Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ANEMIAS e INTOXICAÇÃO POR ORGANOFOSFORADOS ANEMIAS A anemia não é um diagnóstico por si só, mas um sinal objetivo de doença. Qualquer uma das três medidas de concentração (hemoglobina, hematócrito ou contagem dos eritrócitos) pode ser usada para estabelecer a presença da anemia, porém a concentração de hemoglobina é frequentemente preferida. Esta é medida da seguinte forma: o pigmento hemoglobínico liberado com a lise das hemácias reage com cianeto de potássio, formando cianometemoglobina, que é medida por um espectrofotômetro. É a medida mais importante do eritrograma, constituindo um verdadeiro parâmetro para o diagnóstico de uma anemia. Ao suspeitarmos de anemia, a conduta a ser feita é a solicitação de alguns exames laboratoriais que serão cruciais no diagnóstico, na classificação do tipo de anemia e na etiologia para ANEMIAS 11 a definição da conduta a ser seguida. Assim, alguns conceitos devem estar em mente. Três componentes principais do sangue são capazes de firmar o diagnóstico de anemia, são eles: 1. Concentração de hemoglobina, sendo a hemoglobina o pigmento presente no interior da hemácia responsável pelo transporte de oxigênio e gás carbônico; é dado por gramas de hemoglobina a cada 100ml de sangue; 2. Hematócrito, sendo o volume, em porcentagem, ocupado pelas hemácias na circulação sanguínea; corresponde à relação entre o volume percentual ocupado pelos eritrócitos e o volume de sangue total que equivale a 100%. 3. Número de glóbulos vermelhos, expresso em milhões por microlitro de sangue. A partir disso, outras informações serão necessárias para a classificação da anemia, são elas os índices hematimétricos (VCM, HCM, CHCM e RDW) e a contagem de reticulócitos. Com eles, tem-se informações sobre tamanho, forma, coloração e uniformidade das hemácias. - O VCM (volume corpuscular médio) corresponde ao volume médio de uma população de eritrócitos. É o VCM que vai determinar a classificação das anemias em macro/normo/microcíticas. Pode ser calculado por contadores automáticos ou pela fórmula: • VCM = hematócrito (%)____ x 10 • Contagem eritrócitos (x106 /uL) • Valor de referência: 80 a 98 (100) fentolitros (fL). - O HCM (hemoglobina corpuscular média) é a quantidade média de hemoglobina em peso numa população de eritrócitos, expressa em picogramas (10-12g). Classifica as anemias em hiper/ normo/hipocrômicas.Pode ser calculada utilizando-se a fórmula: • HCM = Hb (g/dL)_________ x10 • Contagem eritrócitos (x106 /uL) • Valores de referência: 27 a 32 pg. - O CHCM (concentração de hemoglobina corpuscular média) é a média da concentração interna (saturação) de hemoglobina em uma população de eritrócitos. Também é útil para a classificação das hemácias em hiper/normo/hipercrômicas. Pode ser calculada a partir da fórmula: • CHCH = Hb (g/dL)___ x10 Hematócrito (%) • Valores de referência: 32 a 36 g/dL. - O RDW (red distribution width) é a determinação quantitativa do grau de anisocitose dos eritrócitos. O esperado é que se tenha um RDW baixo, ou seja, que as hemácias tenham pouca variação no tamanho. A anisocitose é quando há uma diferença no tamanho de hemácias. Pode variar de 11,5 a 14,5%. - O HDW (hemoglobin distribution width) traduz o grau de variação da concentração de hemoglobina de uma população de eritrócitos (anisocoria). - Contagem de reticulócitos: são as células precursoras dos eritrócitos, sendo muito útil na classificação das anemias em hiper e hipoproliferativas. Mas para isso deve-se ter o valor corrigido pelo ANEMIAS 12 grau de anemia, já que, quando em valor percentual, o número de reticulócitos pode ser superestimado em um paciente anêmico; - Correção dos reticulócitos em pacientes com anemia = (% reticulócitos x Ht atual do paciente ) / Ht normal para o indíviduo Na homeostase, após uma perda sanguínea por doação de sangue, trauma ou hemólise, a medula óssea é capaz de aumentar a eritropoiese de 6 até 8 vezes o valor normal. Esta resposta se deve à liberação de eritropoietina e o grau de estimulação da medula óssea é inversamente proporcional ao grau da anemia. A velocidade de produção da série vermelha na medula óssea frente a uma anemia é medida pelo índice de produção reticulocítico (IPR), que será abordado mais adiante. Os reticulócitos são hemácias jovens contendo RNA citoplasmático residual. Duas correções são necessárias para o cálculo do IPR. A primeira é a correção dos reticulócitos para o grau de anemia e pode ser feita pela hemoglobina ou pelo hematócrito. A contagem dos reticulócitos/mm3 tem interpretação semelhante aos obtidos por meio da hemoglobina ou hematócrito. 1. Hemoglobina: % não corrigido x Hb/15 (para homens); % não corrigido x Hb/13,5 (para mulheres); 2. Hematócrito: % não corrigido x Ht/45 (para homens); % não corrigido x Ht/40 (para mulheres). Tabela 1: Relação entre o grau de anemia e a duração dos reticulócitos na circulação Hematócrito Tempo do reticulócito na circulação > 40% 1 dia 30 a 40% 1,5 dia 20 a 30% 2 dias < 20% 2,5 dias O índice de produção reticulocítico (IPR) traduz o real aumento da eritropoiese em resposta à eritropoietina, após a correção da saída precoce dos reticulócitos da medula, e é calculado pela seguinte fórmula: IPR = % reticulócitos corrigido / tempo na circulação em dias A mediana normal do IPR na ausência de anemia é de 1, mas, na presença de anemia, este aumento é esperado. Se o valor do IPR for maior do que 3, diz-se que a produção está aumentada, sendo classificada como hiperproliferativa, provavelmente uma anemia hemolítica. Se o IPR for menor que 2, há um defeito na produção, uma anemia hipoproliferativa, provavelmente por falta de algum substrato (ferro, vitamina B12, folato etc.). Se o IPR estiver entre 2 e 3, a situação da cinética é incerta. Para a definição da possível etiologia, mais alguns parâmetros podem ser avaliados, são eles: a determinação do ferro sérico, transferrina sérica, capacidade total de ligação do ferro à transferrina(TIBC), ferritina sérica e esfregaço do sangue periférico, 1. Ferro sérico: A determinação do ferro sérico isoladamente é de valor limitado, devendo ser analisado em combinação com os outros parâmetros como a saturação da transferrina e ferritina sérica. Altas concentrações são encontradas na doença hepática, anemia hipoplásica, eritropoese ineficaz e sobrecarga de ferro. Baixas concentrações justificam uma anemia ferropriva. 2. Transferrina sérica: Proteína plasmática que realiza o transporte do ferro. 3. Capacidade total de ligação do ferro à transferrina (TIBC): É a medida indireta da transferrina circulante. Na deficiência de ferro há um aumento na síntese de transferrina, cuja capacidade de ligação estará elevada. Havendo diminuição da síntese de transferrina, como acontece na vigência de um processo inflamatório ou aumento do ferro circulante como na hemocromatose, o TIBC estará reduzido. A gravidez aumenta o TIBC. 4. Ferritina sérica: Embora grandes quantidades de ferritina estejam estocadas nos tecidos do fígado e baço, somente pequenas quantidades estão presentes no soro. Essa ferritina circulante é essencialmente livre de ferro. A importância da determinação da ferritina sérica é que a sua quantificação representa uma medida precisa do ferro total do compartimento de estoque. 5. Esfregaço do sangue periférico: importante para confirmar ou esclarecer os achados do hemograma. Pode revelar a presença de poiquilócitos, que são hemácias de morfologia alterada e inclusões citoplasmáticas. Podem ser encontrados no esfregaço de sangue periférico Hemácias normais Microcitose: hemácias com volume corpuscular médio diminuído. Macrocitose: hemácias com volume corpuscular médio aumentado. Hemácias em alvo ou leptócitos Hemácias cujas membranassão grandes, havendo uma palidez com um alvo central mais corado, sendo encontradas em pacientes com: talassemia, anemia ferropriva, hepatopatia ou àqueles que realizaram esplenectomia. Microesferócito Hemácias pequenas e mais coradas. Hemácias em Rouleaux Empilhamento de hemácias, comuns em mieloma múltiplo ou em outras hipergamaglobulinemias. Depranócitos Hemácias em formato de foice, comuns na anemia falciforme. Esquizócitos Hemácias fragmentadas que foram lesionadas após passagem nos vasos. Ocorrem na coagulação intravascular disseminada (CIVD) , PTT (púrpura trombocitopênica trombótica) e SHU (síndrome hemolítico urêmica). Hemácias em lágrimas ou dacriócitos. Podem ser encontradas na mielofibrose e quando há hematopoese extra medular. Corpúsculo de Howell-Jolly Restos nucleares que não foram removidos da hemácia no baço. Pode ocorrer em indivíduos sem baço. Segundo a OMS, os limites mínimos de hemoglobina permitidos ao nível do mar são de 13,5 g/dL para homens, 12 g/dL para mulheres e 11 g/dL para crianças e gestantes. Classificação: As anemias são classificadas de acordo com sua base fisiopatológica: se há diminuição da produção (hipoproliferativas) ou aumento da perda ou destruição (hiperproliferativas); ou ainda, de acordo com o tamanho das células: em microcítica, normocítica e macrocítica. Classificação morfológica: Essa classificação é utilizada, na prática clínica, associada com a classificação fisiopatológica. Se baseia nos valores do VCM, porém não esclarece a causa da anemia, mas sim o aspecto morfológico dos eritrócitos presentes na circulação. 1. Microcíticas (VCM < 80fl): Diminuição da Hb dentro do eritrócito, o que torna as hemácias hipocrômicas e microcíticas. Geralmente ocorre por diminuição da síntese do grupo heme por deficiência de Ferro. Também ocorre nas talassemias (redução da síntese de globina), nas anemias sideroblásticas (acúmulo de Fe nas mitocôndrias), hemoglobinopatia C (mutação no gene da cadeia globina beta). 2. Macrocíticas (VCM > 100 fl): Hemácias de grande volume e, geralmente, hipercrômicas. Não necessariamente indica anemia. Causada muitas vezes pelo consumo de álcool, quimioterapia ou anemia perniciosa. São divididas em megaloblásticas, decorrentes de deficiência de vit. B12 e/ou ácido fólico, e não megaloblásticas, podendo ser decorrente de reticulocitose ou reticulocitopenia associada à hipotireoidismo, hepatopatia e aplasia de série vermelha. 3. Normocíticas (VCM 80-100 fl): Também são normocrômicas. Corresponde a maioria das anemias de doenças crônicas (que, eventualmente, podem ser microcíticas). Se tiver uma resposta medular inadequada, com reticulócitos baixos na presença de anemia, existe uma doença de base que afeta medula óssea, direta ou indiretamente, porque o normal é esperar por aumento dos reticulócitos, caso a medula esteja funcionando corretamente. Assim, pesquisar por doenças sistêmicas (IRC, doenças da tireoide, hepatopatias). Caso reticulopenia venha acompanhada de leucopenia e plaquetopenia, deve- -se suspeitar de doença da medula óssea (aplasia ou infiltração medular). Solicitar mielografia e biópsia de medula. Tabela 3: Classificação das anemias quanto ao VCM Anemia Diagnóstico Etiologia Microcítica e Hipocrmômica VCM < 80 fL e HCM < 28 pg ou CHCM < 32 g/dL Anemia ferropriva, talassemias, anemias de doença crônica, anemia sideroblástica hereditária, anemia do hipertireoidismo Macrocíticas VCM > 100 fL Anemia megaloblástica (carência de folato e/ou B12, e VCM entre 110-140fL), anemia sideroblástica adquirida, anemia aplástica, etilismo, drogas (AZT, metotrexate), anemia de doença crônica, hemolíticas (exceto talassemias), anemia da hemorragia aguda. Normocítica e Normocrômica VCM entre 80 e 100 fL e HCM entre 28 e 32 pg Fase inicial da anemia ferropriva, anemia de doença crônica, anemia das endocrinopatias (hipotireoidismo, hipoadrenalismo), anemia aplásica, mielodisplasias, neoplasias, sepse, anemias hemolíticas, anemia por sangramento agudo, anemias Classificação Fisiopatológica: Já essa classificação fornece a base fisiopatológica para explicar os diferentes tipos de anemia. A avaliação depende da capacidade de regeneração medular. É baseada na contagem de reticulócitos e é dividida em três grupos: 1. Por deficiência de produção ou hipoproliferativa: Contagem de reticulócitos abaixo de 50.000/ mmᶟ. Ocorre por acometimento primário ou secundário da medula óssea ou por falta de estímulo à eritropoiese (ex: eritropoietina), falta de ferro, vit. B12 e/ou ácido fólico. Podem acompanhar doenças inflamatórias, infecciosas e neoplásicas. 2. Hiperproliferativas: Por excesso de destruição: Típica das anemias hemolíticas, mas também pode ocorrer após perdas agudas de sangue. Sob estimulação máxima, a medula pode aumentar sua produção de 6 a 8 vezes, entretanto a sobrevida dos glóbulos vermelhos pode encurtar para 15-20 dias (compensação medular), levando a presença de reticulocitose, sem presença de anemia (estado hemolítico compensado). O estado de anemia hemolítico se estabelece quando a produção medular não é capaz de superar a taxa de destruição. Laboratorialmente anemia hemolítica se caracteriza por reticulocitose, ↑ bilirrubina indireta, ↑ desidrogenase lática, ↓ haptoglobina. Pode ocorrer por alterações intrínsecas dos eritrócitos (maioria genética) ou por agressões por agentes extrínsecos (malária, veneno, toxinas) Por perdas: Pode ser (A) aguda, como as anemias pós-hemorrágicas, em que há compensação pela medula caso estoques de Fe estejam preservados ou (B) crônica, que causam espoliação do Fe e, consequentemente, anemia por falta de produção. Tabela 2: Classificação fisiopatológica da anemia HIPOPROLIFERATIVAS HIPERPROLIFERATIVAS Síntese de hemoglobina: ferropriva e anemia de doença crônica Hemorragia aguda (trauma, digestiva, urinária, pulmonar, muscular) Deficiência de eritropoietina: doenças renais e endócrinas Hemólise (intrínseco) Membrana: esferocitose hereditária, eliptocitose Hemoglobina: anemia falciforme, hemoglobinopatias CC, SC, hemoglobina instável, talassemia Glicólise: deficiência de piruvato-quinase Oxidação: deficiência de G6PD Doença na célula-tronco: anemia aplástica, aplasia pura de série vermelha Hemólise (extrínseco) Imune: autoimune por anticorpos quentes ou frios e aloimune (doença hemolítica do recém-nascido, transfusões) Microangiopática: púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmico, prótese cardíaca Grande queimado, danos químicos, venenos Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) Infiltração da medula óssea: linfoma, leucemia, carcinoma metastático, mielofibrose Infecção: bacteriana (Clostridium), protozoários (malária, Babesia) Deficiência da síntese do DNA: deficiência de vitamina B12 e ácido fólico Pseudoanemia Hiperesplenismo: aumento da quantidade de glóbulos retidos no compartimento extravascular Retenção hídrica (3º trimestre de gravidez, soro intravenoso, edema) Diseritropoiese: mielodisplasias ANEMIA POR DEFICIÊNCIA DE FERRO A deficiência de ferro usualmente é o estágio final de um longo período de balanço negativo de ferro. No equilíbrio normal, 1 a 2 mg de ferro são absorvidos e eliminados diariamente. Na gravidez e na lactação, este requerimento é aumentado para 2 a 5 mg, o que necessita muitas vezes de suplementação. Uma dieta deve conter 10 a 20 mg de ferro diários, sendo que 10% desta quantidade é absorvida. O ferro dietético na forma de heme (p.ex., carne) é mais eficazmente absorvido (10 a 20%) do que o ferro não heme (1 a 5%), em grande parte por causa da formação de complexos insolúveis ou quelantes de ferro como fosfatos, tanino e outros constituintes dietéticos. Fisiologia e Fisiopatologia O ferro férrico +3ingerido é carreado até o intestino, onde é reduzido a ferroso +2 e absorvido no duodeno. O ferro circula no sangue ligado a transferrina, que faz seu transporte para os tecidos de utilização (medula óssea, epiderme etc.) e depósito (ferritina, hemossiderina). O ferro resultante da degradação dos eritrócitos senis liga-se a transferrina e é captado por macrófagos do sistema reticuloendotelial (ciclo fechado). Mais 2/3 do ferro corpóreo está incorporado à hemoglobina nos precursores eritroides e hemácias, aproximadamente 10 a 15% estão presentes nas fibras musculares (mioglobina) e em outros tecidos (enzimas e citocromos). Em razão do metabolismo do ferro ser fechado (ciclo do ferro) e regulado pela absorção, e não pela excreção, há aumento da necessidade diária quando quantidades acima do normal são perdidas ou requeridas. É por este motivo que as maiores causas de anemia ferropriva estão associadas a sangramentos crônicos ou aumento da necessidade de ferro e ainda a pobre ingestão alimentar. A Tabela 4 traz as principais causas de anemia ferropriva. Tabela 4: Fatores etiológicos da deficiência de ferro Balanço de ferro negativo Aumento do requerimento Ingestão inadequada Infância Diminuição da absorção (acloridria, gastrectomia, doença celíaca, “pica”) Gravidez Aumento da perda (sangramento trato gastrointestinal (TGI), fluxo menstrual aumentado, doação de sangue, hemoglobinúria, hemossiderose pulmonar idiopática – síndrome de Goodpasture e atletas) Lactação O sangramento no TGI é a principal causa de anemia ferropriva nos homens adultos e a segunda maior causa em mulheres na pré-menopausa, ficando atrás apenas do sangramento menstrual. Em atletas (principalmente no atletismo), a deficiência de ferro em geral é causada por hemólise leve decorrente de exercícios extenuantes, resultando em hemoglobinemia e hemoglobinúria e, sobretudo, de perda pelo TGI provavelmente causada por estresse e isquemia intestinal, chegando a perda de 5 a 7 mL/dia após um treinamento intenso. Quadro Clínico A apresentação clínica pode incluir tanto manifestações da doença de base como do próprio estado anêmico. O início geralmente é insidioso e a progressão dos sintomas evolui de maneira gradual. Os sintomas inicialmente fazem parte de qualquer quadro anêmico e incluem: fadiga, taquicardia, palpitação, irritabilidade, tontura, cefaleia e taquipneia. Nos casos mais graves, afetam sobretudo estruturas epiteliais e mucosas, especialmente unhas, língua, boca, hipofaringe e estômago. Pode-se observar o desenvolvimento de unhas quebradiças, finas e, finalmente, coiloníquea (unhas em forma de colher), língua lisa com perda das papilas, glossite, estomatite angular, gastrite e disfagia resultante do surgimento de uma membrana cricofaríngea (síndrome de Plummer-Vinson). Há alteração nos mecanismos de imunidade principalmente relacionados a imunidade celular e macrofágica. Pode ocorrer perversão do apetite (pica) em alimentos geralmente pobres em ferro (terra, barro, gelo). Quadro Laboratorial A deficiência de ferro desenvolve-se em estágios: 1. Depleção estoques de ferro, com redução da ferritina sérica (< 20 mcg/L). Na biópsia da medula óssea, nota-se ausência de estoque de ferro com a coloração específica para ferro – perls. 2. Redução do ferro sérico (< 60 mcg/dL) e da saturação de transferrina para níveis inferiores a 15% e aumento da capacidade total de ligação ao ferro (> 410 mcg/dL). 3. A quantidade de protoporfirina eritrocitária livre aumenta (> 100 ng/mL de eritrócitos), dando início à produção de hemácias microcíticas e hipocrômicas. Com a progressão, desenvolve-se anisocitose, aumento do RDW, poiquilocitose e redução do nível de hemoglobina. Dentre os testes ferritina sérica, VCM, saturação de transferrina, RDW e protoporfirina, a ferritina sérica é o teste mais sensível e específico para o diagnóstico de anemia ferropriva. No exame laboratorial da anemia ferropriva encontraremos: • Diminuição de Hb, Ht e VCM • Hipocromia e microcitose • Hemácias em alvo/ lápis • Aumento do RDW • Diminuição dos reticulócitos • Plaquetas podem estar aumentadas, em casos de sangramento crônico • FERRITINA é o primeiro exame que se altera na anemia ferropriva, com redução do seu valor, uma vez que representa o estoque de ferro no organismo! • Diminuição do ferro sérico • Diminuição da transferrina • Capacidade total de ligação do ferro aumentada devido ao aumento de transferrina tentando captar o ferro. O exame padrão ouro para diagnosticar a anemia ferropriva é o mielograma com pesquisa de ferro medular com a coloração do Azul da Prússia. Porém, é pouco utilizado por ser um exame invasivo e pouco disponível, em comparação com os exames laboratoriais. Tratamento Baseia-se no tratamento das causas de base e na reposição dos estoques de ferro. O ferro pode ser administrado por via intramuscular, venosa ou oral, sendo esta última via a mais segura e barata. Em pacientes adultos do sexo masculino, é obrigatória a exclusão de causas gastrointestinais de sangramento. O paciente do caso 1, por exemplo, apresentava, ao final, um quadro de câncer de cólon ascendente; em mulheres, a maior causa é o sangramento genital, mas deve-se lembrar ainda que, mesmo nestas pacientes, o sangramento do trato gastrointestinal ainda é uma causa significativa. Preparações de Ferro 1. Modo de ação Reposição de ferro, para normalizar a eritropoese e repor os estoques. 2. Indicações Tratamento da anemia ferropriva. 3. Posologia, modo de uso e apresentações a) Preparações orais Sulfato ferroso: a dose do ferro elementar para adultos é de 120 a 200 mg/dia e a dose pediátrica é de 3 a 6 mg de ferro elementar/kg/dia, divididos em 3 tomadas. Sulfato ferroso 200 mg: contém 20% de ferro elementar (40 mg), então a dose aproximada para adultos é de uma drágea 3 a 4 vezes/dia. Administrar 30 minutos antes das refeições, preferencialmente com vitamina C, e 2 horas antes ou 4 horas após a administração de antiácidos. A duração do tratamento deve ser de 6 meses após a normalização da hemoglobina, visando à reposição dos estoques de ferro. O principal efeito colateral é a intolerância gastrointestinal. Sulfato ferroso xarope (HC-FMUSP): 2,67 mg de ferro/mL. Frasco com 200 mL. Noripurum® xarope: 10 mg de ferro/mL. Frasco com 100 mL. Noripurum® comprimidos mastigáveis: 1 comprimido contém 330 mg do complexo hidróxido de ferro, que corresponde a 100 mg de ferro elementar. Causas de falha na terapia de reposição oral de ferro: Doenças coexistentes: infecções, doenças inflamatórias (p.ex., artrite reumatoide), neoplasias, deficiência de vitamina B12 e folato; Diagnóstico incorreto: talassemia, intoxicação por chumbo, anemia de doença crônica; Falta de adesão ao tratamento; Má absorção intestinal: sprue, uso de produtos que interferem na absorção (chá, antiácidos, tetraciclinas); Persistência do sangramento ou velocidade de perda maior que a quantidade de ferro absorvida. b) Preparações parenterais Está indicada quando o paciente apresenta: Intolerância às preparações orais; Velocidade de sangramento superior à capacidade de reposição oral para compensar as perdas; Distúrbios no tubo digestivo, como colite ulcerativa, em que os sintomas podem ser agravados com a terapia oral; Má absorção intestinal; Incapacidade de manter o balanço de ferro nos pacientes em hemodiálise; Doação de sangue em grande volume para programas de autotransfusão. Opções: Ferro-dextran, gluconato férrico de sódio, ferro-sucrose, feromoxitol O Feromoxitol é a opção com melhor absorção e menos efeitos tóxicos. Cálculo para dose total do ferro parenteral: Ferro (mg) = (15 - Hb g/dL) x peso(kg) x 3 Via intramuscular: Noripurum® injetável IM: ampola 2 mL (50 mg/mL). A dose diáriamáxima para adultos é de 100 mg. Deve ser aplicada obrigatoriamente na região glútea IM profundamente, pela técnica em “Z”. A fim de determinar a sensibilidade do paciente e, consequentemente, minimizar a possibilidade de efeitos colaterais, sobretudo de caráter anafilactoide, recomenda-se iniciar o tratamento com uma dose reduzida de teste (0,5 mL). No caso de resultado positivo, o tratamento por vias parenterais não deve ser continuado. Via endovenosa: Noripurum® injetável IV (hidróxido de ferro): ampola de 5 mL (20 mg de ferro/mL). Diluir sempre em solução fisiológica para evitar flebite. Em virtude da possibilidade de reações anafilactoides, recomenda- se iniciar o tratamento com uma dose reduzida de 0,5 mL; se houver reação, o tratamento deve ser descontinuado. Se não houver reações, deve-se seguir o seguinte esquema: 2º dia, 2,5 m: (1/2 ampola); 3º °dia, 5 mL (1 ampola); e 4º dia, 10 mL (2 ampolas). Em seguida, aplicam-se 2 ampolas, 2 vezes/semana, até atingir a dose total calculada e a normalização do nível de hemoglobina. 4. Efeitos adversos Os efeitos colaterais das preparações orais são principalmente gastrointestinais; alguns pacientes apresentam reações de hipersensibilidade. As apresentações parenterais podem apresentar quadros de artralgias, mialgias e, ocasionalmente, reações de hipersensibilidade com hipotensão, calafrios, dores torácicas, prurido e erupções cutâneas. 5. Monitoração Monitoram-se índices hematimétricos para verificar a resposta ao tratamento. 6. Classificação na gravidez A maior parte das apresentações é classe A ou B. O iron dextran para uso parenteral é classe C. 7. Interações medicamentosas Sem interações significativas. ANEMIA DE DOENÇA CRÔNICA É a 2ª maior causa de anemia e ocorre em pacientes com doenças inflamatórias agudas e crônicas, infecções, neoplasias, doenças hepáticas e renais. Nenhum dos 3 casos é relacionado a esta forma de anemia. Causas de anemia da doença crônica • Tuberculose • Pneumonia • Artrite reumatoide • Lúpus • Carcinomas, linfomas Fisiopatologia São vários os mecanismos responsáveis pelo desenvolvimento da anemia de doença crônica, sendo o principal deles a alteração na homeostase do ferro decorrente das citocinas inflamatórias, com aumento da captação e da retenção de ferro no sistema reticuloendolelial e subsequente redução da disponibilidade do ferro para os precursores eritroides. Também a interleucina-6 e os lipopolissacarídios estimulam a expressão hepática das proteínas de fase aguda levando à inibição da absorção intestinal de ferro. A meia-vida das hemácias está discretamente reduzida pelo dano na membrana dos eritrócitos pelo TNF-alfa (fator de necrose tumoral), estimulando a eritrofagocitose. O TNF-alfa e interferon-gama inibem a produção renal de eritropoietina. Além disso, o TNF-alfa, o interferon-gama e a IL-1 inibem diretamente a diferenciação e a proliferação dos precursores eritroides. Quadro Clínico Os sinais e os sintomas são da própria doença de base e do grau da anemia. Se a anemia for intensa, outras causas associadas podem estar contribuindo, por exemplo a deficiência de ferro e folato. Quadro Laboratorial A anemia é usualmente normocítica, normocrômica e de leve a moderada intensidade (8 a 9,5 g/dL). A contagem de reticulócitos é baixa, o que demonstra a hipoproliferação do componente eritroide. A capacidade total de ligação ao ferro também está diminuída. Tanto na anemia de doença crônica como na anemia ferropriva, a concentração do ferro sérico e a saturação de transferrina estão bastante reduzidas. Na primeira, está reduzida por causa da ausência de ferro nos estoques; na segunda, por causa do aumento de captação de ferro pelo sistema reticuloendotelial. Ao contrário da anemia ferropriva, na anemia de doença crônica, o valor da ferritina está normal ou aumentado. Tratamento O racional para o tratamento da anemia de doença crônica se baseia em dois princípios: o próprio efeito deletério da anemia levando a aumento de débito cardíaco para manter a oxigenação tecidual e a relação da anemia com o pior prognóstico em diversas doenças. Quando possível, o tratamento da doença de base é a terapêutica de escolha (p.ex., anti-TNF- alfa para tratar artrite reumatoide). Na maioria dos casos, nenhum tratamento é necessário. Quando a anemia é sintomática e a doença de base não controlada, outras terapêuticas podem ser utilizadas. Transfusão É particularmente útil no contexto de anemias graves e sintomáticas. A transfusão de hemoderivados tem sido associada ao aumento de sobrevida entre pacientes anêmicos com infarto agudo do miocárdio, porém, em pacientes críticos, tem sido associada à falência de múltiplos órgãos e ao aumento da mortalidade. Reposição de Ferro O uso é bastante controverso e não é recomendado na anemia de doença crônica com ferritina normal ou alta. Entretanto, nos pacientes com anemia de doença crônica e deficiência de ferro concomitante, pode ser utilizado. Eritropoietina (EPO) Antes de iniciar o tratamento com EPO, a deficiência de ferro deve ser descartada. Na clínica, seu uso está aprovado em pacientes com neoplasias em curso de esquemas de quimioterapia, insuficiência renal crônica (IRC) e HIV positivos em curso de tratamento mielossupressor. A taxa de resposta é de 25% nas mielodisplasias, 80% no mieloma múltiplo e de pelo menos 95% na artrite reumatoide e na doença renal crônica. Vários trabalhos mostram que o nível alvo da hemoglobina deve ficar entre 11 e 12 g/dL ou o hematócrito entre 30 e 36%. Uma revisão sistemática da Cochrane mostrou que o uso de EPO diminuiu o risco para transfusão de hemoderivados e o número de unidades transfundidas em pacientes oncológicos, porém foi inconclusiva em relação à melhora na qualidade de vida, fadiga, complicações trombóticas e hipertensão. As apresentações são ampolas de 2.000 U/mL, 3.000 U/mL, 4.000 U/mL, 10.000 U/mL, 20.000 U/mL e 40.000 U/mL. 1. IRC Dose inicial: 50 a 100 U/kg, subcutâneo, 3 vezes/semana; reduzir a dose para 25 U/kg quando o HT > 36%; Dose de manutenção: dialítico: 75 U/kg 3 vezes/semana; não dialítico: 75 a 150 U/kg. 2. Neoplasias Se o nível sérico de EPO for superior a 200 mU/mL, seu uso não está recomendado. A dose inicial é de 150 U/kg, SC, 3 vezes/semana. ANEMIA MEGALOBLÁSTICA Um paciente com alterações neurológicas com parestesias em extremidades e anemia com macrocitose sugere um quadro de anemia por deficiência de vitamina B12. A anemia perniciosa de Addison é a causa mais comum de deficiência de vitamina B12, há predominância no sexo feminino e a mediana de idade é de 60 anos. Uma pesquisa demonstrou que 1,9% das pessoas acima de 60 anos tem anemia perniciosa não diagnosticada. A vitamina B12 é proveniente dos alimentos de origem animal e a necessidade diária é de 3 a 5 mcg. O fígado contém 2.000 a 5.000 mcg de vitamina B12, estoque suficiente para pelo menos 3 anos. A principal causa de deficiência de ácido fólico é a alimentação inadequada, como ocorre em pacientes anoréticos, no alcoolismo e em pessoas que não consomem frutas ou vegetais crus. A necessidade diária é de 50 a 100 mcg e o estoque de folato é de aproximadamente 5.000 mcg, suficiente para 2 a 3 meses. Fisiopatologia É causada pela deficiência de vitamina B12 e /ou folato resultando em eritropoiese megaloblástica e ineficaz, que é consequência da diminuição da síntese de DNA. A vitamina B12 e o ácido fólico participam de importantes reações no organismo. A vitamina B12 é cofator indispensável na conversão da homocisteína em metionina, assim com na conversão metilmalonil-CoA a succinil-CoA, ou seja, é responsável pela transformação de um folato inativo para uma forma metabolicamente ativa (tetraidrofolato). Este último participa diretamente na síntese do DNA, doandoradicais metila para transformação do deoxiuridilato em timidilato. A absorção do folato ocorre em praticamente todo o trato gastrointestinal. Já a vitamina B12 liga-se ao fator intrínseco produzido pelas células parietais do estômago e é carreada até o íleo terminal, onde se liga a receptores específicos e é absorvido. No plasma, 3 proteínas transportadoras foram identificadas. A transcobalamina I e III é produzida por macrófagos e monócitos, porém só a transcobalamina II é capaz de liberar a vitamina B12 para os tecidos. A anemia perniciosa é uma doença autoimune em que ocorre a formação de anticorpos contra as células parietais e fator intrínseco, resultando em uma gastrite atrófica, acloridria e hipergastrinemia com hiperplasia das células produtoras de gastrina. Na Tabela 5, são citadas as principais etiologias da anemia megaloblástica. Tabela 5: Principais etiologias da anemia megaloblástica Deficiência de vitamina B12 Deficiência de ácido fólico Dieta: vegetarianos extremos (rara) Dieta inadequada: pobre em frutas e vegetais folhosos, alcoolismo, senilidade Deficiência de fator intrínseco: anemia perniciosa, gastrectomia Aumento das necessidades: gravidez, dermatite esfoliativa, anemias hemolíticas crônicas Insuficiência pancreática Drogas: fenitoína, sulfassalazina, Bactrin®, carbamazepina, fenobarbital Doenças intestinais: ressecção ileal ou doenças do íleo, síndrome da alça cega, tênia de peixe – Diphyllobotrium latum Doenças intestinais: sprue tropical Quadro Clínico 1. Hematológico: na anemia megaloblástica, a evolução é insidiosa, geralmente severa com HT entre 10 e 15%. 2. Manifestações gastrintestinais: glossite, língua lisa, diarreia, má absorção intestinal. Na anemia perniciosa, há aumento do risco para carcinoma gástrico e tumores carcinoides, estes últimos devidos provavelmente a hipergastrinemia. A prevalência de carcinoma gástrico em pacientes com anemia perniciosa é de 1 a 3%, e em pacientes com carcinoma gástrico, de 2%. 3. Complicações neurológicas: a deficiência de vitamina B12 pode causar neuropatia periférica e degeneração das colunas posterior e lateral da medula espinal. Essas lesões progridem de desmielinização para degeneração axonal e eventual morte neuronal. As manifestações mais comuns são parestesias e dormência. As manifestações cerebrais vão desde alterações da personalidade e déficit de memória até psicose franca (“loucura megaloblástica”). 4. Endócrinas: a anemia perniciosa pode vir acompanhada de outras doenças autoimunes, como deficiência de IgA e insuficiência endócrina poliglandular. Existem outras causas de macrocitose além da anemia megaloblástica, como: alcoolismo, hepatopatias, hipotireoidismo, mielodisplasias, contagem elevada de reticulócitos, mieloma e outras paraproteinemias. Quadro Laboratorial 1. Sangue periférico: presença de macro-ovalócitos, macrócitos, hipersegmentação de neutrófilos, reticulocitopenia, anemia com VCM elevado (110 a 140 fL), leucopenia, plaquetopenia ou pancitopenia. 2. Medula óssea: hipercelular, com hiplerplasia do componente eritroide. Apresenta alterações megaloblásticas, como assincronismo nucleocitoplasmático (defeito na maturação), presença de metamielócitos gigantes e o núcleo das células vermelhas possui aspecto em “salame hamburguês”. 3. Bioquímica: aumento do LDH-colesterol, aumento da bilirrubina indireta, nível sérico da vitamina B12 abaixo de 100 pg/mL ou nível de folato eritrocitário abaixo de 150 ng/mL. O anticorpo anticélula parietal sérico é encontrado em 90% dos pacientes com anemia perniciosa e o autoanticorpo tipo I antifator intrínseco é encontrado em 70%. 4. Teste de Schilling: esse teste confirma se a deficiência de vitamina B12 se deve à má absorção intestinal decorrente de deficiência do fator intrínseco. Se a excreção urinária de vitamina B12 radiomarcada via oral é baixa e aumenta quando a vitamina B12 é administrada junto com o fator intrínseco, o diagnóstico é confirmado. Tratamento Deficiência de Vitamina B12 Injeções IM de 100 mcg, inicialmente diárias na 1ª semana, 1 vez/ semana no 1º mês e, depois, mensalmente por tempo indeterminado. Pode-se repor por via oral na dose de 1 mg/dia, pois 1% é absorvida mesmo na ausência de fator intrínseco. Hipocalemia pode ocorrer nos primeiros dias de tratamento. Ácido Fólico Deve ser administrado via oral na dose de 1 a 5 mg/dia. O uso de ácido fólico em grandes quantidades pode produzir algum grau de resposta na deficiência de vitamina B12, porém permite a progressão das lesões neurológicas. ANEMIAS HEMOLÍTICAS Neste grupo de doenças, a anemia é decorrente de um aumento na taxa de destruição dos eritrócitos e a medula óssea é incapaz de compensar esse aumento. São classificadas de acordo com a causa – se o defeito é interno do eritrócito (intracorpuscular) ou externo (extracorpuscular). A hemólise pode ser intravascular, quando a hemoglobina é liberada no plasma, ou extravasular, quando ocorre principalmente no baço. Quando a sobrevida dos eritrócitos está diminuída, a medula óssea aumenta o número de precursores eritroides, a fim de compensar a hemólise. A anemia só ocorre quando a hiperprodução medular não consegue se igualar ao ritmo da destruição. Assim, a medula pode acabar entrando em crise aplásica da anemia hemolítica, que corresponde a sua falência. As anemias hemolíticas podem ser congênitas (defeito corpuscular) ou adquiridas (defeitos extracorpusculares). ou ainda de acordo com o local da hemólise – se é intra ou extravascular As Tabelas 6 e 7 mostram essas classificações. Tabela 6: Principais etiologias das anemia hemolíticas por tipo de defeito Defeito intrínseco Defeito extrínseco Defeitos de membrana: esferocitose e eliptocitose hereditárias, hemoglobinúria paroxística noturna (HPN) Anemia hemolítica autoimune, drogas, doenças linfoproliferativas Defeitos na glicólise: deficiência na piruvato-quinase Microangiopática: púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica, coagulação intravascular disseminada, vasculite, prótese valvar cardíaca, adenocarcinoma metastático Defeitos na oxidação: deficiência G6PD Transfusão incompatível Hemoglobinopatias: anemia falciforme, talassemia major, doença da hemoglobina instável, outras hemoglobinopatias (CC, DD, SC, HbS/talassemia) Infecção: malária, Clostridium, leishmaniose, febre tifoide Grandes queimados Tabela 7: Principais etiologias da anemia hemolítica dividida por local de hemólise Hemólise intravascular Hemólise extravascular Grandes queimados, veneno de cobra Defeitos de membrana: esferocitose e eliptocitose hereditárias Hemoglobinúria paroxística noturna Defeitos na glicólise: deficiência na piruvato quinase Microangiopática: púrpura trombocitopênica trombótica, síndrome hemolítico-urêmica, coagulação intravascular disseminada, vasculite, prótese valvar cardíaca, adenocarcinoma metastático Defeitos na oxidação: deficiência G6PD Transfusão incompatível Hemoglobinopatias Infecções: malária, sepse por Clostridium, bartonelose, Mycoplasma pneumoniae Anemia hemolítica autoimune por anticorpos quentes ou frios Quadro Clínico Apesar das diversas etiologias da anemia hemolítica, o quadro clínico é semelhante e depende principalmente da gravidade, da velocidade e do tempo em que o processo se desenvolve. Na anemia hemolítica congênita, estão presentes os sinais e sintomas relacionados a anemia, icterícia, crises (hemolíticas, aplásticas), esplenomegalia (exceto anemia falciforme), colelitíase (cálculos de bilirrubinato de cálcio), alterações ósseas decorrentes de expansão da medula óssea e úlceras em membros inferiores. O início da anemia hemolítica adquirida pode ser súbito, por exemplo, na transfusão incompatível, usode oxidantes na deficiência de G6PD, púrpura trombocitopênica trombótica e anemia hemolítica autoimune. Costuma ter início insidioso, desenvolvendo-se no curso de semanas a meses, e o quadro clínico é semelhante à anemia hemolítica congênita com palidez cutaneomucosa, icterícia e sintomas cardiovasculares. Na anemia hemolítica autoimune, 10% dos casos cursam com trombocitopenia imune (síndrome de Evans) e é necessário investigar doenças relacionadas como linfomas, leucemia linfocítica crônica e lúpus eritematoso sistêmico. Quadro Laboratorial 1. Hemograma: queda da hemoglobina quando a velocidade da produção medular não acompanha a taxa de destruição dos eritrócitos, eritroblastos circulantes (hemácias jovens nucleadas) nos casos graves, policromasia, reticulocitose, índice de produção reticulocítico (IPR) superior a 3. 2. Bioquímica: aumento do LDH e da bilirrubina indireta. 3. Hemoglobina plasmática: elevada na hemólise intravascular (hemoglobinemia) e normal na extravascular. 4. Hemoglobina e/ou ferro urinários: elevada na hemólise intravascular (hemoglobinúria e hemossiderinúria) e normal na extravascular. 5. Haptoglobina: liga-se a hemoglobina livre e está diminuída ou ausente na hemólise intravascular. 6. Teste de Coombs direto: positivo nas anemias hemolíticas autoimunes. Tratamento 1. Esferocitose: reposição diária de folato 1 mg/dia e esplenectomia. 2. Deficiência de G6PD: evitar o estresse oxidativo causado por infecções e drogas (dapsona, ácido ascórbico, AAS, nitratos, cloroquina, cloranfenicol, primaquina, quinidina, quinina, sulfonamidas e nitrofurantoína). 3. Anemia hemolítica autoimune: prednisona 1 a 2 mg/kg/dia. Se houver falha, pode-se optar por esplenectomia. Outras terapêuticas, como anticorpo monoclonal contra o antígeno CD20 dos linfócitos B (rituximabe) e agentes imunossupressores, podem ser tentadas na falha de resposta à esplenectomia. O paciente do caso 3 apresenta anemia hemolítica e LES, o que leva a pensar em diagnóstico de anemia hemolítica autoimune, o diagnóstico foi confirmado por um teste de Coombs positivo. Corticoides São substâncias naturalmente produzidas pelo córtex das adrenais, derivam do colesterol e, por uma série de reações enzimáticas, chegam ao cortisol ou hidrocortisona, cuja produção diária basal está em torno de 20 mg/dia. 1. Mecanismo de ação Genômico e não genômico. O mecanismo genômico se faz pela interação esteroide-receptor de esteroide no núcleo celular, por meio do bloqueio ou da facilitação da transcrição para a síntese proteica de dezenas de substâncias importantes, por exemplo, para o processo inflamatório. A ação não genômica se faz pela alteração das propriedades físico-químicas das membranas celulares, estabilizando, por exemplo, a membrana dos eritrócitos na anemia hemolítica autoimune. O primeiro mecanismo leva mais tempo para início da sua atuação, já que requer síntese proteica, o segundo se faz em minutos. 2. Usos Praticamente em quase todas as enfermidades reumatológicas, com rápido início de ação. É uma droga altamente eficaz, no entanto, deve ser utilizada na menor dose possível e por tempo necessário pré-estabelecidos, em razão de seus efeitos colaterais. 3. Profilaxia de osteoporose Concomitante ao uso de esteroides, deve-se administrar pelo menos cálcio (mínimo de 1 g/dia) e vitamina D (mínimo de 400 UI/dia). A densitometria óssea pode estar indicada no início do tratamento e a cada 6 meses ou anual durante o uso do corticoide. 4. Doses Até 0,3 mg/kg/dia (dose baixa), 0,4 a 0,9 mg/kg/dia (dose moderada) e 1 a 2 mg/kg/dia (dose alta), de prednisona ou prednisolona. Deve-se utilizar a tabela de equivalência de doses para os outros corticoides (Tabela 8). Tabela 8: Equivalências sistêmicas dos corticoides Glicocorticoide Classificação na gravidez Dose equivalente (mg) Potência anti- inflamatória relativa Potência mineralocorticoide relativa Ligação proteica (%) Meia-vida plasmática (min) Meia-vida biológica (h) Ação rápida Cortisona D 25 0,8 2 90 30 8 a 12 Hidrocortisona C 20 1 2 90 80 a 118 8 a 12 Ação intermediária Metilprednisolona - 4 5 0 - 78 a 188 18 a 36 Prednisolona B 5 4 1 90 a 95 115 a 212 18 a 36 Prednisona B 5 4 1 70 60 18 a 36 Triancinolona C 4 5 0 - 200+ 18 a 36 Ação longa Betametasona C 0,6 a 0,75 25 0 64 300+ 36 a 54 Dexametasona C 0,75 25 a 30 0 - 110 a 210 36 a 54 Mineralocorticoide Fludrocortisona C - 10 125 42 210+ 18 a 36 5. Formas de administração Oral, intravenosa, intramuscular, intra-articular, intralesional, retal e tópica (cutânea, ocular e otológica), • Pulsoterapia de Corticoide Nas situações de emergência com risco de morte, em casos graves ou falha na terapêutica habitual, utilizam-se os corticoides na forma de pulsoterapia, isto é, são administradas doses elevadas em curto período (geralmente 3 dias). Utilizam-se, por essa via, de imediato os mecanismos não genômicos de atuação dos corticoides. A metilprednisolona é o fármaco mais utilizado e com grande experiência e comprovação nos trials clínicos. 1. Dose 1 g/dia durante 3 dias (10 a 30 mg/kg/dia). Deve ser administrada diluída em solução fisiológica ou glicosada (500 mL, no mínimo 250 mL). O tempo mínimo de administração é de 3 horas. 2. Apresentação e nome comercial Metilprednisolona frascos-ampola de 40 mg, 125 mg, 500 mg e 1.000 mg (Solu-Medrol®). 3. Contraindicações relativas Hipertensão arterial sistêmica, infecção atual, hiperglicemia e distúrbios hidroeletrolíticos, quando não estão sob controle clínico. 4. Efeitos colaterais Hipertensão arterial sistêmica, hipotensão, retenção hídrica, extrassístoles, ritmo juncional, bradicardia sinusal, rubor facial, convulsão, euforia, alucinações e cefaleia. Raramente, EAP e até morte súbita. Profilaxia de estrongiloidíase disseminada: ivermectina (200 mcg/kg/dia por 2 dias); albendazol (400 mg/dia por 3 dias) ou tiabendazol (25 mg/kg 2 vezes/dia, por 2 dias). Outras infecções: deve-se afastar quadro infeccioso bacteriano e tuberculose. Caso haja suspeitam realizar radiografias de tórax. Profilaxia com isoniazida (400 mg/dia), durante o uso de corticoterapia em dose elevada, permanece um tema controvertido; devem-se pesar os riscos do uso dos tuberculostáticos para a profilaxia. 5. Precauções Antes de realizar a pulsoterapia, o estado cardiovascular do indivíduo deve ser conhecido e estável Caso haja desequilíbrio hidroeletrolítico, este deve ser corrigido antes da infusão. Se houver possibilidade, a monitoração eletrocardiográfica contínua é desejável durante a infusão e nas primeiras 24 horas após. Tem-se descrito bradicardia sinusal, geralmente assintomática, até o 7 dia pós-pulso. 6. Classe na gravidez Classe C. Os seres humanos possuem a beta-hidroxilase placentária que inativa a maioria dos corticoides, exceto a betametasona e a dexametasona. Assim, as outras substâncias são seguras, quando utilizadas de forma controlada em doses moderadas. Omeprazol Este foi o primeiro IBP disponível para uso comercialSeu aspecto será discutido como protótipo para os IBP, relatando-se posteriormente as diferenças em relação aos demais IBP. 1. Modo de ação Ligação covalente com a enzima H+/K+ ATPase (bomba de prótons das células parietais gástricas), bloqueando o passo final na produção do ácido, a qual pode ser reduzida em até 95%. A secreção do HCl só se reinicia após a inserção de novas moléculas da bomba, uma vez que a ligação é irreversível. 2. Indicações Tratamento sintomático de úlcera péptica: evidência de estudos randomizados e meta-análises. O tratamento atual da grande maioria dos casos de úlcera péptica baseia-se na erradicação do H. pylori, cujos esquemas de antibióticos incluem um antissecretor. Papel coadjuvante na redução da recorrênciade úlceras pépticas: evidência baseada em estudos randomizados. Cicatrização e prevenção de lesões gastroduodenais em usuários crônicos de AINE: evidência de estudos randomizados e meta-análises. Redução de HDA em usuários de AINE: evidência de estudos de coorte. Dispepsia funcional (quando a queixa principal é dor epigástrica: evidência baseada em estudos randomizados. Tratamento de HDA por úlcera péptica: diminuem a taxa de ressangramento, com ou sem tratamento endoscópico, mas não modificam a mortalidade. Evidência de estudos randomizados e meta-análises. Profilaxia primária de HDA para úlcera de estresse: evidência baseada principalmente em opinião de especialistas. Síndrome de Zollinger-Ellison e condições hipersecretoras: evidência baseada principalmente em opinião de especialistas. Erradicação de H. pylori em associação com antimicrobianos: evidência baseada em estudos randomizados e meta-análises. 3. Posologia A droga deve ser ingerida 30 minutos antes de uma refeição. • Úlcera duodenal ativa: 20 mg VO por 4 a 8 semanas. • Úlcera gástrica ativa: 40 mg VO por 4 a 8 semanas. • DRGE: 20 mg VO por 4 a 8 semanas. Condições hipersecretoras: dose individualizada; começar com 60 mg VO. 4. Apresentações comerciais Genérico: omeprazol (cápsulas de 10, 20 e 40 mg e ampolas de 40 mg). Outros nomes comerciais: Gaspiren® (cápsulas de 20 mg e ampolas de 40 mg). Losec® (ampolas de 40 mg), Losec Mups® (comprimidos de 10, 20 e 40 mg), Peprazol® (cápsulas de 10, 20 e 40 mg). Omep®, Estomepe® e Bioprazol® têm apresentação de cápsulas de 10 e 20 mg. 5. Efeitos adversos Os mais comuns são: cefaleia, vertigem, diarreia, dor abdominal, náuseas, vômitos e infecções do trato respiratório superior. 6. Classificação na gravidez Classe C. 7. Monitoração Não existe necessidade de exames específicos, mas deve-se ter precaução em pacientes com insuficiência hepática (avaliar necessidade de menores doses). 8. Interações medicamentosas Por inibirem a atividade de algumas enzimas do citocromo P450, podem aumentar o efeito de warfarina, fenitoína e benzodiazepínicos. REAÇÕES AOS ORGANOFOSFORADOS De acordo com o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX), as intoxicações por agrotóxicos são a terceira causa mais comum de intoxicação no Brasil. Os organofosforados são inibidores da colinesterase e impedem a inativação da acetilcolina, levando a um efeito intenso (hiperestimulação colinérgica) desse neurotransmissor nas membranas pós-sinápticas, podendo causar paralisia dos músculos, devido a níveis muito altos que alteram a capacidade de despolarização celular. Há três tipos de colinesterase no organismo humano: Acetilcolinesterase, Pseudocolinesterase e Esterase Neuropática Alvo. A acetilcolina tem uma importante função no Sistema Nervoso Periférico (SNP) agindo nos receptores muscarínicos e nicotínicos. Os receptores muscarínicos dependem da proteína G. Alguns desses receptores (M1, M3 e M5) ativam a fosfolipase C que na membrana pode levar a liberação de cálcio (Ca+2) no citoplasma. A despolarização do retículo sarcoplasmático libera íons cálcios para a contração muscular através do sítio de ligação da miosina e actina. Outros receptores muscarínicos utilizam a proteína G para inibir a adenilciclase. Já os receptores nicotínicos são canais iônicos mediados pela acetilcolina e são divididos em musculares, ganglionares e atuantes do Sistema Nervoso Central (SNC). Manifestações clínicas As manifestações clínicas por inibidores da colinesterase incluem sialorreia, lacrimejamento, sudorese, miose, ptose palpebral, náuseas, vômitos, dor abdominal, diarreia, bradicardia e hipotensão, sonolência e letargia. Os organofosforados, dependendo de sua solubilidade nos tecidos, vão desenvolver mais prontamente ou tardiamente os sinais clínicos da intoxicação. Assim, por exemplo, por inalação de vapores do produto no ambiente os primeiros sintomas aparecem em poucos minutos, enquanto que pela ingestão oral ou exposição dérmica pode haver um aparecimento tardio dos sintomas. Se ocorrer uma exposição cutânea localizada, o efeito tende a se restringir a área exposta, sendo a reação exacerbada se houver lesão cutânea ou dermatite. Exemplo: sudorese intensa e miofasciculações localizadas no membro afetado; visão borrada e miose do olho exposto; ou sibilância e tosse no caso de exposição pulmonar de pequenas quantidades. A absorção prolongada e insidiosa destas substâncias OF pode determinar a agudização da resposta à doses baixas do produto. No caso de carbamatos, a exposição dérmica torna-se crítica quando o organismo se encontra em temperatura ambiente elevada. Experimentalmente, quantidades apreciáveis de alguns carbamatos e seus metabólitos tem sido encontradas no leite de mães a eles expostas. Assim como, pode-se esperar a presença de resíduos de carbamatos em produtos comestíveis, quando estes forem aplicados como inseticidas em hortifrutigranjeiros. Os inseticidas organofosforados e carbamatos são absorvidos pelo organismo, pelas vias oral, respiratória e cutânea. A absorção por via oral ocorre nas intoxicações agudas acidentais, nas tentativas de suicídio, sendo, portanto, a principal via implicada nos casos atendidos nos serviços de emergência. A via dérmica contudo, é a via mais comum de intoxicações ocupacionais, seguida da via respiratória. Intoxicação Aguda Ainda com relação à intoxicação por inibidores da acetilcolinesterase, ambos os grupos levam à hiperglicemia transitória até 05 vezes superior aos valores normais, sendo contudo contra-indicado o uso de Insulina. Há ainda relatos na literatura de pancreatite com todo o cortejo de manifestações abdominais, elevação da amilase sanguínea em valores três ou mais vezes superiores aos normais, e parotidite, ambas relacionadas à ingestão de organofosforados e/ou carbamatos. Pode ainda ocorrer arritmias cardíacas (fibrilação atrial e ventricular) até 72 horas após a intoxicação. Manifestações Tardias Síndrome Intermediária ocorre em pacientes extubados precocemente (ou não entubados) após longo período de hiperestimulação colinérgica dos músculos cervicais, pares cranianos (motores) e da respiração. Esta síndrome consiste de uma sequência de sinais neurológicos (diminuição da força de músculos proximais, principalmente da cintura escapular) que aparecem de 24 a 96 horas após a crise colinérgica aguda. A falência respiratória resultante parece estar relacionada a um processo de necrose da placa mioneural por hiperestimulação da membrana pós-sináptica que causa o que se chama excitotoxicidade celular – a morte da célula como resultado de excitação prolongada da terminação nervosa e respectiva placa motora. Porém, a fisiopatologia da síndrome intermediária não está bem elucidada, parece que a dessensibilização crônica de receptores da placa envolveria um aumento de fagocitose dessas estruturas reduzindo dessa forma a densidade de receptores na membrana pós-juncional (“down-regulation”, regulação compensatória negativa). Clinicamente, esta síndrome não foi descrita em intoxicações por carbamatos, apenas experimentalmente em ratos. Os óbitos são incomuns e podem ocorrer por insuficiência respiratória por hipoventilação. Neuropatia Tardia A terceira síndrome induzida por alguns organofosforados (mipafós, leptofós, metamidofós, merfós, triclorvon, clorpirifós e acefato), é a “Neurotóxica Tardia” ou “Polineuropatia Retardada”. Está relacionada à inibição da enzima esterase alvo neuropática, anteriormente conhecida como colinesterase neurotóxica. Tal inibição não tem relação direta com a apresentação clínica da síndrome colinérgica aguda que por hiperestimulação autonômica causa dessensibilização dos receptores colinégicos seguida paralisia flácida e disfunção do 2º neurôniomotor. Caracteriza-se por uma neuropatia sensitivo-motora que se manifesta de modo ascendente nas extremidades de membros superiores e inferiores (tipo luvas e botas) até 4 semanas após a exposição. O paciente inicialmente apresenta um formigamento e queimação dos dedos que vai tomando todos os membros superiores seguido por fraqueza e ataxia dos inferiores. A sensibilidade cutânea é pouco afetada. Os casos leves podem ser reversíveis em alguns anos, entretanto pode ocorrer a paralisia espástica após o quadro descrito, que implica em lesão do 1º neurônio motor (efeito direto na medula espinhal) e tem ocorrido principalmente em aplicadores de pesticidas de áreas agrícolas ou por ingestão de hortaliças contaminadas pelos agentes. Ver quadro VII. Esta síndrome foi descrita também com alguns carbamatos (Carbofuram e Carbaril). Eletroneuromiografia tem valor diagnóstico e prognóstico, assim como a síndrome de GuillainBarré atípica é usada para diagnóstico diferencial. Outros sintomas também podem ser observados em decorrência da exposição crônica: cefaléia, fraqueza, sensação de “peso na cabeça”, diminuição da memória, alteração de sono, fadiga fácil, perda de apetite, desorientação e alterações psíquicas. Efeitos cardiovasculares Alterações no aparelho cardiovascular são frequentes na intoxicação por carbamato e organofosforado. Os efeitos cardiovasculares variam de acordo com o tempo da evolução da intoxicação. Inicialmente, prevalecem os efeitos da estimulação dos receptores nicotínicos, levando a taquicardia e hipertensão arterial. Posteriormente, a acetilcolina atua junto aos receptores muscarínicos e ocorre bloqueio da transmissão ganglionar podendo ocorrer bradicardia e hipotensão. Intoxicações por organofosforado podem estar associadas a sérias complicações e freqüentemente fatais como arritmias ventriculares que podem apresentarse tardias após a melhora do quadro respiratório e neurológico. Carbamatos e organofosforados podem causar sérios efeitos cardíacos incluindo lesões morfológicas no estagio agudo. O sucesso do tratamento inicial das intoxicações pode reduzir lesão cardíaca. As arritmias, no entanto, podem ocorrer mesmo que o tratamento seja adequado. Portanto, estes pacientes devem permanecer monitorados mesmo após a resolução dos sintomas agudos, pois identificação precoce de alterações no ECG pode diminuir a mortalidade deste envenenamento Conduta Exames Gerais: Ao hemograma completo pode-se observar leucocitose ou leucopenia reversíveis. São descritas alterações na coagulação sanguínea (consumo de fator VII e aumento na agregação plaquetária). Em tais intoxicações pode haver hiperglicemia transitória. Os níveis de amilase e lipase podem estar 3 ou mais vezes acima do normal, representando, em alguns casos, pancreatite. Específicos: A acetilcolinesterase eritocitária geralmente é um recurso mais específico e sensível do que a colinesterase plásmatica, pois apresenta na maioria dos casos, correlação com a gravidade do quadro clínico. Isto se explica pela similaridade funcional que apresenta com a acetilcolinesterase que se encontra nas fendas sinápticas das placas mioneuráis. Contudo, a colinesterase plasmática em alguns casos é um bom indicador de exposição uma vez que compostos como Diclorvos, Malation e Diazinon (organofosforados) inibem primeiramente esta enzima, mas não tem boa correlação com o quadro clínico. Tais exames específicos devem ser solicitados sempre que possível, porém, deve-se levar em consideração variações individuais e fisiológicas, podendo haver falsos positivos e negativos Tratamento Devemos usar Atropina, ela é um antagonista competitivo muscarínico, sendo que ela é capaz de bloquear todos esses receptores (M1 a M5). A Pralidoxima também pode ser usada, ela reverte a ligação de organofosforados com a acetilcolinesterase. O mecanismo de ação consiste em remover o grupo fosforil da acetilcolinestease e assim interrompendo a ação dos organofosforados no organismo. A sua dose recomendada é 30 mg/kg, que pode ser administrada por via intravenosa ou intramuscular. Além disso, podemos recorrer a outras medidas, como a lavagem gástrica, que é uma técnica de aspiração de líquido do estômago usando uma sonda gástrica. Se a intoxicação tiver acontecido em até 4 horas, pode-se recorrer a carvão ativado para reduzir a absorção gástrica. Medidas Gerais manter a permeabilidade das vias aéreas; oxigenoterapia, se necessário; hidratação venosa; lavagem corporal exaustiva, em casos de contaminação dérmica; esvaziamento gástrico; carvão ativado; uso de catártico. Lavagem Gástrica • recém nascido: 500 ml de soro fisiológico (SF) a 0,9 %. • lactentes: 2 a 3 litros de SF a 0,9 %. • pré-escolares: 4 a 5 litros de SF a 0,9 %. • escolares: 5 a 6 litros de SF a 0,9 %. • adultos: 6 a 10 litros de SF a 0,9 %. Carvão Ativado (CA) Ministrar doses, diluídos em SF a 0,9 %. de 4/4:00 h ou 6/6:00 h, via sonda naso-gástrica (SNG), mantendo a SNG aberta em sifonagem. Contra indicado em casos de ausência de peristalse. (Ministrar até 4 doses) • crianças: 0,5 g de CA/kg corporal/dose - (diluido a 10 %, em SF a 0,9 %) - até 1 g/kg corporal • adultos: 25 g de CA/dose - (diluido a 10 % em SF a 0,9 %) Catártico Deve-se utilizá-lo 1:00 h após o carvão ativado (CA). Sulfato de Sódio (sol. a 10 %): • crianças: 250 mg/kg corporal • adultos: 15 a 20 g da solução a 10 % Sorbitol (sol. a 35 %) • crianças: 4 ml/kg corporal • adultos: 300 ml da solução a 35 % Medidas Específicas Atropinização Atropina: Apresentação: solução injetável de sulfato de atropina a 0,25 mg (1 ml); 0,50 mg (1 ml) e 1,0 mg (1 ml). Posologia: • crianças: 0,015 a 0,050 mg/kg corporal/dose, de 10/10 min ou 15/15 min. • adultos: 1 a 2 mg/dose, de 10/10 min ou 15/15 min. Após a estabilização do paciente, pode-se utilizar a infusão contínua na dose de 20 a 25 mg/kg corporal/hora em crianças e 1,0 mg/hora em adultos. Tal procedimento deve ser feito com cautela, uma vez que a dose deve ser reajustada de acordo com a melhora clínica. A presença de taquicardia e hipertensão não contra-indicam a atropinização. Critérios para espaçamento das doses (30/30 min; 60/60 min; 2/2 horas). Reversão do quadro e sinais de intoxicação atropínica (secura na boca, rubor facial, taquicardia, midriase, agitação psicomotora e alucinação). A atropinização deve ser suspensa quando o paciente estiver assintomático após algum tempo, com espaçamento de pelo menos 2 horas, e nunca antes disso, pois pode haver efeito rebote e reaparecimento do quadro de intoxicação. Tal procedimento, entretanto, deve ser feito com cautela, uma vez que pode haver piora do quadro. MANTER OBSERVAÇÃO POR 72 HORAS, COM MOTORIZAÇÃO CARDÍACA Oximas (Contrathion) CONTRA-INDICADO nas intoxicações por CARBAMATOS. São antídotos verdadeiros, reativadores de colinesterase. Utilizadas nas intoxicações por OF. Atualmente alguns Centros utilizam somente em casos de intoxicação por Paration Etílico (em associação com a atropina). Deve ser iniciado precocemente (nas 24 horas iniciais) e pode ter seu uso prolongado por até 22 dias (Moritz, 1994). Dose: • Adultos: 200 mg EV, em 50 ml de SF a 0,9% de 6/6h; injeção EV em “bolus” de 30mg/Kg de peso corporal ou ainda 8-10 mg/Kg/h EV, até a plena recuperação do paciente (2-4 dias em geral). • Dose máxima: 2g/dia • Crianças: 4 a 5 mg / kg EV • Dose máxima: 30 mg / kg / dia
Compartilhar