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/ Página 1 de 32 Objetivos: 1. Discutir as principais causas de dor torácica aguda e sistemas envolvidos (quadro clínico e diagnóstico); 2. Elaborar algoritmo de conduta frente a dor torácica aguda; 3. Elucidar a epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico, diagnóstico diferencial, tratamento e complicações da pericardite; (avaliação do eletrocardiograma) 4. Levantar dados a respeito dos diagnósticos errôneos de dor torácica aguda e consequências. Ao avaliarmos um paciente com dor torácica, é bastante natural que, na maioria dos casos, nossos esforços estejam voltados para confirmar ou afastar a hipótese de doença coronariana. Isso faz todo o sentido, tendo em vista a importância epidemiológica do infarto agudo do miocárdio. No entanto, não podemos nos esquecer que outras importantes causas de origem não isquêmica (dissecção de aorta, pericardite, pneumonias etc.) também devem ser consideradas no diagnóstico diferencial. Vale Lembrar: 1. As doenças ameaçadoras à vida que se apresentam com dor torácica são: (1) as síndromes aórticas; (2) a síndrome coronariana aguda; (3) o tromboembolismo pulmonar; (4) o tamponamento cardíaco; (5) o pneumotórax hipertensivo; e (6) a rotura esofágica (mediastinite). 2. Os casos de alto risco não são os mais prevalentes, porém a identificação e o manejo alteram o curso da doença. 3. Atentar para não focar em uma possibilidade diagnóstica, esquecendo-se do diagnóstico diferencial. Descartar uma causa não significa necessariamente que o paciente pode ter alta. 4. O uso dos escores de risco e protocolos diagnósticos acelerados ajuda a identificar os pacientes que podem ter alta precoce com segurança. 5. O diagnóstico de causa psicogênica é sempre de exclusão. / Página 2 de 32 / Página 3 de 32 Dor torácica aguda: É uma das causas mais frequentes de atendimento nas unidades de emergência. Geralmente de início súbito, sem fator desencadeante, de grande intensidade, com duração maior do que 20 minutos, podendo estar associado a sintomas como sudorese, náuseas/vômitos, dispnéia e síncope, de difícil alívio com medidas fora do contexto de atendimento de emergência. Dor torácica crônica: Geralmente de menor intensidade, com padrão de fator desencadeante e de alívio, com curso de apresentação de semanas ou meses com mesmo padrão. Causas pulmonares: A pleura visceral (mais interna) é inervada pelo plexo autonômico simpático e não possui receptores de sensação dolorosa. A pleura parietal (mais externa), por sua vez, é rica em terminações nervosas sensitivas, sendo a estrutura responsável pela dor na maioria das afecções pulmonares. A dor, nesta situação, geralmente tem característica pleurítica – dor geralmente intensa e de início abrupto, em “pontada”, que piora com inspiração profunda ou tosse, o que não ocorre com o movimento ou a palpação. Geralmente a dor pleurítica é bem localizada e segue a distribuição dos nervos intercostais. Tosse, dispneia, macicez à percussão, diminuição do murmúrio vesicular e do frêmito toracovocal são outras manifestações frequentes, dependendo da doença de base. / Página 4 de 32 As causas pulmonares mais comuns de irritação da pleura parietal e consequente dor pleurítica são as pleurites, o pneumotórax, a pneumonia e o Tromboembolismo Pulmonar (TEP) – obviamente esses últimos só causarão dor em caso de acometimento pleural, já que o parênquima pulmonar não possui receptores álgicos! Causas gastrointestinais: As doenças do esôfago, em especial o espasmo esofagiano difuso (EED), são condições que não raramente cursam com cólica esofagiana. No EED, essa dor torácica possui localização retroesternal típica, é intensa e pode irradiar para o restante do tórax, dorso, braços e mandíbula, durando de alguns segundos a vários minutos. Em geral ocorre no repouso, mas pode se associar à deglutição, à tensão emocional e aos exercícios! E ainda é aliviada com uso de nitrato! Como você pode concluir, às vezes o paciente com EED chega à emergência como se estivesse sofrendo um IAM! O que nos permite diferenciar clinicamente o EED da dor de origem cardíaca muitas vezes é a disfagia, comumente (mas nem sempre) observada no primeiro. As esofagites (de refluxo, químicas ou infecciosas) são outras condições que podem cursar com dor torácica de origem esofagiana. As doenças das vias biliares, a doença ulcerosa péptica e a pancreatite são causas de dor abdominal, que podem eventualmente se estender ao tórax. O diagnóstico diferencial dessas patologias em relação à dor de origem cardíaca não costuma oferecer dificuldade. Causas de dor da parede torácica: As doenças osteoarticulares são uma causa frequente de dor torácica na sala de emergência. Muitas vezes são pacientes jovens e sem maiores fatores de risco para doença coronariana, que apresentam dor torácica de instalação aguda. A costocondrite corresponde à inflamação da articulação costocondral, que liga as costelas ao esterno. Acomete frequentemente apenas um dos lados do esterno, mas não é raro que seja bilateral. As causas desta condição ainda não estão bem definidas, mas acredita-se que envolvam predisposição genética e trauma local. A síndrome de Tietze corresponde à mesma condição, porém com edema e calor locais, e geralmente com provas inflamatórias (VHS, PCR) positivas. O tratamento de ambas inclui repouso, gelo local e anti- inflamatórios, sendo os patches de lidocaína e o corticoide local reservados para os quadros mais intensos. No herpes-zóster, que frequentemente se associa à imunodepressão, o quadro se inicia com parestesia, que evoluiu para hiperestesia, geralmente na região dorsal, bem localizada (no trajeto dos nervos intercostais), podendo ser acompanhada por febre baixa. Devemos estar atentos, pois as vesículas que caracterizam a doença geralmente só aparecem alguns dias após o início dos sintomas. O tratamento é feito com analgésicos e antivirais (aciclovir, famciclovir, valaciclovir etc.). A Neuralgia Pós-Herpética (NPH) complica 10% dos casos, geralmente em pessoas de mais idade. A dor costuma ser leve, mas há relatos de quadro grave e incapacitante. Nesses casos, indicamos tratamento para dor crônica, como os antidepressivos tricíclicos e anticonvulsivantes. Outras causas: Ataques de pânico e outros transtornos psiquiátricos são responsáveis por até 10% dos atendimentos relativos à dor torácica no setor de emergência. / Página 5 de 32 Os sintomas podem ser relatados de diferentes formas (queimação, aperto, facada...) e costumam durar mais de 30min. Muitas vezes, o ECG pode deixar dúvidas, já que a hiperventilação característica aos transtornos de ansiedade pode levar a alterações no segmento ST e na onda T. Faixa etária mais jovem, ausência de fatores de risco cardiovasculares, padrão atípico da dor, história prévia de depressão, somatização e fobias podem ajudar no diagnóstico diferencial. O mais importante é o esclarecimento da condição ao paciente. Terapia cognitiva comportamental e intervenções de grupo têm demonstrado reduzir os sintomas em alguns estudos randomizados. DIAGNÓSTICOS ESPECÍFICOS Síndromes aórticas agudas: O sintoma principal da dissecção de aorta é a dor torácica. Normalmente a dor irradia para a região posterior e o abdome, tem início súbito, grande intensidade, sendo máxima desde o seu início, caráter lancinante ou em pontada e é frequentemente descrita como “sensação de rasgão” com irradiação para a região dorsal. Além disso, o paciente apresenta PA elevada. Um achado comum no exame físico é a assimetria de pulsos e PA entre os membros (diferença maior que 20 mmHg na PAS), sendo de extrema importância a palpação dos pulsos e aferição da PA nos quatro membros em pacientes com dor torácica no DE. Os sintomas secundários da dissecção aórtica resultam de oclusões dos ramos arteriais e incluem acidente vascularcerebral, infarto agudo do miocárdio ou isquemia do membro. Os fatores de risco incluem sexo masculino, idade superior a 50 anos, hipertensão mal controlada, uso de cocaína ou anfetamina, valva aórtica bicúspide ou troca valvar aórtica prévia, doenças do tecido conjuntivo (síndrome de Marfan e síndrome de Ehlers-Danlos) e gestação. Os achados de exame físico têm baixa sensibilidade e especificidade para seu diagnóstico. Um déficit de pulso unilateral das artérias carótidas, radiais ou femorais é sugestivo de dissecção aórtica. Os déficits neurológicos focais são raros. Enquanto uma radiografia de tórax completamente normal diminui a probabilidade de a dissecção aórtica estar presente, ela não exclui a dissecção. O dímero-D pode ser usado no contexto do escore de risco ADD-RS. Com valor baixo desse escore de risco, ou seja, 0 a 1, pode-se solicitar um dímero-D e com o resultado negativo há bastante segurança em descartar o diagnóstico. Se o escore de risco for 2 a 3, não é possível utilizar o dímero-D e deve-se ir diretamente para exames de imagem. As alterações no ECG são comuns entre os pacientes com dissecção aórtica, com até 40% a 50% apresentando com alterações do segmento ST ou da onda T. A troponina habitualmente não está elevada, exceto quando a dissecção compromete a saída das coronárias e sua elevação está associada ao aumento da mortalidade. Síndrome coronariana aguda: Dentre os diagnósticos graves da dor torácica, o mais prevalente é a síndrome coronariana aguda. Deve-se lembrar que até 47% dos pacientes com síndrome coronariana podem não apresentar dor torácica, e sim os chamados sintomas equivalentes anginosos, como dispneia e síncope. A síndrome coronariana aguda (SCA) constitui um espectro de diagnósticos de menor a maior risco, iniciando na angina estável, progredindo por angina instável e IAM sem supradesnivelamento de segmento ST até o IAM com supradesnivelamento do segmento ST. A dor torácica é descrita como tendo duração de 10 a 20 minutos, com localização retroesternal ou precordial, com irradiação para ombro e face medial do braço esquerdo. Porém, essa dor classificada como típica ocorre em 50% dos casos. Aumenta a probabilidade de ser uma SCA a presença dos seguintes sintomas: Irradiação para um ou ambos os ombros: mesmo que seja só o direito. História de náuseas e vômitos. / Página 6 de 32 Sudorese: especialmente quando observada pelo enfermeiro da triagem ou médico. Associação da dor com esforço. Os fatores de risco para coronariopatia clássicos são hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo e história familiar de coronariopatia precoce. No entanto, o número de fatores de risco isoladamente tem fraca associação com o diagnóstico definitivo de SCA. Nenhuma combinação de sinais e sintomas é capaz de confirmar ou excluir completamente a SCA. A impressão clínica também não é segura o bastante para confirmar ou descartar isoladamente o diagnóstico de síndrome coronariana aguda. O exame físico tem poucos achados em pacientes com suspeita de SCA sem supra de ST. O exame físico está alterado quando há fatores de maior gravidade como edema agudo de pulmão, complicação mecânica ou choque. O exame físico tem maior importância para outras causas de dor torácica. A ausculta cardíaca pode revelar um sopro sistólico devido à insuficiência mitral isquêmica, que está associada a mau prognóstico. O eletrocardiograma fornece pistas para alterações isquêmicas que sugerem infarto oclusivo ou não oclusivo. A principal alteração que sugere infarto oclusivo é o supradesnivelamento de segmento ST. O segmento ST é o trecho do ECG entre o complexo QRS e a onda T. O ponto J é a deflexão que encerra o complexo QRS e inicia o segmento ST. O desvio de segmento ST é realizado no ponto J em relação à linha de base. A linha de base deve ser o segmento entre o final da onda T e a onda P seguinte. O segmento PR não deve ser usado como linha de base pois pode se encontrar alterado como na pericardite. A definição de infarto agudo do miocárdio com supradesnivelamento é a seguinte: Elevação de 1 mm do ponto J em duas derivações contíguas. São derivações contíguas DII, DIII e aVF (parede inferior); V1, V2, V3, V4, V5 e V6 sequencialmente (parede anterior) e DI e aVL (parede lateral alta). Nas derivações V2 e V3 são exceção, pois são necessários 1,5 mm em mulheres, 2 mm em homens acima de 40 anos e 2,5 mm em homens abaixo de 40 anos. Se as derivações de V7 a V9 forem utilizadas, 0,5 mm é suficiente. Outros padrões que sugerem infarto oclusivo são: De Winter e os critérios de modificados de Sgarbossa na presença de bloqueio de ramo esquerdo. No infarto sem supra (não oclusivo) ou angina instável, a isquemia leve pode se manifestar como ondas T altas e apiculadas e é conhecida como isquemia subendocárdica. A alteração é indistinguível de hipercalemia moderada. A evolução da isquemia leva a ondas T negativas e simétricas, com o termo isquemia subepicárdica. Essa alteração é bastante inespecífica, mas a alteração dinâmica apoia a etiologia isquêmica. Finalmente, o grau maior de isquemia leva a infradesnivelamento de segmento ST – lesão subendocárdica. Pacientes com ECG completamente normal ainda têm uma possibilidade de 2% de apresentarem uma SCA. Já aqueles pacientes com alterações inespecíficas têm uma possibilidade de 9% de apresentarem uma SCA. Os principais marcadores cardíacos de necrose são as troponinas I e T. No entanto, com os exames atuais de troponina encontra-se um valor de 2 a 6 ng/L de troponina T em pessoas normais. Após a necrose de cardiomiócito, começa a haver alteração do valor de troponina em 2 a 3 horas. O consenso europeu de síndrome coronariana aguda sem supra de ST de 2020 recomenda que uma dosagem de troponina seja feita com 3 horas do início do sintoma caso o paciente se apresente muito precocemente no pronto-socorro. Os valores de troponina atingem o máximo após 24 a 48 horas do infarto e voltam a valores basais após 5 a 14 dias. TROMBOEMBOLISMO PULMONAR: Os sintomas de embolia pulmonar incluem dor torácica súbita (pode piorar com inspiração, chamada pleurítica), dispneia, hipoxemia, síncope ou choque. Pode haver tosse associada ou hemoptise. / Página 7 de 32 Os pacientes com embolia pulmonar podem apresentar febre e edema ou dor nas pernas, e alguns pacientes relatam dor na parede torácica. Achados comuns no exame físico incluem taquipneia, taquicardia e hipoxemia. Fatores de risco de embolia pulmonar incluem cirurgia recente, trauma, imobilidade prolongada, câncer ativo, estrógenos de pílulas anticoncepcionais ou terapia de reposição hormonal, principalmente se tabagismo associado, trombofilias ou história de embolia pulmonar prévia ou trombose. Os critérios para descartar o tromboembolismo pulmonar excluem o embolismo pulmonar em pacientes com baixa probabilidade pré-teste sem testes diagnósticos adicionais. Um exame de dímero-D normal, em um paciente hemodinamicamente estável de risco baixo a intermediário, torna a embolia pulmonar muito improvável. Dímero-D não deve ser solicitado em pacientes com alto risco. Em pacientes com tromboembolismo pulmonar, BNP e troponina cardíaca elevada indicam disfunção ventricular e identificam pacientes com alto risco de morte e complicações. As radiografias de tórax geralmente são normais, mas em casos raros podem mostrar sinais de infarto pulmonar. A angiotomografia de artéria pulmonar é usualmente o exame de escolha. No tromboembolismo pulmonar em geral, os achados eletrocardiográficos são inespecíficos, sendo o achado mais comum a taquicardia sinusal. No entanto, nos casos de tromboembolismo pulmonar com repercussão no ventrículo direito, achados compatíveis com sobrecarga de ventrículo direito são mais comuns. PERICARDITE AGUDA: O sintoma mais comum da pericardite aguda é dor torácica, que ocorre em mais de 90% dos casos, sendo em geralaguda, intensa e constante, com localização subesternal. A dor pode irradiar para o dorso, pescoço ou ombros; piora deitado e por inspiração; e alivia sentando-se e inclinando-se para a frente. A irradiação da dor para o membro superior esquerdo não é incomum, mas o local mais característico é irradiação para região do trapézio, o que é um sintoma altamente específico para a pericardite. Algumas características merecem destaque: Dor aliviada com a inclinação do corpo para a frente e agravada pela posição de decúbito. Os pacientes podem apresentar associadamente dispneia, febre ou taquicardia desproporcional à temperatura corporal; também são descritos soluços nesses pacientes. O exame físico em pacientes com complicações pode ser normal, mas o atrito pericárdico está presente frequentemente na borda esternal inferior esquerda e é mais bem auscultado com a inclinação do paciente para a frente. O atrito é dinâmico e pode desaparecer e reaparecer. As bulhas cardíacas podem ser abafadas. Em até 15% dos casos os pacientes podem apresentar complicações; nesses casos, podemos ter: Pulso arterial paradoxal (diminuição > 10 mmHg na pressão arterial sistólica durante a inspiração). Sinal de Kussmaul (distensão da veia do pescoço na inspiração). Distensão venosa jugular. Os achados clássicos do ECG são elevação difusa do segmento ST com infradesnivelamento do intervalo PR. PNEUMONIA: A pneumonia pode causar dor torácica geralmente descrita como aguda, pleurítica e associada com febre, tosse, produção de expectoração e, possivelmente, hipoxemia. A ausculta pode revelar sons respiratórios diminuídos, estertores crepitantes ou sons respiratórios brônquicos nas áreas de consolidação afetadas. Uma radiografia de tórax geralmente confirma o diagnóstico. O US à beira do leito pulmonar pode mostrar consolidação pulmonar e broncograma ultrassonográfico, que são sinais de pneumonia. PNEUMOTÓRAX ESPONTÂNEO: Os principais sintomas do pneumotórax espontâneo são dor torácica pleurítica de início súbito, aguda e com dispneia. Os fatores de risco para pneumotórax espontâneo incluem tabagismo e doenças pulmonares crônicas, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica. Aproximadamente 1 a 3% dos pacientes com pneumotórax espontâneo evoluem para pneumotórax hipertensivo. / Página 8 de 32 A ausculta pode revelar sons respiratórios diminuídos e hiper-ressonância à percussão no lado ipsilateral. A taquicardia sinusal é o achado mais comum no exame físico e enfisema subcutâneo pode estar presente. Outros achados clássicos ao exame físico, como murmúrio vesicular diminuído, hipertimpanismo à percussão e ausência de frêmito toracovocal são dependentes da extensão do pneumotórax e não costumam estar presentes em pneumotórax pequeno. No pneumotórax traumático, o valor preditivo positivo da ausência de murmúrio vesicular ipsilateral é de 86 a 97% para o diagnóstico. Deve-se lembrar que os achados do exame físico de um pneumotórax simples são inconstantes e não podem ser usados para excluir a presença, com o diagnóstico feito por radiografia de tórax. PATOLOGIAS ESOFÁGICAS E GASTRODUODENAIS: Os pacientes com ruptura esofágica apresentam uma história de dor torácica subesternal de início súbito e acentuada após um forte vômito. Os pacientes com ruptura esofágica geralmente têm taquicardia, febre, dispneia ou diaforese. O exame físico pode revelar crepitação no pescoço ou no tórax por enfisema subcutâneo. A radiografia de tórax pode demonstrar um derrame pleural (mais comum à esquerda do que direita), pneumotórax, pneumomediastino, pneumoperitônio ou ar subcutâneo, embora a radiografia normal não possa excluir a ruptura esofágica. O espasmo esofágico é frequentemente associado à doença do refluxo e é caracterizado por um início súbito de dor torácica subesternal apertada. A dor é frequentemente precipitada pelo consumo de líquidos quentes ou frios ou um grande bolo alimentar e pode ser aliviada por nitratos. Os pacientes com quadros dispépticos, seja de etiologia esofágica ou gastroduodenal, apresentam dor epigástrica ou retroesternal, em geral em queimação, podendo ser associada com náuseas, vômitos, regurgitação alimentar com alívio com uso de antiácidos ou bloqueadores de bomba de prótons ou de receptores histamínicos H2 e podem piorar com o decúbito. A úlcera péptica é classicamente descrita como uma dor pós-prandial na região epigástrica. Os pacientes geralmente descrevem o despertar do sono pelo desconforto. A dor da úlcera duodenal pode ser aliviada após a ingestão de alimentos, enquanto a dor da úlcera gástrica é frequentemente exacerbada pela ingestão de alimentos. Infelizmente, distúrbios gastrointestinais muitas vezes não podem ser diferenciados de forma confiável da síndrome coronariana aguda apenas por história e exame físico. A pancreatite aguda e a doença biliar geralmente se apresentam com o quadrante superior direito ou dor e sensibilidade epigástrica imitando quadro de angina de parede inferior. Podem ser investigadas com exames laboratoriais e de imagem (ver capítulos específicos). PATOLOGIAS SUPERFICIAIS: A dor musculoesquelética da parede torácica é caracterizada por dor aguda, altamente localizada e relacionada com a posição. A dor usualmente é completamente reprodutível por palpação leve a moderada ou por movimentos específicos e pode ser aumentada por inspiração ou tosse. No entanto, a sensibilidade da parede torácica também é relatada por alguns pacientes com síndrome coronariana aguda e embolia pulmonar. A costocondrite (síndrome de Tietze) é uma inflamação das cartilagens costais ou suas articulações esternais e causa dor torácica que costuma ser aguda e frequentemente aumenta com as inspirações. O herpes-zóster que acomete dermátomos precordiais pode simular a dor torácica. O exame da pele é importante para fazer esse diagnóstico diferencial, mas em alguns casos pode não ajudar. A dor pré-erupção pode preceder as lesões cutâneas em vários dias, dificultando o diagnóstico. Raramente não há aparecimento de lesões de pele no quadro conhecido como zoster sine herpete. Nesses casos, pode ajudar na elucidação a presença de disestesia, prurido e delimitação dos sintomas em dermátomo. DOR PSICOGÊNICA: As causas psicogênicas de dor torácica incluem o transtorno de pânico, que é caracterizado por períodos recorrentes e inesperados de sensação de medo ou desconforto intenso com pelo menos quatro dos seguintes sintomas: dor torácica, dispneia, palpitações, diaforese, náusea, tremores, asfixia, tontura, medo de perder o controle ou morte, parestesia, calafrios ou ondas de calor. / Página 9 de 32 Em um estudo, 25% dos pacientes no DE com dor torácica preencheram os critérios diagnósticos para transtorno de pânico. Por outro lado, 9% dos pacientes identificados como tendo transtorno de pânico foram diagnosticados com síndrome coronariana aguda na alta hospitalar. Isso significa que o transtorno de pânico é, na melhor das hipóteses, um diagnóstico de exclusão ou um diagnóstico que pode frequentemente ser associado com síndrome coronariana aguda. Deve-se ter cuidado em realizar o diagnóstico de transtorno de pânico em um paciente com dor torácica no DE até uma melhor estratificação de risco, em geral com exames complementares. Paciente Instável: A dor torácica pode ser o sintoma cardinal de um paciente instável. Os pacientes devem ser atendidos na sala de emergência e monitorizados com a chamada abordagem MOV: Iniciar Monitorização cardíaca. Oxigênio se saturação de O2 < 90%. Obter acesso Venoso periférico. A avaliação desses pacientes deve seguir a recomendada “Abordagem inicial do paciente grave”. Deve-se focar no nível de consciência do paciente e em seus sinais vitais e prosseguir com a sistematização do ABCDE. A utilização dessa abordagem traz os benefícios de uma unificação da conduta da equipe e um sistemapara não deixar de lado algum passo importante (como um check-list). O exame físico e o ultrassom à beira do leito ajudam no diagnóstico. No caso de identificação de pneumotórax hipertensivo e tamponamento cardíaco, estes devem ser prontamente tratados. Se for identificada uma dissecção de aorta, os antiagregantes e anticoagulantes estão contraindicados. O manejo clínico é feito por meio de controle da frequência cardíaca e da pressão arterial. Deve-se buscar a avaliação de cirurgia cardíaca ou vascular, dependendo do local da dissecção. / Página 10 de 32 No caso da síndrome coronariana aguda, devem ser feitos esforços para estabilização do paciente com o objetivo de levá-lo à intervenção coronariana. Deve-se buscar reunir evidências de que o quadro é isquêmico e sua instabilidade é decorrente da isquemia. A instabilidade hemodinâmica é indicação de cateterismo coronariano em até 2 horas, mesmo em infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST. A dúvida que a instabilidade seja secundária ao quadro isquêmico é contraindicação a cateterismo de urgência. Paciente estável: A dor torácica é um sintoma de diferentes doenças que podem levar a desfecho adverso grave em minutos, horas ou dias. A avaliação deve ser sequencialmente focada em cada um desses grupos de doenças, confirmando ou excluindo o diagnóstico. São passos nessa abordagem: Anamnese e exame físico dirigidos para causas de maior risco. Avaliar características da dor, se intensidade desproporcional ao quadro, irradiação, tempo de instalação (súbito ou não), sintomas associados, associação com esforço, sintomas associados como náuseas e vômitos, antecedentes e fatores de risco. Exame físico com inspeção local, avaliar simetria de pulsos, medir a pressão arterial nos quatro membros, ausculta pulmonar e cardíaca, testar dor à palpação e pesquisa de sinais focais neurológicos. Eletrocardiograma (ECG) em todos os pacientes com dor torácica ou suspeita de equivalente anginoso em até 2 minutos de sua entrada no DE. Esse exame deve ser visto por um médico e avaliado em até 10 minutos de sua entrada. Os diagnósticos ameaçadores à vida devem ser confirmados ou afastados. / Página 11 de 32 / Página 12 de 32 Acolhimento / Triagem Realizar acolhimento com classificação de risco. Pacientes com queixa de dor torácica, ou com sinais/sintomas sugestivos de infarto agudo do miocárdio devem realizar um eletrocardiograma (ECG) em até 10 minutos, a contar do início da triagem. O ECG deve ser avaliado imediatamente pelo médico e seu resultado incluído na Classificação de Risco do paciente. O acolhimento deve incluir as seguintes informações: Situação/Queixa/Duração Classificar a dor em intensidade pela escala de 1 a 10 Breve histórico (relatado pelo próprio paciente, familiar ou testemunhas) Uso de medicações Verificação de sinais vitais Verificação da glicemia e eletrocardiograma A classificação de risco se dará nos seguintes níveis: Vermelho: Prioridade zero - emergência, necessidade de atendimento imediato. Amarelo: Prioridade 1 – urgência, atendimento o mais rápido possível. Verde: Prioridade 2 – prioridade não urgente. Azul: Prioridade 3 – consultas de baixa complexidade – atendimento de acordo com o horário de chegada. Presença de supradesnivelamento de ST ou sinais de isquemia definem classificação de risco em emergência / urgência. / Página 13 de 32 Por meio da história clínica, do eletrocardiograma e dos marcadores séricos de isquemia, o médico deve estar apto a responder duas perguntas-chave: 1. Qual a probabilidade de os sinais e sintomas serem devidos a uma SCA? 2. Quais as chances para o desenvolvimento de eventos cardíacos adversos? Anamnese: A queixa de dor torácica deve ser caracterizada de acordo com sua localização, forma de início, intensidade, irradiação, tipo, duração, recorrência, fatores precipitantes e de alívio. Na suspeita de dor torácica de origem cardíaca, é fundamental a determinação das referências temporais; Determine: Presença fatores de risco cardiovascular: Diabetes, hipertensão, dislipidemia, tabagismo, obesidade, inatividade física, comportamento sedentário e história familiar de doença cardiovascular História de doença arterial coronariana pregressa: Infarto prévio, revascularização coronariana prévia Presença de outras comorbidades: Doença renal crônica, doença arterial periférica, doença cerebrovascular, doença pulmonar crônica, síndrome da apneia obstrutiva do sono Presença de doenças inflamatórias crônicas, como lúpus ou artrite reumatoide Medicações em uso Uso de substâncias ilícita Exame físico: Alguns achados podem aumentar a probabilidade de doença isquêmica e inferem sinais de gravidade da apresentação da SCA (fatores prognósticos): Presença de estertores à ausculta pulmonar / Página 14 de 32 Pressão arterial sistólica menor do que 90 mmHg e taquicardia Presença de terceira ou quarta bulhas cardíaca na ausculta cardíaca Sopro dinâmico de insuficiência mitral durante o episódio de dor Alguns achados podem ser indicativos de fatores de risco associados: Sopro carotídeo, diminuição de pulso pedioso, aneurisma abdominal, xantelasma e arco corneano. O exame clínico pode revelar causas de dor torácica não coronariana, sendo útil para o diagnóstico diferencial, devendo ser pesquisados sinais de cardiomiopatia hipertrófica, prolapso da válvula mitral, estenose aórtica, hipertensão arterial pulmonar, pericardite, dissecção aguda de aorta e dor osteomuscular. A classificação de Killip, deve ser descrita, sendo importante marcador de risco e deve ser obtida em pacientes com dor torácica. Outros achados do exame físico podem sugerir diagnósticos alternativos: Sopro diastólico e diferença de pulsos radiais e pediosos - Dissecção aórtica Atrito pericárdico - Pericardite Sopro paraesternal, ictus aumentado - Miocardiopatia hipertrófica Alteração ausculta pulmonar, turgência jugular - Hemo/pneumotórax Eletrocardiograma: A realização do eletrocardiograma (ECG) está indicada em todos os pacientes em vigência de dor e/ou que apresentam sintomas sugestivos de angina. O ECG é o teste inicial mais importante. Idealmente, DEVE SER REALIZADO EM ATÉ 10 MINUTOS da apresentação do paciente na triagem, para subsidiar o diagnóstico da presença de infarto agudo do miocárdio com supradesnível do segmento ST, e orientar a conduta, indicando os pacientes que se beneficiarão de terapias de reperfusão. Entretanto, muitos pacientes com SCA que chegam à sala de emergência possui um ECG normal. Evidências de infarto prévio (onda Q) e alterações consistentes no segmento ST favorecem o diagnóstico de angina. A presença de fibrilação atrial ou taquiarritmia ventricular também aumentam a probabilidade de doença isquêmica, apesar de serem frequentemente causadas por outros tipos de doença cardíaca e condições clínicas não-cardíacas. Atenção: Se o diagnóstico no primeiro ECG não for possível, recomenda-se a realização de ECGs seriados a cada 15-30 minutos nas primeiras 2 horas, ou pelo menos uma vez, em até 6h. Assim como, deve ser repetido em caso de sintomas persistentes ou recorrentes. Em pacientes com quadro sugestivo de SCA os marcadores de lesão miocárdica devem ser solicitados para confirmar o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. A dosagem do marcador sérico deve ser realizada de forma seriada, em todos os pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda. / Página 15 de 32 Marcadores de lesão miocárdica: fornecem importantes informações prognósticas, uma vez que existe direta associação entre a elevação dos marcadores séricos e o risco de eventos cardíacos a curto e médio prazo. Atenção: Nos casos de diagnóstico eletrocardiográfico de IAMCSST, a dosagem de marcadores de lesão miocárdica, tantoa coleta ou o resultado, não devem ser aguardadas para a realização de terapia de reperfusão. Definição universal de infarto: Elevação e/ou queda de marcadores bioquímicos (preferencialmente troponina) com pelo menos um valor acima do percentil 99 de normalidade do ensaio, em pelo menos uma amostra nas primeiras 24 horas, associado a pelo menos uma condição abaixo: Síntomas sugestivos de isquemia miocárdica aguda Alterações isquêmicas novas no eletrocardiograma (ECG) Desenvolvimento de onda Q patológica no ECG Exame de imagem com evidência de perda de viabilidade miocárdica ou disfunção segmentar nova consistente com etiologia isquêmica Trombo intracoronário detectado na angiografia As troponinas (troponina T ou I) são os biomarcadores preferenciais em pacientes com suspeita de infarto do miocárdio. Na disponibilidade de troponina, nenhum outro marcador necessita ser solicitado para fins diagnósticos. A dosagem do marcador sérico deve ser realizada de forma seriada, em todos os pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda sem supra de ST. A troponina T ou I deve ser coletada na admissão e repetida pelo menos uma vez, 3 a 6h após, caso a primeira dosagem seja normal ou discretamente elevada. Se não estiver disponível no local de atendimento, encaminhar para a realização. Em locais em que as troponina T ou I ultrassensível estão disponíveis, a dosagem deve ser realizada na chegada do paciente na emergência e 1 a 3 horas após. Atenção: Uma troponina normal pode facilitar a tomada de decisão em relação a uma conduta mais conservadora; no entanto, não deve ser usada como critério isolado para esse propósito. Algumas condições podem causar o que chamamos de dano miocárdico, levando ao aumento de concentrações de troponina sem uma causa isquêmica, como sepse, hipovolemia, fibrilação atrial, insuficiência cardíaca, embolia pulmonar, miocardite e trauma cardíaco. Na insuficiência renal pode haver aumento de troponina por diminuição de sua depuração. Condições além de infarto do miocárdio por ruptura de placa ateroesclerótica que podem estar associadas com injúria miocárdica (elevação de troponina): Taquiarritmias Insuficiência cardíaca Condição crítica (choque/sepses/grande queimado) Miocardite Síndrome de Takotsubo Tromboembolismo pulmonar Doença valvar cardíaca Síndrome aórtica aguda Insuficiência renal associada à doença cardíaca Evento neurológico agudo Doença cardíaca infiltrativa (ex. amiloidose, sarcoidose, hemocromatose) Contusão cardíaca ou procedimento cardíaco / Página 16 de 32 Exames complementares: Testes complementares devem ser solicitados a partir da suspeita diagnóstica e a necessidade de estratificação de risco. Outros exames devem ser conduzidos de acordo com a suspeita clínica de outras etiologias para dor torácica, que não SCA. Exames de sangue: Hemograma, testes de coagulação, provas de função renal e bioquímica hepática e pancreática devem ser indicados de acordo com achados do paciente. Ecocardiograma transtorácico: Deve ser realizado no diagnóstico diferencial com outras doenças, quando houver suspeita clínica de doenças de aorta, doenças do pericárdio, embolia pulmonar e valvopatias. Além disso, é um excelente método de triagem em pacientes com DAC durante eventos agudos, podendo demonstrar alterações da motilidade segmentar sugerindo cardiopatia isquêmica. D-dímero: Pode auxiliar nas situações de suspeita de embolia pulmonar e dissecção de aorta. Raio X de tórax: Deve ser obtido em todos os casos de instabilidade hemodinâmica ou diagnósticos com risco fatal potencial, bem como naqueles com sintomas respiratórios associados. Usualmente é normal em pacientes com SCA e embolia pulmonar, mas frequentemente alterado em patologias pulmonares e dissecção de aorta ascendente. Angiotomografia de tórax: Em pacientes com suspeita de síndrome aórtica aguda ou tromboembolismo pulmonar. Endoscopia digestiva alta: Considerado na avaliação clínica de pacientes com suspeita de úlcera gástrica que se apresentam com instabilidade hemodinâmica ou sangramento ativo. / Página 17 de 32 / Página 18 de 32 Escore Heart Estima a probabilidade de eventos cardiovasculares maiores em 6 semanas em pacientes com suspeita de SCA, auxiliando na tomada de decisão para internação hospitalar ou liberação do paciente. Pacientes de risco moderado a alto (> 3 pontos): Devem ser admitidos em unidades de terapia intensiva e monitorizados. Pacientes de muito baixo e baixo risco (≤ 3 pontos): Necessitam de uma estratificação de risco secundária, que inclui a medida a realização de métodos para avaliação de isquemia, como cintilografia, ecocardiografia ou ergometria precoce. Para pacientes com baixa probabilidade de doença coronariana, a realização de exame de imagem coronariana não-invasivo (angiotomografia de coronárias) é uma alternativa razoável aos exames de isquemia. Encaminhamento para internação hospitalar: Conforme a estratificação de risco do paciente e complexidade de atendimento, ele deve ser internado nas seguintes unidades: Unidade Coronariana ou Unidade de Terapia Intensiva Pacientes com IAM com supra de ST, que devem ser submetidos a terapia de reperfusão: Trombólise ou angioplastia transluminal coronariana (ATC) primária Pacientes com IAM sem supra de ST Pacientes com angina instável e critérios de alto risco, ou infradesnivelamento do segmento ST ≥ 0,5 mm em duas ou mais derivações contíguas Unidade com monitorização contínua / Página 19 de 32 Pacientes com angina instável de risco intermediário, marcadores de lesão miocárdica negativos e ausência de infradesnivelamento do segmento ST ≥ 0,5 mm em duas ou mais derivações contíguas) devem permanecer em observação por 24 a 48 horas para: Monitorização eletrocardiográfica contínua e ECGs seriados Marcadores de lesão miocárdica seriados Transferência para enfermaria em 24 a 48 horas se não houver recorrência de dor, estiverem estáveis e com ECG e MLM sem alterações Realizar teste provocativo de isquemia preferencialmente internados ou em 72 horas após a alta Pacientes com baixa probabilidade de SCA ou AI de baixo risco e ausência de infradesnivelamento do segmento ST ≥ 0,5 mm em duas ou mais derivações contíguas ou aumento dos marcadores de lesão miocárdica devem permanecer em observação por 12 a 24 horas para: Realização de ECG Dosagem sérica de marcadores de lesão miocárdica Realizar teste provocativo de isquemia preferencialmente antes da alta hospitalar Alta hospitalar com seguimento ambulatorial, após 12 a 24 horas de observação, se o paciente estiver sem recorrência da dor, estável e com ECG e marcadores de lesão miocárdica sem alterações O pericárdio é um saco fibroelástico composto de dois grandes folhetos firmemente aderidos, o fibroso e o seroso. O pericárdio fibroso é a camada mais externa, ligada ao tendão central do diafragma. Já o pericárdio seroso recobre duplamente o mediastino formando duas camadas, a parietal e a visceral. A camada parietal do pericárdio seroso é aderida ao pericárdio fibroso e a camada visceral (ou epicárdio) é aderida ao tecido miocárdico. O espaço entre as duas camadas do pericárdio seroso é a cavidade pericárdica e normalmente contém de 15 a 50 mL de fluido seroso ultrafiltrado plasmático. A camada mais externa do conjunto é o tecido adiposo extrapericárdico, o qual localiza-se no ângulo entre o pericárdio e diafragma. O pericárdio também é aderido ao esterno e à pleura mediastinal, exceto onde é separado deste último pelas fibras vasomotoras e sensitivas do nervo frênico. O pericárdio serve como uma barreira para infecções cardíacas. É inervado por mecanorreceptores, quimiorreceptores e receptores que participam de reflexos como o de Bezold-Jarisch e, por causa dessa inervação,seu acometimento geralmente associa-se com dor significativa. Etiofisiopatologia: / Página 20 de 32 A etiologia da pericardite aguda pode ser separada em dois grandes grupos, as causas infecciosas e as causas não infecciosas. Em países em desenvolvimento a tuberculose pode ser responsável por 70% dos casos de pericardite, com letalidade significativa. Já em algumas séries de países desenvolvidos, até 80% dos casos ficam sem diagnóstico etiológico definido e são denominados como idiopáticos. O termo idiopático é utilizado para descrever os casos de pericardite aguda para os quais nenhuma causa específica foi encontrada em exames diagnósticos de rotina, mas presume-se que a maioria tenha etiologia seja viral. Com a pandemia do COVID-19, alguns casos foram relatados de pericardite como sintoma isolado de COVID-19. Ainda são necessários mais estudos para elucidar melhor a relação do vírus com o sistema cardiovascular, porém uma série com 63.822 pacientes com COVID-19 na Espanha teve uma prevalência de pericardite de 0,71%. Outras etiologias incluem ainda pericardite bacteriana, a qual apresenta sinais e sintomas similares aos da pericardite aguda, mas esses pacientes estão geralmente em estado grave. Pericardites ocorrendo 24 a 72 horas após infarto do miocárdio transmural e a pericardite tardia em infartos do miocárdio, que representam a chamada síndrome de Dressler, costumavam ser comuns. No entanto, sua incidência diminuiu durante a era da reperfusão coronariana e hoje são raras. / Página 21 de 32 Quadro clínico Como o próprio nome diz, pericardite corresponde à inflamação dos folhetos pericárdicos, que pode ter evolução aguda ou subaguda/crônica. Principalmente na forma aguda, o que melhor caracteriza a pericardite é a dor torácica, de localização precordial ou retroesternal, contínua, tipo pleurítica (piora com a inspiração profunda e tosse), que piora com o decúbito dorsal e é aliviada na posição sentada com o tronco inclinado para frente (posição genupeitoral) ou abraçado ao travesseiro (posição de Blechman). Também são descritos soluços nesses pacientes (ativação do nervo frênico). Em alguns casos a dor pode simular a angina pectoris, tendo caráter constritivo e irradiando para o braço esquerdo. A dispneia também é uma queixa comum, pois geralmente há irritação da pleura parietal adjacente ao pericárdio e o indivíduo respira superficialmente para evitar a dor. A maioria dos casos de pericardite aguda é de etiologia viral. Nessa situação, não é raro observarmos um quadro viral inespecífico (astenia, dor no corpo, febre). Ao exame físico, o paciente geralmente está taquicárdico, e, algumas vezes, também taquipneico. O achado patognomônico de pericardite aguda é o atrito pericárdico, presente em 85% dos casos. Trata-se de um som áspero, com três componentes (sístole ventricular, enchimento diastólico precoce e contração atrial), mais intenso na borda esternal esquerda quando o paciente se senta com o tronco inclinado para frente (“ranger de couro novo”). Uma curiosidade é que esse atrito pode desaparecer e reaparecer ao longo da evolução da doença. Entre os pacientes com atrito, 50% apresentam trifásico, 30% bifásico e 20% unifásico. Para diferenciar do atrito pleural basta solicitar ao paciente que faça uma apneia que resultará na ausência do atrito pleural e continuação do atrito pericárdico. Na avaliação com ultrassom à beira do leito, 60% dos pacientes terão um derrame pericárdico – na maior parte das vezes discreto. É importante avaliar o histórico médico para pistas de outros diagnósticos causais específicos. História de câncer ou uma doença autoimune, febre alta com calafrios, erupção cutânea e perda de peso são frequentemente pistas para doenças específicas que podem causar pericardite. Uma pequena percentagem dos casos de pericardite é complicada e em 15% dos casos ocorre associação com miocardite. Neste caso, os pacientes podem apresentar elevação de troponina e disfunção ventricular esquerda. Exames Complementares: Inicialmente, recomendamos a obtenção dos seguintes exames em pacientes com suspeita de pericardite: ECG, hemograma, radiografia do tórax, troponina I, proteína C-reativa (PCR) e um ecocardiograma. Em mulheres jovens, pesquisa de lúpus eritematoso sistêmico (LES) é razoável, mas baixos títulos de anticorpos antinucleares (FAN) são comuns em pacientes com pericardite idiopática e seu significado é incerto. O hemograma pode apresentar leucocitose e linfocitose discretas. Em pacientes com leucocitoses maiores e com anemia, deve ser considerada a possibilidade de outros diagnósticos, como LES. / Página 22 de 32 Em pacientes com miocardite associada, pode haver disfunção ventricular esquerda e aumento de troponina. A PCR ultrassensível é elevada em cerca de 75 a 80% dos pacientes com pericardite aguda. Os valores normais geralmente ocorrem em pacientes avaliados muito precocemente ou naqueles que receberam terapia anti- inflamatória. Na maioria dos casos, a PCR se normaliza em 1 semana; e em quase todos os casos, 4 semanas após a avaliação inicial. Desta forma, determinações seriadas de PCR podem ser úteis para monitorar a atividade da doença. O ecocardiograma é indicado para verificar a presença de derrame e/ou espessamento pericárdico e avaliar a função cardíaca na suspeita de miocardite associada. Deve-se lembrar que esse exame se apresenta frequentemente normal nos casos de pericardite aguda, não excluindo o diagnóstico. A ressonância magnética (RM) do miocárdio pode ser útil na detecção de espessamento pericárdico. Eletrocardiograma Em 90% dos casos, a inflamação se estende ao epicárdio, causando alteração eletrocardiográfica, já que o pericárdio parietal não apresenta atividade elétrica. Isso explica o porquê de um ECG normal na pericardite urêmica, em que temos grande depósito de fibrina, mas pouca inflamação epicárdica Tem uma apresentação típica em 60% dos pacientes (mais comum em pacientes jovens e do sexo masculino em associação com miocardite). Alterações do ritmo (taquicardia sinusal, arritmias atriais) podem ocorrer em qualquer um deles: Estágio 1: a alteração mais encontrada é o supradesnível de ST, com o ST de aspecto côncavo. Este aspecto normalmente é visto em várias derivações, mas geralmente poupa V1 e aVR. Pode haver ainda infradesnível do PR (alteração mais específica, porém menos observada), que representa a corrente de lesão atrial e está presente, sobretudo, em derivações periféricas e precordiais esquerdas (V5 e V6); Estágio 2: ocorre normalização do segmento ST e do PR, além do achatamento da onda T; Estágio 3: nem sempre presente, pode-se observar aqui o desenvolvimento de inversões difusas da onda T, após a normalização do segmento ST; Estágio 4: geralmente o ECG normaliza semanas após a resolução do quadro. Em alguns casos, a inversão da onda T se mantém, levando à denominação de “pericardite crônica”. Observa-se elevação difusa do segmento ST na maioria das derivações. Não há imagem “em espelho” de infradesnivelamento com exceção do segmento ST em aVR e V1. Há também infradesnivelamento de segmento PR (com correspondente supradesnivelamento do segmento PR em aVR). A onda T é apiculada com leve aumento de amplitude. Deve-se lembrar de usar o segmento TP como linha de base. Pode haver aumento da duração do intervalo QRS (nos casos de miocardite associada). Conforme a evolução, o ECG apresenta os seguintes achados nas próximas semanas e meses: Se houver dúvida no eletrocardiograma entre repolarização precoce e pericardite, pode-se calcular a relação do supradesnivelamento do segmento ST com a altura da onda T em V6. Se a relação for menor que 0,24, sugere-se repolarização precoce. Se for 0,25 ou maior, sugere-se pericardite. Outro indicativo de repolarização precoce no ECG é a presença de entalhe no ponto J visto de V2 a V4. É conhecidocomo padrão “fish hook” ou então onda J. A pericardite não tem a onda J. Normalmente, o segmento ST é côncavo para cima e assemelha-se à corrente de lesão de isquemia transmural. No entanto, a distinção entre pericardite aguda e isquemia pode ser difícil. Avalia-se a distinção olhando o número de derivações com supradesnivelamento e a presença de infradesnivelamento em espelho. Na pericardite há maior número de derivações com supradesnivelamento de segmento ST e não existe alteração em espelho. No infarto agudo do miocárdio o supradesnivelamento é restrito à anatomia da coronária que foi ocluída e comumente existe alteração em espelho (infradesnivelamento na parede oposta). / Página 23 de 32 Logicamente existem exceções: por um lado, os infartos podem ser muito extensos, levando a supradesnivelamento de muitas derivações (pacientes que têm infarto de coronária única, por exemplo), e por outro lado, raramente existem pericardite focais que alteram apenas poucas derivações. A pericardite/miocardite focal provoca elevação do segmento ST em menor número de derivações, tornando assim mais difícil a distinção. Em geral, o ECG volta ao normal após um período de dias ou semanas (estágio II). Essas mudanças podem persistir por semanas ou até meses, mas não têm significado patológico. Em pacientes observados tardiamente após o início dos sintomas, as mudanças podem ser indistinguíveis da isquemia miocárdica. A radiografia de tórax pode ser realizada para avaliar diagnósticos diferenciais como pneumotórax ou pleurite. Ocasionalmente, pequenos infiltrados pulmonares ou derrames pleurais estão presentes, presumivelmente causados por infecções virais. Como diferenciar o supra de ST da pericardite do IAM? O supra do ST da pericardite geralmente possui uma concavidade voltada para cima, o do IAM não. Na pericardite, pode ocorrer o infradesnivelamento do intervalo PR. Na normalização do ECG da pericardite, a inversão da onda T só ocorre quando o ST já voltou à linha de base. O supra de ST da pericardite não evolui com formação da onda Q de necrose ao ECG. Outro diagnóstico diferencial é com a repolarização precoce: ele pode ser feito a partir da razão entre a amplitude do início do ST sobre a amplitude da onda T (ST/T) em V6. O diagnóstico de pericardite ocorre quando a razão ST/T é ≥ 0,25. / Página 24 de 32 Outros exames: Na radiografia de tórax, observa-se aumento da área cardíaca com campos pleuropulmonares normais, a partir do acúmulo de 200 ml de líquido, dando um aspecto conhecido como “coração em moringa”. Assim, qualquer aumento súbito da silhueta deve ser investigado para pericardite. A presença de calcificação do pericárdio sugere fortemente pericardite constritiva naqueles com insuficiência cardíaca. No entanto, está presente em apenas 25% dos pacientes com essa forma de lesão. Quanto ao ecocardiograma, deve ser realizado em todos os casos suspeitos, podendo evidenciar ou não a presença de derrame pericárdico. Quando o revela, ainda que em pequena quantidade, nos mostra o diagnóstico. No entanto, um ECO normal – dado que é mais comum – não o exclui. Em geral, quando o tamanho do derrame ao modo M é < 10 mm e é visualizado apenas na parte posterior ao ventrículo esquerdo, trata-se de um derrame pequeno. Quando mede entre 10 e 20 mm e circunda todo o coração, é moderado. Finalmente, quando acima de 20 mm, caracteriza derrame importante. Estes dois métodos costumam estar normais nos pacientes com pericardite aguda, alterando-se apenas na presença de derrame pericárdico significativo. / Página 25 de 32 Outro exame que pode ser utilizado é a Tomografia Computadorizada do Coração (TCC). Nela, espera-se encontrar pericárdio uniformemente espessado, derrame pericárdico e algum realce precoce após contraste venoso. A densidade do derrame deve ser observada, pois transudatos têm baixa densidade (0-10 UH), ao contrário de exsudatos, hemorragias e neoplasias. A Ressonância Magnética Cardíaca (RMC), por sua vez, permite quantificar o grau de espessamento e o volume do derrame pericárdico, e se distingue por permitir a identificação dos sinais sugestivos de injúria inflamatória miopericárdica através da técnica do realce tardio. Por último, a medicina nuclear poderia ser utilizada com os seguintes fins: 1. diagnóstico diferencial da dor; 2. diagnóstico de pericardite por BK em atividade (PET com FDG); 3. diagnóstico de pericardite em pacientes com doenças sistêmicas como meningite, sepse pneumocócica, artrite reumatoide, LES; 4. acompanhamento de pacientes com pericardite induzida por quimioterápicos ou radioterapia; e 5. suspeita clínica de pericardite em que há indefinição diagnóstica após investigação com ecocardiograma e RMC. Para o diagnóstico de pericardite aguda é necessária a presença de pelo menos dois critérios clínicos dos quatro a seguir: Dor torácica (tipicamente aguda, pleurítica e que melhora ao sentar e inclinar para a frente). Atrito pericárdico. Alterações eletrocardiográficas típicas. Presença de derrame pericárdico novo ou piora de derrame prévio. A elevação de PCR ou constatação de inflamação pericárdica em imagem (tomografia com contraste ou ressonância com contraste) apoia o diagnóstico. Indicações para pericardiocentese são: tamponamento, derrame sintomático e grande sem resposta ao tratamento clínico, suspeita de etiologia bacteriana ou neoplásica. Em geral, a maioria das pericardites agudas não tem indicação desse exame. Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da dor torácica é extenso. Diagnósticos mais facilmente confundidos com pericardite incluem pneumonia com pleurite, embolia pulmonar/infarto, osteocondrite e doença do refluxo gastroesofágico. A pericardite aguda costuma ser distinguida da isquemia miocárdica, mas em alguns casos não é fácil a distinção e a angiografia coronariana de emergência é necessária. Outras possibilidades diagnósticas incluem o tromboembolismo pulmonar, a dissecção de aorta e outros processos torácicos e abdominais. A pericardite bacteriana ocorre frequentemente em conjunto com pneumonia grave. Pericardite tuberculosa pode se desenvolver com ou sem doença pulmonar associada. Lesões de massa e aumento dos gânglios linfáticos são sugestivos de doença neoplásica. Em mulheres ou em pacientes com manifestações sugestivas de doença autoimune, o diagnóstico diferencial com lúpus eritematoso sistêmico (LES) é obrigatório. Tratamento A maior parte dos casos de pericardite aguda (80-90%) é autolimitada. O manejo inicial deve ser focado na triagem para causas específicas que alterem seu manejo, detecção de derrame significativo com risco de tamponamento cardíaco, alívio dos sintomas e adequado tratamento de uma causa específica se for o caso. Idiopática ou Viral: Representam as causas mais comuns, predominando em crianças e jovens. A forma idiopática – mais frequente – relaciona-se a um grupo de pericardites em que não se identifica a causa da doença pericárdica e provavelmente está associada a quadros virais ou autoimunes. Os vírus mais implicados são o coxsackie B (principal) e o echovirus tipo 8, que comumente causam gripe e resfriado comum – daí ser frequente o pródromo com quadro gripal na pericardite. Outros relacionados seriam: / Página 26 de 32 adenovírus, EBV, CMV, influenza, varicela, rubéola, caxumba e parvovírus B19. Cerca de 15% dos pacientes evoluem com tamponamento cardíaco. O tratamento é feito com AINE ou AAS em dose alta, devendo ser suspenso após melhora da dor ou redução da PCR. Segundo a Diretriz Brasileira para Miocardite e Pericardite, o ibuprofeno seria o AINE de escolha, com raros efeitos adversos e efeitos favoráveis no fluxo coronariano em altas doses. A retirada dos AINE deve ser progressiva e lenta para reduzir a possibilidade de recorrência. A colchicina já demonstrou ser efetiva no alívioda dor e na prevenção da recorrência, sendo comumente associada. A prednisona é reservada para os casos refratários, especialmente nas doenças do tecido conjuntivo, doenças autoimunes ou pericardite urêmica. Piogênica: Caracterizada por febre alta, calafrios e prostração, com menor preponderância da dor torácica – o que pode retardar o diagnóstico, fazendo com que estes pacientes tenham pior prognóstico (até 70% de mortalidade). A maioria das bactérias atinge o pericárdio através de uma infecção contígua (pneumonia, empiema pleural, mediastinite etc.), mas o meningococo e eventualmente o S. aureus chegam por disseminação hematogênica. O tratamento é feito com pericardiocentese (drenagem) e antibioticoterapia empírica (ex.: oxacilina + gentamicina). Urêmica: Postula-se que as toxinas nitrogenadas ajam diretamente sobre os folhetos pericárdicos, tornando- os friáveis e propensos a hemorragias – o derrame geralmente é sanguinolento. A pericardite urêmica responde bem à diálise e contraindica a anticoagulação. Nos casos que não resolvem com a diálise, podemos indicar AINE (de forma cautelosa pelo risco de piora da função renal!), corticoide local ou mesmo pericardiectomia. Doenças Reumatológicas: Febre reumática: a pericardite pode se associar (ou não) ao comprometimento das outras estruturas cardíacas. Tem um curso autolimitado, com raras complicações, e o aspecto patológico clássico é chamado de “pericardite em pão com manteiga”. O tratamento é feito com AAS ou corticoide, caso haja acometimento miocárdico. Artrite reumatoide: ocorre em até 25% dos portadores de AR, geralmente associada a doença articular avançada e nódulos subcutâneos. Na dúvida, o líquido deve ser puncionado. Suas características são > 20.000 leucócitos por campo, glicose < 45 mg/dl e FR positivo. O uso de corticoides não altera o curso dessa pericardite. Lúpus: a pericardite é a manifestação cardiovascular mais frequente do LES, ocorrendo em até 45% dos pacientes, estando associada às demais manifestações de atividade da doença, como a artrite. A pericardiocentese é inespecífica (mas útil para diferenciar essa condição da pericardite piogênica) e o tratamento é feito com AINE ou com doses anti-inflamatórias de corticoides. Outras Causas: Relacionadas ao IAM: não raramente, os pacientes com IAM se apresentam também com pericardite, sendo este um importante diagnóstico diferencial com nova isquemia miocárdica. Estudaremos o tema com detalhes no capítulo próprio da apostila. Pós-cirurgia cardíaca: sua causa é o próprio trauma da pericardiotomia. Geralmente ocorre na primeira semana de pós-operatório. Pós-traumática: evolução semelhante à anterior. Relacionada ao HIV: pode ser causada pelo próprio HIV ou por outro agente viral, como o CMV, além de outras infecções oportunistas, como tuberculose e bactérias piogênicas. Na maioria dos casos não tem evolução aguda. Tuberculose: geralmente de evolução subaguda/crônica. / Página 27 de 32 Infecção fúngica: geralmente de evolução subaguda/crônica, semelhante à tuberculose. Neoplásica: pode ser secundária a tumores metastáticos para o pericárdio ou, mais raramente, causada por tumores primários. A irradiação do mediastino também pode causar lesão pericárdica. Hipotireoidismo: geralmente assintomático, devido ao seu caráter crônico. A pericardite aguda contraindica a anticoagulação plena, pelo risco de hemopericárdio e tamponamento cardíaco. Nos casos em que esta for estritamente necessária, preferir a heparina em bomba infusora (efeito mais curto e revertido mais facilmente). / Página 28 de 32 Pontos Importantes: A pericardite aguda é definida como sintomas e/ou sinais resultantes de inflamação do pericárdio, com duração de não mais do que 1 a 2 semanas, podendo ocorrer em uma variedade de doenças, mas a maioria dos casos é considerada idiopática. A pericardite tem como principais manifestações dor torácica aguda, atrito pericárdico, alterações eletrocardiográficas e efusões pericárdicas. O ECG pode apresentar supradesnivelamento de segmento ST e complexos de baixas voltagens. Pacientes com tamponamento cardíaco apresentam-se com hipotensão, distensão venosa, bulhas abafadas e pulso paradoxal. O tratamento de escolha para pericardites agudas é com anti-inflamatórios não esteroidais e colchicina. A colchicina é associada com diminuição da recorrência de pericardite. O tamponamento cardíaco é tratado com pericardiocentese. Em pacientes com pericardite constritiva o tratamento é a pericardiectomia. / Página 29 de 32 Complicações: TAMPONAMENTO CARDÍACO Fisiopatologia do tamponamento O pericárdio tem efeito mecânico restritivo sobre o volume cardíaco. A relação pressão-volume do espaço pericárdico é relativamente limitada e tem um volume relativamente pequeno de reserva. Quando excedida, a pressão dentro do saco passa a operar sobre a superfície do coração, podendo prejudicar suas funções e impedir o esvaziamento cardíaco. Quando as câmaras cardíacas se dilatam rapidamente, o efeito de restrição do pericárdio e sua contribuição para a interação diastólica tornam-se importantes, resultando em um quadro hemodinâmico que pode evoluir para tamponamento cardíaco ou pericardite constritiva. A porção inicial da curva volume-pressão pericárdica é plana, de modo que aumentos de volume relativamente grandes resultam em mudanças comparativamente pequenas na pressão intrapericárdica. A curva torna-se mais pronunciada à medida que o pericárdio parietal atinge os limites de sua distensibilidade. Se o fluido continua a se acumular, a pressão intrapericárdica eleva-se a um nível maior que o das pressões normais de enchimento das câmaras cardíacas direitas. Quando isso ocorre, o enchimento ventricular é restrito e ocorre o tamponamento cardíaco. / Página 30 de 32 A curva de pressão de volume pericárdica depende de a efusão ser aguda ou crônica. Normalmente, durante a inspiração espontânea, com aumento da pressão negativa intratorácica, há diminuição da pressão venosa. Mas um aumento da pressão venosa sistêmica durante a inspiração (sinal de Kussmaul) pode ser observado em pacientes com derrame pericárdico significativo com tamponamento cardíaco. Qualquer causa de derrame pericárdico pode ocasionar tamponamento cardíaco, inclusive por simples sangramento para o pericárdio. Não é o volume de derrame pericárdico que provoca o tamponamento, e sim a velocidade de instalação do derrame. Portanto, a simples presença de derrame pericárdico não é específica de nenhum diagnóstico específico. As Tabelas 4 e 5 resumem as principais causas de tamponamento cardíaco e sua frequência. A pericardite constritiva, por sua vez, resulta de lesão pericárdica e inflamação, causando espessamento fibroso das camadas do pericárdio, o que impede o preenchimento diastólico passivo das câmaras cardíacas. Na pericardite constritiva, o pericárdio se torna inelástico e não permite o enchimento cardíaco adequado; em geral, o processo inflamatório é subagudo ou crônico. Os pacientes com pericardite constritiva geralmente não apresentam derrame pericárdico significativo, mas em alguns casos apresentam derrame de maior volume. Nesse caso, o termo correto é pericardite efusivo-constritiva. A diferença entre a pericardite constritiva e a efusivo-constritiva é que após a pericardiectomia na pericardite efusivo-constritiva a pressão atrial permanece aumentada. De forma resumida as complicações são: Tamponamento cardíaco: caracterizado pelo acúmulo de líquido pericárdico sob pressão, levando à compressão de todas as câmaras cardíacas. Ocorre em 15% dos casos e habitualmente necessita de uma pericardiocentese de alívio. Devido à restrição diastólica, podemos encontrar alguns achados característicos: Pulso paradoxal (redução da PA sistólica e da amplitude do pulso arterial durante a inspiração); Tríade de Beck (hipotensão arterial + turgência jugular + hipofonese de bulhas); Descenso Y abolido (o descenso Y representa o momento de abertura da tricúspide e a saída de sangue do átrio para o ventrículo). No ECG, podemos encontrar o fenômeno de “alternância elétrica”, que se refere à variação na amplitude dos complexos QRS a cada ciclo cardíaco. Isso é típico do derrame volumoso, já que o excesso de líquido no saco pericárdico colaba variavelmente, a cada ciclo, a cavidade ventricular, o que explica a variação na intensidade do vetor de despolarização cardíaca captado pelos eletrodos na superfície do tórax. / Página 31 de 32 No ECO, os achados principais seriam: colabamento das câmaras direitas e aumento e diminuição da velocidade de enchimentos das câmaras direitas e esquerdas, respectivamente. Pericardite recorrente: complicação comum da pericardite aguda (20 a 30% dos casos), atribuída a mecanismos imunes persistentes. O uso de colchicina associada aos AINE no tratamento do quadro agudo diminui a apresentação desta forma. O tratamento é feito de maneira semelhante ao primeiro episódio, incluindo até mesmo pericardiectomia em casos selecionados. Pericardite constritiva: é uma complicação que pode ocorrer após qualquer doença pericárdica, embora seja rara por episódios recorrentes de pericardite aguda. Classicamente, a tuberculose foi incriminada na maior parte dos quadros – e isso ainda é verdade nas localidades em que a doença ainda assume relevância, como no nosso meio – enquanto nos países mais desenvolvidos, pericardite viral e idiopática seriam as principais. Nesse caso, temos a perda da elasticidade do saco pericárdico devido a processos inflamatórios crônicos que levam a sua calcificação e perda total de sua complacência. Ao exame, aparecem turgência jugular, knock pericárdico, sinal de Kussmaul (ingurgitamento da veia jugular durante a inspiração) e ascite. O knock pericárdico é o achado característico da pericardite constritiva e consiste em um som diastólico precoce mais audível na borda esternal inferior esquerda e/ou na região do ápice cardíaco. O knock representa a cessação súbita do enchimento diastólico ventricular por causa da restrição imposta pelo pericárdio enrijecido. A dor torácica aguda é um sintoma muito frequente nas unidades de emergência, constituindo-se em um possível sinal de alerta para as doenças com risco iminente de morte. Como a maioria desses pacientes é internada para avaliação de uma possível síndrome coronariana aguda, isso gera um custo hospitalar muito alto por paciente. Por conta dessa possibilidade diagnóstica, muitos emergencistas internam a maioria dos pacientes. Por outro lado, a liberação inapropriada daqueles com infarto agudo do miocárdio representa um risco para o médico e, especialmente, para o paciente. Outro ponto importante é a demora para o atendimento, em que há a influência de fatores relacionados ao paciente, assim como, pontos negativos na logística de atendimento dos serviços de emergência em nosso país. Para excelência no atendimento, é importante uma anamnese detalhada adicionada ao exame físico, a qual permite a elaboração das hipóteses diagnósticas. E para auxiliar os médicos na escolha da hipótese diagnóstica e na tomada rápida de decisão, escores de risco são disponibilizados, os quais, facilmente, identificam a probabilidade de eventos adversos. A dor torácica é um dos maiores desafios para o emergencista e uma das mais importantes causas de procura ao departamento de emergência (DE), com 8 milhões de atendimentos ao ano e entre 5 e 10% das consultas no DE, com 50 a 70% dos pacientes necessitando permanecer em unidades de dor torácica. Na maioria das vezes a dor torácica está associada a condições de baixo risco, mas na minoria dos casos em que se trata de alto risco, o risco de morbidade e mortalidade é alto. Considerando apenas a síndrome coronariana aguda (SCA), temos falhas diagnósticas em até 4% dos casos nos Estados Unidos. A mortalidade precoce dessa coorte chega a 25% e, quando sobrevivem, apresentam mais / Página 32 de 32 sequelas do que aqueles que não tiveram falha diagnóstica. A busca de reparação judicial após erros diagnósticos ainda é uma realidade pouco comum em nosso país, mas provavelmente deve aumentar. Dessa forma, existe uma atitude bastante defensiva diante da suspeita de síndrome coronariana aguda, indicando internação para quase todos os pacientes, independentemente do risco. O resultado é o uso ou a indicação de recursos hospitalares para pacientes de baixo risco. Isso aumenta o custo, o uso de recursos e as internações sem gerar benefício para o paciente. Na emergência é necessário ter uma análise diagnóstica direcionada: começando por excluir o que pode levar o nosso paciente à morte se não for abordado prontamente. Para dor torácica, nós temos seis grandes catástrofes: Síndrome Coronariana Aguda (SCA); Síndrome Aórtica Aguda (SAA); Tromboembolismo Pulmonar (TEP); Pneumotórax Hipertensivo; Tamponamento Cardíaco e; Ruptura esofágica. É preciso abordar cada uma dessas condições de maneira sistemática. No artigo já clássico sobre erros diagnósticos em medicina, realizado por Schiff et al. (2009), três das seis catástrofes são citadas como entre os diagnósticos mais errados pelos médicos. São elas: TEP, SCA e dissecção aórtica. Observe a tabela abaixo. Referências: Med Clm 27 - Med Síndrome Álgica 4 - Dor Torácica (2021) Medicina de emergência: abordagem prática (USP 16° Ed.) Manual de Medicina de Harrison (20° Ed.) Artigos da Sociedade de Cardiologia de São Paulo Ministério da saúde https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19901140/
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