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JURISDIÇÃO, COMPETÊNCIA E MEDIDAS CAUTELARES PENAIS PRISÃO PROVISÓRIA EM SEGUNDO GRAU: ILEGALIDADE OU NÃO? Classe: 5B Grupo: 1. Bruno Lopes Ninomiya 2. Isabella Coimbra Peixoto 3. Nathalia da Silva Dias 4. Nathalia Ghezzani Grosso 5. Joel Francescato Veiga 6. Wesley Lemos Pereira 1 1. PRISÃO PROVISÓRIA: CONCEITOS, PRINCÍPIOS E A (IM)POSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA Existem duas modalidades de prisão. A primeira refere-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade por pessoa definitivamente condenada na sentença (denominada prisão penal). Seu cumprimento se dá em regime fechado, semiaberto ou aberto. Em segundo lugar, existe a prisão processual, que é: [...] decretada quando existe a necessidade de segregação cautelar do autor do delito durante as investigações ou o tramitar da ação penal por razões que a própria legislação processual elenca. Esta modalidade de prisão, também chamada de provisória ou cautelar, é regulamentada pelos artigos 282 a 318 do Código de Processo Penal, bem como pela Lei nº 7.960/89.1 A prisão provisória ocorre antes do trânsito em julgado de sentença condenatória e tem como pressupostos o fumus commissi delicti , que é a2 probabilidade da ocorrência de um delito, e o periculum libertatis , que é o risco3 que o acusado causará se permanecer em liberdade.4 Tal prisão possui respaldo no princípio da legalidade estrita da prisão cautelar, o qual, segundo Guilherme de Souza Nucci: [...] significa que a prisão processual ou provisória constitui uma exceção, pois é destinada a encarcerar pessoa ainda não definitivamente julgada e condenada; demanda, então, estrita observância de todas as regras constitucional e legalmente impostas para a sua concretização e manutenção.5 5 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro. Grupo GEN, 2020. 4 HEIDEMANN, Juliana. Prisão provisória versus princípio da presunção de inocência. Âmbito Jurídico, out. 2012. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-105/prisao-provisoria-versus-principio-da-presunc ao-de-inocencia/>. Acesso em: 20 nov. 2021. 3 Ibidem. 2 DELMANTO, Roberto Junior. Liberdade e prisão no processo penal - como modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. 1 JANUZZI, Maria Elisa Mostaro et al. A Prisão Preventiva e o Princípio da Presunção de Inocência. Jornal Eletrônico Faculdade Vianna Júnior, v. 9, n. 2, p. 120, 2017. 2 Ainda, verifica-se que o princípio constitucional da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF , não impede a decretação da prisão6 processual, uma vez que a própria Constituição, em seu art. 5º, LXI , prevê a7 possibilidade de prisão em flagrante ou por ordem escrita e fundamentada do juiz competente. A prisão processual, entretanto, é medida excepcional, devendo ser decretada ou mantida apenas quando houver necessidade de fato (nos casos descritos no artigo 1º da Lei nº 7.960/89 ). Além disso, há detração penal, ou8 seja, o tempo que o indiciado ou réu permanecer cautelarmente na prisão será descontado de sua pena em caso de futura condenação. No Código de Processo Penal são previstas duas formas de prisão processual: a prisão em flagrante e a preventiva. A terceira modalidade de prisão cautelar é a prisão temporária, regulamentada pela Lei nº 7.960/89. A prisão em flagrante é uma modalidade de prisão processual expressamente prevista no art. 5º, LXI, da Constituição Federal, e regulamentada nos arts. 301 a 310 do Código de Processo Penal. Qualquer pessoa tem poder para prender em flagrante, mas quem lavra o auto da prisão em flagrante é o delegado. Qualquer do povo pode, mas as autoridades têm a obrigação de prender em flagrante.9 Em princípio, a palavra “flagrante” indica que o autor do delito foi visto praticando ato executório da infração penal e, por isso, acabou preso por quem o flagrou e levado até a autoridade policial. Ocorre que o legislador, querendo dar maior alcance ao conceito de flagrância, estabeleceu, no art. 302 do Código de Processo Penal, quatro hipóteses em que referido tipo de prisão é possível, [...]10 10 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Processual Penal Esquematizado. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 298. 9 ACS. Tipos de flagrante. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Fevereiro de 2021. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-seman al/tipos-de-flagrante>. Acesso em: 19 nov. 2021 8 BRASIL. Lei nº 7.960 de 21 de Dezembro de 1989. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7960.htm>. Acesso em: 19 nov. 2021. 7 “Art. 5º, LXI, CF - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.” 6 “Art. 5º. LVII, CF - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”. 3 Flagrante próprio ou real (incisos I e II): Art. 302, CPP. I - está cometendo a infração penal; II - acaba de cometê-la; Inciso I: Considera-se em flagrante delito quem está cometendo a infração penal. Trata-se de situação em que o sujeito é visto durante a realização dos atos executórios da infração penal ou colaborando para sua concretização. Sendo certo que, o fato de ser preso em flagrante o autor do crime, não possibilita a prisão de partícipes que não estejam em situação flagrancial. Ainda, em certos crimes a realização de ato executório dispensa a presença do agente no local.11 Inciso II: Considera-se em flagrante delito quem acaba de cometer a infração. Aqui o sujeito é encontrado ainda no local dos fatos, imediatamente após encerrar os atos de execução do delito. Na prática, é muito comum esta modalidade de prisão em flagrante quando agentes são presos no exato instante em que saem do estabelecimento comercial onde, por exemplo, praticaram um roubo.12 Flagrante impróprio ou quase flagrante (inciso III): Art. 302, CPP. III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; De acordo com o art. 302, III, do CPP, considera-se em flagrante delito quem é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser o autor da infração. A premissa dessa modalidade de prisão em flagrante é que o agente já tenha deixado o local do crime, após a realização de atos executórios, e que seja perseguido. A lei esclarece que tal perseguição pode se dar por parte da autoridade (policiais civis ou militares), do ofendido (vítima) ou de qualquer outra pessoa — o que, aliás, tornaria desnecessária a menção aos demais. O próprio texto legal, esclarece ser também possível o flagrante impróprio, quando a perseguição se inicia logo após o agente deixar o local dos fatos. Uma vez iniciada a perseguição logo após a prática do crime, não 12 Ibidem. 11 ACS. Op cit. 4 existe prazo para sua efetivação, desde que referida perseguição seja ininterrupta.13 O Código de Processo Penal, em seu art. 290, § 1º, cuida de esclarecer que o executor está em perseguição ao autor do delito quando: I — tendo-o avistado, for perseguindo-o sem interrupção, embora depois o tenha perdido de vista; II — sabendo, por indícios ou informações fidedignas, que o réu tenha passado, há pouco tempo, em tal ou qual direção, pelo lugar em que o procure, for no seu encalço. O início de perseguição a que se refere o art. 302, III, do CPP diz respeito ao término da ação delituosa e começo da fuga do bandido. Para a configuração do flagrante impróprio é irrelevante que o agente tenha conseguido ou não consumar o crime que pretendia cometer. É plenamente possível tal modalidade de flagrante em crimes tentados. Flagrante presumido ou ficto (inciso IV): Art. 302, CPP.IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Nos termos do art. 302, IV, do CPP, considera-se ainda em flagrante delito quem é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração. Nessa modalidade, o sujeito não é perseguido, mas localizado, ainda que casualmente, na posse das coisas mencionadas na lei, de modo que a situação fática leve à conclusão de que ele é autor do delito. O alcance da expressão “logo depois” deve ser analisado no caso concreto, em geral de acordo com a gravidade do crime, para se dar maior ou menor elastério a ela, sempre de acordo com o prudente arbítrio do juiz. Cabe ressaltar que, após a sanção da Lei nº 12.403/2011, o prazo14 determinado para o delegado enviar ao juiz a cópia do auto de prisão em flagrante foi estabelecido em até 24 horas após a prisão, sendo certo que este, 14 BRASIL. Lei nº 12.403 de 04 de Maio de 2011. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12403.htm>. Acesso em: 19 nov. 2021. 13 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 451. 5 imediatamente, deverá convertê-la em preventiva ou conceder liberdade provisória. Por sua vez, a prisão preventiva é a modalidade de prisão processual decretada exclusivamente pelo juiz de direito quando presentes os requisitos expressamente previstos em lei. Por se tratar de medida cautelar, pressupõe a coexistência de dois requisitos: O Fumus comissi delicti, que são os chamados pressupostos da prisão preventiva. Precisa ter indícios de autoria e prova da materialidade. Exigência de que o fato investigado seja criminoso, bem como da existência de indícios de autoria e prova da materialidade da infração em apuração. É o que se chama, no processo civil, de fumus boni juris.15 E o Periculum libertatis, que trata-se dos chamados fundamentos da prisão preventiva. Precisa ter o risco da pessoa em liberdade fugir ou ameaçar testemunhas ou, ainda, prejudicar a instrução processual. Necessidade de segregação do acusado, antes mesmo da condenação, por se tratar de pessoa perigosa ou que está prestes a fugir para outro país etc. É o chamado periculum in mora do processo civil.16 A possibilidade de decretação da prisão preventiva encontra embasamento no art. 5º, LXI, da Constituição Federal, que admite, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, a prisão por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente (além da prisão em flagrante). A decisão, ademais, deve ser suficientemente fundamentada em uma das hipóteses legais. Deve, desse modo, apreciar as circunstâncias específicas que tornam grave aquele crime em apreciação no caso concreto. A insuficiência da fundamentação dará causa à revogação da prisão por meio de habeas corpus interposto em prol do acusado. Em se tratando de dois ou mais infratores, a decisão deve apreciar a situação específica de cada um deles.17 Por fim, a prisão temporária é uma medida privativa da liberdade de locomoção, decretada por tempo determinado, destinada a possibilitar as 17 REIS, Alexandre Cebrian Araújo; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Op cit. p. 477. 16 Ibidem. 15 DELMANTO, Roberto Junior. Op Cit. 6 investigações de crimes considerados graves, durante o inquérito policial. Os requisitos para o cabimento de prisão temporária estão previstos no art. 1º da Lei nº 7960/89.18 A prisão temporária só pode ser decretada pelo juiz de direito, na fase de inquérito e nunca no processo, bastando apenas a necessidade de investigar. O juiz não pode decretar a prisão temporária de ofício e, sendo assim, só poderá ser decretada se houver requerimento do Ministério Público ou se houver representação da autoridade policial e mesmo que ocorra a última hipótese, o juiz terá que ouvir o Ministério Público que deverá concordar com a prisão temporária para que a mesma seja decretada.19 A pena de reclusão no Brasil existe desde que o direito penal passou a existir no país. Atualmente, há grandes questões em volta dela, de suas nuances, detalhes e pormenores, que sempre mostram-se ser um assunto extremamente atual e com a existência de controvérsias debatidas nas salas de aulas, nas doutrinas e em tribunais do Brasil inteiro. Todavia, é necessário que se tenha muito cuidado para tratar do assunto, visto que, como diz Beccaria, citado por Tatiane Chiaverini: A reunião de todas essas pequenas parcelas da liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo o exercício do poder que deste fundamento se afaste constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais um poder legítimo. As penas que vão além da necessidade de manter o depósito da salvação pública são injustas por sua natureza e tanto mais justas 19 CNJ. STJ decide que juiz não pode converter prisão em flagrante em preventiva sem pedido do Ministério Público. 25 fev. 2021. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/stj-decide-que-juiz-nao-pode-converter-prisao-em-flagrante-em-preventi va-sem-pedido-do-ministerio-publico/>. Acesso em: 21 nov. 2021. 18Art. 1°, L.7960/89. Caberá prisão temporária: I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso; b) seqüestro ou cárcere privado; c) roubo; d) extorsão; e) extorsão mediante seqüestro; f) estupro e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte; j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte; l) quadrilha ou bando, todos do Código Penal; m) genocídio, em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas; o) crimes contra o sistema financeiro; p) crimes previstos na Lei de Terrorismo. 7 serão quão mais sagrada e inviolável for a segurança e a maior liberdade que o soberano propiciar aos súditos.20 Ao adentrar a fase de execução em razão do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, chegará o momento no processo penal em que a sentença condenatória deverá ser cumprida, tendo sua pena aplicada, seja qual for a condenação: privativa de liberdade, pena pecuniária ou restritiva de direitos. O Código de Processo Penal, em seus artigos 668 a 779 regula a Execução da Pena, além de existir a Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais), que trata o assunto de maneira mais aprofundada. A competência da matéria relativa à execução penal é do juízo da execução, sendo este considerado o “garantidor da individualização da pena, constitucionalmente previsto no artigo 5º, incisos XLVI, e da humanização da pena, decorrente do princípio da dignidade da pessoa humana”.21 Geralda Emily explicita que: O princípio da individualização da pena garante aos condenados em processo criminal que a pena aplicada leve em consideração as peculiaridades do caso concreto, não devendo a pena aplicada ser a mesma à aplicada em casos similares. Deste princípio decorre a divisão da pena em três etapas, sendo a primeira a aplicada pelo legislador, estabelecendo patamares mínimos e máximos; a segunda, a aplicada pelo juiz ao caso concreto, com base nas características pessoais do autor do delito; e a terceira, a aplicada pelo juiz da execução, que determina o cumprimento individualizado da sanção aplicada.22 Como visto acima, o princípio da presunção de inocência faz com que, geralmente, o cumprimento da pena imposta ocorra apenas após o trânsito em julgado da sentençacondenatória, mas existem exceções a essa regra, em teoria, podendo ocorrer a execução penal provisória. 22 Ibidem. 21 GOMES, Geralda Emilly Mareco. A Execução Provisória de Sentença Penal Condenatória e o Princípio da Presunção de Inocência. Uniceub, 2020. Disponível em: <https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/prefix/14633/1/Geralda%20Emilly%2021601049% 20OK.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2021. 20 CHIAVERINI, Tatiana. Origem da pena de prisão. Tese (Mestrado em Filosofia do Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009. Disponível em: <https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/8885/1/Tatiana%20Chiaverini.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2021. 8 Os casos em que isso é permitido normalmente são quando o réu esteja cumprindo prisão cautelar, ou quando não houver mais recursos a serem interpostos pela acusação – apenas pela defesa e, ainda, quando exista a possibilidade de interposição de recurso pela acusação, mas que este não vise prejudicar o réu tanto em relação aos direitos postulados, quanto em relação a pena.23 É necessário ressaltar as diferenças entre prisão cautelar e execução provisória da pena. Na prisão preventiva, deve existir fumus commissi delicti (justa causa) e periculum libertatis (risco provocado pela manutenção da liberdade do sujeito). Há requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal para fundamentação da prisão preventiva, sejam eles: a) garantia de ordem pública e econômica; b) conveniência da instrução criminal; c) assegurar a aplicação da lei penal (impedir possível fuga do réu).24 Diferente da prisão preventiva, a execução da pena deve vir da autoridade judiciária competente para tanto – que como já citado, é diferenciada, em razão de ser o juízo de execução. Todavia, as duas se correlacionam de alguma forma. Por exemplo, Nucci e Renato Marcão entendem que a execução penal provisória cabe apenas em caso de prisão cautelar, que decorre da preventiva, não sendo cabível a execução provisória de sentença penal que condena após a confirmação pelo segundo grau da jurisdição, pois no caso concreto, ausente está o trânsito em julgado, o que a faria sui generis. Porém, é necessário ter em mente que nada impede que se decrete a prisão preventiva, o que acaba por viabilizar a execução provisória da pena. Por conta desse entendimento, Nucci considera que entendimentos como o da Súmula 267 do STJ, que previa que “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de 24 GONÇALVES, Marta Aparecida de Melo Nogueira; CARVALHO, Jô de; FERREIRA, Gilmaro Alves. Execução Penal em Segunda Instância e o Princípio Constitucional da Presunção da Inocência. Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas, v. 1, n. 3, 2020. Disponível em: <http://fadipa.educacao.ws/ojs-2.3.3-3/index.php/cjuridicas/article/view/384>. Acesso em: 20 nov. 2021. 23 Ibidem. 9 mandado de prisão” são inconstitucionais, pois o princípio de presunção de25 inocência dispõe que apenas com o efetivo trânsito em julgado da sentença penal condenatória é que haverá execução penal (conforme ficou decidido no HC 84.078/MG, do STF). Embora o demonstrado até o momento, há posicionamentos a favor da execução penal provisória. Um deles é a morosidade do Poder Judiciário na resposta aos litígios propostos para punir efetivamente os que infringem a legislação e isso, por sua vez, acaba resultando na prescrição da pretensão de punir do Estado.26 Uma outra justificativa para a execução provisória da pena é que, a partir disso, haverá uma certa antecipação nos benefícios como progressão de regime e livramento condicional. As súmulas 716 e 717 do STF explicitam uma fragilidade do judiciário no exercício de sua função e no cumprimento de seus prazos, pois demonstram que o réu preso – que ainda é considerado inocente, tem a possibilidade de passar tempo suficiente recluso a ponto de progredir de regime. Súmula 716, STF – Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Súmula 717, STF – Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial. Outro fator que, para aquelas que se posicionam favoravelmente à execução provisória da pena usam como justificativa é a ausência de efeito suspensivo dos Recursos Especial e Extraordinário. Porém, após julgados do STF e STJ, foi dito que esses recursos possuem sim efeito suspensivo, assim, a execução provisória só pode se dar se for de natureza cautelar, não sendo possível ocorrer pelo simples fato da ausência de efeito suspensivo.27 27 Ibidem. 26 GOMES, Geralda Emilly Mareco. Op cit. 25 NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 10 2. MUTAÇÃO JURISPRUDENCIAL: ANÁLISE DO HC Nº 126.292 E DAS ADC’S nº 43, 44 e 54 Existem alguns marcos importantes na história jurídica para serem considerados quanto à possibilidade ou não da prisão provisória em segundo grau no Brasil. Até 2009, a execução provisória da pena era permitida, pois o STF entendia que a execução provisória não feria a presunção da inocência. Todavia, de 2009 até 2016 a execução provisória da pena foi proibida, por conta do princípio da presunção da inocência. Vejamos o esquema a seguir28 29 que mostra o placar de votação e posicionamentos ao longo dos anos: Fonte: Migalhas30 30 MIGALHAS. STF suspende julgamento da prisão em 2ª instância com placar em 3x4. 24 out. 2019. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/313774/stf-suspende-julgamento-da-prisao-em-2--instan cia-com-placar-em-3x4>. Acesso em: 17 nov. 2021. 29 Pelo fato do esquema ter sido preparado pelo portal em meio à discussão no plenário, faltam alguns votos na linha da decisão de 2019. Porém, dos que faltam (que constam em cinza), todos votaram contra a prisão em segunda instância, exceto a Ministra Cármen Lúcia. 28 ASSIS, Guilherme Bacelar Patrício de. A Oscilação Decisória no STF acerca da Garantia da Presunção de Inocência: Entre a autovinculação e a revogação de precedentes. RIL: Brasília, 2018. 11 Em 2016 o STF julgou o Habeas Corpus 126.292 e mudou novamente seu posicionamento, passando a admitir a execução provisória da pena. Veremos a seguir como o Supremo se posicionou nesta fase de discussões. Analisando especificamente o julgamento de novembro de 2016, a suprema corte mudou seu entendimento a respeito da possibilidade ou não de execução penal provisória em caso de condenado provisório solto, que está aguardando julgamento dos recursos constitucionais, sendo o recurso especial e o recurso extraordinário. Antes do julgamento do Habeas Corpus 126.292, o STF tinha o entendimento que quando alguém era processado por latrocínio, por exemplo, e fosse condenado a 15 anos de reclusão, o agente responderia esse processo em liberdade e recorreria buscando a reforma dessa decisão. Quando31 houvesse o trânsito em julgado em 2° instância, confirmando essa mesma condenação, por decisão colegiada, o agente, mesmo assim, não poderia ser preso caso ajuizasse algum dos recursos constitucionais. Sendo assim, quando ajuizado Recurso Especial ou Recurso Extraordinário, o acusado não poderia ser recluso até que todos esses recursos fossem julgados, baseando-se no princípio da “presunção de inocência”.32 Após o julgamento do HC pela Suprema Corte, tornou-se possível a execução provisória se já houver a condenação em 2° grau, sendo assim, o mesmo agente que foi condenado em 2° instância por latrocínio pode ser preso, mesmo com os recursos constitucionais pendentes. A posição adotada pelos ministros levou em conta que quando houvesse a condenação em 1° grau depois do devido processo legal e em 2° grau por órgão colegiado, a presunção de inocência não vingaria.33 33 XAVIER, Gustavo Silva. Supremo Tribunal Federal em perspectiva: análisedo habeas corpus 126.292 e de sua construção histórica. Ratio Juris. Revista Eletrônica da Graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas, v. 1, n. 1, p. 199-266, 2018. 32 DE OLIVEIRA NETO, Emetério Silva. Garantismo penal e presunção de inocência: uma análise do habeas corpus 126.292. Revista brasileira de ciências criminais, n. 142, p. 133-170, 2018. 31 LIMA, Flavia Danielle Santiago; DE LUCENA PEDROSA, Laís. Execução provisória da pena e presunção de inocência: uma análise garantista da decisão do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus 126.292/SP. Revista Argumenta, n. 29, p. 131-427, 2018. 12 Cabe destacar que com o julgamento do Habeas Corpus 126.292 de 2016, os recursos constitucionais, sendo Especial ou Extraordinário, que no Código de Processo Penal não possuíam efeito suspensivo, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, passaram a ter.34 Cabe destacar três votos dos ministros nessa ocasião: O Ministro Luiz Edson Fachin se posicionou da seguinte forma: Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual não se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das instâncias ordinárias.35 Na mesma vertente, o Ministro Luís Roberto Barroso sustentou: É intuitivo que, quando um crime é cometido e seu autor é condenado em todas as instâncias, mas não é punido ou é punido décadas depois, tanto o condenado quanto a sociedade perdem a necessária confiança na jurisdição penal. O acusado passa a crer que não há reprovação de sua conduta, o que frustra a função de prevenção especial do Direito Penal. Já a sociedade interpreta a situação de duas maneiras: (i) de um lado, os que pensam em cometer algum crime não têm estímulos para não fazê-lo, já que entendem que há grandes chances de o ato manter-se impune – frustrando-se a função de prevenção geral do direito penal; (ii) de outro, os que não pensam em cometer crimes tornam-se incrédulos quanto à capacidade do Estado de proteger os bens jurídicos fundamentais tutelados por este ramo do direito.36 Em contrapartida, a Ministra Rosa Weber discorreu a favor da presunção de inocência até o trânsito em julgado de todos os recursos: Este Plenário apreciou o tema com profundidade, naquela oportunidade, à luz da Constituição. Exarados votos, inclusive um belíssimo, como sempre, do nosso eminente decano, Ministro Celso 36 Ibidem. p. 47. 35 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 126.292, Relator: Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 17 fev. 2016. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&- docID=10964246>. Acesso em: 18 nov. 2021. p. 25. 34 CANI, Luiz Eduardo; BAZZANELLA, Sandro Luiz. Presunção de inocência ou exceção da inocência? Análise do acórdão do Habeas Corpus nº 126.292 julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Revista Jurídica (FURB), v. 21, n. 46, p. 129-150, 2018. 13 de Mello, no sentido da prevalência do postulado da presunção de inocência, ou da não culpabilidade, até o trânsito em julgado da decisão condenatória. Há questões pragmáticas envolvidas, não tenho a menor dúvida, mas penso que o melhor caminho para solucioná-las não passa pela alteração, por esta Corte, de sua compreensão sobre o texto constitucional no aspecto.37 Em relação aos demais Ministros, nessa ocasião, votaram a favor Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, já em relação aos votos contrários, os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Decano Celso de Mello e Dias Toffoli adotaram a presunção de inocência até o fim dos recursos constitucionais. Porém, a jurisprudência mudou mais uma vez em 2019. O momento atual que rege a jurisprudência do tema se deu com a (re)discussão, a partir das ADC’s nº 43, 44 e 54 quanto à constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. De 2019, até o presente momento, está proibida a execução provisória da pena por ferir a presunção da inocência e, principalmente, de que o art. 283 do CPP é constitucional e está de acordo com os princípios que regem o Direito Penal e Constitucional.38 A decisão, no cenário de 2019, foi bastante incerta, visto que o placar foi de 6 votos (contra prisão em 2ª instância) contra 5 votos (a favor da prisão em 2ª instância). Votaram contra os ministros: Marco Aurélio, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. Do outro lado, votaram a favor os ministros: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Vejamos os principais pontos levantados por cada Ministro para a tomada de posicionamento a favor ou contra. O Ministro Luís Roberto Barroso, ao se posicionar a favor da prisão em segundo grau, assim se posicionou: 38 CARVALHO, Jô de; GONÇALVES, Marta Aparecida de Melo Nogueira; FERREIRA, Gilmaro Alves. Execução penal em segunda instância e o princípio constitucional da presunção da inocência. Revista Eletrônica de Ciências Jurídicas, v. 1, n. 3, 2021. 37 Ibidem. p. 57. 14 Quando eu interpreto a Constituição e estabeleço limites legítimos para direitos fundamentais, para o devido processo legal e para legítimas pretensões do sistema de defesa da sociedade, eu me preocupo em dar os incentivos certos para as pessoas, a fim de criar um tempo que supere tempos passados no Brasil, a ideia de que o crime compensa, de que os bandidos sempre acabam perseguindo os mocinhos e que o mal vence no final. Nós queremos mudar essa história e restabelecer, nas pessoas em geral, a crença de que vale a pena ser honesto, agir de boa-fé e reafirmar a primazia dos bons sobre os espertos. É assim que eu interpreto a Constituição, porque acho que esses são os valores que estão nela escritos. Portanto, acho que o Supremo, em boa hora, mudou para melhor a jurisprudência. Nós começamos a melhorar o País. O crime cada vez mais passou a oferecer mais riscos. Diminuímos os incentivos para o desvio de dinheiro. E penso, do fundo do coração, que não há pobre nessa história. Nós estamos falando da alta criminalidade, dos desvios graúdos de dinheiros públicos. E não gostaria de voltar atrás nessa matéria. Assim sendo, tal como votara na cautelar, voto também aqui no sentido de julgar parcialmente procedente a ação, para interpretar conforme a Constituição o art. 283 do Código de Processo Penal, a fim de excluir a interpretação que impeça a possibilidade de execução de condenação criminal depois do segundo grau, porque acho que essa é a interpretação mais adequada da Constituição.39 Votando de forma similar ao Ministro Barroso, o Ministro Edson Fachin dissertou que: O legislador, sob pena de usurpação da competência constitucional dos tribunais superiores e de ofensa à supremacia da lei, não pode retirar a presunção de constitucionalidade e de vigência das leis que fundamentam o juízo condenatório. Não há faculdade do legislador para dispor sobre a inexistência, como regra, de efeito suspensivo nos recursos especial e extraordinário. A literalidade do dispositivo cede à sua manifesta inconstitucionalidade. Não desconsidero, tal como já tive oportunidade de me manifestar, que o atual sistema prisional brasileiro constitui-se em verdadeiro estado de coisas inconstitucional. A inconstitucionalidade não diz respeito apenas à prisão para o cumprimento da sentença, mas a toda e qualquer modalidade de encarceramento. A decisão cautelar proferida na ADPF 347, Rel. Min. Marco Aurélio, não afasta a necessidade urgente de políticas públicas no âmbito carcerário, e é medida que se impõe, seja qual for o resultado do presente julgamento. Posto isso, voto pela improcedência integral das ADCs 43, 44 e 54, e assim declarar inconstitucional a interpretação do art. 283 do Código de Processo Penal, no que exige o trânsito em julgado parao início da execução da pena, assentando que é coerente com a Constituição 39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Julgamento conjunto ADC 43, ADC 44 e ADC 54. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4986065>. Acesso em: 17 nov. 2021. p. 123. 15 da República brasileira o principiar de execução criminal quando houver condenação confirmada em segundo grau, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível.40 O Ministro Alexandre de Moraes também votou conforme os ministros citados anteriormente. Proferiu-se que: As exigências decorrentes da previsão constitucional do princípio da presunção de inocência não são desrespeitadas mediante a possibilidade de execução provisória da pena privativa de liberdade, quando a decisão condenatória observar todos os demais princípios constitucionais interligados, ou seja, quando o juízo de culpabilidade do acusado tiver sido firmado com absoluta independência pelo juízo natural, a partir da valoração de provas obtidas mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa em dupla instância e a condenação criminal tiver sido imposta, em decisão colegiada, devidamente motivada, de Tribunal de 2º grau, com o consequente esgotamento legal da possibilidade recursal de cognição plena e da análise fática, probatória e jurídica integral em respeito ao princípio da tutela penal efetiva. [...] Em conclusão, a possibilidade de execução de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou a recurso extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Diante do exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE as ADCs 43, 44 e 54, no sentido de conceder INTERPRETAÇÃO CONFORME à CONSTITUIÇÃO FEDERAL ao artigo 283 do CPP, de maneira a se admitir o início da execução da pena, seja privativa de liberdade, seja restritiva de direitos, após decisão condenatória proferida por Tribunal de 2º grau de jurisdição.41 Por outro lado, Marco Aurélio se diverge dos entendimentos anteriores, ao sustentar que: Urge restabelecer a segurança jurídica, proclamar comezinha regra, segundo a qual, em Direito, o meio justifica o fim, mas não o inverso. Dias melhores pressupõem a observância irrestrita à ordem jurídiconormativa, especialmente a constitucional. É esse o preço que se paga ao viver-se em Estado Democrático de Direito, não sendo demasia relembrar Rui Barbosa quando, recém-proclamada a República, no ano de 1892, ressaltou: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”. 41 Ibidem. p. 64. 40 Ibidem. p. 92-93. 16 Julgo procedentes os pedidos formulados nas ações declaratórias de nº 43, 44 e 54 para assentar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal. Como consequência, determino a suspensão de execução provisória de pena cuja decisão a encerrá-la ainda não haja transitado em julgado, bem assim a libertação daqueles que tenham sido presos, ante exame de apelação, reservando-se o recolhimento aos casos verdadeiramente enquadráveis no artigo 312 do mencionado diploma processual.42 Neste mesmo quadro contrário à prisão em segundo grau, a Ministra Rosa Weber discorre que: Não me impressiona o argumento de que não seria razoável submeter o início da execução provisória ou antecipada das privativas de liberdade à última palavra dos Tribunais Superiores porque não é disso que se trata. Sem embargo das vicissitudes que emperram nosso sistema processual, a maior parte das condenações transita em julgado nas instâncias ordinárias e, dos recursos de natureza extraordinária, a imensa maioria tem seu seguimento negado sumariamente. Problemas e distorções decorrentes da estrutura normativa penal e processual penal – tais como o frequentemente extenso lapso entre o início da persecução penal e o início do cumprimento da pena privativa de liberdade – devem ser resolvidos não pela supressão de garantias, e sim mediante o aperfeiçoamento da legislação processual penal pertinente, insisto. Tampouco favorece o devido equacionamento da questão pautar-se o debate em utilizações de dados com intenções alarmantes e argumentos ad terrorem. Nesse sentido, prestou relevante serviço público o Conselho Nacional de Justiça ao esclarecer que o número de eventuais beneficiados por uma declaração de constitucionalidade do art. 283 do CPP não ultrapassaria 4,8 mil presos, o que corresponde a apenas 2,5% do número de 190 mil anteriormente ventilado. [...] Julgo procedentes as ações declaratórias para declarar a constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal, na redação conferida pela Lei nº 12.403/2011.43 O Ministro Luiz Fux, com outra interpretação, considera a seguinte defesa: Importante consignar que permanece em vigor o art. 637 do Código de Processo Penal, segundo o qual “O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do 43 Ibidem. p. 187-188. 42 Ibidem. p. 39. 17 traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”. Neste sistema é que a presunção de inocência não se confunde com garantia de imunidade à prisão decorrente de condenação, razão pela qual revela-se compatível com a Constituição Federal o início da execução da pena a partir o esgotamento das instâncias ordinárias, e compreendendo, à luz de uma análise sistemática da Lei Maior e das normas constitucionais que autorizam a prisão anteriormente à própria condenação, que o sentido da presunção de inocência estabelecido no art. 5º, LVII, da CRFB confere ao acusado e mesmo ao condenado os seguintes direitos: [...] A norma do art. 283 do Código de Processo Penal (“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”) deve, portanto, ser interpretada sistematicamente, à luz das normas constitucionais, supralegais e da legislação ordinária que autorizam o início da execução da pena com fundamento no esgotamento das instâncias ordinárias. Ex positis, voto no sentido de manter a decisão proferida em sede cautelar, para assentar interpretação conforme a Constituição, “assentando que é coerente com a Constituição o principiar de execução criminal quando houver condenação assentada em segundo grau de jurisdição, salvo atribuição expressa de efeito suspensivo ao recurso cabível”.44 Divergindo de Fux, o Ministro Ricardo Lewandowski realizou um voto pouco fundamentado e proferiu a seguinte conclusão: [...] E o texto do inciso LVII do art. 5° da Carta Magna, ademais, além de ser claríssimo, jamais poderia ser objeto de uma inflexão jurisprudencial para interpretá-lo in malam partem, ou seja, em prejuízo dos acusados em geral. Por fim, não custa recordar que o art. 30 da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, elaborada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas e subscrita pelo Brasil - considerada pelos especialistas verdadeiro jus cogens internacional, ou seja, de observância obrigatória por todos os Estados que a assinaram -, consagrou o principio da proibição do retrocesso em matéria de direitos e garantias fundamentais, plenamente aplicável à espécie. Em face do exposto, outra não pode ser a minha conclusão se não a de que o art. 283 do Código de Processo Penal é plenamente compatível com a Constituição em vigor, razão ela qual me pronuncio no sentido de julgar inteiramente procedentes as ADCs 43, 44 e 54 sob exame.45 45 Ibidem. p. 256. 44 Ibidem. p. 64. 18 A Ministra Cármen Lúcia ao votar a favor da prisão em segunda instância resgatou o seu voto proferido em 2016 e discorreu sobre a mudança ocorrida na jurisprudência pelo tribunal: Termino este voto, Senhor Presidente, Senhores Ministros, fazendo coro, ainda uma vez, com a corrente minoritáriaque integrei em 2009 - com todo o respeito pelos que formaram a corrente majoritária -, com profunda preocupação com o novo quadro interpretativo e a aplicação do direito penal positivado no Brasil. Como disse, não desconheço - aliás, no meu caso, não desconheço mesmo - as precárias condições e o péssimo estado do sistema carcerário. [...] A mutabilidade pela interpretação e adoção da compreensão por este Colegiado em um tema tão sensível não pode ser alterada sem que haja - e tenho certeza que haverá, na linha da corrente que se formará majoritariamente - compreensão, interpretação e aplicação do princípio constitucional de que estamos a cuidar com grave e profundo espraiamento e consequências para o entendimento, a interpretação e a prática de todo o sistema de justiça criminal no País. Estamos em uma fase de mudanças. Mudamos já algumas jurisprudências que se foram formando em sentido diferente. [...] Voto, portanto, Senhor Presidente, no sentido de julgar parcialmente procedente as ações declaratórias de constitucionalidade, para dar interpretação conforme à norma do art. 283 do Código do Processo, no sentido de que a execução provisória da sentença penal condenatória confirmada em segundo grau de jurisdição, ainda que sujeita a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da não culpabilidade penal.46 O Ministro Gilmar Mendes, na contramão da exposição da Ministra Cármen, acredita que: Diante do exposto, acompanho o relator, para julgar procedente o pedido desta ADC, de modo a declarar a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, determinando que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Desse modo, assento a impossibilidade de prisão para execução automática e provisória de sentença condenatória não transitada em 46 Ibidem. p. 281-282. 19 julgado, salvo se presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, motivadamente reconhecidos no caso concreto. Determino aos juízos inferiores, após manifestação do acusador natural, que analisem e motivem eventual necessidade de imposição de prisão preventiva, nos termos do CPP, em um prazo de 10 (dez) dias, a partir da publicação da ata deste julgado, sob pena de imediata expedição do alvará de soltura do paciente após o transcurso do referido prazo.47 Prosseguindo o voto contrário do Ministro Celso de Mello, recordemos seus principais pontos: Os aspectos que venho de salientar neste voto, Senhor Presidente, levam-me a concluir, presente o que se contém na Constituição da República e na legislação processual penal do Estado brasileiro, que o reconhecimento da tese da “execução provisória” de uma condenação criminal ainda recorrível (antes, portanto, do seu trânsito em julgado) significa admitir-se, com toda a vênia, um equívoco totalmente inconstitucional e ilegal. Na realidade, somente sociedades autocráticas que não reconhecem direitos básicos aos seus cidadãos repudiam e desprezam o direito fundamental de qualquer indivíduo de sempre ser considerado inocente até que ocorra o definitivo trânsito em julgado de sua condenação penal, independentemente do caráter (hediondo ou não) do crime pelo qual está sendo investigado ou processado. [...] Concluo o meu voto, Senhor Presidente. E, ao fazê-lo, peço vênia para julgar procedentes os pedidos deduzidos nestas ações declaratórias de constitucionalidade, reafirmando, assim, no que concerne à interpretação do art. 283 do CPP, na redação dada pela Lei nº 12.403/2011, a tese segundo a qual a execução provisória (ou prematura) da sentença penal condenatória, mesmo aquela emanada do Tribunal do Júri, revela-se frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu de ser presumido inocente até que sobrevenha o trânsito em julgado de sua condenação criminal, tal como expressamente assegurado pela própria Constituição da República (CF, art. 5º, LVII).48 Por fim, o Ministro Dias Toffoli profere o voto contrário que faltava para que a maioria julgue contra a prisão após a condenação em segunda instância: Ante o exposto, voto pela procedência das ações diretas de constitucionalidade, declarando-se a compatibilidade da vontade expressa pelo legislador no art. 283 do Código de Processo Penal – por meio da Lei nº 12.403 – de 4 de maio de 2011, com a Constituição 48 Ibidem. p. 414-415. 47 Ibidem. p. 335. 20 Federal, uma vez que não há contrariedade entre essa deliberação política do parlamento e a Carta Magna. No entanto, entendo que, nos casos de condenação por tribunal do júri, não incide a previsão contida no art. 283 do CPP, tendo em vista que, nesse caso, se aplica diretamente a soberania dos veredictos, expressa na alínea c do inciso XXXVIII do art. 5º da Constituição, de forma que a execução da pena deve ser imediata, sem sequer se cogitar do julgamento, em segunda instância, de eventual apelação. Além disso, é importante destacar que, em meu entender, a decisão que ora profere esta Corte não impede a análise pelas instâncias competentes, nos casos hoje pendentes e nos que venham a ser analisados, de decretação de prisão cautelar quando presentes os requisitos previstos no art. 312 do CPP, análise essa que pode ser realizada em qualquer instância e fase do processo, visto que essa modalidade de prisão encontra autorização nos dispositivos da Constituição Federal de 1988 [...].49 Constata-se, portanto, que o posicionamento do supremo neste ponto é bastante incerto. Como vimos na figura acima, alguns ministros mudaram seus votos ao longo do tempo, enquanto outros mantiveram suas posições. Nesse sentido, podemos indagar se essa constância em mudar de opinião seria uma insegurança jurídica ou uma necessidade de rever uma inconsistência jurídica. Concordando nessa tese, Andréia Carvalho de Sousa e Macell Cunha Leitão50 argumentam que: [...] a mutação constitucional deve observar os limites normativos concebidos pela própria Constituição para que o necessário ato de interpretação autêntica das normas constitucionais pelo Judiciário não configure um uso banalizado da prática de ativismo judicial, sob pena de violação dos preceitos fundantes do próprio Estado Democrático de Direito, que lhe confere legitimidade.51 51 DE SOUSA, Andréia Carvalho; LEITÃO, Marcell Cunha. Da mutação constitucional ao ativismo judicial: Uma Análise do Entendimento do Supremo Tribunal Federal Sobre Prisão em Segunda Instância. Revista Direito em Debate, v. 29, n. 54, p. 244, 2020. 50 NASCIMENTO, João Ricardo Holanda do; LIMA, Renata Albuquerque. Interpretação constitucional e a força das decisões judiciais: análise da execução provisória da pena em tempos de protagonismo do judiciário na política. Revista de Direito Brasileira, v. 25, n. 10, p. 321-344, 2020; VARGAS, Kesia Geovana Aguiar et al. Prisão em segunda instância no brasil: da dialética ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Novos Direitos, v. 7, n. 1, p. 67-86, 2020. 49 Ibidem. p. 482. 21 3. EFEITOS DAS ADC’S DE 2019 E REPERCUSSÃO DO JULGAMENTO Antes de ter seu corpo coberto pelas grades prisioneiras, o ex-presidente e possivelmente próximo candidato à chefe do poder executivo em 2022 foi erguido e eleito duas vezes pelos brasileiros nas urnas em 2002 e também em 2006, quando foi reeleito. Tal reeleição atesta a popularidade inquestionável de Luiz Inácio Lula da Silva - que até hoje é reverenciado e aclamado no espectro político. Inevitavelmente, esse clamor público repercutiu de forma estrondosa no momento em que ocorreu todos os seus julgamentos, afinal, os canais midiáticos em nenhum momento ocultaram todos os trâmites. Conforme explicitado anteriormente, em 2016 o Superior Tribunal Federal já havia decidido sobre a possibilidade de início do cumprimento da pena após a prisão em segunda instância. Porém, apóso Sérgio Moro condenar o político na primeira instância a 9 anos e 6 meses de prisão em 2017 e outros alvos valiosos como Antonio Palocci, ficarem cada vez mais52 próximos de suas condenações e posteriormente possíveis prisões, a pressão sobre o STF por parte de diversos entes políticos se intensificou. Obviamente, a condenação do Lula em decisão unânime pelo TRF-4 na segunda instância de Porto Alegre que consequentemente culminou em sua53 prisão no ano de 2018 somente intensificou este peso na coluna de nossa corte suprema que em 2019 julgou as ADCs 43, 44 e 54 ajuizadas pelo Partido Ecológico Nacional, Conselho Federal da OAB e pelo Partido Comunista do Brasil. Sabendo que políticos como Lula não somente eram acusados de atos corruptos mas também por excessivas demagogias decorrentes de suas representatividades perante aos diversos grupos políticos - algo que por si só não se configura como crime, mas que tem o poder de reconfigurar uma 53 MATOSO, Filipe; RAMALHO, Renan. Em decisão unânime, tribunal condena Lula em segunda instância e aumenta pena de 9 para 12 anos. G1, 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/julgamento-recurso-de-lula-no-trf-4-decisao-desembargad ores-da-8-turma.ghtml>. Acesso em: 20 nov. 2021. 52 G1. Sérgio Moro condena ex-presidente Lula a 9 anos e 6 meses de prisão. 12 de julho de 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2017/07/sergio-moro-condena-ex-presidente-lula-9- anos-e-6-meses-de-prisao.html>. Aceso em: 20 nov. 2021. 22 hermenêutica de julgamento -, o jurista Lenio Luiz Streck no dia do julgamento expressou: Resta saber se o STF fará a coisa certa. E fazer a coisa certa é decidir conforme o direito e não conforme os desejos morais da mídia ou de uma opinião pública da qual não se sabe bem o que quer. Aliás, se valesse a opinião pública, a Constituição seria desnecessária. E se valesse a opinião pública, como ela seria aferida? Por IBOPE? Data Folha?54 Em tempo, Lenio ainda reforçou que a opinião pública não é parte das ações diretas de constitucionalidade: Mas como jurista, como Corte Constitucional, só se pode fazer o que diz a Constituição! ADC é ação sem cliente. Não tem rosto. A identidade de uma ação constitucional é o texto que se busca esclarecer. E o que se quer nas ADCs 43, 44 e 54 é apenas que se declare o que lá está. Se isso é ruim, se isso desagrada a muita gente, não deve importar.55 Não obstante, mesmo após o julgamento ter acontecido, o embate de opiniões rivais ainda seguiu, afinal, em um país com um grande número de leis que abrem margem para divergentes interpretações, a insegurança jurídica surge como um sintoma severo. O agravante desta doença é a mudança de posicionamento sobre um mesmo assunto em menos de 5 anos, podendo esse julgamento ser considerado mais um indício deste mal. Neste caminho de pensamento, o jurista Georges Abboud expôs: O itinerário do julgamento foi uma via crucis caricata do ambiente jurídico brasileiro, no qual as fake news, os argumentos terroristas e o populismo judicial contaminam as discussões. Daí o porquê de tentarmos extrair dele algumas lições urgentes. A primeira, norte de todo o artigo, é que, seja na normalidade ou em períodos de crise, o enfraquecimento da jurisdição constitucional nunca é bom para uma democracia.56 56 ABBOUD, Georges. O julgamento das ADCs 43,44 e 54 pelo Supremo Tribunal Federal. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-nov-14/georges-abboud-julgamento-adcs-43-44-54-absurdo>. Acesso em: 2o nov. 2021. 55 Ibidem. 54 STRECK, Lenio. Hoje é dia de julgamento das ADC 43, 44, 54! O STF fará a coisa certa? Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-out-17/hoje-dia-julgamento-adc-43-44-54-stf-coisa-certa>. Acesso em: 20 nov. 2021. 23 Abboud foi lúcido em suas palavras, afinal, aquela conhecida como a constituição cidadã é considerada revolucionária no que tange às garantias individuais e encabeça a chave de praticamente todo o nosso ordenamento jurídico. Destarte, um poder judiciário que não transmite segurança ao defendê-la contribui para a instauração do caos, como manifesta o mestre em Direito Civil e Professor Thiago Rodovalho dos Santos: E pensar em um poder judiciário que em sua organicidade hierárquica não transmita segurança e previsibilidade de suas decisões, seria chancelar o caos que esta insegurança jurídica traz aos jurisdicionados, situação esta que é contrária aos ditames não só do justo, como também ofensivo aos ditames do Estado Democrático de Direito e aos preceitos fundantes e nossa república. Para que a própria noção do justo, para que o sentimento de justiça possa se concretizar, imperiosa se apresenta a ideia de autoridade e de respeito a essa autoridade.57 Urge o anseio enfim pela segurança, justiça e a igualdade obstinada no preâmbulo da mesma constituição. É possível perceber isso pela significativa58 recepção que o assunto teve na mídia, com certa histeria tanto das pessoas que concordavam com a decisão quanto daquelas que discordavam, tendo havido inclusive a veiculação de notícias inverídicas no tocante a essa matéria. A título de exemplo, o próprio CNJ afirmou que o número de pessoas afetadas, muito diferentemente do número exorbitante de 190 mil presidiários beneficiados que vinha sendo considerado, seria de cerca de 4,9 mil pessoas.59 59 AGÊNCIA BRASIL. Decisão do STF sobre 2ª instância pode afetar 4,9 mil presos, diz CNJ. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-10/decisao-do-stf-sobre-2a-instancia-pod e-afetar-49-mil-presos-diz-cnj#:~:text=Decis%C3%A3o%20do%20STF%20sobre%202%C2%A A,presos%2C%20diz%20CNJ%20%7C%20Ag%C3%AAncia%20Brasil>. Acesso em: 20 nov. 2021. 58 “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil” (grifo nosso). 57 DOS SANTOS, Thiago Rodovalho. Do Respeito às Decisões do STF e a Súmula Vinculante. Revista de Direito Brasileira, v. 2, n. 2, p. 231, 2012. 24 Isso porque o respeitado órgão levou em conta dados do Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP), os quais apontam a existência de 4.895 mandados de prisão expedidos pelo segundo grau das justiças tanto federal quanto estadual, não considerando, por exemplo, multas, serviços comunitários ou outras penas alternativas à prisão.60 Vale notar, ainda, que o impacto midiático dessa decisão não se deu apenas no Brasil, mas também num contexto internacional. Prova disso é o fato de que o termo “Lula” tornou-se logo após o julgamento o líder no ranking dos temas mais falados do Twitter a nível mundial.61 Ademais, houve diversas manifestações de célebres jornais e outros veículos de imprensa estrangeiros quanto ao julgamento e seus efeitos sobre a condenação do ex-presidente Lula. Foi o que ocorreu, com o notório jornal argentino Clarín, que chegou inclusive a abordar a decisão sob a perspectiva de uma contextualização política, chegando a citar as informações veiculadas pelo site Intercept e reproduzindo a manifestação de alegria e aprovação do presidente argentino com a possibilidade de soltura de Lula.62 Outros exemplos de jornais internacionais que abordaram o assunto foram o britânico The Guardian; os americanos The New York Times e The Washington Post; o português O Público; e os franceses Le Figaro e Le monde. Assim, fica clara a enorme importância dada à matéria não somente em63 terras brasileiras, mas também em veículos de imprensa estrangeiros extremamente reconhecidos.Por fim, quanto aos efeitos práticos do julgamento, houve a soltura do ex-presidente já no dia seguinte (08/11/2019), tendo a decisão do juiz federal Danilo Pereira Junior sido baseada exclusivamente no novo entendimento do STF. No tocante aos outros presos, como explica Cristiano Zanin, que era64 64 BÄCHTOLD, Felipe; BARAN, Katna. Juiz autoriza soltura de Lula após decisão do Supremo. Folha de São Paulo. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/juiz-autoriza-soltura-de-lula-apos-decisao-do-sup remo.shtml>. Acesso em: 20 nov. 2021. 63 Ibidem. 62 Ibidem. 61 BBC NEWS BRASIL. Veja a repercussão na imprensa internacional da decisão do STF que beneficia Lula. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-50340801>. Acesso em: 21 nov. 2021. 60 Ibidem. 25 advogado do ex-presidente à época, “cada jurisdicionado que estiver em situação incompatível com a tese jurídica fixada pela Suprema Corte poderá requerer ao juízo da execução penal a expedição de alvará de soltura”.65 Dessa forma, como salientou a também advogada Marina Coelho Araújo, a soltura dos presos não se deu automaticamente após o julgamento, tendo havido, inclusive, casos em que essas pessoas continuaram presas, desde que cumpridos os requisitos para que houvesse prisão preventiva.66 Portanto, com base no quanto exposto acima, é possível concluir que os efeitos das ADC’s de 2019, assim como a repercussão desse tão paradigmático julgamento, foram ambos muito expressivos e polêmicos. Houve, como demonstrado, o embate entre fortes opiniões contrastantes e alegações delicadas foram feitas; ocorreu a veiculação de notícias desde sérias até sensacionalistas nos campos jurídico e político. Até os dias atuais, mesmo após a anulação das sentenças condenando o ex-presidente Lula - de forma que o assunto tornou-se menos político67 agora, embora ainda o seja consideravelmente -, o debate se mantém vivo, havendo propostas do poder Legislativo para alterar a lei e, por conseguinte, permitir a volta da prática da prisão em segunda instância. Não se pode, contudo, vislumbrar uma alteração próxima nesse sentido.68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBOUD, Georges. O julgamento das ADCs 43,44 e 54 pelo Supremo Tribunal Federal. Consultor Jurídico, 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-nov-14/georges-abboud-julgamento-adcs-43- 44-54-absurdo>. Acesso em: 2o nov. 2021. 68 NOBERTO, Cristiane. No congresso, PEC da prisão em segunda instância está há 2 anos engavetada. Correio Braziliense. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/11/4960384-no-congresso-pec-da-prisao-e m-segunda-instancia-esta-ha-2-anos-engavetada.html>. Acesso em: 20 nov. 2021. 67 BBC NEWS BRASIL. STF confirma anulação de condenações da lava jato contra Lula — Entenda. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-56768338>. Acesso em: 20 nov. 2021. 66 Ibidem. 65 MIGALHAS. Criminalistas explicam consequência imediata do fim da prisão em 2ª instância. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/quentes/314792/criminalistas-explicam-consequencia-imediata-d o-fim-da-prisao-em-2--instancia>. Acesso em: 20 nov. 2021. 26 ACS. Tipos de flagrante. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Fevereiro de 2021. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-fa cil/edicao-semanal/tipos-de-flagrante>. Acesso em: 19 nov. 2021. AGÊNCIA BRASIL. Decisão do STF sobre 2ª instância pode afetar 4,9 mil presos, diz CNJ. 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