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Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS DOR TORÁCICA: A dor torácica é um “termo guarda-chuva” que representa 10% dos atendimentos no setor de emergência e pode estar presente em múltiplas doenças, com diferentes intensidades, formas e evoluções. Várias das possíveis etiologias desse quadro são graves, à exemplo da síndrome coronariana aguda (SCA), o que justifica a necessidade de um atendimento sistematizado. Uma das principais formas de diferenciar o sítio de origem da dor é a partir da distinção clínica entre presença de estimulação nervosa somática ou visceral, a saber: Dor somática: é bem localizada e descrita, uma vez que as fibras nervosas penetram a medula em pontos específicos. Cursa com forte intensidade; Encontrada principalmente na pleurite, além da costocondrite ou na dor pós-herpes zóster. Dor visceral: é condicionada pela entrada de fibras nervosas em múltiplas áreas da medula, dificultando a descrição (“desconforto” ou “peso”) e localização do incômodo. Pode ser observada na SCA e no espasmo esofágico. ETIOLOGIA E QUADRO CLÍNICO: Para auxiliar a determinar a etiologia da dor torácica, são considerados seus “grupos anatômicos”, associados a diferentes fisiopatologias e protocolos de conduta: Grupo cardíaco: o SCA: Também conhecida como isquemia miocárdica, é marcada pela obstrução (por êmbolos gordurosos ou trombos) do fluxo das coronárias, criando alterações entre oferta e demanda de oxigênio para os tecidos. O desconforto surge de forma gradual, com piora expressiva com esforço. Mecanismo básico de bloqueio do fluxo sanguíneo coronário o Pericardite aguda Comum principalmente entre homens, descreve a inflamação do pericárdio, cursando com sintomas sistêmico de infecção, dor súbita e anteriorizada, que piora com a tosse e a inspiração profunda (pleurítica). Ao exame físico, nota-se atrito pericárdico na borda esternal esquerda, que se intensifica quando o paciente se projeta para a frente. Esse quadro pode levar ao tamponamento cardíaco, marcado pela tríade de Beck (sons cardíacos abafados, diminuição da pressão arterial e turgência de jugulares). o Infecções do tecido cardíaco (endomiocardites): São importantes complicações de origem infamatória, cursando com o desenvolvimento de insuficiência cardíaca após a fibrose cicatricial de áreas com infiltrado celular de defesa. Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS Grupo vascular: o Dissecção aguda de aorta: Comumente afetando a aorta ascendente acomete principalmente idosos e hipertensos, sendo caracterizada pela propagação de um “rasgo” na túnica íntima arterial, até que ocorram distúrbios isquêmicos nas regiões afetadas. A dor, “migratória” (torácica/dorsal), é súbita e muito intensa dede o início, acompanhada de sinais autonômicos ou de choque. Representação da ocorrência de dissecção aórtica, alterando a integridade vascular Causas do sistema respiratório e de vasos pulmonares: o Tromboembolismo pulmonar: Descreve a migração de um trombo venoso periférico em direção às artérias pulmonares, onde fica impactado (preso). Há desenvolvimento de hipertensão pulmonar e disfunção cardíaca. o Pneumotórax: Implica em dor pelo acúmulo de ar no espaço pleural, capaz de comprimir várias estruturas do tórax. Sua evolução é aguda, podendo ter causa primária ou secundária (asma, DPOC). Pode se apresentar de forma espontânea primária ou secundária (em resposta a doenças de base) ou hipertensiva, quando a pressão intrapleural ultrapassa a pressão atmosférica. Alteração pressórica e volumétrica durante pneumotórax O exame físico pode não revelar alterações em quadros de pequena extensão, porém, frente a manifestações graves, detecta diminuição da expansibilidade, com ausência de murmúrios vesiculares e palpação timpânica. Grupo de distúrbios do abdome superior: Normalmente contemplam quadros como DRGE, úlceras pépticas e o espasmo esofagiano. Pode mimetizar a dor da SCA, Em caso de pneumonia, a dor, além de piorar com a inspiração, pode estar acompanhada de outros sinais de infecção, como mal-estar, febre e tosse Os principais fatores de risco associado às síndromes aórticas agudas são o tabagismo, a aterosclerose, a HAS, histórico familiar/pessoal e doenças inflamatórias vasculares Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS com queimação retroesternal e sensação “irradiável” de opressão torácica. A dor pode regredir com a posição ereta, repouso ou uso de bloqueadores de canal de cálcio, antiácidos ou nitratos. Grupo de músculos e nervos: São secundárias a traumas ou a movimentação intensa, normalmente com caráter pleurítico, em decorrência da movimentação musculoesquelética durante a respiração. Ao exame, a dor se mostra contínua e bem localizada. Outras causas: destaca-se a dor psicogênica, observada principalmente na síndrome do pânico, na qual também há sensação de morte iminente. Principais etiologias para a dor torácica (o * indica causas com risco potencial de morte) ABORDAGEM INICIAL AO PACIENTE COM DOR TORÁCICA: O principal objetivo do atendimento primário a um paciente com dor torácica é descartar causas com risco iminente de morte, alcançado a partir da aferição de sinais vitais e identificação de instabilidade hemodinâmica. Manejo da dor torácica com alto potencial de gravidade Nesse sentido, as primeiras medidas implementadas são aquelas que compõem o mnemônico MOV, descrito por monitorização cardíaca, oxigenação (se SatO2 < 90%) e pela obtenção de acesso venoso periférico. A seguir, considerando-se um paciente “estável”, deve ser feita a caracterização detalhada da dor, que baseia sua definição como típica ou atípica Início e duração do sintoma; Qualidade (tipo) da dor: pode ser definida como pressão, queimação ou pontada; Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS Sinais de Levine (A), da palma (B), do braço (C – boa especificidade para isquemias) e pointing sign (D – presente em dores não isquêmicas) Localização; Irradiação; Intensidade; Fatores de melhora ou piora; Sintomas associados; Forma de evolução. Parâmetros para avaliação da dor torácica como típica e atípica Assim, com esse rastreamento primário, é possível estimar a probabilidade de origem isquêmica para a dor torácica, dividindo-a em tipos, descritos por: Dor tipo A (definitivamente anginosa): dor retroesternal em queimação que foi precedida por esforço físico e regride durante o repouso ou após uso de nitrato. Se irradia para o ombro, mandíbula ou parte interna do braço esquerdo. Permite a confirmação da síndrome coronariana aguda, mesmo sem a presença de exames adicionais. Protocolo de atendimento para a dor anginosa Dor tipo B (provavelmente anginosa): suas características fazem com que a SCA seja a principal suspeita, mas ainda requerem a realização de novos exames. Cursa com padrão típico em alguns aspectos e atípico em outros. Algoritmo de manejo de dor torácica provavelmente anginosa Dor tipo C (possivelmente anginosa): suas características são principalmente atípicas, de forma que a síndrome coronariana aguda não é a suspeita mais provável. No entanto, requer exames para confirmar o diagnóstico. Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS Fluxograma para condução da dor torácica tipo C Dor tipo D (definitivamente não anginosa): há componentes que afastam totalmente a hipótese de SCA, como sinais de origem não cardíaca. Etapas para o manejo de pacientes com dor torácica tipo D De forma a auxiliar na confirmação da etiologia da dor e na escolha do tratamentoadequado, é necessário estratificar o risco de efeitos adversos (morte, infartos, necessidade de revascularização urgente do miocárdio) em 6 meses após a apresentação inicial, sendo usado o escore HEART: História: analisa o contexto e as características, já mencionadas, da dor torácica; Eletrocardiograma: visa identificar principalmente alterações no segmento ST; Age (Idade): usa como “ponto de corte” para risco aumentado a idade de 64 nos; Risk factors (fatores de risco): resultam da investigação de “contribuintes” para a doença arterial coronariana (hipertensão, sedentarismo, tabagismo, diabetes, etc.); Troponina (será abordada posteriormente). Tabela para estratificação de risco pelo escore HEART Resultados entre 0 e 3 pontos acusam chance de 1,6% na ocorrência desses desfechos, ao passo que pontuações > 7 revelam risco superior a 50%. PRINCIPAIS EXAMES COMPLEMENTARES: O eletrocardiograma deverá ser realizado e analisado em até 10 minutos após a primeira interação entre médico e paciente. Caso necessário, esses exames podem ser seriados, acompanhando com maior sensibilidade o Na suspeita de SCA, outras classificações podem ser usadas na definição de risco, como os escores TIMI e GRACE Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS desenvolvimento de alterações isquêmicas. ECG com supradesnivelamento de ST em derivações V2-V6 Os principais indícios relacionados à síndrome coronariana aguda residem nas anormalidades com elevação do segmento ST, utilizando como “valores limítrofes”: ≥ 2,5 mm em homens com menos de 40 anos; ≥ 2 mm em homens com idade igual ou menor que 40 anos; ≥ 1,5 mm (derivações V2 e V3) ou ≥ 1 mm em mulheres. Cabe destacar que a presença de bloqueio de ramo esquerdo “novo” ou “presumivelmente novo” junto à sintomas típicos de dor precordial também são considerados como IAM, de acordo com os critérios de Sgarbossa. Parâmetros de avaliação de um possível IAM associado a bloqueio de ramo esquerdo Nas situações em que o ECG não evidenciar sinais diagnósticos, mesmo na presença de sintomas típicos, pode ser realizada a cintilografia de perfusão miocárdica em repouso. Resultados sem alterações indicam chance baixa de eventos cardíacos nos meses seguintes, justificando a alta hospitalar precoce. Presença de focos transitórios de isquemia (setas) na parede inferior Além do monitoramento direto de quadros de SCA, outras etiologias cardiovasculares são detectáveis a partir do ECG, como a pericardite (supradesnivelamento difuso de ST), TEP (sobrecarga ventricular direita e taquicardia). Exames de imagem como radiografia e tomografia de tórax também são indicados em pacientes com dor torácica, pois podem ser usados para o diagnóstico diferencial de doenças não isquêmicas (ex.: TEP, dissecção aórtica ou pneumotórax). Os resultados costumam ser normais ou inespecíficos no contexto da SCA. O ecocardiograma pode ser usado para descartar quadros de derrame pericárdico e valvopatias, mas apresenta papel importante na SCA, identificando a etiologia de manifestações isquêmicas e fatores preditores de complicações Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS Nos atendimentos emergenciais a pacientes de baixo risco (mas com suspeita de eventos cardiovasculares agudos), outro importante exame de imagem é a angiotomografia de coronárias, capaz de identificar estenoses significativas com elevada acurácia. Por fim, o método padrão-ouro para investigação da anatomia das coronárias e de possíveis lesões obstrutivas é a cinecoronariografia, também empregada para guiar a decisão da revascularização miocárdica em indivíduos com SCA. Os eventos de necrose miocárdica levam à liberação de uma série de proteínas estruturais de miócitos e enzimas que podem ser identificáveis no soro dos pacientes, criando indicadores sensíveis para lesão cardíaca. Destacam-se como principais marcadores séricos para a isquemia do miocárdio a mioglobina a CK-MB e as troponinas (I e T), sendo que, atualmente, só há recomendação para a dosagem dessas últimas. Por ser uma proteína estrutural, a troponina é considerada mais sensível e específica para lesões do músculo cardíaco, com alteração precoce, dentro das primeiras 3 horas do quadro. Evolução da concentração sérica de marcadores de necrose miocárdica Todos os pacientes com suspeita de SCA devem realizar a dosagem de troponina, a ser repetida após 6 horas da primeira coleta. Resultados normais na repetição do exame afastam definitivamente o diagnóstico de evento isquêmico. Algoritmo para tomada de decisões de acordo com valores de troponina A avaliação por teste ergométrico, por sua vez, deve ser feita em casos baixo risco para eventos agudos, com alto valor preditivo negativo para manifestações isquêmicas induzidas por estresse. A realização desse exame só é indicada na ausência de sintomas ou sinais de alteração no ECG nas últimas 24 horas, com presença de marcadores de necrose negativos em amostras seriadas. A USG torácica à beira-leito vem se tornando um exame com aplicação rotineira, detectando com 100% de sensibilidade apresentações de derrame pericárdico Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS Algoritmo para o atendimento de dor torácica na emergência Júlia Figueirêdo – DISPNEIA, DOR TORÁCICA E EDEMAS
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