que a osmolaridade de um tenda a ser igual à da outra. Se não for, o líquido passa da região mais concentrada para a 4 Louyse Jeronimo de Morais menos concentrada, a fim de tentar manter o equilíbrio. Na diabetes, há uma concentração elevada de glicose e, portanto, hiperosmolaridade sanguínea. Em consequência disso, a célula produz substâncias proteicas para aumentar sua osmolaridade e não perder líquidos. Isso é gradual, levando um tempo para as células perceberem que estão perdendo água por osmose. Então, um paciente com CAD está com hiperosmolaridade sanguínea e celular. Quando começa a tratar, joga-se líquido nos vasos, diluindo a hiperosmolaridade. Assim, passa-se a ter uma concentração celular maior do que a sanguínea. Isso resulta na passagem de água do sangue para a célula, provocando edema celular. Quando ocorre no cérebro, denominamos de edema cerebral. Na imagem acima, toda a parte de cinza mais escuro é líquido, ou seja, edema do cérebro. Isso causa danos neurológicos. Quando o paciente estiver sendo tratado, se der líquido muito rápido, o sangue também é diluído muito rapidamente. Se for lento, dá tempo da célula se livrar das proteínas extras produzidas, evitando a ocorrência do edema. • Fatores de risco: crianças jovens; primo- diagnóstico, volume total de líquidos > 4 L/ 24 horas, queda da glicemia > 100 mg/dL/hora, uso de bicarbonato. • Sinais e sintomas: cefaleia, bradicardia, alteração de padrão neurológico [irritação, sonolência], queda da saturação de oxigênio, hipertensão arterial, convulsão. Pode acontecer de uma criança estar melhor e bem hidratada, mas evoluir com sonolência e irritação. Isso pode ser sinal de edema cerebral. O que mais chama atenção são os sintomas neurológicos, pois é o mais frequente. Tratamento • Jejum • Sonda nasogástrica • Decúbito elevado [30°]: cabeça mais elevada que o corpo. • Oxigênio • Monitorização cardíaca [PA 1/1h] • Reduzir oferta hídrica em 1/3 do calculado. • Manitol – 0,25 a 1 g/kg em 15-20 min [pode repetir a cada 6 horas] • NaCl 3% - 5 a 10 ml/kg em 30 minutos [pode repetir após duas horas] • Intubação orotraqueal – hiperventilar até manter PCO2 por volta de 30 a 35 mmHg • Realizar TC de crânio: TC de crânio é necessário para diagnóstico, mas não é fundamental que seja feito imediatamente na suspeita. É melhor iniciar o tratamento e depois fazer.
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