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1 Camila Carminate – 7 FASE Anemia no Adulto A anemia é definida pela OMS quando a Hb é inferior a 13 g/dL em homens, 12g/dL em mulheres e 11 g/dL para crianças e gestantes, sendo esses índices definidos ao nível do mar. O valor da Hb também está sujeito a variações estatísticas de acordo com a faixa etária, o sexo e o estudo retrospectivo de seus exames. Com base no tamanho celular, as anemias têm sua classificação mais usada. Microcíticas (VCM < 80 fL): ferropriva, talassemia, anemia sideroblástica e anemia de doença crônica. Macrocíticas (VCM > 100fL) megaloblásticas: devido à deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico e relacionadas com fármacos (zidovudina, metotrexato, ácido valproico, entre outros). Macrocíticas não megaloblásticas: alcoolismo, hepatopatia, hipotireoidismo e síndromes mielodisplásicas. Normocíticas (VCM entre 80-100fL): ferropriva, anemia de doença crônica e de causas hemolíticas e não hemolíticas. ANAMNESE As pessoas muitas vezes estão assintomáticas, ou com uma clínica vaga de sintomas mínimos, sobretudo quando a instalação é de forma insidiosa e provocada por qualquer causa de sangramento prolongado. Podem-se encontrar indivíduos com níveis de Hb baixos sem que haja qualquer manifestação clínica, o que decorre do mecanismo adaptativo e compensatório, porém as extremidades etárias são as mais sensíveis aos efeitos. Algumas vezes, a anemia é descoberta através de uma causa não relacionável por meio de exames ditos “de rotina”, exames para fins de medicina do trabalho ou até mesmo em pré e pós- operatório. A anamnese da pessoa com anemia ferropriva deve investigar a palidez, visão de moscas volantes, zumbidos, dores de cabeça, anorexia, perda do paladar, dor na língua, perda de pelos ou cabelos, diminuição do rendimento intelectual, sonolência, fraqueza, cansaço, letargia, estado anímico (irritabilidade, tristeza, apatia), dispneia progressiva aos exercícios físicos, palpitações, angina, síncope, dor nas pernas, perda da libido, hemorragias, hábito de doações repetidas de sangue, parasitoses intestinais, uso crônico de anti-inflamatórios, corticoides, ácido acetilsalicílico, anticoagulantes e inibidores de bomba de prótons (IBPs). Se a anemia for acentuada, evolui com distúrbios alimentares (pica), pelo desejo incontrolável da ingesta de alimentos crus como macarrão e arroz, ou substâncias específicas não nutritivas, tais como terra ou gelo. O picacismo em crianças é capaz de ocorrer naquelas que ingerem lascas de tinta contendo chumbo, correlacionando-se a deficiência de ferro ao saturnismo. Nas mulheres, a anemia ferropriva é capaz de desenvolver-se em consequência do aumento das necessidades da gestação (principalmente nas gemelares) e do aleitamento materno. Naquelas em idade fértil, pode ocorrer devido ao fluxo fisiológico menstrual excessivo, com a visualização de coágulos, ou pelo uso do dispositivo intrauterino de cobre (DIU). Na pós-menopausa, o sangramento uterino duradouro pode se relacionar ao câncer de endométrio. Pessoas submetidas à cirurgia bariátrica comumente apresentam deficiência de ferro após o procedimento. Vômitos com características de borra de café, hematêmese, melena e sangramento através do reto são invariavelmente 2 Camila Carminate – 7 FASE relacionados a hemorragia digestiva alta (HDA) e baixa (HDB), respectivamente. Cursam com anemia dependente de sua evolução. Indivíduos com doença celíaca, doença de Crohn, espru tropical, ressecção e tuberculose intestinal apresentam má absorção duodenojejunal ao ferro. O questionamento sobre o consumo abusivo de bebidas alcoólicas tem relação com o desenvolvimento de gastrite, de úlcera gástrica e de varizes esofágicas com a perda de sangue. O câncer de cólon direito em homens acima de 50 anos11 é uma condição vista no achado de anemia por sangramento retal misturado com as fezes. A hérnia de hiato e a gastrite colonizada pelo Helicobacter pylori também se associam à deficiência de ferro. Na abordagem dos idosos, a tolerância progressiva do quadro anêmico se dá com a instalação de claudicação intermitente, angina e insuficiência cardíaca (IC) excluindo-se outras causas. Nessa faixa etária, as pessoas anêmicas com queixa de disfagia para sólidos, na presença de esofagite, correm o risco de apresentar síndrome de Plummer-Vinson. Trata-se de uma complicação rara, com potencial de desenvolvimento de carcinoma epidermoide da faringe e do esôfago. A anemia de doença crônica muitas vezes é confundida com a ferropriva. Em uma variedade de doenças inflamatórias crônicas, como as colagenoses, as infecções crônicas ou as doenças neoplásicas, seus sintomas gerais têm intensidade leve a moderada, como taquicardia, cansaço, palpitações, taquipneia ou até mesmo inexistem. É a causa mais frequente de doentes hospitalizados, mas o médico de família e comunidade depara-se com essa condição diariamente na prática clínica. Sua prevalência aumenta com a idade, sendo importante a busca de informações da doença subjacente. Os sintomas da deficiência de vitamina B12 ou de ácido fólico que devem ser pesquisados estão ligados à má absorção dos alimentos ricos nessas substâncias, como a carne, o leite, os ovos, os queijos12 e os vegetais folhosos verde-escuros, respectivamente. Dieta vegetariana rigorosa, por exemplo, implica na diminuição de vitamina B12, e o alcoolismo aumenta o risco de deficiência de ácido fólico. O uso crônico de metformina, biguanidas, omeprazol, colchicina e neomicina associam-se ao déficit de vitamina B12. Já os anticonvulsivantes (fenitoína, fenobarbital, primidona), metotrexato, trimetoprima, contraceptivos orais e diuréticos poupadores de potássio levam a deficiência de ácido fólico. A carência de vitamina B12 pode provocar insônia, problemas neurológicos de parestesia associada à neuropatia periférica, propriocepção diminuída, déficit de memória e transtornos psiquiátricos, incluindo irritabilidade, depressão, demência e, raramente, psicoses. As pessoas submetidas à gastrectomia aqui também estão sujeitas a avançar com déficits de vitamina B12 e ácido fólico ao longo do tempo. A anemia perniciosa é causa frequente de déficit de vitamina B12, com predominância no sexo feminino e mediana de idade de 60 anos devido a uma gastrite crônica atrófica autoimune. Pode combinar-se a outras doenças autoimunes, tais como vitiligo, hipoparatireoidismo, tireoidite de Hashimoto e doença de Addison. Os achados da deficiência de ácido fólico são os mesmos da vitamina B12, porém não há sintomas neurológicos. EXAME FÍSICO Deve-se realizar exame físico completo. Na avaliação geral da pessoa, além de aferir os sinais vitais, observar o aparente estado de saúde física, mental, nutricional e de hidratação, para poder marcar a falta do desenvolvimento estatural e muscular, comuns nas anemias. O exame físico torna-se facilitado ao se abordar o aparelho ou sistema comprometido. Linfonodos: os aumentos devem ser examinados relacionando seus achados à suspeição de doenças hematológicas. 3 Camila Carminate – 7 FASE Cabeça: o aparecimento da “face do roedor”, em virtude de alterações no desenvolvimento dos ossos e no tamanho e desalinhamento dos dentes incisivos, é característico da talassemia. No crânio, bossas com proeminência dos ossos frontal e parietal com o maxilar aumentado indicam β-talassemia. Olhos: na região ocular, o descoramento da mucosa é observado na anemia grave, e a esclera poderá estar ictérica. No fundo de olho as alterações são de rara importância diagnóstica, e a retinopatia grave é denominada manchas de Roth. Papiledema relacionado apenas à anemia pode ocorrer e regride com a sua correção. Boca: na cavidade oral, a língua despapilada, lisa (mais visível nos cantos), edemaciada,encarnada (com aspecto de carne bovina) é denominada glossite atrófica. É dolorosa e provoca odor ruim. Nos lábios, aparecem sinais de maceração, além de fissuras no ângulo da boca, denominadas estomatite ou queilite angular. Pele, anexos e mucosas: com uma luz adequada, de preferência natural, inspeciona-se idealmente toda a pele e as mucosas. A incidência de palidez é melhor observada no descoramento da palma das mãos, mucosas da boca, conjuntiva, lábios e leito ungueal, muito embora tenha baixa sensibilidade. A palma das mãos torna-se pálida, mas as linhas palmares mantém a coloração até que a Hb caia abaixo de 7 g/dL.19 Icterícia leve, tipo amarelo-limão, é comum na anemia megaloblástica, assim como nas anemias hemolíticas e eventualmente na anemia perniciosa. As máculas acrômicas circunscritas, caracterizadas pela alteração da cor da pele no vitiligo, poderão ser observadas nos portadores de anemia perniciosa. As lesões vásculo- sanguíneas e pigmentadas, as petéquias e equimoses aparecem em consequência da anemia aplástica, da coagulopatia e das leucemias consequentes da plaquetopenia. A queda de cabelos pode ocorrer na anemia ferropriva; no entanto, o aparecimento precoce de cabelos grisalhos e finos sugere anemia perniciosa. No exame das unhas, a cor rosada do enchimento capilar é pálida. A coiloníquia, unhas adelgaçadas de lâminas côncavas com extremidades elevadas semelhantes a uma colher, denota o sinal clássico e tardio presente na anemia megaloblástica, perniciosa e na ferropriva de longa data. As úlceras localizadas nas extremidades das pernas, em torno dos maléolos (que se apresentam com má cicatrização e cronicidade), são típicas de indivíduos com anemia falciforme. Dactilite, (também conhecida como síndrome mão-pé) é uma manifestação inicial da anemia falciforme. Aparelho cardiovascular e pulmonar: os achados são proporcionais ao tempo de evolução da anemia. Nos casos agudos, manifestações importantes surgem com taquicardia reflexa e hipotensão postural com lipotímia, acometendo com maior frequência os idosos. As pessoas referem dispneia, taquicardia e hipotensão postural. A fluidez do sangue periférico em geral resulta no aparecimento de sopro cardíaco sistólico ejetivo no foco pulmonar e no ápice, sendo observado tanto em repouso como após os exercícios. Aparelho gastrintestinal: no abdome, a úlcera péptica é por vezes assintomática ou associada com dor à palpação, à defesa e à rigidez da sua parede. Na palpação de massas, investigar a possibilidade de tumor. A circunferência volumosa ascítica é oriunda, entre outras causas, da cirrose decorrente do uso de álcool, direcionando o raciocínio para anemia por doença hepática. Cálculos biliares são encontrados na hemólise crônica de adultos, embora já tenham sido relatados em crianças. Hepato ou esplenomegalia sugerem uma provável hipertensão porta por anemia hemolítica. Considerar a realização do toque retal para descartar carcinoma colorretal e perda de sangue devido às hemorroidas. Na anemia falciforme, o hipoesplenismo ou até a autoesplenectomia ocorrem pelos sucessivos infartos característicos dessa forma hereditária de anemia. Aparelho genital: o exame das mamas, genitais feminino e masculino não poderão ser negligenciados, buscando-se alterações que justifiquem tanto a anemia como as neoplasias silentes. O priapismo surge como uma das complicações da anemia falciforme. Aparelho neurológico: na anemia por deficiência de vitamina B12, é importante verificar o tônus, a força muscular, a sensibilidade, a coordenação e os reflexos. Déficits da sensibilidade vibratória 4 Camila Carminate – 7 FASE e da propriocepção são manifestações precoces de disfunção do sistema nervoso central (SNC). A falta de coordenação muscular durante os movimentos voluntários, sinal de Babinski e espasticidade são sinais tardios. As pernas e os pés são afetados mais frequentemente do que os membros superiores. EXAMES COMPLEMENTARES Solicitar apenas o hemograma é insuficiente para a abordagem inicial das anemias, que deve ter em conjunto a contagem de reticulócitos e o esfregaço de sangue periférico. TRATAMENTO DA ANEMIA FERROPRIVA É importante reforçar uma dieta adequada, com a ingesta de carnes vermelhas e frutas ricas em vitamina C, que aumentam a absorção de ferro. Evitar o consumo de alimentos ou medicamentos que possam inibir a absorção de ferro. O aleitamento materno em RN normal deve ser encorajado e priorizado pelo menos até o 6o mês, obedecendo à suplementação de ferro entre 6 e 18 meses, de acordo com o preconizado pelo Ministério da Saúde (MS). Os principais compostos disponíveis para o tratamento oral são sulfato ferroso, fumarato ferroso, gluconato ferroso, ferro quelato glicinato e ferripolimaltose. Este último apresenta como vantagem adicional a melhor tolerância, mas não é disponibilizado na rede pública. A preferência recai sobre o sal ferroso, pois apresenta melhor custo-benefício, embora traga mais efeitos adversos comparados aos demais compostos, o que pode contribuir para a falta de adesão ao tratamento. A dose terapêutica é de 3 a 6 mg/kg/dia, em duas a três tomadas para crianças; para adultos, o recomendado são 120 a 180 mg de ferro elementar por dia. Sulfato ferroso de 300 mg contém 60 mg de ferro elementar, e 1 comprimido, 3 vezes ao dia, fornece os 180 mg de ferro elementar necessários. A resposta ao tratamento ocorre pelo aumento de reticulócitos, em 4 a 7 dias, com pico no 10o dia. Com uma adequada reposição, um aumento de pelo menos 2 g/dL na Hb deve ocorrer em 2 a 3 semanas de tratamento, mas o VCM continuará baixo por 2 a 3 meses. Em 2 meses, a Hb e o Ht voltam ao normal. Após a correção da anemia ferropriva, a suplementação é mantida, em crianças, por 3 a 4 meses (ou por mais 2 meses, quando houver a normalização da hemoglobina); para adultos, a recomendação é tratar por 4 a 6 meses. Se a Hb não atingir o nível desejado, considerar investigação. Para restaurar os estoques de ferro, são necessários de 2 a 6 meses, ou até obter-se valor de ferritina de pelo menos 15 ng/mL para crianças e 30 ng/mL para adultos. Alguns autores sugerem que a reposição ideal corresponda a níveis de ferritina da ordem de 50 ng/mL, sendo importante a correlação ou não com processos inflamatórios. O sulfato ferroso é melhor absorvido se ingerido em jejum ou 1 a 2 horas antes das refeições, com fruta ou suco cítrico (conter vitamina C – p. ex., laranja, limão – favorece a absorção do ferro 5 Camila Carminate – 7 FASE no intestino). Se ingerido junto com leite, chás, café e cereais, há prejuízo na absorção. Administrar 2 horas antes ou 4 horas após os antiácidos. Em caso de efeitos colaterais, como diarreia, azia, cólicas no abdome, vômitos e constipação, preferir junto às refeições, porém a sua absorção será diminuída, e o tratamento se prolongará até o efeito esperado. Alertar as mães que as fezes das crianças podem ficar escurecidas nas doses terapêuticas. O escurecimento dos dentes também ocorre transitoriamente com uma apresentação líquida, mas é revertido pela escovação e pode ser evitado administrando-se a solução com um conta- gotas na parte posterior da língua. Nos portadores de úlceras gastrintestinais, função hepática comprometida, doença renal, etilistas e nos idosos, que são mais propensos aos efeitos adversos, a administração deve ser realizada com precaução. O uso prolongado pode resultar em sobrecarga de ferro, especialmente naqueles com tendência a hemocromatose e hemossiderose. TRATAMENTO PARENTERAL DA ANEMIA FERROPRIVA O tratamento parenteral com ferro deve ser reservado aos casos de intolerância ou refratariedade à via oral (VO), má absorção por doença gastrintestinal, incapacidade de manter as reservas de ferro em pós-bariátricos e doentesfazendo hemodiálise. O procedimento é geralmente realizado em ambiente hospitalar, sob competência do hematologista, que domina a técnica e o manejo das complicações. Descrevem-se como efeitos adversos agitação, manchas na pele no local da aplicação, náuseas, vômitos, urticária, mialgia, cefaleia, artralgias e até choque anafilático. Esse tratamento deve ser evitado em portadores de insuficiência hepática, em gestantes com menos de 12 semanas e na amamentação. TRATAMENTO DA DEFICIÊNCIA DE VITAMINA B12 As principais fontes de vitamina B12 são as carnes, os ovos e o leite (a dieta deve ser reforçada para todos os indivíduos). Os estoques têm longa duração, mas, se a perda diária ocorrer entre 3 a 5 mg sem qualquer absorção, a deficiência pode levar mais de 3 anos. É confirmada com níveis abaixo de 200pg/mL O tratamento está indicado nas pessoas com absorção enteral diminuída, doença hereditária ou naquelas com anemia perniciosa comprovada. Embora existam evidências de que a reposição oral traga bons resultados, o tratamento tradicional é por via parenteral, existindo vários esquemas posológicos eficazes, que variam de acordo com a apresentação clínica. Para crianças, a dose típica é de 50 a 100 μg de vitamina B12 intramuscular, 1 vez por semana, até que a deficiência seja corrigida. Se for necessário tratamento por toda a vida, aplicar 1 vez por mês. Para os adultos, a dose é de 1.000 μg/dia de vitamina B12 IM, por 7 dias, seguidos de 1.000 μg por semana, por 3 semanas, e, após, 1.000 μg/mês indefinidamente, se a condição clínica não puder ser corrigida. O aumento dos reticulócitos ocorre em 5 a 7 dias, e em 2 meses se observa uma melhora do quadro hematológico. A degeneração neurológica é reversível se tratada com pouco tempo de evolução, idealmente em menos de 6 meses. A correção da deficiência pode causar hipocalemia aguda, ou seja, o monitoramento da queda de potássio é obrigatório, e a suplementação deve ser instituída, quando necessária. Algumas pessoas podem desenvolver hipocalemia durante a semana inicial do tratamento, uma vez que há uma absorção marcada de potássio durante a produção de células sanguíneas novas, mas é improvável que seja clinicamente significativa. A injeção de vitamina B12 é dolorosa e deve ser aplicada na região glútea, via IM, ou subcutânea (SC), e nunca por via intravenosa (IV). 6 Camila Carminate – 7 FASE TRATAMENTO DA DEFICIÊNCIA DE ÁCIDO FÓLICO As principais fontes de ácido fólico são os vegetais folhosos verdes escuros, frutas cítricas, cereais, grãos, nozes e carnes. Os estoques têm duração de 4 a 5 meses. A deficiência é confirmada com níveis abaixo de 5 ng/mL. O tratamento tanto para crianças como adultos se faz com 5 mg, 1 vez ao dia, por 1 a 4 meses, ou até a normalização dos níveis terapêuticos. O aumento dos reticulócitos ocorre em 5 a 7 dias, e a melhora hematológica, em 2 meses. Efeitos adversos, como discreto rubor, rash cutâneo, distensão abdominal, entre outros, podem ocorrer. Na suspeita de deficiência combinada de ácido fólico e vitamina B12, deve-se sempre suplementar as duas vitaminas, pois a administração apenas de ácido fólico na presença de deficiência de vitamina B12 levará à piora progressiva do quadro neurológico. Há evidências de que o uso de ácido fólico no período pré- concepcional e durante o primeiro trimestre da gravidez pode prevenir os defeitos do tubo neural do feto. TRATAMENTO DA ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA O tratamento da anemia de doença crônica é direcionado para a causa de base, como nas doenças inflamatórias, nas neoplasias e nas infecções crônicas. Na doença renal, porém, deve-se considerar o uso da eritropoetina como otimização da resposta hematológica. QUANDO REFERENCIAR Os pacientes poderão ser referenciados ao hematologista se houver uma hemoglobinopatia identificada, se a suspeita diagnóstica não for confirmada ou não responder à terapia oral proposta. O médico de família e comunidade poderá contar com os protocolos de referenciamento para a atenção especializada. A coordenação desse cuidado, além de ampliar a capacidade de resolubilidade da APS, agrega conhecimento ao profissional que discute e referencia o caso. PROGNÓSTICO E COMPLICAÇÕES POSSÍVEIS Desde que o diagnóstico correto e o tratamento adequado sejam estabelecidos, o prognóstico é favorável. As complicações ocorrem quando a pessoa exerce sua autonomia de forma negativa em relação às necessidades de cuidado, culminando com a má adesão ao tratamento, que, dependendo da situação, poderá ser potencialmente fatal. ATIVIDADES PREVENTIVAS E EDUCAÇÃO Neste sentido, podem ser destacadas as seguintes ações: educação em saúde, dieta adequada, saneamento básico, rastreamento da anemia e suplementações de ferro e ácido fólico no período de assistência pré-natal, aleitamento materno exclusivo, abandono do alcoolismo e do tabagismo. ANEMIA FERROPRIVA A deficiência de ferro representa a causa mais comum de anemia. A rigor, a deficiência de ferro afeta todo o organismo, não apenas a eritropoese e o transporte de oxigênio, uma vez que o ferro é constituinte de todas as células e tecidos, como, por exemplo, os músculos, cuja proteína mioglobina também contém o grupo heme. Na AF, ocorre uma série de mecanismos compensatórios da anemia, desde os cardiovasculares, comuns a todo tipo de anemia, até os mais específicos, como a redução da síntese do hormônio hepcidina, que resulta em aumento da absorção de ferro, que tem lugar no duodeno. A maioria dos casos de AF decorre de perda aumentada de sangue ou da demanda aumentada por ferro, observada na infância, especialmente nos lactentes prematuros, na adolescência e na gestação. Nos adultos, presume-se que a AF decorra de perda de sangue, especialmente na menstruação. Nos homens e nas mulheres após a menopausa, é recomendável investigar sangramento por trato gastrointestinal, que pode ser oculto e assintomático. 7 Camila Carminate – 7 FASE Causas de AF, ou de deficiência de ferro muito observadas nas duas últimas décadas são o uso prolongado de inibidores da bomba de prótons e a cirurgia bariátrica, que podem acarretar má absorção do ferro. A série leucocitária não costuma estar alterada, no entanto, percentagem significativa (~30%) dos pacientes apresenta plaquetose ou concentração de plaquetas próxima do limite superior da normalidade, especialmente quando a AF decorrer de sangramento. O ferro sérico está diminuído ou normal e a transferrina costuma estar aumentada, o que resulta em saturação reduzida da transferrina (< 15%); a ferritina sérica está reduzida, mas pode estar dentro da faixa de normalidade em caso de a AF estar associada ou ser secundária à anemia da doença inflamatória. DIAGNÓSTICO Hemograma com anemia microcítica e hipocrômica. Ferritina < 10 ng% Ferro sérico < 30mcg%, o que denota baixo estoque Capacidade de ligação ao ferro (TBIC) alta. PROFILAXIA Deverá ser feita com ferro oral, durante a gestação e a lactação, e mantida por 3 a 6 meses após a recuperação dos níveis hematimétricos, com a finalidade de manter reserva mínima de ferro: 300mg/dia de sulfato ferroso (60mg de ferro elementar). TRATAMENTO Suporte nutricional Reposição de ferro, preferencialmente por via oral: 900mg/dia (180mg de ferro elementar), divididos em 3 tomadas. Nos casos de intolerância gastrointestinal ou falha de resposta ao ferro oral, pode ser utilizado ferro por via parenteral: 10ml ou 200mg de hidróxido de ferro, diluídos em 200ml de soro fisiológico, durante uma hora. Administração semanal, em ambiente hospitalar. A transfusão de hemácias deverá ser reservada para pacientes com sintomas que denotam grave hipóxia tecidual. ANEMIA MEGALOBLÁSTICA Pode ser causada por deficiência de vitaminaB12 ou ácido fólico, que ocorre por baixa ingesta (deficiência de folato) ou por impacto na absorção, como é o caso da anemia perniciosa (deficiência de vitamina B12). DIAGNÓSTICO Neutrófilos plurissegmentados no sangue periférico. A deficiência de vitamina B12 pode cursar com pancitopenia. A investigação inicia-se pela dosagem de ácido fólico e vitamina B12. As dosagens séricas de ácido metilmalônico e homocisteina são usadas para confirmação diagnóstica. PROFILAXIA Reposição rotineira de ácido fólico, 5 mg/ dia, via oral. CONDUTA Investigar as principais causas da deficiência de ácido fólico: nutricional, má absorção intestinal e uso de anticonvulsivantes, pirimetamina, trimetropim e álcool. Tratar com ácido fólico via oral, 5 mg/dia via oral e/ou vitamina B12 intramuscular. A transfusão de hemácias, como na anemia ferropriva, encontra-se reservada para pacientes com sintomas que denotam grave hipóxia tecidual. 8 Camila Carminate – 7 FASE TALASSEMIA É doença hereditária resultante de um defeito genético na síntese de uma ou mais cadeias globínicas da hemoglobina. Há dois principais tipos de talassemia - alfa e beta – que podem se manifestar como minor (ou traço talassêmico), intermédia ou major. DIAGNÓSTICO Hemograma com microcitose, hipocromia e reticulócitos aumentados A eletroforese de hemoglobina apresenta elevação da hemoglobina A2 nas beta-talassemias. CONDUTA O tratamento varia de simples observação e acompanhamento, nas formas mais brandas (alfa talassemia ou beta talassemia minor), até transfusões sangüíneas freqüentes e esplenectomia, nas formas mais severas (beta talassemia major). Condutas gerais: o Controlar a infecção urinária. o Prescrever ácido fólico: 5mg/dia, VO. o Não administrar suplementos ferruginosos. o Não prescrever drogas oxidativas como as sulfas. As pacientes com talassemia devem ser encaminhadas para aconselhamento genético ANEMIA FALCIFORME Ocorre por mutação que substitui o ácido glutâmico por valina na posição 6 da cadeia ß da globina. A hemácia com a globina mutante quando desoxigenada torna a clássica forma de foice, perdendo a flexibilidade necessária para atravessar os pequenos capilares. Os heterozigotos para a mutação apresentam uma entidade benigna (traço falciforme), sem ocorrência de anemia ou obstrução vascular. DIAGNÓSTICO Anemia crônica, crises de dor osteoarticular, icterícia e história familiar freqüentemente positiva. O diagnóstico é feito pela eletroforese de hemoglobina que detecta a presença da hemoglobina mutante (Hemoglobina S). CONDUTA Investigar infecção urinária. Suplementar ácido fólico: 5mg/dia, VO. Ferro é contraindicado. Transfusões com concentrado de hemácias lavadas nos casos de hemoglobina < 7g%. Evitar a ocorrência de fatores que precipitam a crise falcêmica, como desidratação, acidose, hipotensão arterial, hipoxemia e infecção. A indicação de operação cesariana está condicionada a fatores obstétricos. As pacientes com anemia falciforme devem ser encaminhadas para aconselhamento genético. CRISE FALCÊMICA Internação. Hidratação. Transfusão de concentrado de hemácias lavadas (o objetivo é reduzir o porcentual de HbS para < 40% e elevar a Hb para cerca de 10g/dl Sedação e analgesia com 50mg IM de Meperidina, se necessário. Investigar possíveis focos de infecção, ocorrência que precipita a crise falcêmica ANEMIAS HEMOLÍTICAS ESFEROCITOSE HEREDITÁRIA Representa a mais comum desordem congênita da membrana eritróide. É caracterizada por disfunção de uma ou mais proteínas de membrana, gerando alteração na flexibilidade da hemácia com destruição periférica precoce. Clinicamente varia desde anemia discreta compensada até grave anemia hemolítica. O tratamento inclui reposição de ácido fólico e esplenectomia para os pacientes com anemia mais grave. A transfusão de concentrados de hemácias deverá ser reservada para pacientes em crise aplásica ou hemólise grave. 9 Camila Carminate – 7 FASE DEFICIÊNCIA DE GLICOSE 6 FOSFATO DESIDROGENASE (G6PD) Representa a anormalidade mais comum do metabolismo da hemácia. É uma desordem genética ligada ao cromossomo X. A deficiência desta enzima diminui a capacidade da hemácia de manter-se íntegra frente aos agentes oxidantes. Infecções, alterações metabólicas e exposição a alguns fármacos provocam episódio hemolítico agudo com hemólise intravascular. O diagnóstico pode ser confirmado pela presença do Corpúsculo de Heinz no esfregaço de sangue periférico e pela pesquisa de G6PD. A maioria dos indivíduos é assintomática, realizando-se o diagnóstico por estudo familiar. O tratamento é de suporte com transfusão de hemácias, quando necessário. A profilaxia das crises é extremamente importante, evitando o uso de substâncias oxidantes. ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE Ocorre quando há destruição precoce das hemácias mediada por auto-anticorpos fixados a antígenos da membrana eritrocitária que determina uma série de reações em cascata terminando na lise dessas células (hemólise intravascular), além de fagocitose pelo sistema macrofagocítico (hemólise extravascular). Pode ocorrer de forma idiopática, induzido por drogas ou de forma secundária a processos autoimunes, infecciosos ou neoplásicos. O quadro clínico típico demonstra sinais e sintomas de anemia associada à icterícia, dor abdominal e febre. Esplenomegalia de pequena monta pode ser encontrada. O esfregaço de sangue periférico revela microesferócitos, hemácias “mordidas” e eritroblastos. O teste da antiglobulina direta (Coombs direto) é caracteristicamente positivo. O tratamento consiste em administração de glicocorticóides. Nos casos refratários pode ser realizada esplenectomia ou terapia com imunossupressores. A transfusão deverá ser reservada para pacientes com sinais de falência circulatória. ANEMIA HEMOLÍTICA MICROANGIOPÁTICA Caracterizada por hemólise microvascular causada por fragmentação de eritrócitos normais passando por vasos anormais. A síndrome hemolítico-urêmica e a púrpura trombocitopênica trombótica são causas primárias, enquanto que, entre as secundárias, encontramos as complicações da gravidez como: o DPP, pré-eclâmpsia, eclâmpsia e a síndrome HELPP. Clinicamente constata-se a tríade clássica: anemia microangiopática, plaquetopenia e insuficiência renal aguda. O tratamento consiste em plasmaférese, observando-se que a transfusão de plaquetas é contraindicada por resultar em agravamento da trombose microvascular. ANEMIA DE DOENÇAS CRÔNICAS Cursa com anemia normocítica e normocrômica, geralmente leve a moderada. Sua causa é multifatorial e as doenças infecciosas, autoimunes, neoplasias e insuficiência renal crônica são condições associadas. Os exames laboratoriais demonstram ferritina normal ou alta, com ferro sérico baixo, em decorrência de desordem no metabolismo do ferro. O tratamento da doença de base deve ser realizado sempre que possível. O tratamento de suporte pode ser realizado com reposição de eritropoetina para os casos onde há deficiência e administração de ferro por via parenteral, enquanto que a transfusão de concentrados de hemácias deverá ser reservada para os pacientes sintomáticos. A ADI ocorre em doenças que causam ativação imune e inflamação, tais como infecção crônica, doenças autoimunes e câncer. Mais recentemente, outras condições clínicas também foram identificadas como causadoras da ADI, como a doença renal crônica, a insuficiência cardíaca congestiva, a doença pulmonar crônica e a obesidade. 10 Camila Carminate – 7 FASE A fisiopatologia da ADI envolve pelo menos três mecanismos principais: 1) restrição à mobilização do ferro de seus depósitos, principalmente nos macrófagos, mas que também diminuem a suaabsorção intestinal; 2) supressão da eritropoese pelos mediadores da inflamação e, por fim, 3) redução da sobrevida das hemácias. O primeiro mecanismo envolve incremento da produção da interleucina (IL)-6, entre outros, que estimula os hepatócitos a aumentar a produção da hepcidina, o principal regulador da homeostase do ferro. A hepcidina liga-se à ferroportina (única “porta” conhecida pela qual as moléculas de ferro podem ser transportadas do interior dos macrófagos e dos enterócitos para a circulação, onde se ligam à transferrina), o que leva à sua internalização e degradação, de modo que o ferro fica aprisionado em seus locais de depósito e, portanto, menos disponível para a eritropoese. O segundo mecanismo decorre da redução da produção da eritropoetina (EPO), assim como da redução da resposta à sua ação. Por fim, o terceiro mecanismo, mas menos importante que os dois anteriores, é a redução da sobrevida dos eritrócitos, atribuída a eritrofagocitose aumentada, tanto pelos macrófagos do fígado quanto do baço. Laboratorialmente, a anemia da ADI se caracteriza por ser leve a moderada (Hb ≥ 8,5-9,0 g/dL) e normocítica (VCM: 80-100 fL) e normocrômica. Observam- -se ainda hipoferremia, hipotransferrinemia (saturação da transferrina < 20%) e hiperferritinemia (a ferritina é proteína de fase aguda, de modo que seus níveis séricos aumentam na inflamação). O tratamento da ADI é principalmente o tratamento da doença de base. A transfusão de hemácias raramente é necessária, até porque a concentração de Hb não costuma ser muito baixa no paciente com ADI. Sua indicação deve se limitar a situações emergenciais. PERDA AGUDA DE SANGUE É causa comum de anemia hiperproliferativa. Perdas de até 15% do volume sanguíneo são normalmente toleradas por mecanismos compensatórios. Perdas maiores levam a hipotensão e choque. No choque hipovolêmico ocorre perda sanguínea global de tal forma que os valores hematimétricos podem permanecer normais e não refletem imediatamente a extensão da perda sanguínea. O tratamento inicial deve ser feito com reposição de cristalóides para manutenção do volume plasmático. Para a perda moderada e de curta duração, a infusão de solução cristaloide costuma ser suficiente. A indicação de transfusão de hemocomponentes deve ser avaliada individualmente. Se a perda sanguínea for maior que 1500 ml ou maior que 30% do volume plasmático haverá necessidade de reposição de concentrados de hemácias.
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