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AULA 4 GÊNEROS DISCURSIVOS NO ENSINO DE LÍNGUA Profª Daíne Cavalcanti da Silva 02 CONVERSA INICIAL Seja bem-vindo à Aula 4 da disciplina “Gêneros discursivos no ensino de língua”. Já estudamos o que são gêneros discursivos, campos da atividade humana e vimos como os gêneros são apresentados nos materiais didáticos; agora, veremos a prática de ensino em sala de aula a partir dos gêneros discursivos considerando as quatro habilidades da língua: ouvir, falar, ler e escrever. Vamos lembrar que os documentos norteadores do ensino nos dizem que todas as habilidades devem ser trabalhadas independentemente de estarmos abordando o ensino de língua materna ou de língua estrangeira. CONTEXTUALIZANDO Vamos fazer um exercício de memória: pense no período que você frequentou a escola. Como eram as aulas de língua? Você tinha atividades relacionadas a todas as habilidades de forma proporcional ou havia alguma que era mais trabalhada que a outra? Quais tipos de texto você lia? Eram textos verbais, não verbais, híbridos? Você tinha apresentação de trabalhos? Como você se saía? Agora, pense na sua ação como professor. Reflita sobre suas aulas e faça as mesmas perguntas: Você trabalha atividades relacionadas a todas as habilidades de forma proporcional ou há alguma que é mais trabalhada que a outra? Quais tipos de texto você e seus alunos leem em sala de acordo com o seu planejamento? São textos verbais, não verbais, híbridos? Você solicita a apresentação de trabalhos? Como seus alunos se saem? Respondidas essas perguntas, vamos estudar sobre o ensino de línguas e as quatro habilidades a partir dos gêneros discursivos. Depois, retomaremos essas perguntas. 03 TEMA 1 – AS HABILIDADES DA LÍNGUA PORTUGUESA E OS GÊNEROS DISCURSIVOS Ao longo das aulas, temos discutido sobre o trabalho com os gêneros discursivos no ensino de línguas. Na aula 3 falamos sobre a importância do trabalho com todas as habilidades da língua e, nesta aula, abordaremos o trabalho com gênero em cada uma das habilidades linguísticas. É comum, no ensino de língua materna, deixarmos de trabalhar, por exemplo, a habilidade de ouvir, visto que, exceto nos casos de surdez e problemas auditivos, é a habilidade que primeiro desenvolvemos. No caso do aprendizado de uma segunda língua, essa habilidade faz parte do planejamento do professor, e seu desenvolvimento é desejado pelo aluno. As outras habilidades normalmente têm espaço nas aulas de língua, mas, muitas vezes, o desenvolvimento das habilidades de escrita tem espaço maior que as de oralidade. Os documentos norteadores do ensino prezam pelo desenvolvimento amplo da comunicação na escola. No que tange ao ensino de língua portuguesa, essa orientação tem início ainda na Educação Infantil. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCN) para a Educação Infantil trazem a seguinte afirmação: “É importante lembrar que dentre os bens culturais que crianças têm o direito a ter acesso está a linguagem verbal, que inclui a linguagem oral e a escrita, instrumentos básicos de expressão de ideias, sentimentos e imaginação” (Brasil, 2013, p. 94). Como pôde ser visto nesta afirmação, o trabalho com a linguagem deve ser, desde o início, pensado a partir das diferentes habilidades. Ainda na Educação Infantil já se espera o trabalho com a oralidade e também com a escrita. De acordo com Valle (2013, p. 122), “[...] seguramente existe nos meios sociais uma cultura em que predomina a valorização da linguagem escrita, mas é importante destacar que a fala é também bastante destacada pela linguística e, via de regra, não muito valorizada na escola”. Essa valorização da escrita durante a Educação Básica faz com que alunos cheguem ao ensino superior sem, muitas vezes, desenvolver o debate oralizado de forma eficiente. São adultos que têm medo da fala, para quem o falar em público é um total sofrimento. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, na escola não se trabalha o diálogo; na verdade, na escola, não se permite o 04 diálogo. Vejamos: “Na escola, o modo autoritário de ser não permite diálogo. Como posso dizer, se não sei o que nem como dizer? A situação formal da fala/escrita na sala de aula deve servir para o exercício da fala/escrita na vida social. Caso contrário, não há razão para as aulas de Língua Portuguesa. (2000, p. 22). A prática apenas da linguagem escrita é tão comum que, na maioria das vezes, quando propomos uma atividade de discussão em grupos para que depois estes debatam com o restante da turma, sempre surgirá aquela pergunta: É para entregar o que por escrito? Quando o professor diz que não há nada a ser entregue por escrito, surge o espanto dos alunos: eles querem opinar, mas aprenderam que, nos contextos educacionais, a palavra escrita tem peso maior, e isso não é verdade. Ainda no Ensino Superior, levando em conta o mesmo exemplo da proposta de um debate, não há debate. Há a exposição de ideias de um grupo, de outro grupo, mas dificilmente aparecem respostas articuladas a outras respostas, outras opiniões, um real debate. Os gêneros discursivos cada vez mais flexíveis no mundo moderno nos dizem sobre a natureza social da língua. Por exemplo, o texto literário se desdobra em inúmeras formas: o texto jornalístico e a propaganda manifestam variedades, inclusive visuais: os textos orais coloquiais e formais se aproximam da escrita; as variantes linguísticas são marcadas pelo gênero, pela profissão, camada social, idade, região. (PCNEM, 2000, p. 21) Isso significa que todas as formas de gêneros precisam estar na forma de aula, considerando gêneros que trabalhem as diferentes habilidades, pois é dessa forma que nos comunicamos. Nossos alunos são tradicionais, acostumados a aulas e gêneros “tradicionais”, e essa forma de pensar e de se expressar é aprendida ainda na escola, pois esses alunos não aprenderam, no início de suas vidas, a dar a opinião por escrito para seus pais. Eles diziam que estavam com fome ou frio, mas não escreviam um texto para dizer isso. Quer dizer que devemos só trabalhar a oralidade? Não. Quer dizer que devemos trabalhar também a oralidade, e trabalhar todas as habilidades por meio de diferentes gêneros. Iniciemos, então, pela habilidade de ouvir. 05 TEMA 2 – A HABILIDADE OUVIR E OS GÊNEROS DISCURSIVOS O início do contato com a língua pela criança se dá pelo ouvir. Ela escuta o que está ao seu redor e, por volta dos seis meses de vida, começa a emitir alguns sons, sílabas. A compreensão auditiva tem início antes mesmo do nascimento; a partir do que é ouvido, pode-se interagir com o interlocutor. Vários são os gêneros que fazem uso dessa habilidade linguística. Na aula 2, vimos um quadro retirado dos PCNs que destacava alguns gêneros comuns à prática da escuta e produção de textos orais. De acordo com os PCNs dos anos finais do Ensino Fundamental para o ensino de língua portuguesa sobre a escuta de gêneros orais, espera-se que o aluno: amplie, progressivamente, o conjunto de conhecimentos discursivos, semânticos e gramaticais envolvidos na construção dos sentidos do texto; reconheça a contribuição complementar dos elementos não verbais (gestos, expressões faciais, postura corporal); utilize a linguagem escrita, quando for necessário, como apoio para registro, documentação e análise; amplie a capacidade de reconhecer as intenções do enunciador, sendo capaz de aderir a ou recusar as posições ideológicas sustentadas em seu discurso. (1998, p. 49) Releia o trecho acima. Você percebeu que o texto fala que o aluno pode usar a linguagem escrita quando necessário e que os elementos não verbais fazem parte da construção da oralidade? Isso significa que nenhuma das habilidadesé trabalhada de forma isolada. Você, professor, seja no ensino de língua portuguesa ou estrangeira, trabalhará todas as habilidades, porém, isso não significa um trabalho segmentado desta ou daquela habilidade. Ainda sobre a prática de escuta, os PCNLP nos dão a seguinte informação: compreensão dos gêneros do oral previstos para os ciclos articulando elementos linguísticos a outros de natureza não verbal; identificação de marcas discursivas para o reconhecimento de intenções, valores, preconceitos veiculados no discurso; emprego de estratégias de registro e documentação escrita na compreensão de textos orais, quando necessário; identificação das formas particulares dos gêneros literários do oral que se distinguem do falar cotidiano. No ensino de língua estrangeira temos a seguinte informação: Além dos tipos de conhecimento mencionados em relação à compreensão escrita (conhecimento de mundo, do conhecimento sistêmico e do conhecimento da organização textual), a compreensão 06 de textos orais requer o conhecimento dos padrões de interação social (os direitos e deveres interacionais, isto é, quem pode tomar o turno, por exemplo). (PCNLE, 1998, p. 94) Observe que, nos três trechos retirados dos PCNs de língua portuguesa e estrangeira, temos o reforço das seguintes informações: importância da comunicação, comunicação por gêneros discursivos e ideologia do discurso. Esses três aspectos precisam ser observados no momento do trabalho com as atividades de escuta. Sobre os gêneros discursivos de escuta – se retomarmos os quadros vistos na Aula 2 –, precisamos pensar neles em nossa realidade escolar. Quais desses gêneros são conhecidos pelos meus alunos e fazem parte do contexto social em que estão inseridos? Vejamos os gêneros citados no campo de atividade da imprensa. Tabela 1 – Gêneros orais de atividade da imprensa LINGUAGEM ORAL De imprensa Comentário radiofônico Entrevista Debate Depoimento Fonte: PCNLP, 1998. Quais deles poderiam ser levados à sala de aula? Qual seria o trabalho realizado? Teríamos outros gêneros que não foram citados? Pense um pouco. Na escola onde você trabalha, há caixas de som em cada sala para ouvir os comunicados da direção? Já pensou em usá-las? Uma atividade muito comum e que normalmente é feita apenas com crianças gera bons resultados sobre a eficiência da escuta e a atividade de ouvir. Vocês já trabalharam com telefone sem fio em sala de aula? Você deve estar pensando que isso só se aplica para língua portuguesa e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, não é mesmo? Não, não é. Essa atividade, mesmo no Ensino Médio, conscientiza os alunos acerca da importância da habilidade de ouvir. Os alunos compreendem que não basta ouvir; eles concluem que essa atividade está atrelada à compreensão, à familiaridade com o gênero e ao conhecimento linguístico. Proponho que você faça essa atividade: conte uma piada ou leia um poema para um aluno fora da sala, peça que ele conte para um colega e, sucessivamente, passe por todos da sala. O último deverá dizer a todos o que ouviu e, então, fazer a comparação com a mensagem inicial. 07 Possivelmente, não só as palavras ficarão perdidas, mas o sentido também será outro, e talvez o gênero já não seja o mesmo. É nesse momento que você, professor, trabalhará a necessidade de aprimorar a habilidade do ouvir. A mesma atividade pode ser aplicada ao ensino de língua estrangeira, porém nesse caso recomenda-se, de acordo com a realidade dos alunos, textos menores, pois há a questão do domínio de vocabulário – mas o resultado será semelhante ao ensino de língua materna. Perceba que, conforme dito anteriormente, nenhuma habilidade é trabalhada de forma isolada da outra. Essa, por exemplo, trabalha a oralidade, e não apenas o ouvir, mas também a produção de gêneros orais – no caso, a fala, próxima habilidade discursiva a ser estudada. Vamos lá? TEMA 3 – A HABILIDADE FALAR E OS GÊNEROS DISCURSIVOS Conforme falamos nos temas anteriores, nenhuma das habilidades deve ser trabalhada de forma isolada em sala de aula. Nossa divisão para esta aula é sistemática para o ensino desta disciplina. Um cuidado importante que devemos ter ao tratar da habilidade falar é o conceito de que a fala será sempre informal ou mais informal que a escrita. Ao fazermos essa assertiva, estamos afirmando, por exemplo, que uma apresentação em um congresso acadêmico não tem formalidade. Estaríamos, nesse caso, desconsiderando a Teoria Bakhtiniana sobre os gêneros do discurso no que diz respeito ao conteúdo temático, ao estilo e à construção composicional. De acordo com Saldanha (2016, p. 83), “há diversas práticas profissionais nas quais a mediação por meio da língua oral se dá de forma planejada, estruturada e complexa”. Temos de pensar que fala e escrita nem sempre estão em contradição. De acordo com a situação e com o campo de atividade humana, as duas habilidades estarão em igualdade nas escolhas linguísticas, por exemplo. Utilizando o exemplo do congresso acadêmico, temos, como praxe, o envio de um artigo científico e, posteriormente, a apresentação deste trabalho. Nos dois casos, temos como campo da atividade humana o meio cientifico, e nos dois casos há a necessidade de formalidade e escolha linguística pautadas na norma padrão da língua, seja materna ou estrangeira, seja na escrita ou na fala. 08 É muito comum que tenhamos o ensino da oralidade guiado pela pronúncia de palavras difíceis. Um exemplo clássico é o trabalho com os trava-línguas. Veja os exemplos: 1. O rato roeu a roupa do rei de Roma. 2. Três pratos de trigo para três tigres tristes. 3. O sabiá não sabia que o sábio sabia que o sabiá não sabia assobiar. 4. Um ninho de mafagafos tinha sete mafagafinhos. Quem desmafagar esses mafagafinhos bom desmagafigador será. Confira a definição de trava-línguas segundo o Dicionário Aurélio: Certa modalidade de parlenda (3): Sob a denominação genérica de “literatura oral” agrupam-se múltiplas espécies do folclore narrativo, do folclore poético e do folclore linguístico. Entre essas últimas, destaca-se o trava-língua, modalidade de parlenda, em prosa ou verso, caracterizada, e de tal forma ordenada, que se torna extremamente difícil e, às vezes, quase impossível, pronunciá-la sem tropeço. (Weitzel, “Trava-Língua Educando e Divertindo”, Minas Gerais, Suplemento Literário, 23 ago 1980) Não estamos aqui dizendo que o gênero trava-línguas não deva ser trabalhado na escola; pelo contrário, ele deve ser trabalhado, mas de forma que os alunos o entendam como gênero discursivo oral, que circula em determinados campos da atividade humana e que tem objetivos e escolhas linguísticas específicos. O que é importante pensar é que a fala deve ser abordada a partir de diferentes gêneros e em situações do cotidiano. Ao falarmos em ensino da fala, precisamos refletir sobre o uso da língua: para quem falamos, qual nosso objetivo. É necessário também lembrar a troca de turnos de modo mais imediato, o que pode acontecer em muitos gêneros orais. Outro ponto de destaque é o caso dos elementos não verbais que acompanham a fala, já vistos nos PCNs. A expressão corporal no momento da fala precisa ser condizente com o que é dito. Livros como O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação não verbal, de Pierre Weil e Roland Tompakow, teve grande aceitação no mercado por propor uma leitura desses elementos não verbais. Não quero desmerecer esse livro, mas cabe ressaltar que há muito se fala sobre a expressão corporal nas aulas de línguas; falamos também sobre a entonação, o ritmo e a tonicidade. Veja a tabela abaixo pautada nos estudos de Dolz e Scheneuwly: 09 Tabela 2 – Estudos de Dolz e Scheneuwly Meios para- linguísticos Meios cinésicos Posição dos locutores Aspecto exterior Disposição dos lugares - Qualidadeda voz - Melodia - Elocução e pausa - Respiração - Risos - Suspiros - Atitudes corporais - Movimentos - Gestos - Trocas de olhares - Mímicas faciais - Ocupação de lugares - Espaço pessoal - Distâncias - Contato físico - Roupas - Disfarce - Penteado - Óculos - Limpeza - Lugares - Disposição - Iluminação - Disposição das cadeiras - Ordem - Ventilação - Decoração Fonte: Schneuwly &Dolz, 2004, citado por Saldanha, 2016, p. 98. Todos esses meios não linguísticos que envolvem a fala precisam ser discutidos e trabalhados em sala de aula. Para tal, é necessário que os mais diversos gêneros orais sejam abordados. Em meio à propulsão das novas tecnologias de informação e comunicação, pode-se trabalhar o telefone sem fio, os áudios em conversas por aplicativos de comunicação ou os vídeos em canais como YouTube. Os blogueiros e os youtubers têm milhares de seguidores; em seus canais, falam sobre diferentes assuntos. Contudo, precisamos também trabalhar os gêneros mais científicos, fazer análises comparativas das mudanças que ocorrem nos gêneros nas diferentes habilidades. Uma boa prática de ensino é a entrevista. Peça aos seus alunos que se organizem em grupos e entrevistem um integrante de outro grupo sobre um tema específico. Diga a eles que devem usar diferentes meios: 1. Um grupo deverá fazer a entrevista frente a frente e depois contar aos demais o resultado; esse grupo terá um roteiro prévio de entrevistas. 2. Outro grupo deve entrevistar o colega por meio de áudios de aplicativos e mensagem. 3. Um terceiro grupo enviará um vídeo para o colega com as perguntas que devem ser respondidas em outro vídeo. 4. O último grupo deverá fazer uma entrevista coletiva, como uma coletiva de imprensa, sem que tenham conversado antecipadamente entre si sobre as perguntas a serem feitas. Todos os outros grupos saberão antecipadamente o tema, exceto este, que terá o tema indicado pelo professor, pouco antes do início da entrevista. O objetivo dessa atividade é que os alunos compreendam que a habilidade de falar tem diferentes facetas. Ela também exige planejamento, além de estar sujeita a ter de atender à norma culta e exigir uma maior formalidade, dependendo 010 do contexto. Para que o objetivo seja atingido, pense em situações reais e diferentes temas, alguns do cotidiano e outros mais elaborados. Possivelmente, os alunos farão pesquisas sobre os assuntos a discutir, farão leituras e assistirão entrevistas sobre o tema. Novamente, destaco que essa atividade não prevê apenas o trabalho com uma habilidade; ela requer o conhecimento que os alunos encontrarão, provavelmente, fazendo uso das outras três habilidades linguísticas. Longe de esgotarmos como pode ser o ensino a partir da habilidade falar ou de tornar o trabalho com gêneros estrutural ou normatizado, passemos para o estudo acerca da habilidade da leitura. TEMA 4 – A HABILIDADE LER E OS GÊNEROS DISCURSIVOS A habilidade de ler talvez seja a mais trabalhada na escola. Ela suscita estudos e discussões. A discussão muitas vezes traz tal habilidade como a salvadora do ensino: aquele aluno que lê saberá sobre tudo, terá acesso ao conhecimento, terá bons resultados em todas as áreas; sendo assim, é necessário formarmos leitores, leitores dos clássicos, pois não basta ler, temos de fazer boas leituras. Certo? Sim, em parte está tudo certo. A leitura realmente nos dá acesso a novos conhecimentos; o aluno que lê saberá muito, porque terá acesso a mais informações; a escola deve trabalhar visando a formação de leitores. Todavia, além de sabermos que o conhecimento também pode ser adquirido por meio de outras habilidades, temos de pensar o que são boas leituras. Será que apenas os clássicos? Qual a referência do conceito de “boas leituras”? “Boas leituras” para quem? Desde o início desta disciplina temos conversado acerca da importância de atrelar o ensino (e consequentemente) e a escolha dos gêneros à realidade do aluno. Sendo assim, será que os clássicos literários fazem parte da realidade do aluno? Será que obrigatoriamente nossos alunos devem começar a leitura por eles? A formação do leitor se inicia ainda na infância. Temos de pensar que os clássicos infantis podem não estar acessíveis a todos. Mas... E se forem acessíveis e, mesmo assim, meu aluno não gostar? E quem disse que a leitura é apenas literária? A leitura também é informativa. Há alunos que leem muito sobre temas específicos, como botânica, 011 física, história, mas não leem literatura. Será que, nesse caso, não tenho um leitor? Você deve estar se questionando: “Até agora só li perguntas. Onde estão os conceitos sobre o ensino de leitura e os gêneros discursivos?”. Os conceitos sobre o que é leitura e formação do leitor são muito amplos. Não podemos considerar “leitor” apenas aquele que lê os clássicos do texto literário. Temos alunos que leem diariamente inúmeras histórias em quadrinhos, devoram livros didáticos, livros teóricos sobre este ou aquele assunto e, sim, temos os alunos que nunca leram um livro, um conto. No entanto, trabalharemos com todos eles a habilidade de ler. Como já foi dito, não devemos entender a leitura apenas como leitura de textos literários. Assim como qualquer atividade desenvolvida em sala de aula, a leitura precisa de planejamento. De acordo com Brodbeck et al. (2012, p. 34), as atividades precisam ser consequência de um planejamento significativo que possibilite o conhecimento em duas etapas do processo de leitura, resultando no domínio pleno da leitura. Salientamos que a leitura e seus benefícios não são de uso e compromisso exclusivo da área de língua portuguesa. Como já mencionamos anteriormente, a leitura representa um canal que os alunos utilizarão para acessar os conhecimentos das demais áreas. Espera-se dos alunos, enquanto leitores, que eles avancem em sua proficiência, fazendo escolhas, e não apenas lendo, decodificando, mas interpretando aquilo que é lido. De acordo com os PCNs de língua portuguesa para os anos finais do Ensino Fundamental, espera-se que o aluno: saiba selecionar textos segundo seu interesse e necessidade; leia, de maneira autônoma, textos de gêneros e temas com os quais tenha construído familiaridade: selecionando procedimentos de leitura adequados a diferentes objetivos e interesses, e a características do gênero e suporte; desenvolvendo sua capacidade de construir um conjunto de expectativas (pressuposições antecipadoras dos sentidos, da forma e da função do texto), apoiando-se em seus conhecimentos prévios sobre gênero, suporte e universo temático, bem como sobre saliências textuais – recursos gráficos, imagens, dados da própria obra (índice, prefácio etc.); confirmando antecipações e inferências realizadas antes e durante a leitura; [...] seja receptivo a textos que rompam com seu universo de expectativas, por meio de leituras desafiadoras para sua condição atual, apoiando-se em marcas formais do próprio texto ou em orientações oferecidas pelo professor; troque impressões com outros leitores a respeito dos textos lidos, posicionando-se diante da crítica, tanto a partir do próprio texto como de sua prática enquanto leitor; compreenda a leitura em suas diferentes dimensões – o dever de ler, a necessidade de ler e o prazer de ler; 012 seja capaz de aderir ou recusar as posições ideológicas que reconheça nos textos que lê. Vejamos o que trazem os PCNs de língua estrangeira acerca da habilidade de leitura: É nesta fase que o aluno tem de projetar o seu conhecimento de mundo e a organização textual nos elementos sistêmicos do texto. Com base no nível de compreensão previamente estabelecido, o professor capitaliza nas estratégias de leitura que o aluno tem como leitor em sua língua materna e nos itens lexicais e gramaticais semelhantes aos da língua materna e emoutros itens sistêmicos diferentes, na dependência do nível de compreensão. Perceba que, no ensino de língua materna, as estratégias de leitura não são citadas como acontece no ensino de língua estrangeira. O ensino de estratégias de leitura para a língua materna realmente não é tão comum, pois muitos acreditam que não é necessário quando se trata da nossa língua; contudo, precisamos, sim, trabalhar as estratégias de leitura durante o período de formação do leitor. Precisamos, sim, levar o aluno a reconhecer e a compreender diferentes gêneros e interpretá-los dentro do seu contexto. Vejamos os três textos a seguir: 013 Texto 1 Fonte: Heck (2016, p. 2). 014 Texto 2 Como a lagarta se transforma em borboleta? Por Redação Mundo Estranho A transformação acontece em quatro fases: o ovo, a larva, a pupa e o estágio adulto. O início do ciclo começa com os ovos, postos pelas borboletas geralmente em folhas de plantas. “Esse período dura de alguns dias até um mês”, diz a entomologista (especialista em insetos) Cleide Costa, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Um mecanismo no corpo do inseto faz o embrião permanecer inativo no ovo até as condições do clima e do crescimento da planta onde está se tornarem favoráveis. (Fonte: Redação mundo estranho (fragmento). Disponível em: http://flores.culturamix.com/jardim/receitas-naturais-para-eliminar-as-pragas-de-jardim. Acesso: 15 fev 2018. Texto 3 As plantas que têm folhas macias estão sujeitas a serem atacadas por lagartas. As taturanas, como são conhecidas, são lagartas de pelos, e algumas espécies possuem glândulas de uma substância urticante, que dá a sensação de queimar a pele. Estes são só alguns exemplos de pragas que parasitam nosso jardim, existem também muitas espécies de fungos que prejudicam o desenvolvimento das plantas. Conheça agora algumas receitas para espantar esses insetos das suas plantas. Contra cochinilha, lagartas e pulgões 100 g de fumo de corda Meio litro de álcool Meio litro de água 100 g de sabão de preferência neutro Nos três textos temos três gêneros diferentes: história infantil, artigo e uma receita. Os três textos falam sobre lagarta, mas todos têm objetivos diferentes, pois são gêneros diferentes com públicos e objetivos distintos. Logo, a forma como lemos cada um dos textos é diferenciada. E então? O que nós professores devemos fazer? Trabalhar a leitura com todos esses gêneros e vários outros que façam parte da realidade dos alunos. É importante que se trabalhe as estratégias de leitura, tanto no ensino de língua materna como no ensino de língua estrangeira, que se amplie o horizonte de expectativas, como nos dizem os PCNs de língua portuguesa, mas também se espera essa ampliação na língua estrangeira. É importante lembrar que o texto literário também deve fazer parte do ensino de língua estrangeira. É muito comum trabalharmos com diálogos, mas por 015 que não escolhemos diálogos de textos literários, resenhas de livros, histórias em quadrinhos? É preciso instigar a leitura por fruição também no ensino de língua estrangeira, seja ela qual for. A habilidade de ler é, realmente, uma das mais discutidas quando se trata do ensino de língua, porém, devemos pensar no que dizemos em relação ao ler. A leitura tem de ser variada, com diferentes objetivos, sem objetivos (leitura por fruição) e considerando o contexto, o discurso de cada gênero e cada esfera. Vale lembrar que, quando falamos de leitura, não devemos pensar apenas no que nossos alunos leem, mas também no que lemos, se lemos. O que você tem lido além dos seus materiais de estudo e preparo das aulas? Pense nisso e inicie uma nova leitura. TEMA 5 – A HABILIDADE ESCREVER E OS GÊNEROS DISCURSIVOS A habilidade da escrita muitas vezes é atrelada à habilidade de ler, pois se entende que bons leitores, obrigatoriamente, sejam bons escritores. É fato que aquele que lê mais terá mais facilidade na escrita, seja pelo seu conhecimento de mundo, por maior vocabulário etc. Contudo, apenas ser um bom leitor não significa ser um bom escritor. Primeiramente, precisamos desmistificar que escrever seja um dom. Escrever não é um dom, mas uma habilidade e, como tal, pode ser aprendida e desenvolvida. Como vimos na aula 1, nós nos comunicamos por meio de gêneros discursivos, e essa comunicação diz respeito a todas as habilidades, inclusive a escrita. Sendo assim, na produção de textos devemos considerar toda a Teoria Bakhtiniana sobre os gêneros do discurso: finalidade do texto, gênero, campos de atividade humana de circulação e sujeitos participantes do discurso. Ao relacionarmos a habilidade de escrever e os gêneros do discurso, devemos pensar que, diferentemente da fala, o interlocutor do texto escrito não pode nos indagar e não pode fazer a leitura da nossa expressão ou compreender o ritmo da fala ou entonação, como pode acontecer na oralidade. Desse modo, o texto escrito precisa ser claro o suficiente para se estabelecer “sozinho” perante o interlocutor. Vejamos o que trazem os PCNs de língua estrangeira: Um dos primeiros aspectos a considerar em relação ao processo de produção da escrita é o próprio desafio que ela representa: é uma interação que se estabelece em ausência do interlocutor, diferençando- se da interação oral, na qual os parceiros encontram-se em presença na simultaneidade da fala. Logo, o interlocutor do texto escrito, a razão 016 mesma da existência do texto vem a ser um projeto do escritor que utilizará estratégias da língua escrita para suprir essa não presença. (PCNLE, 1998, p. 98) A partir desse trecho, devemos considerar, no desenvolvimento da habilidade da escrita em sala de aula, situações reais de produção, nas quais o aluno saiba quem é o interlocutor e esteja ciente de que não haverá interação face a face. Outro ponto que, embora já tenha sido mencionado, merece ser ratificado é a experiência com o gênero. A escrita de textos não pode estar pautada sempre no mesmo gênero discursivo; ela precisa ser diversificada e trazer gêneros de uso comum, como dito nas aulas anteriores. Qual o sentido de sempre trabalhar o gênero carta se, normalmente, não enviamos mais cartas? Assim, devemos pensar a habilidade da escrita em seu contexto real de uso. Atualmente, a sociedade é tecnologizada e a escrita está presente no dia a dia das pessoas: são, por exemplo, posts em redes sociais, mensagens em aplicativos de celular e e-mails. Esses três exemplos de gêneros são comuns no cotidiano e fazem uso da escrita, parte da realidade social dos nossos alunos. Portanto, também devem fazer parte das aulas da área de línguas. FINALIZANDO Nesta aula, estudamos o ensino das quatro habilidades da língua portuguesa e os gêneros discursivos. É importante que ao término desta aula você tenha a clareza de que, quando trazemos a Teoria Bakhtiniana dos gêneros do discurso, a qual tem a premissa de trabalhar considerando a finalidade do texto, o gênero, os campos de atividade humana de circulação e os sujeitos participantes do discurso, ela se aplica a todas as habilidades linguísticas, seja no ensino de língua materna ou de segunda língua. Assim, é importante que você, professor, escolha textos dos mais variados gêneros discursivos e que, a partir deles, pense no desenvolvimento de todas as habilidades. Vale ressaltar ainda que o ensino a partir das habilidades deve ter início ainda na Educação Infantil e se estender por toda a Educação Básica. Acredito que esta aula tenha trazido conhecimento para que você continue a pesquisa sobre o tema e desenvolva, em sala de aula, atividades que contemplem as mais diversas habilidades linguísticas. Até a próxima aula! 017 REFERÊNCIAS BRASIL. Secretaria de Educação Básica. 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