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7 2 Forma, Arranjo e Tamanho As bactérias de interesse médico podem apresentar formas esféricas, cilíndricas e espiraladas, chamadas respec- tivamente de cocos, bacilos e espirilos (Figura 2.1). Os cocos são redondos, mas podem ser ovais, alongados ou achatados em uma das extremidades. Quando as bactérias em forma de cocos se dividem, as células podem permanecer unidas umas às outras, surgindo em decorrência cocos aos pares (diplococos), cadeias (estreptococos) e cachos (estafi- lococos) (Figura 2.2). Menos frequentes são aqueles cocos que se dividem em dois ou três planos e permanecem unidos em grupos cúbicos de oito indivíduos (sarcina). Os bacilos, ao contrário dos cocos, só se dividem no plano sobre seu eixo menor de tal forma que são poucos os arranjos ou agrupamentos: os diplobacilos aparecem aos pares e estreptobacilos ocorrem em cadeias. Alguns bacilos assemelham-se a lanças, outros têm extremidades arredon- dadas ou, então, retas. Em relação ao tamanho a regra geral é que varia de 1 a 5 µm (1µm é a milionésima parte do metro) e uma das exceções é Epulopiscium fishelsoni (uma bactéria encontra- Morfologia e Estrutura da Célula Bacteriana Flavio Alterthum Figura 2.1 – Principais formas das bactérias. Coco Cocobacilo Bacilo Vibrião Espirilo Espiroqueta Figura 2.2 – Formas de agrupamentos dos cocos. (a) Cocos em pares (diplo- cocos) ou em cadeias (estreptococos), formados por divisões em um único plano. (b) Cocos em tétrades, formadas por divisões em dois planos. (c) Cocos em cubos (sarcina), formados por divisões em três planos. (d) Cocos em cachos (estafiloco- cos), formados por divisões em muitos planos. Diplococo (a) Estreptococo (b) Tétrade (c) Sarcina Estafilococo (d) 8 da em peixes) da ordem de 500 a 700 µm. O microscópio foi e ainda é, em muitos casos, o equipamento laboratorial mais utilizado no estudo dos micro-organismos. Há duas categorias principais de microscópios utilizados: óptico e eletrônico. Diferem na forma pela qual se dá a ampliação e a visualização do objeto. Na microscopia óptica, um sistema de lentes manipula um feixe de luz que atravessa o objeto e chega ao olho do observador; na microscopia eletrônica, a luz é substituída por um feixe de elétrons e as lentes, por um sistema de campo magnético. A microscopia óptica aumenta até duas mil vezes e tem outras variantes como a microscopia de fase, de campo escuro e de fluorescência. A microscopia eletrônica permite um aumento de cerca de 400 mil vezes e apresenta variantes como as de transmissão e a de varredura. Alguns bacilos assemelham-se tanto aos cocos que, por isso, são chamados cocobacilos. Lembramos, porém, que a maior parte dos bacilos apresenta-se como bacilos isolados. O termo bacilo significa determinada forma, e o termo Bacillus significa o gênero que tem esta forma. Neste caso, é escrito com letra maiúscula e em itálico, ex.: Bacillus subtilis, em que Bacillus é o gênero e subtilis é a espécie (ver Capítulo 6). Bactérias espiraladas podem ter uma ou mais espirais. Quando têm o corpo rígido e são como vírgulas, são chama- das vibriões, e espirilos quando têm a forma de saca-rolhas. Há ainda um grupo de organismos espiralados, mas de corpo flexível — os espiroquetas (Figura 2.1). A forma das bactérias é uma característica genética e ge- ralmente as bactérias são monomórficas, isto é, mantêm uma única forma. Entretanto, algumas condições ambientais e de cultivo podem fazer com que os organismos apresentem for- mas ou arranjos diferentes. Alguns poucos micro-organismos são pleomórfos. Muitas bactérias foram originalmente des- critas através da “forma típica”. Por exemplo, a forma típica da Neisseria gonorrhoeae em secreção uretral apresenta-se como diplococos Gram-negativos em forma de grão de café, e ainda, fagocitados no interior de neutrófilos. Se cultivar- mos esta bactéria em meios de cultura de laboratório, elas perdem este arranjo descrito. Uma vez que os micro-organismos são transparentes, é frequente o uso de corantes para melhor visualização da forma e do tipo de arranjo. Os métodos de coloração mais empregados em bacteriologia médica são os de Gram e de Ziehl-Neelsen. O termo Gram origina do nome de Christian Gram, pesquisador dinamarquês que, em 1884, desenvolveu, de maneira empírica, o método de coloração que passou a ter o seu nome e que permite dividir as bactérias em dois grandes grupos: Gram-positivos e Gram-negativos. O método, ou técnica de Gram, consiste, essencialmen- te, no tratamento sucessivo de um esfregaço bacteriano, fixado pelo calor, com os seguintes reagentes: cristal violeta, lugol, álcool e fucsina. Toda bactéria, quer seja Gram-positiva, quer seja Gram- negativa, absorve de maneira idêntica o cristal violeta e o lugol, adquirindo a cor roxa devido ao complexo formado pelas duas substâncias na parede, membrana e no citoplasma da célula. Entretanto, ao serem tratadas pelo álcool, apresen- tam comportamentos diferentes: as Gram-positivas não se deixam descorar pelo álcool, enquanto as Gram-negativas o fazem sem qualquer dificuldade. Obviamente, as bactérias Gram-positivas mantêm a cor roxa do complexo cristal vio- leta-lugol, e as Gram-negativas, que o perderam, tornam-se descoradas. Ao receber a fucsina, somente as últimas bacté- rias se deixam corar, adquirindo a cor vermelha do corante. Assim, quando se examina ao microscópio um esfregaço bacteriano corado pelo método de Gram, as bactérias Gram- positivas se apresentam de cor roxa e as Gram-negativas, de cor avermelhada. Estruturas Bacterianas e suas Funções A célula bacteriana apresenta várias estruturas. Algumas delas estão presentes apenas em determinadas espécies, en- quanto outras são essenciais. Estas últimas são encontradas em todas as bactérias. A Figura 2.3 apresenta esquematicamente uma célula bacteriana típica com as principais estruturas externas e internas à membrana plasmática. Membrana citoplasmática A membrana citoplasmática bacteriana, também chama- da membrana plasmática, é uma estrutura de aproximada- mente 8 nm de espessura. Esta estrutura forma uma barreira responsável pela separação do meio interno (citoplasma) e externo (Figura 2.3), sendo vital para a célula. Estrutura química Como a maioria das membranas biológicas, a membrana das bactérias é composta de proteínas (60%) imersas em uma bicamada de lipídeos (40%), sendo os fosfolipídeos os mais importantes. As proporções dos componentes são variáveis, dependendo da espécie bacteriana e das condições de cultivo. Os ácidos graxos dos lipídeos são responsáveis pela condição hidrofóbica da porção interna da membrana, en- quanto a parte hidrofílica deles fica exposta ao meio externo aquoso (Figura 2.4). Além das interações hidrofóbicas e pontes de hidrogênio, cátions como Mg++ e Ca++ são respon- sáveis pela manutenção da integridade da membrana. A membrana dos procariotos difere quimicamente da membrana das células eucarióticas, principalmente pela ausência de esteróis. Funções 1. Transporte de Solutos A membrana plasmática atua como uma barreira alta- mente seletiva, impedindo a passagem livre de moléculas e íons, possibilitando, assim, a concentração de metabólitos específicos dentro da célula (algumas substâncias podem estar até mil vezes mais concentradas dentro da célula em relação ao meio externo). Além disso, a excreção de subs- tâncias inúteis à célula também é feita através da membrana. 9 Moléculas hidrofílicas polares como ácidos orgânicos, aminoácidos e sais minerais não conseguem passar livre- mente pela membrana e, por isso, devem ser especificamente transportadas. Assim, mesmo uma partícula tão pequena quanto o íon hidrogênio (H+) não atravessa a barreira pas- sivamente, pois está sempre na forma hidratada, ocorrendo em solução como o íon H3O+. O transporte de substâncias através da membrana do meio externo para o interno e vice-versa ocorre com o auxí- lio de “proteínas de transporte demembrana”. Estas podem ser divididas em duas classes: as proteínas responsáveis pelo transporte de apenas uma substância de um lado para o outro da membrana uniport e as que carregam duas substâncias ao mesmo tempo, uma de interesse da célula e outra necessária para que ocorra o transporte da primeira — cotransporta- dora. Neste último, o transporte das duas substâncias pode ocorrer na mesma direção, simport, ou em direções opostas, antiport. A característica mais importante do transporte me- diado por carregadores proteicos é a sua natureza altamente específica. Alguns carregadores têm afinidade por apenas um único tipo de molécula, enquanto muitos outros são capazes de reagir com toda uma classe de moléculas. Por exemplo, existem carregadores para o transporte de amino- ácidos aromáticos que não são capazes de transportar outros aminoácidos. A maioria das proteínas envolvidas no transporte de solutos está localizada ao longo da membrana com porções expostas tanto ao citoplasma como ao meio externo. Por meio de uma mudança conformacional na proteína, o soluto que se ligou a ela do lado externo é liberado para o lado in- terno. O mecanismo de transporte que envolve uma proteína transportadora e que ocorre sempre a favor de gradiente é denominado difusão facilitada (exemplo, glicerol). Figura 2.3 – Estruturas de uma célula bacteriana típica. Corte longitudinal da célula mostrando as estruturas internas e externas à membrana citoplasmática. Figura 2.4 – Representação esquemática da membrana plasmática de bactérias: moléculas de proteína encontram-se imersas na bicamada fluida formada por moléculas de fosfolipídios — “Modelo do mosaico fluido”. As superfícies interna e externa da membrana são hidrofílicas; o interior é hidrofóbico. Proteína Fosfolipídeos Cromossomo Fímbria Ribossomos Inclusão Flagelo Plasmídeo Citoplasma Membrana Celular Cápsula ou Camada Mucosa Parede Celular 10 Os solutos também podem ser transportados contra um gradiente de concentração e, neste caso, envolvem gasto de energia. A energia pode ser proveniente de compostos com ligações fosfato de alta energia como o fosfoenolpiruvato ou durante reações que liberam energia na célula (ver Capítulo 3). Existem basicamente dois mecanismos que envolvem gasto de energia. O primeiro deles é o transporte ativo, no qual a substância a ser transportada se liga a um ou mais car- regadores de membrana que a liberam para dentro da célula. Um exemplo desse tipo de transporte é o da maltose, em Escherichia coli. A fonte de energia utilizada neste caso é o ATP. Como, aqui, a substância não é alterada quimicamente durante o transporte e, consequentemente, sua utilização nas reações celulares não pode ocorrer imediatamente e a sua concentração intracelular pode atingir níveis muitas vezes maiores que o extracelular. Outros açúcares, assim como um grande número de aminoácidos, ácidos orgânicos e íons inorgânicos, como sulfato, fosfato e potássio, sabidamente, são transportados por esse sistema. O segundo mecanismo é a translocação de grupo, em que, ao contrário do transporte ativo, a substância é alterada quimicamente durante a sua passagem pela membrana (nor- malmente ocorre uma fosforilação). Açúcares como glicose, manose e frutose são fosforilados durante o transporte pelo sistema da fosfotransferase (Figura 2.5). A necessidade de um mecanismo de transporte, envol- vendo carregadores específicos e energia em micro-orga- nismos, pode ser analisada da seguinte forma: se a difusão fosse o único tipo de transporte disponível, a velocidade de entrada dos compostos na célula dependeria sempre da diferença de concentração entre o meio intracelular e extra- celular, de tal forma que os solutos só entrariam na célula quando a sua concentração no meio externo fosse maior que a de dentro da célula. Sabemos que esta situação é bastante rara, pois, ao contrário, os solutos estão quase sempre mais concentrados no meio intracelular em relação ao ambien- te. Os mecanismos de transporte ativo e translocação de grupo, desenvolvidos em bactérias, permitiram que estas fossem capazes de acumular os solutos nas concentrações necessárias, às vezes muito superiores àquelas encontradas no meio externo. Uma mesma molécula pode ser transportada por trans- porte ativo ou por translocação de grupo conforme a espécie bacteriana. A glicose, por exemplo, entra na célula por trans- porte ativo em Pseudomonas aeruginosa e pelo sistema da fosfotransferase em Escherichia coli. Figura 2.5 — Mecanismos de transporte através da membrana. Difusão facilitada: entrada de um soluto (glicerol) para dentro da célula a favor do gradiente de con- centração. Uniport: transporte de um cátion para o interior da célula. Simport: entrada simultânea de um soluto (S) e um próton (H+). Antiport: troca de um cátion por um próton. Translocação de grupo: a glicose é fosforilada durante a entrada na célula pelo sistema fosfotransferase composto pelas enzimas EI, EII, EIII e Hpr. O produto final do processo é a glicose-6-fosfato (G-6-P). Difusão facilitada Uniport Simport Antiport Translocação de grupo Glicose H+ E I I E I I P P P PGlicose 6 E I I I E I I I Hpr Hpr E I E I P PEP H+ Na+ H+ Lactose + K+ Glicerol INTERIORMEMBRANA Na+ H+ Lactose K+ Glicerol EXTERIOR Transporte ativo 11 2. Produção de energia por transporte de elétrons e fosfori- lação oxidativa A presença dos citocromos e de enzimas da cadeia de transporte de elétrons (ver Capítulo 3) na membrana plasmá- tica lhe confere uma função análoga à da membrana interna das mitocôndrias em células eucarióticas. O transporte de elétrons por fotossíntese em certas bactérias também ocorre na membrana citoplasmática que substitui, em parte, a função dos cloroplastos em algas e plantas. 3. Biossíntese As enzimas de síntese dos lipídeos da membrana e de várias classes de macromoléculas componentes de outras estruturas externas à membrana (peptidioglicano, ácidos teicoicos, lipopolissacarídeos e polissacarídeos extracelu- lares) estão ligadas à membrana citoplasmática. Uma vez sintetizadas, estas macromoléculas são permeadas para o lado externo pelos canais chamados junções de Bayer (Figura 2.6). Estes são formados por prolongamentos da membrana citoplasmática que se unem à membrana externa de bactérias Gram-negativas, estabelecendo assim um contato entre o citoplasma e o limite externo da célula. 4. Duplicação do DNA Algumas das proteínas do complexo de duplicação e se- paração do DNA estão localizadas na membrana plasmática. 5. Secreção A membrana está envolvida na secreção de enzimas hi- drolíticas que têm como função romper as macromoléculas do meio fornecendo subunidades que servirão como nutrien- tes. Outras macromoléculas, como toxinas, bacteriocinas, penicilinases, podem ser excretadas através da membrana plasmática. Mesossomos — A membrana citoplasmática pode apre- sentar invaginações múltiplas que formam estruturas espe- cializadas denominadas mesossomos. Existem dois tipos: a) septal, que desempenha importante papel na divisão celular, pois, após a duplicação do DNA, ao qual se encontra ligado, atua como o fuso no processo de divisão na célula eucarióti- ca, separando os dois cromossomos e conduzindo-os para os pólos da célula. Além disso, participa também da formação das paredes transversais; b) lateral, que é encontrado em de- terminada bactéria e parece ter como função concentrar enzi- mas envolvidas no transporte eletrônico, conferindo à célula maior atividade respiratória ou fotossintética (ver Capítulo 3). Parede celular Geralmente, a pressão osmótica do interior das bacté- rias (15 a 20 atmosferas) é muitas vezes superior à do meio externo, de maneira que a tendência da célula a intumescer é grande e, se não fosse a presença da parede celular, as bactérias estourariam. A manutenção da forma bacteriana (bacilo, coco etc.) é devida a esta estrutura. Além disso, a parede desempenhaum papel importante na divisão celular como primer ou iniciadora da sua própria biossíntese, dando origem ao septo que separa as duas novas células oriundas da divisão celular. Figura 2.6 — Junções de Bayer. Exemplo de possível mecanismo de secreção das proteínas que formam a parede das bactérias Gram-negativas. As proteínas são sintetizadas em nível da membrana plasmática e, através das junções de Bayer, são transferidas para o lado externo da célula. NH2 Junção de Bayer Membrana plasmática Periplasma Peptideoglicano Membrana externa 12 Estrutura química Como mostra a Figura 2.7, as paredes de bactérias Gram-negativas e Gram-positivas apresentam diferenças marcantes. Bactérias Gram-negativas possuem uma parede composta de várias camadas que diferem na sua composição química e, consequentemente, é mais complexa que a parede das Gram-positivas que, apesar de mais espessa, apresenta predominantemente um único tipo de macromolécula. O conhecimento das diferenças entre as paredes de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas é da mais alta relevância para o estudo dos mecanismos de ação dos antibióticos e quimioterápicos, de patogenicidade e de outros tantos as- suntos que estarão relacionados diretamente à composição química e estrutura da parede bacteriana. Na maioria das bactérias, a parede celular deve a sua rigidez a uma camada composta de uma substância somente encontrada em procariotos e que recebe diferentes deno- minações como mureína, mucopeptídio, mucocomplexo, peptidioglicano, peptideoglicano, glicopeptídeo ou glicopep- tídio. O peptidioglicano representa a maior parte da parede das bactérias Gram-positivas, atingindo de 45% a 50% da massa seca da célula, ao passo que nas Gram-negativas não ultrapassa 5% (Figuras 2.7A e 2.7B). Trata-se de uma macromolécula formada por um arcabouço composto de Figura 2.7 — Representação esquemática das diferenças estruturais entre as paredes de bactérias Gram-positivas (A) e Gram-negativas (B). Proteína de superfície A PAREDE CELULAR MEMBRANA CITOPLASMÁTICA B Porina MEMBRANA EXTERNA PERIPLASMA MEMBRANA CITOPLASMÁTICA Antígeno O Lipídeo A LPS Peptídeoglicano LPSLipoproteína Proteína receptora Peptídeoglicano LTA Ácido teicóico 13 uma alternância de N-acetil-glicosamina (NAG) e ácido N-acetilmurâmico (NAM). A este último encontram-se ligadas, covalentemente, cadeias laterais de tetrapeptídios (CLT). A maior parte dos CLTs conhecidos é composta de L-alanina, D-glutamato, mesodiaminopimelato (ou outro aminoácido diamínico) e D-alanina (Figuras 2.8A, B, e C). As CLTs podem-se interligar diretamente como na maio- ria das bactérias Gram-negativas ou por meio de outros aminoácidos como ocorre nas bactérias Gram-positivas. O arcabouço é o mesmo na maioria das espécies bacterianas (ver exceções na Tabela 1.1), porém a composição dos te- trapeptídios pode variar parcialmente conforme a espécie. A ligação entre duas cadeias laterais (CLTs) ocorre, na maioria das vezes, entre o quarto aminoácido de uma e o terceiro aminoácido da outra, que, obrigatoriamente, deve ser um aminoácido diamínico para que possa ocorrer a dupla ligação peptídica. O número de interligações entre as CLTs em bactérias Gram-positivas é bem superior ao encontrado em bactérias Gram-negativas (Figuras 2.8A e B). Embora as ligações glicosídicas entre NAG e NAM sejam ligações NAG CH2OH NAM CH2OH NAG CH2OH NH C = O O = C CH3H3C CHNH OH C = O O O OH OH O O O NH C = O CH3 O CH3 CH2OH NAM CH2OH NAG NH C = O C = O CH3 CH3H3C CH O OH OH O O O O NH C = O CH3 O Figura 2.8 — Esquema do peptideoglicano de bactérias Gram-positivas (A), Gram-negativas (B) e (C) uma unidade do peptideoglicano formada pela alternância de ácido N-acetilglicosamina (NAG) e ácido N-acetilmurâmico (NAM). Ao NAM encontram-se ligadas às cadeias laterais de tetrapeptídios (CLTs): L-alanina (L-ala); D-glutamato (D-glu); meso-diaminopimelato (meso-DAP) e D-alanina (D-ala). L-alanina D-glutamato Meso-diaminopimelato D-alanina D-alanina Meso-diaminopimelato D-glutamato L-alanina Cadeia Lateral de Tetrapeptídeos - CLT 14 fortes, apenas estas cadeias não são capazes de prover toda a rigidez que esta estrutura proporciona. A total rigidez do peptidioglicano é atingida quando estas cadeias são interli- gadas pelos aminoácidos. A forma da célula é determinada pelo comprimento das cadeias do peptidioglicano e pela quantidade de interligações existentes entre estas cadeias. Componentes característicos da parede das bactérias Gram-positivas Nas bactérias Gram-positivas, 70 a 75% da parede são compostos de peptideoglicano. Além desta macromolécula, encontramos proteínas e ácidos teicoicos que podem repre- sentar até 50% da massa seca da parede (Figura 2.7A). O termo ácido teicoico inclui todos os polímeros formados por resíduos de glicerol ou ribitol unidos por ligações fosfodiés- ter, sejam eles encontrados na parede, sejam encontrados na membrana plasmática da célula. Todavia, os ácidos teicóicos têm sido divididos em dois tipos: ácidos teicoicos de parede ligados ao peptidioglicano e ácidos lipoteicoicos (LTA) que, apesar de serem encontrados ao longo da parede, encon- tram-se intimamente ligados à fração lipídica da membrana plasmática (Figura 2.7A). Suas propriedades são: a) facilitar a ligação e a regulação da entrada e saída de cátions na célu- la, graças ao grupo fosfato que confere uma carga negativa à molécula que se encontra voltada para o lado externo da célula; b) regular a atividade das autolisinas durante o processo de divisão celular. Quando uma célula bacteriana se prepara para se dividir, ocorre o crescimento da parede celular e enzimas denominadas autolisinas atuam sobre o peptidioglicano no sentido de romper seus componentes em pontos específicos, permitindo assim a inserção de novas subunidades. Os ácidos teicoicos atuam na regulação da atividade destas autolisinas, impedindo que quebras exces- sivas ocorram, provocando a lise celular; c) constituir sítios receptores de bacteriófagos; d) servir de sítio de ligação com o epitélio do hospedeiro em algumas bactérias patogênicas. Por exemplo, em Streptococcus pyogenes o ácido lipotei- coico, juntamente com a proteína M, facilita a ligação da bactéria ao receptor da mucosa respiratória; e) constituir, graças à sua localização na célula, importantes antígenos celulares tornando possível a identificação sorológica de muitas bactérias Gram-positivas. Componentes característicos da parede das bactérias Gram-negativas A parede das bactérias Gram-negativas é mais comple- xa. É formada por uma ou poucas camadas de peptideogli- cano e por uma membrana externa. O espaço que separa a membrana citoplasmática da membrana externa é chamado espaço periplasmático (Figura 2.7B). As características ge- rais do peptideoglicano foram descritas, mas é importante destacar que a união entre cadeias paralelas de NAG e NAM é feita diretamente pelas ligações peptídicas entre o terceiro diaminoácido de uma cadeia e o quarto aminoácido da ca- deia adjacente, tornando-as mais compactas (Figura 2.8B). O peptidioglicano liga-se à membrana externa por uma lipo- proteína (ver adiante) e está embebido no gel periplasmático que contém alta concentração de enzimas degradadoras e proteínas de transporte. Devido à menor concentração de peptideoglicano, a parede das bactérias Gram-negativas é mais suscetível a quebras quando comparadas à de bactérias Gram-positivas. Os ácidos teicoicos não estão presentes em bactérias Gram-negativas. Membrana externa Como a maioria das membranas biológicas, a membrana externa das bactérias Gram-negativas é formada por dupla camada lipídica. Caracteristicamente, possui uma camada interna composta basicamente de fosfolipídeos, e uma exter- na contendo lipopolissacarídeos e proteínas. Como todas as bicamadas lipídicas, possuem o interior hidrofóbico devido às cadeias de ácidos graxos. A parte polissacarídicaexterna constitui um ambiente hidrofílico (Figura 2.7B). Lipopolissacarídeo (LPS) — É constituído de um lipí- deo complexo (lipídeo A), ao qual está ligado um polissaca- rídeo chamado antígeno O ou antígeno somático. Os açúca- res que formam a cadeia lateral deste polissacarídeo variam de espécie para espécie e, por isso, são responsáveis pelas características antigênicas em bactérias Gram-negativas. O LPS é chamado também endotoxina, pois é tóxico, provo- cando muitas vezes respostas fisiológicas, como febre em animais, incluindo o homem (Figura 2.7B). Proteínas — Como a membrana citoplasmática, a mem- brana externa das bactérias Gram-negativas é um mosaico fluido com um conjunto de proteínas imersas na matriz lipídica (Figura 2.7B). As principais proteínas com funções conhecidas são: a) Porinas: proteínas triméricas que formam poros que pro- piciam a passagem passiva de solutos. b) Proteínas da membrana externa (outer membrane pro- teins — OMPs): estruturalmente diferentes das porinas, também estão envolvidas no transporte de alguns solutos, além de funcionarem como receptores da fímbria sexual (ver item 4) e de bacteriófagos. c) Lipoproteínas: proteínas com função estrutural, cuja parte proteica está covalentemente ligada ao peptideoglicano e à parte lipídica imersa na camada interna de fosfolipídeo da membrana externa, fazendo uma ponte entre os dois componentes. A presença da membrana externa em bactérias Gram- negativas confere características bastante peculiares quando comparadas com as bactérias Gram-positivas. Assim, a forte carga positiva proveniente dos polissacarídeos localizados na membrana externa constitui fator importante na evasão des- tas bactérias à ação de células fagocitárias e ao complemento durante a invasão de um hospedeiro. Além disso, a membrana externa constitui uma barreira adicional à entrada de algumas substâncias como antibióti- cos (por exemplo: penicilina), lisozima, detergentes, metais pesados, sais de bile, enzimas digestivas e alguns corantes. Todavia, a membrana externa não constitui barreira para todas as substâncias do meio, visto que nutrientes passam através dela para chegar à membrana plasmática onde serão transportados para dentro da célula. Esta permeabilidade 15 parcialmente seletiva se deve, sobretudo, à existência das porinas. A passagem de substâncias pelos canais formados por estas proteínas não é específica e, ao contrário, é regula- da pelo tamanho da substância. A existência da membrana externa confere à bactéria uma barreira hidrofóbica adicional dificultando a penetra- ção de algumas substâncias. Sabe-se, por exemplo, que alguns antibióticos como eritromicina e actinomicina, assim como alguns corantes (cristal violeta), metais pesados e sais biliares, não penetram na parede das Gram-negativas tão facilmente quanto o fazem em Gram-positivas. Espaço periplasmático (Figura 2.7B) Espaço compreendido entre as membranas externa e plasmática. Além do peptideoglicano, contém uma série de enzimas e proteínas, tais como: a) enzimas hidrolíticas (proteases, nucleases, lipases), responsáveis pela quebra de macromoléculas, às quais a membrana citoplasmática é impermeável. Produzem, assim, moléculas menores que podem ser transportadas para o interior da célula; b) enzimas capazes de inativar drogas, tornando a célula resistente a elas. Ex. beta-lactamase (inativa penicilina e outros beta-lactâmicos); c) proteínas transportadoras de solutos que participam do transporte de substâncias para o interior das células. Protoplastos e esferoplastos A remoção da parede celular bacteriana pode ser conse- guida com a hidrólise pela lisozima que rompe as ligações glicosídicas entre NAG e NAM, ou pelo bloqueio da síntese do glicopeptídio com o auxílio de um antibiótico como a penicilina (Figura 2.8). Em meios isotônicos, esses tratamentos originam os pro- toplastos em bactérias Gram-positivas (formas esféricas) e os esferoplastos em bactérias Gram-negativas (formas esfé- ricas que conservam a membrana externa). Os protoplastos e os esferoplastos são interessantes instrumentos para o estudo de função de parede e de engenharia genética em bactérias. Bactérias com paredes de composição química diferente ou sem parede a) Arqueobactérias: não possuem peptideoglicanos típicos com ácido N-acetilmurâmico e D-aminoácidos, caracte- rísticos das eubactérias. Algumas possuem paredes com- postas exclusivamente de N-acetilglicosamina e outras apenas de proteínas. b) Mollicutes: não possuem parede celular e seu citoplasma é limitado apenas por uma bicamada fosfolipídica asso- ciada a proteínas. c) Formas L: células sem parede originadas de bactérias Gram-positivas ou Gram-negativas selecionadas pelo uso de agentes que destroem a parede (lisozima ou penicili- na). Uma vez isoladas, podem ser estáveis (permanecem sem parede na ausência do agente) ou instáveis (quando voltam a sintetizar a parede). Cápsula, Camada Mucosa e Camada S Vários procariotos sintetizam polímeros orgânicos que são depositados para fora da parede e são chamados substân- cias poliméricas extracelulares (SPE) (Figura 2.3). O termo cápsula é restrito a uma camada que fica ligada à parede celular como um revestimento externo de extensão limitada e estrutura definida. No entanto, as SPEs podem for- mar uma massa amorfa mais dispersa, parcialmente desligada da célula e chamada, então, camada mucosa. Ambos os envol- tórios, com raras exceções, são de natureza polissacarídica. A camada S, encontrada, sobretudo nas arqueobactérias, é composta de proteínas ou glicoproteínas ligadas à parede. Parece ser responsável pela sustentação da célula em bacté- rias que não possuem um peptideoglicano verdadeiro. Apesar de não serem essenciais à vida da célula, as substâncias poliméricas extracelulares podem desempenhar papéis muito importantes para as bactérias: a) Reservatório de água e nutrientes: visto serem formadas por macromoléculas muito hidratadas, servem como proteção contra dessecação do meio e podem ser fonte de nutrientes. b) Aumento da capacidade invasiva de bactérias patogêni- cas: as bactérias encapsuladas são escorregadias e esca- pam à ação dos fagócitos. Assim, a perda da cápsula pode resultar na perda do poder invasor e, em alguns casos, da patogenicidade, como ocorre com Streptococcus pneumo- niae (ver Capítulo 24). c) Aderência: as cápsulas possuem receptores específicos que servem como sítios de ligação com outras superfícies. Algumas consequências advêm deste fato: 1) Formação de biofilmes — por causa dos SPEs, bactérias podem produzir os biofilmes capazes de aderir a diferentes su- perfícies como o interior de vasos sanguíneos e cateteres. Os biofilmes também têm sido responsáveis por inúmeros problemas nas indústrias, pois são aglomerados microbia- nos com atividade corrosiva, causando perfurações nas tubulações. O vazamento de materiais, como óleo, por exemplo, através destes furos, resulta não só em perda econômica como também em fator poluente para o meio ambiente. O processo, chamado mineralização, consiste na transformação microbiana da matéria orgânica e que, neste caso, fica retida nos filmes em compostos inorgâni- cos. 2) Aumento do poder infectante de alguns tipos de bactérias. Exemplos: bactérias simbiônticas, fixadoras de nitrogênio, como as do gênero Rhizobium, ligam-se através das SPEs à superfície de raízes de leguminosas; bactérias formadoras de cáries (Streptococcus mutans) produzem um polissacarídeo extracelular que se liga ao esmalte do dente e promove o acúmulo de outros micro- -organismos. Quanto maior o número de bactérias lácticas aderidas, maior a produção de ácido pela fermentação microbiana da sacarose, resultando na desmineralização do esmalte do dente. d) Aumento da resistência microbiana a biocidas: a ação de biocidas que normalmente atuam sobre micro-organismos se torna mais difícil quando estes formam o biofilme. Por isso,está em desenvolvimento a pesquisa de novos 16 produtos capazes de agir especificamente sobre micro-or- ganismos formadores de biofilmes. e) Produção industrial de SPEs: polissacarídeos extracelula- res de micro-organismos têm sido produzidos e utilizados industrialmente como espessantes de alimentos, tintas etc. Quando purificados, têm sido empregados como substi- tuintes de plasma sanguíneo (exemplo: dextrano). Flagelos O flagelo bacteriano confere movimento à célula e é formado de uma estrutura basal, um gancho e um longo filamento externo à membrana (Figura 2.9). O filamento é composto de um único tipo de proteína chamado flagelina. O comprimento de um flagelo é geralmente maior que o da célula, mas seu diâmetro é uma pequena fração do diâmetro celular. Nem todas as bactérias possuem flagelos. Nas eubactérias de interesse médico, pode-se generalizar, afirmando que muitas espécies de bacilos apresentam flage- los, mas raramente eles ocorrem nos cocos. A localização (polares ou peritríquios) (Figura 2.10) e o número de flagelos são utilizados na classificação das bactérias em certos grupos taxonômicos. Os flagelos são Figura 2.9 — Modelo de um flagelo de uma bactéria Gram-negativa. Os anéis L e P estão associados à membrana externa e ao peptidioglicano. Os anéis M e S estão associados com a membrana plasmática. Figura 2.10 — Localização e número de flagelos em diferentes bactérias. (A) Polar com um único flagelo. (B) Polar com vários flagelos. (C) Peritríquio com muitos flagelos. Filamento Anel P Gancho Anel L Membrana externa Peptidioglicano Membrana plasmática Anel S Anel M 17 muito finos e apenas com o aumento do seu diâmetro por meio de colorações especiais podem ser visualizados em microscópio óptico. Os flagelos movimentam-se em velocidades muito elevadas, causando deslocamento das bactérias ao longo de distâncias muito superiores ao seu comprimento. Algumas bactérias movimentam-se por meios diferentes da ativida- de flagelar como as Myxobacterales que deslizam sobre a superfície de um meio sólido com movimentos sinuosos. A velocidade destas bactérias é de apenas alguns micrômetros por segundo. O movimento que algumas bactérias realizam, esti- muladas por fatores físicos ou químicos, é chamado taxia. Quando o agente estimulante é a luz, trata-se de fototaxia; quando o agente é químico, quimiotaxia. Fímbrias, Pelos ou “Pili” Muitas bactérias Gram-negativas são dotadas de apên- dices filamentosos proteicos que não são flagelos. Tais apêndices, chamados fímbrias (ou pelos), são menores, mais curtos e mais numerosos que os flagelos e não formam ondas regulares (Figura 2.3). As fímbrias podem ser vistas apenas sob microscopia eletrônica. Não desempenham nenhum papel relativo à mobilidade, pois são encontradas tanto em espécies móveis como nas imóveis. Há, contudo, várias funções associadas com diferentes tipos de fímbrias. Um tipo, conhecido como fímbria F ou fímbria sexual, serve como condutor de material genético durante a conjugação bacteriana (ver Capítulo 5). Outros tipos funcionam como sítios receptores de bac- teriófagos e como estruturas de aderência às células de ma- míferos e a outras superfícies. Esta propriedade de aderência a superfícies, atribuída às fímbrias, pode ser importante para as bactérias em seu ambiente natural, pois permite sua fixação aos tecidos, por exemplo, dos quais obtém seus nu- trientes (ver Capítulo 17). Nucleoide O nucleoide procariótico ou o DNA bacteriano, quando devidamente corado, pode ser visualizado com o auxílio do microscópio óptico. Micrografias eletrônicas revelam a au- sência de uma membrana nuclear e de um aparelho mitótico. A região nuclear é preenchida por fibrilas de DNA dupla hélice na forma de uma única molécula de aproximadamente 1 mm de comprimento (desdobrada) e peso molecular de 2 a 3 x 109d. O DNA com carga negativa é neutralizado, pelo menos parcialmente, por poliaminas pequenas e pelo íon magnésio. Entretanto, foram descobertas proteínas semelhantes às histonas de mamíferos e, provavelmente, elas desempenham um papel semelhante ao das histonas na cromatina eucariótica. Plasmídios No citoplasma das bactérias podem existir moléculas de DNA circulares, menores que o cromossomo, cujos genes não determinam características essenciais, porém, muitas ve- zes, conferem vantagens seletivas às células que as possuem (Figura 2.3). Estes elementos, denominados plasmídios, são capazes de autoduplicação independente da replicação cromossômica e podem existir em número variável (ver Capítulo 5). Exemplos de plasmídios: fatores sexuais (fator – F), fatores de resistência a antibióticos (fator – R), plasmídio de fixação de N2 ,etc. Componentes Citoplasmáticos O citoplasma da célula bacteriana é uma solução aquosa limitada pela membrana plasmática. Imersas no citoplasma existem partículas insolúveis, algumas essenciais (ribosso- mos e nucleoide) e outras encontradas apenas em alguns grupos de bactérias, nos quais exercem funções especializa- das como os grânulos e os vacúolos gasosos. Ribossomos Partículas citoplasmáticas onde ocorre a síntese proteica. São compostos de RNA (60%) e proteína (40%). Em pro- cariotos, possuem coeficiente de sedimentação de 70S e são compostos de duas subunidades, 30S e 50S. Embora a estrutura e o tamanho dos ribossomos sejam diferentes entre procariotos e eucariotos, sua função é a mesma. Grânulos Os grânulos e as partículas citoplasmáticas podem ser visualizados utilizando-se colorações especiais e micros- copia óptica comum. A natureza química destas estruturas varia de bactéria para bactéria, a sua função, porém, é quase sempre a de substância de reserva e subunidades de macro- moléculas para compor outras estruturas celulares. Uma das granulações mais comuns em procariotos é composta de poli-β-hidroxibutirato (PHB), um composto lipídico formado por subunidades de ácido β-hidroxibutírico unidas por ligações do tipo éster. Existe um considerável interesse na exploração comercial de PHB, pois suas pro- priedades físicas conferem-lhe uma consistência de plástico. A produção industrial deste polímero a partir de culturas de micro-organismos armazenadores pode gerar plásticos biodegradáveis. Outros polímeros são produzidos e armazenados por micro-organismos: glicogênio, amido e polifosfatos (grânu- los metacromáticos). O armazenamento de substâncias na forma de políme- ros insolúveis permite o acúmulo de reservas sem elevar a pressão osmótica interna da célula. Se o mesmo número de subunidades estivesse presente na forma de monômeros, ocorreria um aumento na pressão osmótica intracelular intolerável pela célula. Mesmo se considerarmos que certa quantidade de energia é gasta para a formação dos políme- ros, os benefícios para a célula superam este fato, uma vez que, oportunamente, podem ser oxidados para a produção de ATP, provendo, assim, a viabilidade celular, ainda que sem multiplicação. 18 Vacúolos gasosos Os vacúolos gasosos são encontrados no citoplasma de organismos procarióticos que vivem flutuando em lagos, rios ou mares. A membrana destes vacúolos, em vez de ser constituída por bicamadas lipídicas como as outras membra- nas, é composta apenas de unidades repetidas de proteína, organizadas de maneira a formar uma estrutura rígida so- mente permeável a gases e impermeável a água ou solutos. A rigidez da membrana e o tamanho da vesícula variam de organismo para organismo e parecem ser determinadas pela combinação das médias da pressão osmótica e hidrostática à qual o organismo é submetido no seu hábitat. Esporos bacterianos Os endósporos são estruturas formadas por algumas espécies de bactérias Gram-positivas, sobretudo dos gêne- ros Clostridium e Bacillus, quando o meio se torna carente de água ou de nutrientes essenciais. Assim, a formação do esporo em procariotos é um tipo de diferenciação celular que ocorre como resposta a uma situação desfavoráveldo meio ambiente. Bactérias capazes de esporular são mais comumente encontradas no solo. O processo de formação do esporo dentro de uma cé- lula vegetativa é chamado esporogênese (Figura 2.11). As mudanças estruturais que ocorrem durante a transformação da célula vegetativa em esporo podem ser estudadas pela microscopia eletrônica. Sob determinadas circunstâncias, em vez de dividir, a célula passa por uma série de eventos que terminam com a formação do esporo. Nos primeiros estágios, uma pequena porção do citoplasma é isolada por um crescimento da membrana citoplasmática (estágios II e III). Forma-se, então, o pré-esporo composto de uma dupla membrana que circunda o cromossomo e o citoplasma. Então, camadas de peptidioglicano são sintetizadas entre as duas membranas, em seguida formam-se as capas do esporo compostas de proteínas. A maior parte da água do citoplasma é eliminada quando se completa a esporogênese. Assim, as reações metabólicas só ocorrem em níveis quase impercep- tíveis. O pré-esporo desidratado contém apenas DNA, RNA, Figura 2.11 — Formação do endósporo. Estágio 0 — Célula vegetativa contendo dois genomas. Estágio I — Forma-se um filamento composto de dois cromossomos. Estágios lla e Ilb — Um septo assimétrico divide o protoplasma em duas partes. O protoplasma menor é chamado pré-esporo. A membrana plasmática do protoplasma invagina e engloba o pré-esporo. Estágios Illa e Illb — O pré-esporo é circundado por duas membranas. Estágio IV — Camadas de peptideoglicano modificado são sintetizadas entre as duas membranas formando uma camada rígida chamada córtex. Estágios V e VI — Formam-se o exosporium e a capa do esporo contendo muitas camadas de proteína. Estágio VIl — O esporo maduro é liberado por desintegração da célula vegetativa que lhe deu origem. Estágio 0 Estágio I Estágio IIa Estágio IIb Estágio IIIa Estágio IIIb Estágio IV Estágios V-VI Estágio VII Exosporium Capa do esporo Córtex Citoplasma Membrana plasmática 19 poucos ribossomos, enzimas e algumas moléculas pequenas, porém importantes. Nestas estão incluídas grande quantidade de ácido dipicolínico, junto com grandes quantidades de íons cálcio. O ácido dipicolínico, combinado com o cálcio, é característico do endósporo bacteriano, pois foi encontrado em todos os endósporos examinados e não está presente na célula vegetativa. Uma vez completada a esporogênese, o esporo é libe- rado no ambiente, podendo sobreviver por muitos anos sob condições de extremo calor, ausência de água e presença de radiações e substâncias químicas tóxicas. Mecanismo de Resistência do Esporo e sua Importância A descoberta da existência dos endósporos associada às suas características de resistência foram de grande importân- cia para a microbiologia, sobretudo do ponto de vista clínico e da indústria de alimentos, pois processos capazes de matar células na forma vegetativa não são suficientes contra a célula na forma esporulada. Assim, enquanto a maioria das células na forma vegetativa é morta com temperaturas em torno de 70°C, os endósporos podem sobreviver por horas em água fervente. Os endósporos de bactérias termofílicas podem sobreviver em água fervente por 19 horas. A resistência ao calor parece estar associada ao grau de desidratação do esporo, e existem já fortes razões para se acreditar que o dipicolinato de cálcio tem um papel impor- tante nesta característica. As substâncias químicas que têm efeitos deletérios sobre as bactérias na forma vegetativa agem, normalmente, causando quebra/denaturação/hidrólise de proteínas ou en- zimas ou de ácidos nucléicos. Os esporos apresentam menor suscetibilidade a estes agentes, provavelmente por causa da ausência de água necessária à hidrólise. O esporo não ocorre em todas as espécies bacterianas. A maior parte das espécies, cujos hospedeiros naturais são os animais, incluindo humanos, não forma esporos, pois habita áreas geralmente bastante favoráveis para o desenvolvimento da forma vegetativa. Espécies formadoras de esporo são mais comumente encontradas no solo, como muitos Bacillus, Clostridium, Sporosarcina e Streptomyces. Com exceção do Streptomyces, todas estas espécies produzem esporos sem função reprodutora. Streptomyces produz seus esporos em estruturas especializadas (hifas multinucleadas), esporos estes que, neste caso, constituem o seu modo de reprodução. Algumas espécies bacterianas formadoras de endósporos são muito importantes como patógenos, como por exemplo, Bacillus anthracis, Clostridium tetani, Clostridium perfrin- gens e Clostridium botulinum. O primeiro provoca uma do- ença fatal em gado, o segundo é o agente etiológico do téta- no, o terceiro um dos agentes da gangrena gasosa e o último produz toxinas altamente letais causadoras do botulismo. Bibliografia 1. Henderson B, Wilson M, McNab R, Lax AJ. Cellular micro- biology, bacteria-host Interactions in health and disease. New York: Wiley; 2000. 2. Schaechter M, Ingraham JL, Neidhardt FC. Microbe. Washing ton DC: ASM Press; 2006. 21 3 Basicamente as necessidades nutritivas dos micro- -organismos são as mesmas de todos os seres vivos que, para renovarem seu protoplasma e exercerem suas atividades, exigem fontes de energia e fontes de material plástico. Nos seres superiores, todavia, encontramos apenas dois tipos nutritivos: a) os vegetais que são fotossintéticos, isto é, obtêm ener- gia da luz solar, e autotróficos, nutrindo-se exclusivamente de substâncias inorgânicas; b) os animais que são quimiotróficos, pois obtêm energia à custa de reações químicas, e heterotróficas, por exigirem fontes orgânicas de carbono. Em relação aos micro-organismos, principalmente às bactérias, há uma variedade de tipos intermediários entre os dois tipos mencionados, como veremos a seguir. Fontes de Energia As algas e algumas bactérias são fotossintéticas. Nas algas e cianobactérias, o pigmento principal é a clorofila a como nas plantas; durante o processo, a água é utilizada como doadora de elétrons com desprendimento de oxigênio. Esse processo é importantíssimo e cerca de 50% do oxigênio atmosférico existente provém dele. Em outro grupo de bac- térias, o pigmento fotossintético não é a clorofila vegetal e sim a bacterioclorofila; neste, não há produção de oxigênio, pois a água não é utilizada como fonte de elétrons. Bactérias que utilizam compostos inorgânicos (H2S, por exemplo) para esse fim são chamadas de litotróficas; as organotróficas são as que exigem doadores orgânicos de elétrons. A grande maioria das bactérias é quimiotrófica, obtendo energia à custa de reações químicas nos quais substratos adequados são oxidados. As litotróficas oxidam compostos inorgânicos, enquanto as organotróficas oxidam compostos orgânicos. No primeiro grupo, encontramos bactérias de considerável importância industrial, como, por exemplo, as do gênero Thiobacillus que são capazes de oxidar enxofre, produzindo ácido sulfúrico. São, por isso, utilizadas na lixiviação de metais ou minérios pobres, como de cobre ou de urânio, nos quais o processo químico usual de extração Nutrição e Metabolismo Bacterianos Flavio Alterthum seria pouco econômico. No segundo grupo (organotróficas), encontramos um grande número de bactérias e todas as de interesse médico. Fontes de Material Plástico Para a renovação da matéria viva, os elementos quími- cos quantitativamente mais importantes são: carbono, hidro- gênio, oxigênio, nitrogênio, enxofre e o fósforo. Fontes de carbono. Para as autotróficas, a única fonte de carbono é o CO2 ou o íon bicarbonato a partir dos quais conseguem sintetizar todos os compostos orgânicos de que necessitam. Alguns grupos de bactérias são heterotróficas, exigindo fontes orgânicas de carbono; destas, as mais co- muns são os carboidratos, particularmente D-glicose, amino- ácidos, ácidos monocarboxílicos, lipídeos, álcoois e mesmo polímeros como amido e celulose podem ser utilizados. Na realidade, qualquer composto orgâniconatural e muitos sintéticos podem ser utilizados por algum micro-organismo. Essa versatilidade é de uma extraordinária importância, permitindo o emprego de micro-organismos numa extensa série de transformações úteis para o homem. Na maior parte das vezes, o mesmo composto é usado para obter energia e esqueletos de carbono. Além disso, al- gumas bactérias heterotróficas são também capazes de fixar CO2 (muitas o exigem em quantidades maiores), embora não como fonte única de carbono. Os elementos químicos oxigênio e hidrogênio geralmente fazem parte dos compos- tos orgânicos. Fontes de nitrogênio. Quanto à necessidade de nitro- gênio há, em linhas gerais, três categorias; algumas bacté- rias retiram o nitrogênio diretamente da atmosfera (N2) e o converte a nitrogênio orgânico. Essa “fixação” de nitro- gênio é exercida, por exemplo, por bactérias dos gêneros Azotobacter e Rhizobium. Estas últimas executam esta ati- vidade em simbiose com plantas leguminosas num processo de considerável importância econômica, pois contribuem de maneira significativa na fertilidade e produtividade do solo. A quase totalidade das bactérias utiliza compostos 22 inorgânicos de nitrogênio, em especial sais de amônio e ocasionalmente nitratos (raramente nitritos). Algumas bac- térias exigem fontes orgânicas de nitrogênio, representadas por um número variável de aminoácidos. De modo geral, a adição de aminoácidos ou hidrolisados de proteínas favorece o crescimento da maioria das bactérias heterotróficas. Íons inorgânicos essenciais. Além de carbono e nitro- gênio, as bactérias exigem uma série de outros elementos químicos sob a forma de compostos inorgânicos. Alguns são necessários em quantidades apreciáveis — macronutrientes —, enquanto, de outros, bastam traços — micronutrientes. Entre os primeiros temos o fósforo, sob a forma de fosfatos, importante no metabolismo energético e na síntese de ácidos nucléicos: o enxofre, necessário por fazer parte de aminoá- cidos como cistina e cisteína e para a síntese de vitaminas como biotina e tiamina; o potássio, ativador de enzimas e regulador da pressão osmótica; o magnésio, ativador de enzi- mas extracelulares e fator importante na síntese de proteínas e união das frações ribossômicas; o ferro, componente dos citocromos, de algumas proteínas e de certos pigmentos. O papel de cada micronutriente não é tão bem conhecido, dadas as dificuldades de seu estudo. Tem-se, todavia, de- monstrado, em casos específicos, a necessidade de elementos como cobre, cobalto, zinco, manganês, molibdênio, sódio e muitos outros. Fatores de crescimento. Denominam-se fatores de cres- cimento os compostos orgânicos indispensáveis a um determi- nado micro-organismo, mas que ele não consegue sintetizar. Tais fatores, portanto, devem estar presentes no meio para que o micro-organismo possa crescer. Muitos desses fatores são vitaminas, em especial do complexo B; outras vezes, são aminoácidos, nucleotídeos e ácidos graxos. As necessidades dos micro-organismos, nesse particular, são variadíssimas. Um dos aspectos importantes dessa indispensabilidade resulta do fato de que, quando um micro-organismo exige um determinado fator, seu crescimento será limitado pela quantidade do fator presente no meio. Dentro de certos li- mites, o crescimento será proporcional ao teor do composto limitante. Isso permite a elaboração de um método de dosa- gem de certos compostos, como vitaminas e aminoácidos, baseado na medida do crescimento microbiano. Este é o fundamento da dosagem microbiológica. Água A água não constitui um nutriente, mas é absolutamente indispensável para o crescimento, e é múltiplo seu papel. As bactérias se nutrem pela passagem de substâncias em solu- ção através da membrana citoplasmática. A água é o solvente universal. Além disso, a água exerce função primordial na regulação da pressão osmótica e, pelo seu elevado calor es- pecífico, na regulação térmica. A maior parte das bactérias, especialmente as que não esporulam, morre rapidamente pela dessecação. Tabela 3.1 Composição Química da Célula Bacteriana Macromoléculas Massa Seca (%) Massa/Célula x 10-15g Peso Molecular Número de Molécu- las/Célula Diferentes Tipos de Moléculas Proteína 55,0 155,0 4.0 x 104 2.360.000 1.050 RNA (total)** 20,5 59,0 23rRNA 31,0 1.0 x 106 18.700 1 16rRNA 16,0 5 x 105 18.700 1 5rRNA 1,0 3.9 x 104 18.700 1 Transportador 8,6 2.5 x 104 205.000 60 Mensageiro 2,4 1.0 x 106 1.380 400 Regulatório Variável ? DNA 3,1 9,0 2.5 x 109 2.13 1 Lípide 9,1 26,0 705 22.000.000 4* Lipopolissacarídeo 3,4 10,0 4346 1.200.000 1 Mucocomplexo 2,5 7,0 (904)n 1 1 Glicogênio 2,5 7,0 1.0 x 106 4.360 1 Total de macromoléculas 96,1 273,0 Material em solução: 2,9 8,0 Subunidades 7,0 Vitaminas metabólitos 1,0 Íons inorgânicos 1,0 3,0 Massa seca – total 100,0 284,0 Massa de uma bactéria: 9,5 x 10-13g Conteúdo aquoso: 6,7 x 10-13g Massa seca de uma bactéria: 2,84 x 10-13g * Há quatro classes de fosfolipídeos, cada uma delas com composições variáveis de ácidos graxos. ** Além dos mensageiros, ribossômicos e transportadores ainda há os regulatórios em quantidades variáveis. 23 Oxigênio Atmosférico Como a água, o oxigênio atmosférico não é um nutrien- te e funciona apenas como receptor final de hidrogênio nos processos de respiração aeróbica. Entra na célula por difusão e as bactérias têm comportamentos diferentes na presença de O2 livre: aeróbias exigem a presença de oxigênio livre; algumas, todavia, o exigem em pequena quantidade, não tolerando as pressões normais de O2 atmosférico; são as microaerófilas; anaeróbias estritas não toleram a presença de oxigênio livre, morrendo rapidamente nessas condições; anaeróbias não-estritas não utilizam o oxigênio atmosférico, mas este não é tóxico, e facultativas tanto podem crescer na presença como na ausência de oxigênio livre. Meios de Cultura Nas condições artificiais do laboratório, o crescimento de bactérias é conseguido pela semeadura destas em meios de cultura, cuja composição deve atender aos princípios expostos nos itens anteriores. Dada a variedade de tipos nu- tritivos, é fácil compreender que não há um meio de cultura universal. Muitas vezes, o que é exigido por uma determina- da bactéria inibe totalmente o crescimento de outras; é o que sucede com a matéria orgânica necessária ao crescimento de heterotróficas que, na maioria das vezes, inibe totalmente a proliferação de autotróficas. Assim, para compor um meio adequado, é necessário conhecer a fisiologia das bactérias em estudo. Lembramos que cada micro-organismo duplicado ou multiplicado deve possuir todos os componentes da célu- la original. Para se ter uma idéia aproximada da composição química de uma bactéria, por exemplo, a Escherichia coli, observe a Tabela 3.1. Os números apresentados são válidos para esta bactéria quando cultivada nas condições estabele- cidas (composição do meio de cultura, pH, temperatura etc.); eles não são válidos para outros micro-organismos (outras bactérias ou fungos) e servem apenas de referencial. É pre- ciso salientar que há muitas bactérias para as quais não foi possível descobrir ainda o meio de cultura que permite seu crescimento “in vitro”. Composição dos meios de cultura Basicamente existem dois grandes grupos de meios de cultura: os meios sintéticos e os meios complexos. Chamam- se meios sintéticos aqueles cuja composição química é qualitativa e quantitativamente conhecida. Considere-se, Figura 3.1 — Esquema geral do metabolismo bacteriano. Na+1 Na+1 Mg+2 Mg+2 PO–34 PO–34 H2O C6H12O6 Polissacarídeos Glicose DESVIO DO MONOFOSFATO E.M.P. (via glicolítica) NH+4 Ribose Desoxirribose PO–34 Aldeído 3-fosfoglicérico Glicerol Bases nitrogenadas Ácidos nucléicos Lipídeos RNA Ribossomas ATP Acetil CoA ATP Ácido pirúvico CICLO DE KREBS Aminoácidos Proteínas Enzimas Ácido fólico Ácido α-cetoglutárico CO2 Co-fatores Mn++ Fe++Zn++ Fe++Mn++MEMBRANAZn++MESOSSOMACa+2PAREDECa+2 DNA SO–24SO–24 ATP O2O2 Co+2 Co+2 K+1 K+1 Ácido láctico Etanol Ácido acético Butanol ... 24 por exemplo, o seguinte meio: NH4Cl, 1,0g; K2HPO4, 1,0 g; MgSO4. 7H2O, 0,2 g; FeSO4. 7H2O, 0,01 g; CaCl2, 0,02 g; MnCl2. 4H2O, 0,002 g; NaMoO4. 2H2O, 0,001g; água q.s.p., 1,0 L. Temos aqui um meio que se enquadra na definição de sintético. Também está de acordo com os princípios gerais, já expostos, no que tange à fonte de nitrogênio e íons inor- gânicos; não contém, entretanto, uma fonte de carbono nem fonte de energia. Isso sucede porque o meio foi planejado para a cultura de fotolitotróficas: só contém material inorgânico, a fonte de carbono é o CO2 (proveniente do ar) e a fonte de energia é a luz solar. Para que as bactérias cresçam nesse meio, elas devem ser incubadas em presença de luz e em condições de aerobiose. Se a esse meio de cultura adicionar 0,5 g de glicose, ele continuaria a ser enquadrado na definição de sintético, mas, contendo agora uma fonte orgânica de energia e carbono (glicose), permitirá o crescimento de quimio-organotróficas como, por exemplo, Escherichia coli, habitante normal do intestino dos mamíferos. Trata-se de um organismo de ex- cepcionais capacidades de síntese, pois a partir da glicose e dos sais minerais do meio consegue fabricar todos os com- ponentes do protoplasma. Se quisermos, contudo, cultivar uma bactéria com características nutritivas semelhantes a E.coli, o bacilo tífico (Salmonella typhi), será necessário, além da glicose, adicionar o aminoácido triptofano; S. typhi não consegue sintetizar triptofano, que, para ela, como de- finimos anteriormente, é um fator de crescimento. Outros aminoácidos podem ser incluídos, permitindo o crescimen- to de um número cada vez maior de micro-organismos. O meio, contudo, ainda será considerado como sintético, pois sua composição é sempre bem definida. Se quisermos cultivar micro-organismos mais exigentes nesse meio, podemos enriquecê-lo com substâncias capazes de fornecer uma variedade grande de aminoácidos e vitami- nas como, por exemplo, extrato de carne. Nesse momento, o meio passou a ser complexo, pois contém um produto cuja composição química não é perfeitamente definida, o extrato de carne. Na prática, a maior parte dos meios uti- lizados é do tipo complexo e as mais variadas substâncias podem ser utilizadas na sua composição: peptonas, extrato de leveduras, extratos de órgãos animais como fígado, cora- ção, extratos de vegetais como soja, arroz, ou outras como sangue, soro etc. Estado físico dos meios de cultura os meios de cultura podem ser constituídos simples- mente por soluções aquosas de nutrientes. Geralmente as bactérias têm maior facilidade de iniciar o seu crescimento neste tipo de meio, principalmente se o seu número é de início, pequeno. Quando, todavia, existe mais de um tipo de bactérias no material semeado, o crescimento final será constituído de uma mistura destas, o que impede que se ti- rem conclusões a respeito da natureza e da atividade de cada uma. Para que as características possam ser reconhecidas ou para que a sua atividade possa ser devidamente estudada, a bactéria deve se encontrar em “cultura pura”, isto é, não deve estar misturada a outras. Para que se possa separá-las proveniente de algum ma- terial ou de uma cultura líquida, há necessidade de semeá-las na superfície de um meio sólido. Nesse caso, se o material foi adequadamente diluído e o espalhamento bem feito, cada bactéria estará separada de sua vizinha e, multiplicando-se, formará uma colônia de organismos iguais a ela, visível macroscopicamente e facilmente transferível para novo meio onde crescerão em cultura pura. Os meios sólidos são preparados adicionando-se um agente solidificador às soluções de nutrientes. O agente mais usado é o ágar, polissacarídeo extraído de algas, que funde a 100oC, mas somente solidifica de novo ao redor de 45oC. A adição de 1,5% a 2% de ágar ao meio de cultura líquido é suficiente para a solidificação destes. Meios Seletivos e Diferenciais Meios seletivos são aqueles cujas características impe- dem o crescimento de certos micro-organismos, permitindo apenas o crescimento de outros. O meio descrito ante- riormente é seletivo para fotolitotróficas. Muitas vezes, a seletividade do meio depende da adição de algum composto inibidor dos indesejáveis. Assim, por exemplo, corantes básicos inibem o crescimento de bactérias Gram-positivas, enquanto a azida sódica inibe as Gram-negativas. Meios diferenciais são aqueles que conferem caracte- rísticas especiais às colônias que, em condições normais, seriam idênticas. Assim, bactérias fermentadoras de lactose, semeadas em meio contendo lactose e um indicador, dão colônias de cor diferente das não-fermentadoras, pois, cres- cendo, fermentam a lactose, originando ácido lático, que faz “virar” o indicador. Outros Fatores Envolvidos na Nutrição Temperatura Cada bactéria tem um ótimo de temperatura para ab- sorção de nutrientes que está intimamente relacionado ao crescimento e ao desenvolvimento das culturas. Assim, as bactérias psicrófilas crescem melhor entre as temperaturas de 0ºC a 18ºC; mesófilas entre 25ºC e 40ºC e as termófilas entre 50ºC e 80ºC. Concentração hidrogeniônica (pH) Os valores de pH em torno de 7,0 são os mais adequa- dos para absorção dos nutrientes, embora existam algumas bactérias adaptadas a viver em ambientes ácidos e alcalinos. Enzimas A membrana citoplasmática não permite a passagem de nutrientes de elevado peso molecular, no entanto sabemos que elas podem utilizar amido, proteínas, gorduras e outras macromoléculas. A quebra destas para posterior absorção é feita à custa de enzimas extracelulares ou exoenzimas. É interessante ressaltar que bactérias patogênicas podem e 25 Figura 3.2 — Via glicolítica e desvio do monofosfato. Glicose Glicose – 6 – fosfato NADPH + H+ 6 – fosfogliconolactona NADP+H2O 6 – fosfogliconato Ribulose – 5 – fosfato Gliceraldeído NADPH + H+ NADP+ Ribose – 5 – fosfato Xilulose – 5 – fosfato Sedoheptulose – 7 – fosfato Gliceraldeído – 3 – fosfato Eritrose – 4 – fosfato Via Pentose – Fosfato Frutose – 6 – fosfato Frutose – 1,6 – difosfato Triose – 3 – fosfato 1,3 – Difosfoglicerato 3 – Fosfoglicerato 2 – Fosfoglicerato Fosfoenolpiruvato Piruvato ADP ATP Via Embden-Meyerhof ADP ATP ADP ATP ADP ATP NADH + H+ NAD+Pi CO2+ 26 muitas vezes utilizam esses substratos, que fazem parte de nosso organismo, como alimento. Neste caso, as enzimas acabam se constituindo em fatores de agressividade (virulên- cia). Outras vezes, as exoenzimas são indiretamente meca- nismos de defesa, pois podem inativar antibióticos como as penicilinas, embora novamente a finalidade seja a nutrição. Conservação dos micro-organismos Uma vez isolada uma bactéria em cultura pura, poderá ser necessário conservá-la no laboratório para estudo ou uso futuro. Várias são as técnicas empregadas para tal fim, conforme a natureza do organismo em questão. A técnica mais comum consiste em semear em meio sólido distribuído em tubos e, periodicamente, transferi-la para novo meio. O tempo decorrido de uma transferência para outra dependerá da resistência da bactéria. É conveniente que o metabolismo bacteriano seja reduzido tanto quanto possível, pois, nessas condições, ela permanecerá viável por tempo mais prolon- gado. Para se conseguir tal resultado, há vários recursos que serão aplicados, de acordo com o tipo de bactéria em ques- tão. Uma das técnicas mais simples consiste em se conservar as culturas à temperatura de geladeira; há micro-organismos que permanecem viáveis durante meses. Outra técnica con- siste em se recobrir a cultura com uma camada de óleo mi- neral estéril, reduzindo dessa forma o suprimento de oxigê- nio e, consequentemente, o metabolismo microbiano. Todos esses processos, todavia, envolvem um trabalho intenso e constante principalmente quando o número de organismos na coleção é grande. Alémdisso, muita atenção é necessária nas transferências, para evitar uma contaminação. Outro proble- ma importante decorre do fato de que, com o correr do tem- po, muitos organismos podem sofrer mutações e, com isso, terem suas características alteradas. Para se contornar este inconveniente, recorre-se ao processo da liofilização. Nesse processo, organismos são suspensos em meios adequados (leite, soro ou albumina, por exemplo), colocados em uma ampola e rapidamente congelados no mínimo a temperatura de -30oC. Em seguida, procede-se à secagem do material por sublimação da água e, depois, as ampolas são fechadas hermeticamente. O material pode ser conservado à tempe- ratura ambiente. Outra técnica utilizada é a conservação em temperatura de nitrogênio líquido (–179oC). Empregando as duas últimas técnicas — liofilização e nitrogênio líquido —, os micro-organismos podem ser guardados por muito tempo, até mesmo durante anos, sem que haja necessidade de reno- vação e sem alterações em suas propriedades. Há instituições especializadas que identificam, armaze- nam e vendem bactérias, fungos e vírus. A mais conhecida é a American Type Culture Collection — ATCC, dos Estados Unidos. Metabolismo microbiano Na Figura 3.1 está representado um momento da vida de uma bactéria organotrófica em plena atividade metabólica, considerando que está colocada num meio de cultura que contenha glicose como única fonte de carbono, sais mine- rais fornecendo fontes de nitrogênio, hidrogênio, oxigênio, enxofre, fósforo, magnésio etc. A glicose atravessa a membrana e é fosforilada, trans- formando-se em glicose-6-fosfato. Esta, através da via glico- lítica (detalhes na Figura 3.2), chegará a ácido pirúvico. Este composto, dependendo do micro-organismo e das condições de cultivo, poderá produzir energia através das fermentações exemplificadas pelos produtos, ácido láctico, ácido acético, etanol, butanol etc. (Figura 3.3) ou então ser oxidado via ci- clo de Krebs ou ciclo dos ácidos tricarboxílicos (Figura 3.4). Este é o ciclo que irá fornecer as subunidades e gerar ATP através da cadeia de transporte eletrônico em bactérias que fazem respiração (aeróbia ou não). A cadeia de transporte de Figura 3.3 — Alguns exemplos de fermentação com diferentes produtos finais e respectivos micro-organismos produtores. Clostridium Ácido butírico Ácido acetoacético Ácido oxalacético Proteus CO2 + H2 Ácido fórmico Ácido misto E. coli, Shigella Ácido láctico Streptococcus Acetil CoA Ácido acético Acetobacter Enterobacter Acetilmetilcarbinol H2 2,3-butanodiol Propionibacterium Ácido propiônico Ácido succínico Piruvato 27 elétrons é associada à formação de um gradiente de prótons e o retorno destes ao citoplasma, através da ATP sintase, promove a síntese de ATP. Seus componentes são os mesmos das cadeias de transporte de eucariotos, a saber, NAD, FAD, FeS, CoQ e citocromos. Bactérias que têm metabolismo anaeróbio podem até ter uma cadeia de transporte, mas sem a citocromo oxidase. Algumas bactérias têm cadeias curtas de transporte de elétrons, o que gera menos energia para a célula. Das subunidades formadas destacam-se os ácidos al- facetoglutárico e oxalacético, pois ambos podem ser amina- dos diretamente dando origem aos respectivos aminoácidos, ácido glutâmico e asparagina. Bactérias anaeróbias que não fazem o ciclo de Krebs completo têm um ramo oxidativo deste ciclo chegando até o ácido alfacetoglutárico e um ramo redutor até ácido aspártico, formando, portanto, as várias subunidades de que as células necessitam (Figura 3.4). Durante a via glicolítica formam-se duas trioses que po- derão, caso a célula necessite, produzir glicerol. A partir do Ácido pirúvico CO2 Acetil Acetil-CoA Ácido oxalacético CoA CoA CoA Ácido cítrico Ciclo TCA Ácido isocítrico CO2 CO2 Ácido α-cetoglutárico Succinil CoA CoA CoA ADPGTP GDP CoA Transporte de elétrons Ácido succínico Ácido fumário H2O Ácido málico NADH NADH NADH NADH FADH2 ATP Figura 3.4 — Ciclo de Krebs. 28 ácido pirúvico poderá ser formado o acetil-CoA e este con- densado irá gerar malonil-CoA e sucessivamente até formar ácidos graxos de número par de átomos de carbono (6, 8, 10, ... 22). Estes poderão ser esterificados com glicerol, dando origem a famílias de triglicerídeos. Se um dos ácidos graxos for substituído por ácido fosfórico, o composto resultante será o ponto de partida para formação dos fosfolipídeos, componentes da membrana citoplasmática e outras eventuais estruturas membranosas de que a célula poderá dispor. A glicose-6-fosfato pode, em vez de ser novamente fosforilada, seguir a via do monofosfato (Figura 3.2), que poderá gerar açúcares de 4, 5, 6, 7 e 8 átomos de carbo- no. Destaque para pentoses — ribose e desoxirribose — constituintes dos ácidos nucléicos (DNA e RNA), entre outros compostos essenciais. Nesta via, forma-se também NADPH, composto importante nas reações de oxirreduções intracelulares. Se o micro-organismo for colocado na presença de macromoléculas, como proteínas, lipídeos, polissacarídeos, ácidos nucléicos, e possuir proteases, lipases, hidrolases, DNAses, poderá obter mais facilmente as subunidades ne- cessárias ao seu metabolismo, conforme sugere a Figura 3.5. A origem dos vários aminoácidos pode ser acompanha- da, de uma forma genérica, na Figura 3.6. Figura 3.5 — Esquema genérico de integração do metabolismo. Proteínas Carboidratos Aminoácidos Sí nte se G – 3 – P Açúcares simples (glicose) Ácido pirúvico Am ina çã o Acetil CoA Ciclo TCA Ácidos nucleicos Qu eb ra d e go rd ur a pe la β– ox ida çã o Sí nte se d e lip íde os Ácidos graxos Gorduras NH3 Membrana celular Parede celular Enzimas Armazenamento Glicogênio Celulose Amido Parede celular Membrana celular Armazenamento ? ? ? ? 29 Para conhecer as reações de biossíntese de proteínas, ácidos nucléicos, lipídeos e polissacarídeos, recomendamos consultar a bibliografia citada no final do capítulo. Bibliografia 1. Nelson DL, Cox MM. Lehninger. Principles of Biochemistry, 6th ed. Worth Publishers, Menlo Park, 2012. 2. Moat AG, Foster JW. Microbial Physiology, 4th ed. Wil- ley-Liss, New York, 2002. 3. Schaechter M, Ingraham JL, Neidhardt FC. Microbe, ASM Press, Washington DC, 2006. Purinas GAR PRA R - 5 - P –CHO SerinaGlicina + Succinato O-Acetilserina Histidina Aminolevulinato Porfirinas SO4= S = Cistina Cisteína Asparagina NAD + C3 (bactérias) Carb – P Pirimidias Homoserina CO2 Aspartato β-Aspartil – P Aspartato - β - semi aldeido O – Fosfo – homoserina O – Sucinil – homoserina 2,3 – Diidro – dipicolinato DAP Lisina (bactérias) S-Adenosilhomocisteína Coenzima A + cisteína Pantotenato Treonina Piruvato+ β–ala Pantoato Leucina Valina Isoleucina α-Cetobutirato Metionina S-Adenosilmetionina Homocisteína Cistationina 6 – P – G –2H, +NH3, –Pi Glicose G – 6 – P Fumarato Succinato CO2 F – 6 – P Gliceraldeído–3–P PEP + Eritreose – 4 – P ShiquimatoDAHP Ubiquinona 4 – hidroxibenzoatoCorismatoPAB Folato Piruvato CO2 NH3 Acetil–CoA Alanina NH3 OAA Malato Citrato Isocitrato Oxalosuccinato CO2 A-Cetoglutarato NH3 Glutamato Lisina Prolina Ornitina Citrulina (fungos) Glutamina Putrescina Espermidina Arginina Espermina Menaquinona Enteroquelina Antranilato Prefenato Triptofano Tirosina Fenilalanina NAD (fungos) Figura 3.6 — Vias biossintéticas de produção de aminoácidos e compostos relacionados. 31 4 Considerações Gerais O crescimento em bactérias é frequentemente considera- do em dois níveis, a saber: individual e populacional. Ao contrário dos organismos multicelulares, nos quais o crescimento é usualmente muito fácil de ser discernido, o crescimento individual de uma bactéria requer observações cuidadosas porque o processo pode ser comparativamente rápido e as condições necessárias para a medida podem interferir com o crescimento. Apesar de o aumento em tamanho ser uma característicade crescimento, não é uma condição suficiente. Por exemplo, uma célula acumulando substâncias de reserva ou submetida à plasmoptise não está, em ambos os casos, crescendo. O crescimento é um somatório dos processos metabólicos progressivos, que nor- malmente conduz à divisão (reprodução) com concomitante produção de duas células-filha a partir de uma. A grande maioria, de fato, divide-se dando origem a duas células-filha iguais (divisão binária), embora algumas espécies formem brotos que crescem até atingir o tamanho da célula-mãe e, então, destacam-se. Organismos tão pequenos quanto bactérias teriam a forma esférica como resultado de tensões interfaciais, se não possuíssem uma parede celular mecanicamente rígida. Assim, as bactérias, além de esféricas, apresentam-se tam- bém sob as formas cilíndrica e espiralada. Há, portanto, que considerar o crescimento nas três dimensões: comprimento, largura e altura. O termo tamanho adulto é usado para significar o tama- nho da bactéria na hora da sua divisão. O tamanho adulto é característico para cada espécie. A idade da bactéria é o espaço de tempo entre uma fissão que a originou e a divisão que a duplicará. O tamanho de uma bactéria é influenciado por fatores hereditários e ambientais. Métodos de Medida O desenvolvimento de uma cultura bacteriana pode ser medido tanto por um aumento de quantidade de protoplas- ma, quanto pelo número de organismos. Nenhum método Crescimento Bacteriano Flavio Alterthum simples, em uso, permite uma estimativa simultânea de ambos: massa e número. Porém, essas quantidades podem ser relacionadas por comparação com resultados obtidos por vários métodos. Uma vez estabelecida a relação entre os dois métodos, para determinadas linhagens de bactéria, as duas quantidades podem ser estimadas por um único método, desde que as condições da cultura sejam absolutamente as mesmas. Os métodos para se estimar massa ou aumento da quan- tidade de protoplasma podem ser diretos e indiretos. Métodos diretos a) Centrifugação. Neste método, um volume de cultura é centrifugado em tubo capilar e a altura do sedimento é uma medida da massa protoplasmática. Se o tamanho do micro-organismo for conhecido, o número destes pode ser calculado. Deve-se levar em conta que medidas de volume úmido dão medidas pouco sensíveis do crescimento, sen- do, portanto, o erro grande. Este método, entretanto, tem aplicação para a medida do crescimento de leveduras, que são organismos maiores e mais volumosos que bactérias. b) Peso seco. Neste método, determina-se o peso seco de organismos por unidade de volume de cultura. Esse mé- todo ignora o conteúdo aquoso e sua variação durante o crescimento dos micro-organismos, porém é uma medida mais satisfatória que a massa úmida. As determinações de peso seco apresentam certas dificuldades, pois são necessárias grandes quantidades de cultura para evitar erros nas medidas. Métodos indiretos a) Nitrogênio. Neste método, as células são lavadas a fim de serem retirados os constituintes nitrogenados do meio, e o nitrogênio da célula é determinado pelo método micro-Kjeldahl. b) Estimativas colorimétricas ou espectrofotométricas de constituintes do protoplasma. Neste método, um volume apropriado de cultura é lavado e tratado de maneira a liberar constituintes orgânicos do protoplasma. Esses produtos são tratados com reagentes especiais, geran- 32 do compostos coloridos. Um exemplo é a medida da quantidade de tirosina e triptofano através do método de Folin-Ciocalteu. Compostos com espectros de absorção característicos podem ser determinados espectrofoto- metricamente, como é o caso dos ácidos nucléicos que podem ser determinados por leituras de absorbância a 258 nm. c) Medida do consumo de um metabólito ou acúmulo de um produto do metabolismo. O consumo de O2 e a pro- dução de um ácido a partir de um carboidrato fermen- tável são exemplos típicos. Essas medidas somente são satisfatórias para situações em que o consumo de O2 ou a produção do ácido não sofre limitações e, assim, refletem o crescimento. d) Turbidimetria. Bactérias em suspensão exibem o efeito Tyndall, como acontece com qualquer sistema coloidal. A quantidade de massa bacteriana pode ser medida tanto por absorbância como por nefelometria, que correspon- dem, respectivamente, à luz absorvida e à luz dispersada no meio. Os fatores que afetam as medidas turbidimétri- cas são: tamanho e forma das partículas, concentração, índices de refração relativos das partículas e dos meios e comprimento de onda da luz incidente. e) Consumo de um composto pela massa bacteriana. Se o aumento da massa bacteriana é proporcional ao consumo de uma determinada substância, pode-se correlacionar o desaparecimento da substância de uma solução conheci- da com o incremento da massa celular. Os métodos para se estimar o número de organismos também podem ser diretos e indiretos. Métodos diretos de contagem de partículas a) Contadores de partículas. A utilização de aparelhos ba- seados em desvios ópticos e eletrônicos permite a conta- gem de partículas individuais em meio aquoso. Exemplo: Coulter Counter, em que são registradas mudanças na condutividade elétrica quando partículas em suspensão são impelidas a passar por um pequeno canal por onde há uma corrente elétrica. Esse contador mede tanto o número quanto o tamanho das bactérias. As estimativas de tamanho são sujeitas a erros, uma vez que volumes iguais com formas diferentes apresentam diferenças na leitura da resistência elétrica. Por outro lado, o aparelho não distingue entre células grandes, únicas e células em término de separação ou gemulação. Além disso, partícu- las diferentes ou grumos também podem ser registrados. b) Câmaras de contagem. Neste método, é determinado o número de bactérias em um volume fixo da cultura, usan- do câmaras com áreas perfeitamente delimitadas. Este método tem a desvantagem de necessitar de um número relativamente grande de micro-organismos para se fazer a medida. Exemplo: Câmara de Neuwbauer. c) Esfregaços corados. Neste método, um volume conheci- do de cultura é espalhado sobre uma determinada área de uma lâmina. O esfregaço é então fixado e corado. Como a área da objetiva é conhecida, o número de germes é estimado a partir da contagem das partículas em vários campos. Métodos Indiretos de Contagem de Partículas Estão baseados na capacidade de multiplicação dos micro-organismos, quando transferidos para um meio de cultura novo. Como resultado, estes métodos contam apenas células vivas e nem sempre todas elas. a) Diluição seriada ou do número mais provável. Neste método, a cultura é diluída até um ponto em que amos- tras da diluição, quando semeadas em meio apropriado, não apresentam crescimento. Assumindo que os micro- -organismos são distribuídos ao acaso nas amostras das diluições, e que qualquer organismo viável presente nestas amostras irá crescer no meio novo, a densidade populacional original será estimada pela aplicação da teoria das probabilidades. A precisão do método é dire- tamente dependente do número de amostras tomadas por diluição. Mesmo que o número de amostras seja grande, a precisão permanece baixa. b) Plaqueamento em meio sólido. Neste método, amostras de diluições seriadas da cultura são semeadas em meios de cultura sólidos adequados e incubadas de maneira a permitir o desenvolvimento de colônias (unidades forma- doras de colônias — UFC) isoladas. Estas são contadas, e, depois de considerada a diluição, obtém-se o número de bactérias viáveis por mililitro na suspensão original, ou, como mais adequadamente se designa, o número de unidades formadoras de colônias. Curva de Crescimento Embora as bactérias desenvolvam-se bem em meios de cultura sólidos, os estudos de crescimento são feitos essen- cialmente em meios líquidos e as considerações que seguem são válidas para estas condições. Quando uma determinada bactéria é semeada num meio líquido de
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