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CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Professor Me. Jonas Silva Faria Professor Me. Gilson Aguiar GRADUAÇÃO Unicesumar C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Distância; FARIA, Jonas Silva; AGUIAR, Gilson. Ciências Humanas e Sociais. Jonas Silva Faria; Gilson Aguiar. Maringá-Pr.: UniCesumar, 2016. 242 p. “Graduação - EaD”. 1. Ciências. 2. Humanas . 3. Sociais 4. EaD. I. Título. CDD - 22 ed. 300 CIP - NBR 12899 - AACR/2 Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828 Reitor Wilson de Matos Silva Vice-Reitor Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de Administração Wilson de Matos Silva Filho Pró-Reitor de EAD Willian Victor Kendrick de Matos Silva Presidente da Mantenedora Cláudio Ferdinandi NEAD - Núcleo de Educação a Distância Direção Operacional de Ensino Kátia Coelho Direção de Planejamento de Ensino Fabrício Lazilha Direção de Operações Chrystiano Mincoff Direção de Mercado Hilton Pereira Direção de Polos Próprios James Prestes Direção de Desenvolvimento Dayane Almeida Direção de Relacionamento Alessandra Baron Gerência de Produção de Conteúdo Juliano de Souza Supervisão do Núcleo de Produção de Materiais Nádila de Almeida Toledo Coordenador de conteúdo Roney de Carvalho Luiz Design Educacional Rossana Costa Giani Projeto Gráfico Jaime de Marchi Junior José Jhonny Coelho Editoração Matheus Felipe Davi Victor Augusto Thomazini Revisão Textual Maraisa da Silva Gabriel Martins Yara Dias Nayara Valenciano Viviane Notari Ilustração André Luís Onishi Bruno Pardinho Viver e trabalhar em uma sociedade global é um grande desafio para todos os cidadãos. A busca por tecnologia, informação, conhecimento de qualidade, novas habilidades para liderança e so- lução de problemas com eficiência tornou-se uma questão de sobrevivência no mundo do trabalho. Cada um de nós tem uma grande responsabilida- de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos- sos farão grande diferença no futuro. Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar assume o compromisso de democratizar o conhe- cimento por meio de alta tecnologia e contribuir para o futuro dos brasileiros. No cumprimento de sua missão – “promover a educação de qualidade nas diferentes áreas do conhecimento, formando profissionais cidadãos que contribuam para o desenvolvimento de uma sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi- tário Cesumar busca a integração do ensino-pes- quisa-extensão com as demandas institucionais e sociais; a realização de uma prática acadêmica que contribua para o desenvolvimento da consci- ência social e política e, por fim, a democratização do conhecimento acadêmico com a articulação e a integração com a sociedade. Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al- meja ser reconhecido como uma instituição uni- versitária de referência regional e nacional pela qualidade e compromisso do corpo docente; aquisição de competências institucionais para o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con- solidação da extensão universitária; qualidade da oferta dos ensinos presencial e a distância; bem-estar e satisfação da comunidade interna; qualidade da gestão acadêmica e administrati- va; compromisso social de inclusão; processos de cooperação e parceria com o mundo do trabalho, como também pelo compromisso e relaciona- mento permanente com os egressos, incentivan- do a educação continuada. Diretoria Operacional de Ensino Diretoria de Planejamento de Ensino Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está iniciando um processo de transformação, pois quan- do investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou profissional, nos transformamos e, consequente- mente, transformamos também a sociedade na qual estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa- zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa- tível com os desafios que surgem no mundo contem- porâneo. O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens se educam juntos, na transformação do mundo”. Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó- gica e encontram-se integrados à proposta pedagó- gica, contribuindo no processo educacional, comple- mentando sua formação profissional, desenvolvendo competências e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em situação de realidade, de maneira a inse- ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal objetivo “provocar uma aproxi- mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi- bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos conhecimentos necessários para a sua formação pes- soal e profissional. Portanto, nossa distância nesse processo de cres- cimento e construção do conhecimento deve ser apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda- gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi- bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en- quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus- sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de professores e tutores que se encontra disponível para sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui- lidade e segurança sua trajetória acadêmica. A U TO RE S Professor Me. Jonas Silva Faria Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (2006), Curso Livre em Teologia pela FATADC (2001), em processo de validação pela UniCesumar. Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2012) e Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Atualmente é professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (lato sensu em Teologia), professor - Secretaria de Estado da Educação do Paraná - Núcleo Regional de Educação de Maringá. Coordenador e professor do curso do Centro de Ensino Superior de Maringá (UniCesumar). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: Metafísica e Idealismo.’ Professor Me. Gilson Aguiar Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Maringá (1991) e mestrado em História e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999). Atualmente é professor titular do Centro Universitário de Maringá e do Ensino a Distância do UniCesumar. Atua nas áreas de Teoria das Ciências Sociais, Sociologia da Educação, Filosofia da Educação e História da Educação. Possui livros publicados nas Áreas de Sociologia, Antropologia, Filosofia e História da Educação. Atua como jornalista na rede CBN de rádio. É âncora e colunista na CBN Maringá e Gazeta Maringá. SEJA BEM-VINDO(A)! Caro(a) aluno(a), é com muito prazer que apresentamos a você o livro de Ciências Hu- manas e Sociais, o qual fará parte de sua formação acadêmica. O pensamento crítico sistemático nasceu na Grécia Antiga, por meio de uma ruptura com o mito. A pergunta que dividiu os estudiosos foi se realmente tal ruptura foi radical ou gradual, isto é, se os primeiros filósofos romperam com o mito ou se a filosofia é a continuidade da mitolo- gia. Você verá neste livro como os primeiros filósofos se portaram diante da mitologia e como romperam com as cosmogonias e teogonias de Hesíodo, para dar à filosofia as suas primeiras características, em forma de cosmologia. Contudo, a busca dos primeiros filósofos pela arché, isto é, o princípio originário de todas as coisas, com os filósofos pré-socráticos, perdurou até o surgimento da filosofia socrática, em que Sócrates tanto questiona o panteão de deuses atenienses como consolida a filosofia como um saber racional, ou seja, os problemas existenciais do ser humano no aqui e agora são mais im- portantes que a busca pela origem de todas as coisas, seja na mitologia ou mesmo pelo princípio originário do cosmos. Com Sócrates (nos diálogos platônicos, transcritospor seu discípulo Platão), surge o processo de concepção inatista, ou a maiêutica. No diálogo Teeteto, de Platão, define-se a maiêutica como a arte de partejar ideias, ou seja, o filósofo faz o parto das ideias, as quais, segundo Platão, são ideias inatas, ou seja, já estão gravadas nas nossas mentes desde que nascemos, porém, estão adormecidas, cabendo, então, ao filósofo a função de partejá-las. No Teeteto, Sócrates diz ao jovem que, assim como sua mãe (de Sócrates) fazia com as mulheres atenienses no parto, uma vez que ela era parteira de profissão, agora, ele toma como modelo a mesma profissão da mãe, só que com uma diferença, faz parto não de mulheres, mas sim de homens, ou seja, o parto das ideias. A função da filosofia, portanto, é levar o estudante a pensar sobre o mundo, sobre o porquê somos, ou então, sobre o que somos. Podemos, então, resumir que filosofar é pensar, mas pensar de forma filosófica. No entanto, conforme os estudiosos da filosofia têm proposto, chegamos a um primeiro questionamento: se filosofar é pensar, e todo mundo pensa, por que então nem todos são filósofos? Pensar de forma filosófica é um exercício do espírito, é procurar por um caminho criativo que produza mais perguntas do que respostas pragmáticas, isto é, utilitaristas. Neste livro, apresentaremos uma visão da história das ciências humanas e sociais, mos- trando os diversos pensadores no decorrer da história e os grandes temas do pensa- mento crítico. Vale ressaltar que, em hipótese alguma, este livro tem a pretensão de ser um tratado, nem mesmo pretende expor de forma pormenorizada o senso crítico de um pensador ou um dos temas aqui tratados. Contudo, o estudo dos temas e pensadores, aqui trabalhados, abre caminhos para que você se aprofunde no pensamento de um determinado filósofo ou então de um tema específico aqui trabalhado. Como apenas uma introdução às ciências humanas e sociais, o livro que você tem em mãos é um guia que o(a) conduzirá pela história humana ocidental, desde a idade antiga até a contem- porânea. APRESENTAÇÃO CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS Entendemos que a formação do pensamento crítico deve passar pela história da filosofia, como já pensava Hegel. Mesmo que, para Kant, não seja possível ensinar filosofia, mas somente ensinar a filosofar, entendemos que a junção do pensamento hegeliano e kantiano são a base para a construção de todo o processo do filosofar. Você verificará, a partir deste trabalho, que a formação do pensamento humano passa pelo conhecimento filosófico, quer seja na teoria do conhecimento, pelo es- tudo da formação das ideias, pela ética, pela política ou, ainda, pela filosofia da arte. Percorrer a história das ciências humanas e sociais é, portanto, percorrer a história do homem (ser humano), porém com um espírito crítico, como já dizia Hegel: a fi- losofia é como a coruja de Minerva (deusa romana, versão da deusa grega Athena, símbolo da filosofia), que alça voo ao entardecer, isto é, a filosofia como a coruja de Minerva só aparece depois que a história acontece. Dessa forma, depreende-se que a função do pensador crítico é criticar a história, logo depois que os fatos aconte- ceram. Vamos tratar ao longo deste livro também as teses positivistas, do estruturalismo, do materialismo histórico e do funcionalismo histórico cultural. Vamos passar pela análise dos comportamentos sociais que preocupam a sociedade contemporânea. O elevado grau de violência propagado, mas também o imediatismo que se tornou uma expressão no mundo do consumo. Outro elemento que nos preocupa e que procuramos dar enfoque é sobre a liber- dade vulgarizada da sociedade atual. Nenhuma outra geração esteve diante da li- berdade como a atual. Mas o que tem sido feito com a possibilidade de escolha? A responsabilidade que nos parece do indivíduo está cada vez mais transferida. Esta- mos vivendo a isenção do ser humano as suas práticas. Nos cursos universitários é cada vez mais comum perceber que não se quer o peso da educação, mas apenas os benefícios que ela gera. Todos querem ter o diploma, mas poucos estão dispostos a enfrentar a jornada da reflexão que leva até ele. A reflexão sobre este homem contemporâneo é o centro de nosso livro, o fator que nos fez dedicar a ele muitas páginas, as quais você terá como fonte de consulta. Convido você a questionar e debater estes temas, a refletir sobre a nossa vida social. Dentro do ambiente educacional e religioso há discussões que merecem um olhar mais atento. Temos que nos lembrar de que a vida em sociedade nos traz dilemas de difícil compreensão. Os debates acerca destes dilemas necessitam de um conteúdo aprofundado para que os educadores e religiosos se posicionem. Este é o espírito da Disciplina de Ciências Humanas e Sociais dentro do curso de Teologia. Queremos trazer elementos para que você cumpra o papel de um líder ministerial, tendo o foco na formação humana. APRESENTAÇÃO SUMÁRIO 09 UNIDADE I INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO 14 Introdução 15 A Passagem do Mito à Filosofia 18 Os Pré-Socráticos 20 Sócrates, Platão e Aristóteles 23 Platão e o Mundo das Ideias 29 A Metafísica Aristotélica 32 Filosofia Patrística e Escolástica 36 René Descartes e a Filosofia Moderna 38 O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke e David Hume 43 O Idealismo Alemão: Kant e Hegel 52 Positivismo: Auguste Comte e a Física Social 57 A Escola de Frankfurt 60 Considerações Finais SUMÁRIO UNIDADE II ÉTICA E MORAL: UM PROBLEMA FILOSÓFICO 69 Introdução 70 Ética e Moral: Um Problema Filosófico 72 Aristóteles e a “Ética a Nicômaco” 74 Concepção de Liberdade em Espinosa 76 Max Weber: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo 78 Concepção de Liberdade em Sartre 81 Nietzsche e a Transvaloração de Todos os Valores 85 Considerações Finais UNIDADE III AS NOVAS SOCIEDADES E SEUS DILEMAS 91 Introdução 92 A Sociedade Urbana e a Crise de sua Origem 99 A Internacionalização da Produção e do Trabalho 115 A Educação e seus Dilemas na Trajetória Ocidental 119 Considerações Finais SUMÁRIO 11 UNIDADE IV PENSADORES CLÁSSICOS 127 Introdução 128 Nascimento da Sociologia 142 Positivismo como Método 155 Karl Marx, O Materialismo Histórico Dialético 165 Estruturalismo como uma Herança da Análise Objetiva dos Fatos Sociais 181 Considerações Finais UNIDADE V OS DILEMAS DA ATUALIDADE 195 Introdução 196 Um Mundo em Crise 200 A Sociedade de Consumo 228 Considerações Finais 235 CONCLUSÃO 237 REFERÊNCIAS U N ID A D E I Professor Me. Jonas Silva Faria INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Objetivos de Aprendizagem ■ Conhecer as origens da filosofia na Grécia antiga. ■ Compreender o processo de ruptura entre mito e filosofia. ■ Compreender a questão do conhecimento filosófico em diferentes épocas da história da filosofia. ■ Estabelecer distinção entre conhecimento inato e conhecimento empírico. ■ Compreender o que é racionalismo, empirismo e idealismo. ■ Avaliar a importância do Positivismo na Proclamação da República do Brasil. ■ Definir o que foi a Escola de Frankfurt. Plano de Estudo A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade: ■ A passagem do mito à filosofia ■ Os filósofos pré-socráticos ■ Sócrates, Platão e Aristóteles ■ Platão e o mundo das ideias ■ A metafísica aristotélica ■ Filosofia patrística e medieval ■ René Descartes e a filosofia moderna ■ O empirismo inglês: Francis Bacon, John Locke e David Hume ■ O idealismo alemão: Kant e Hegel ■ Positivismo: August Comte e a lei dos três estados ■ A Escola de Frankfurt INTRODUÇÃO Caro(a) aluno(a), nesta unidade, estamos iniciando o caminho para o apren- dizado da filosofia. O primeiro passo será dado com uma visão panorâmica da filosofia Antiga, mais precisamente na Grécia Antiga, que é o berço da filosofia, conforme a maioria doshistoriadores defende. As reflexões históricas sobre as origens da filosofia nos indicam o caminho pelo qual os primeiros filósofos perscrutaram, para que fosse possível uma rup- tura entre o mito e filosofia. O mito, até então uma verdade absoluta, passa a ser questionado pelos filósofos que não estão mais interessados no surgimento dos deuses e, assim, começam a indagar de forma reflexiva sobre o princípio origi- nário de todas as coisas (Arché). Contudo, foi somente com Sócrates que a filosofia se consolida como um saber racional, isto é, os filósofos de então passam a indagar sobre os problemas existenciais do ser humano “aqui e agora”, ou seja, não interessava mais saber sobre a origem dos deuses (teogonia) ou do universo (cosmogonia), esquecen- do-se dos problemas da vida, inerentes a todo ser humano. Vamos estudar também a Teoria do Conhecimento a partir de alguns filósofos, os quais consideramos ponto de partida para uma introdução de tal conheci- mento. Ressaltamos que, esta unidade, não tem por finalidade ser um tratado minucioso sobre a Teoria do Conhecimento, no entanto, os assuntos e filósofos aqui abordados proporcionam uma visão panorâmica ao estudante, visando à compreensão sobre as origens e a formação das ideias, tão discutidas em toda a história da filosofia. Começando pelo Ser de Parmênides e o Não-Ser de Heráclito, veremos que a formação das ideias em Platão e a metafísica de Aristóteles serão, a partir de então, o lema da história da filosofia, seja na Patrística, Escolástica ou mesmo na filosofia Moderna e no Idealismo alemão. As diversas correntes filosóficas sobre o problema do conhecimento, seja Metafísica, Empirismo, Racionalismo ou Idealismo, nos ajudarão a entender os diversos momentos históricos da filo- sofia, até chegarmos ao Positivismo de August Comte e, mais tarde, à Escola de Frankfurt. 15 Introdução Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I A PASSAGEM DO MITO À FILOSOFIA Dizem que a palavra filósofo foi inventada por Pitágoras no século V a.C. Ele era reverenciado como sábio (sofós, em grego), mas, como era um tanto modesto, dizia-se quando muito um amigo do saber (de filos, que significa amigo, amante – vem de filia, amizade – e sofia, sabedoria, saber), cunhando a palavra filósofo. Só mais tarde surgiu a palavra fi- losofia, para designar a atividade daqueles que se caracterizavam como filósofos (GALLO, 2012, p.15). O caminho para o aprendizado de filosofia é árduo, porém, muito gra- tificante. Segundo Reale (2012, p. 15), o filósofo Aristóteles começa a obra intitulada “Metafísica” dizendo que todos os homens por natureza tendem ao saber. Tal busca faz parte da cul- tura e natureza do ser humano. Desde seus primórdios, o homem buscava explicações para todos os fenômenos da natureza, mas nem sempre con- seguia respostas satisfatórias para as perguntas relacionadas aos fenôme- nos da natureza e muito menos para as questões de caráter existencial. A maneira mais fácil para encontrar tais respostas foi buscando explicações míticas, uma vez que estas são “verdades absolutas”, ou seja, o mito não exige explicações, já que ele é uma verdade fundamentada na fé do indivíduo ou do grupo no qual o indivíduo está inserido. As respostas eram sempre buscadas nas teogonias e kosmogonias, isto é, os homens estavam mais preocupados com o nascimento do cosmos e dos deuses do que com os próprios problemas relacionados aos seus espaço e tempo ime- diatos (aqui e o agora). A origem dos termos cosmogonia e teogonia é grega. A raiz etimológica desses termos é: Kosmos, que significa ordem, decência; logo, ordem do universo. Gonia vem de um verbo grego gennao, que significa gerar, dar a luz, produzir, desenvolver, fazer crescer. A expressão teogonia, por sua 17 A Passagem do Mito à Filosofia Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . vez, tem sua origem nos seguintes vocábulos gregos: theós, que significa deus, e gonia que, conforme exposto acima, está relacionado ao nascimento. Portanto, teogonia significa o nascimento de deus ou dos deuses, haja vista que os gregos eram politeístas. Em suma, de acordo com Maria Lúcia Aranha e Maria Helena Martins, ainda que o mito seja também uma forma de compreensão da realidade, sua fun- ção é, primordialmente, acomodar e tranquilizar o ser humano em um mundo assustador. Entre as comunidades “primitivas”, o mito se constitui um discurso de tal força que se entende por todas as dependências da realidade vivida; não se restringe apenas ao âmbito do sagrado (ou seja, da relação entre a pessoa e o divino), mas permeia todos os campos da atividade huma- na. Por isso, os modelos de construção mítica do real são de natureza sobre natural, isto é, recorre-se aos deuses para compreender a origem e a natureza dos fatos [...] (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 72). Portanto, pode-se depreender daqui que o mito não é lenda ou fantasia, mas verdade, porém uma verdade intuída, centrada não na razão, mas na intuição, logo, dependente da fé. Para esclarecer o significado do mito, cito Junito de Souza Brandão: É necessário deixar bem claro, nesta tentativa de conceituar o mito, que o mesmo aqui não tem conotação usual de fábula, lenda, invenção, ficção, mas a acepção que lhe atribuíam e ainda atribuem as sociedades arcaicas, as impropriamente denominadas de culturas primitivas, onde o mito é um relato de um acontecimento ocorrido no tempo primor- dial, mediante a intervenção de entes sobrenaturais. Em outros termos, mito, consoante Mircea Eliade, é o relato de uma história verdadeira, ocorrida nos tempos dos princípios, illo tempore, quando, com a in- terferência de entes sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o cosmo, ou vegetal, um comportamento humano. Mito é, pois, a narrativa de uma criação: conta-nos de que algo, que não era, começou a ser. (...) Talvez se pudesse definir o mito, dentro do conceito de Carl Gustav Jung, como a conscientização dos arquéti- pos do inconsciente coletivo, quer dizer, um elo entre o consciente e o inconsciente coletivo, bem como as formas através das quais o incons- ciente se manifesta. Compreende-se por inconsciente coletivo a herança das vivências das gerações anteriores. Desse modo, o inconsciente coletivo expressaria a identidade de todos os homens, seja qual for a época e o lugar onde tenham vivido (BRANDÃO, 2010, p. 37-39). INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Conforme visto anteriormente, o mito teve sua importância durante vários sécu- los ou milênios. Porém, com a invenção da escrita, o surgimento da moeda e a consolidação da democracia, fez-se necessário que o conhecimento transmitido de forma oral desse lugar a uma forma racional e sistematizada no processo do conhecimento e desenvolvimento humano. Assim, diante da pergunta: o que é filosofia? Temos também outra questão: para que serve a filosofia? Perguntar para que serve ou que utilidade têm as ciências é parte da cultura do ser humano. Ante ao questionamento “para que filosofia?”, deve-se primei- ramente compreender o que é filosofia. Segundo Hegel (1995, p. 46), o nome de filosofia foi dado a todo o saber que se ocupou do conhecimento da medida fixa e do universal, no mar das singularidades empíricas, e do necessário, das leis, na desordem aparente da multidão infinita do contingente; e com isso, ao mesmo tempo, tomou seu conteúdo do próprio intuir e perceber do exterior e do interior, da natureza presente como do espírito [também] presente, e do cora-ção do homem. Observamos, então, que o questionamento “para que filosofia?” nos leva a dizer que filosofar é problematizar um pensamento, reconstruí-lo para poder com- preendê-lo. A filosofia nos leva à compreensão da história, visto que um pensar filosófico aumenta a nossa compreensão a respeito de nossa própria história a par- tir dos seus problemas, como nos diz Mário Ariel González Porta (2002, p. 85): A filosofia possui algo que poderíamos chamar de ‘coluna vertebral’. Embora nela haja muitas coisas que ‘posso’ não saber, há outras que não posso deixar de saber. A esta categoria do imprescindível perten- cente à existência de mudanças decisivas, de um verdadeiro fio condu- tor composto por Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Hegel e, talvez, Wittgenstein, Husserl e Heidegger. Assim como devemos focalizar, de- vemos hierarquizar”. [...] “Não se trata de saber muitas coisas ‘sobre’ Descartes ou Platão; trata-se de saber por que Descartes é Descartes ou Platão é Platão. Por conseguinte, a filosofia está incumbida de olhar a história com uma visão crítica-histórica, isso está explícito numa frase de Hegel: “Um grande homem condena os seres humanos a explicá-lo”. Essa é a função da filosofia: não importa o que podemos fazer com ela, mas sim o que a filosofia pode fazer por nós, no tocante à formação da nossa consciência filosófica. 19 Os Pré-Socráticos Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . OS PRÉ-SOCRÁTICOS A filosofia nasceu na Grécia antiga por volta dos séculos VI e VII a.C. e, de acordo com historiadores da Filosofia, Tales de Mileto foi o pri- meiro filósofo. Os primeiros filósofos, também conheci- dos como pré-socráticos, não mais compreendem o mundo como cosmogonias ou teogonias; eles buscam por um princípio Arkhé, do qual todas as coisas são constituídas. A essa maneira de compreensão do mundo chamamos de cosmologia, isto é, eles procuram uma racionalidade constitutiva do cosmos (universo). Segundo a professora Marilena Chauí (2010, p. 49), “a cosmologia não admite a criação do mundo a partir do nada, mas afirma a geração de todas as coisas por um princípio natural de onde tudo vem e para onde tudo retorna”. Ao se consolidar como um saber racional, a filosofia rompe com o mito, não de forma abrupta e radical como se acreditava, mas de forma gradual, ou seja, aos pou- cos o saber filosófico vai se solidificando e consolidando seu próprio método, do qual surge, então, o processo do filosofar. A metodologia do estudo da filosofia deve estar centrada na ideia da pro- blematização, que é a coluna vertebral do processo do filosofar. Conforme Silvio Gallo (2012, p.14), [...] o melhor meio para se aproximar da filosofia é fazer perguntas. Só que não são perguntas/questões, são perguntas/problemas. São per- guntas de caráter reflexivo, ou seja, o pensamento dentro de uma ação humana que permite uma tomada de atitude dos homens diante dos acontecimentos da vida. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Filosofar é não mais aceitar, de forma ingênua, as coisas e o mundo como eles nos são apresentados. Além disso, dar importância à questão do processo do filosofar não é apenas para entender um filósofo em particular, mas também para perceber a dinâmica própria do movimento filosófico ao longo da história. Não podemos entender a filosofia, se a reduzirmos a um ponto de vista diverso, já que a exata fixação do problema é o elemento essencial para precisar o sentido do filosofar. Portanto, filosofar é pensar de forma racional e lógica, é ver o mundo por diversos ângu- los possíveis. A ruptura entre mito e filosofia está diretamente ligada ao período cosmo- lógico, também conhecido como período pré-socrático, ou seja, período no qual viveram os filósofos que antecederam a Sócrates. Os principais filósofos pré-so- cráticos são: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto, Pitágoras de Samos, Xenófones de Colofão, Heráclito de Éfeso, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia, Melisso de Samos, Empédocles de Agrimento, Filolau de Crotona, Arquitas de Tarento, Anaxágoras de Clazômenas, Leucipo de Mileto e Demócrito de Abdera. Os filósofos pré-socráticos, ou primeiros filósofos, escreveram pouco e a maior parte do que escreveram não chegou até nós, a não ser por pequenos frag- mentos inseridos em obras escritas séculos posteriores ao deles. No período da Renascença os humanistas, motivados pela incessante busca e retorno aos clás- sicos, descobriram e traduziram muitos dos escritos que chegaram até nós. Tales de Mileto. Segundo uma tradição, que remonta aos próprios gregos antigos, o pri- meiro filósofo teria sido Tales de Mileto. As datas a respeito de sua vida são incertas, sabendo-se, porém, com segurança, que ele viveu no período compreendido entre o final do século VII e meados do século VI a.C. Famoso como matemático, alguns historiadores consideram que sua colocação pe- los antigos entre os “sete sábios da Grécia” deveu-se principalmente a sua atuação política: teria tentado unir as cidades-Estados das Ásia Menor numa confederação, no intuito de fortalecer o mundo helênico diante das amea- ças de invasões de povos orientais. Para a história da filosofia, a importância de Tales advém sobretudo de ter afirmado que a água era a origem de todas as coisas. A água seria a physis, que, no vocabulário da época, abrangia tanto a acepção de “fonte originária” quanto a de “processos de surgimento e de desenvolvimento”, correspon- dendo perfeitamente a “gênese”. Segundo a interpretação que dará Aristó- teles séculos mais tarde, teria tido início com Tales a explicação do universo através da “causa material” (SOUZA,1991, p. XV-XVI). 21 Sócrates, Platão e Aristóteles Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . SÓCRATES, PLATÃO E ARISTÓTELES Segundo os historiadores da filosofia, Sócrates nasceu em Atenas por volta de 470/469 a.C. e morreu em 399 a.C. Sócrates era filho de Sofrônico e de Fenarete, parteira. Com a mãe, ele aprende a arte de partejar, fato que o levaria à teo- ria da maiêutica ou parto das ideias, que veremos na unidade II. Seu método de ensino consistia na ironia, o que despertava o ódio de seus conterrâneos. Foi acu- sado de corromper os jovens e de introduzir novos deuses em Atenas, por isso foi jul- gado e condenado à morte. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Sócrates não deixou nada escrito, tudo o que sabemos sobre sua vida foi registrado por seu discípulo, Platão, por Xenofonte e por seu principal “inimigo” Aristófanes. Sócrates morreu no mês de fevereiro do ano 399 a.C. Condenado à morte, teve como fim beber uma taça de cicuta, um triste fim para um dos maio- res filósofos de todos os tempos. Diferentemente de Sócrates, Platão escreveu muitas obras em forma de diá- logos. Platão nasceu em Atenas, por volta de 427 a.C. De família aristocrática, estava ligado pelo lado materno a grandes figuras do mundo político ateniense de sua época. Sua mãe descendia de Sólon, o grande legislador, e era irmã de Cármides e prima de Crítias, dois dos trinta tiranos que dominaram a cidade durante algum tempo. Seu nome era Arístocles, mas devido ao seu vigor físico ou à largura de sua testa ou ombros, recebeu o apelido de Platão (do grego pla- tôs, largueza ou extensão). Quando tinha aproximadamente 20 anos de idade, Platão conheceu Sócrates, do qual tornou-se discípulo e, por sinal, seu mais ilustre discípulo. Em Atenas, Platão fundou uma academia nos famosos jardins de Academus, um herói grego. De acordo com os historiadores da filosofia Realee Antisseri (2007, VL1, p. 127), as obras de Platão podem ser dividas da seguinte maneira: I. Eufríton, Apologia de Sócrates, Críton, Fédon; II. Crátilo, Teeteto, O Sofista, A Política; III. Parmênides, Filebo, O Banquete, Fedro; IV. Alcebíades I, Alcebíades II, Hiparco, Os Amantes; V. Teages, Cármides, Láqués, Lísis; VI. Eutidemo, Protágoras, Górgias, Menon; VII. Hípias menor, Hípias maior, Ion, Menexeno; VIII. Clitofonte, A República, Timeu, Crítias; IX. Minos, As Leis, Epinome, Cartas. 23 Sócrates, Platão e Aristóteles Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . A grande tríade da filosofia antiga se completa com o brilhante aluno de Platão, Aristóteles, da cidade de Estagira. Nasceu por volta do ano 384 a.C., numa colônia de origem jônica na Macedônia. Era filho de Nicômaco, médico do rei Amintas II, o qual era pai de Felipe e avô de Alexandre o Grande. Aristóteles era muito jovem quando seu pai morreu. Por volta de 366/365 a.C., e com apenas 17/18 anos, Aristóteles entrou para a Academia de Platão em Atenas, permanecendo nela por 20 anos, a princípio como aluno, no entanto, com o destaque que teve, tornou-se professor até o ano 348/347, ano da morte de Platão. Por ser filho de médico, Aristóteles tomou gosto pelos conhecimentos empíricos relacionados às ciências da natureza, conhecimentos que com maestria trabalhou, da mesma forma que logrou êxito nos estudos e escritos sobre metafísica. Denis Huisman (2001, p. 63), autor do Dicionário dos Filósofos, citando Hegel, assim resume Aristóteles como pensador empírico positivista: Segundo Hegel, Aristóteles foi o pensador da “empiria” total: subme- teu todos os aspectos do universo ao jugo do conceito, foi “fundador da maioria das ciências”. Digamos, que foi pelo menos um prodigioso organizador do saber, a um só tempo preocupado com a generalização, sem a qual não há ciência possível, e capaz de respeitar as diferenças que não só distinguem os indivíduos como também impedem de re- duzir uns aos outros os grandes gêneros de fenômenos e, consequente- mente, as ciências que os estudam. Aristóteles foi tutor de Alexandre o Grande e, com certeza, teve grande influência sobre o grande conquistador filho de Felipe da Macedônia, no que diz respeito à unificação das cidades gregas. Contudo, é possível que Aristóteles nunca tenha compreendido a ideia de Alexandre em helenizar os bárbaros. Em meados de 335/334 a.C., Aristóteles fundou em Atenas o grande Liceu, também conhecido como Perípatos (passeio, em grego), uma vez que Aristóteles costumava ensi- nar andando pelos jardins do Liceu, fato que cognominou seus discípulos de “peripatéticos”. Dentre as inúmeras obras de Aristóteles, as que chegaram até nós foram anotações de seus discípulos (com exceção da obra constituição de Atenas, des- coberta em 1890), as quais mais tarde foram sistematizadas por Andrônico de Rodes por volta do ano 62 a.C. Destacamos aqui as principais obras desse filósofo: INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I ■ A Constituição de Atenas ■ Ética e Nicômanos ■ Ética a Eudemo ■ A Política ■ Órganon ■ Retórica ■ A Poética ■ De anima ■ Metafísica ■ Categorias PLATÃO E O MUNDO DAS IDEIAS Conforme mencionado anteriormente, o problema do ser humano sempre foi a busca pelo conhecimento. Desde os pré-socráticos, os filósofos persistiram na busca pelo Arkhé, ou seja, pelo princípio originário de todas as coi- sas. Aqui, veremos que o filósofo Platão busca resolver um dilema da Filosofia, o “Ser ou Não Ser” já discutido desde os pré-socráti- cos, especificamente por Heráclito e Parmênides. Para Heráclito de Éfeso, o mundo é um eterno devir, como transcrito por Marilena Chauí (apud CHAUÍ, 2002, p. 81): 25 Platão e o Mundo das Ideias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos (...) Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio: suas águas não são as mesmas e nós não somos os mesmos (...) “tudo flui”, tudo passa, tudo se move sem cessar. O úmido seca, o seco umedece, o quente esfria, o frio esquenta, a vida morre, a morte renasce, o dia anoitece, a noite amanhece, a vigília adormece, o sono desperta, a criança envelhece, o velho se infantiliza. O mundo é um perpétuo nascer e morrer, envelhe- cer e rejuvenescer. Tudo muda, nada permanece idêntico a si mesmo. O movimento é, portanto, a realidade verdadeira. De acordo com Heráclito, o mundo está em constante mudança, nada é fixo ou imóvel. O fluxo do mundo não é um caos, contudo, é uma luta dos contrários. Para Heráclito “O deus é dia noite, inverno verão, guerra paz, saciedade fome; mas se alterna como fogo, quando se mistura a incensos, e se denomina segundo o gosto de cada” (SOUZA, 1991, p. 57). O problema heraclitiano é a concilia- ção dos contrários, o que não se coaduna com o pensamento de Parmênides. Por outro lado, para Parmênides de Eleia, o Ser é imóvel e imutável, pois se fosse diferente, isto é, se mudasse, já não seria mais o que é. Na filosofia de Heráclito, o Não-Ser não existe, a ponto de não poder ser pensado e nem dito. Marilena Chauí (2002) observa que a complexidade do pensamento de Parmênides não foi um problema apenas para seus contemporâneos, mas alastrou-se por toda a história da filosofia tornando-se, desta forma, a grande pergunta filosófica de todos os tempos, conforme podemos ver abaixo: Que está dizendo Parmênides? Que o ser é e o nada não é. Que o ser pode ser pensado e dito. Que o nada não pode ser pensado e nem dito. Que pensar e ser são o mesmo. Que, portanto, o nada é não-ser e impensável. Que dizer e ser são o mesmo. Que, portanto, o nada é não-ser e indizível. A filosofia de Platão sofre influências de Heráclito e Parmênides. Marilena Chauí (2002, p. 241), citando o diálogo Sofista de Platão, relata que, para o segundo o filósofo grego, é preciso cometer um parricídio, isto é, faz-se necessário matar INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I o pai Parmênides para que seja possível o ato de filosofar, ou seja, matar o pai Parmênides é aceitar o Não-ser. Dessa forma, Heráclito não estaria completa- mente errado, pois Platão também admite a existência do Não-ser. Platão tem como missão buscar a reconciliação entre as teorias de Heráclito e Parmênides. Dessas duas contradições filosóficas surge a famosa teoria das ideias de Platão, âmago de toda a sua filosofia. Segundo a filosofia de Platão, nem Heráclito nem Parmênides estão inteiramente equivocados. Heráclito errou em considerar que o devir era a totalidade do real. Para Platão, o devir de Heráclito nada mais é do que o mundo sensível, logo, o Não-ser; enquanto que o Ser imó- vel de Parmênides está relacionado ao mundo inteligível. Conforme Platão, existem dois mundos: um da verdadeira realidade e o outro, o mundo das sombras. O mundo inteligível não tem nenhuma interferência dos sentidos ou opiniões. O mundo sensível é uma sombra, logo, um Não-ser. O Não-ser, segundo Platão, não é o puro nada, pelo contrário, ele é alguma coisa. Ele é o outro do Ser, logo, é diferente do Ser. O Não-ser é aquilo que é inferior ao Ser, uma vez que é o que nos engana, nos ilude, é a causa dos nossos erros. De fato, a questão do Ser e do Não-ser é complexa, mas vamos resumi-la a fim de que se torne mais clara. O que Platão chama de Não-ser, sombras, ilusão, são as coisas do mundo sensível, ou seja, as coisas do nosso mundo. Por outro lado, o que ele chama de Ser são as coisas inteligíveis, as ideias ou o mundo das ideias. As ideias ou o mundo das ideias são a verdadeirarealidade e perfeição. O Não-ser não é um puro nada, mas apenas um falso Ser, ou então uma som- bra do Ser verdadeiro. Platão denomina o Não-ser de pseudo-Ser (falso ser). O Não-ser é o sensível, é o mundo em que vivemos. Para sintetizar a teoria platônica sobre o mundo sensível e o mundo inteligível, tomamos como exemplo uma interpretação do Mito da Caverna, con- tido no livro VII da “República” (de Platão)1. O mito da caverna é um diálogo Platônico no qual Sócrates e Glauco, de forma dialética, procuram chegar à essên- cia do conhecimento verdadeiro. No mito da caverna, vemos a condição do ser humano preso ao mundo sensível, à ignorância, sem poder libertar-se das amar- ras, nas quais se encontra preso. É somente pelo conhecimento (filosófico) que o 1 Para uma melhor compreensão da alegoria da caverna, veja a leitura complementar ao final desta unidade. 27 Platão e o Mundo das Ideias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . indivíduo consegue libertar-se da prisão da ignorância. Contudo, ao libertar-se, ele volta à caverna para ajudar os seus amigos que lá permaneceram. Contudo, não será compreendido, pelo contrário, como diz Marilena Chauí (2002, p. 261): Torna-se motivo de zombaria e riso, e correrá o risco de ser morto pe- los que jamais se disporão a abandonar a caverna. Impossível para o lei- tor não identificar a figura de Sócrates na do prisioneiro que se liberta, retorna e é morto pelos homens das sombras. Chauí (2002, p. 258) interpreta o mito da caverna conforme o esquema abaixo: MUNDO SENSÍVEL MUNDO INTELIGÍVEL Sol Bem Luz Verdade Cores Ideias Olhos Alma racional ou inteligência Visão Intuição Treva, cegueira, privação de Luz. Ignorância, opinião, privação de verdade. No diálogo Teeteto, Platão nos esclarece o método socrático de ensino e apren- dizagem. Trata-se da maiêutica socrática, ou seja, o parto das ideias. Nesse diálogo, Sócrates encontra-se com um jovem cujo nome é Teeteto, apresen- tado a Sócrates por Teodoro, conforme vemos na citação do próprio diálogo (PLATÓN, 2008, p. 33): Teodoro — Efetivamente, Sócrates, vale tanto a pena eu falar como ouvires a respeito de um adolescente que descobri entre vossos conci- dadãos. Se se tratasse de um belo rapaz, teria medo de manifestar-me, para não pensarem que eu o fazia como apaixonado. Porém a verda- de — sem querer ofender-te — é que ele não é nada belo; parece-se contigo em ter o nariz chato e os olhos saltados, aliás, em grau menos acentuado. Por isso, falo sem o menor constrangimento. Sabe, pois, que no meio de tantos jovens que até agora conheci — e não têm conta os com que já tenho conversado — não encontrei nenhum com tão mara- vilhosa natureza. A facilidade de aprender como apenas se encontraria em mais alguém, uma docilidade única, associada a singular valentia são qualidades que nunca imaginei pudessem existir ou que ainda ve- nhamos a encontrar. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Nesse diálogo, no qual a perscrutação acerca do conhecimento (episteme) é o centro de todas as discussões, Platão aborda também outra questão, a da remi- niscência (ou rememoração). O papel do filósofo aqui não é o de ensinar, e sim, como o de uma parteira, trazer à luz as ideias adormecidas até então na mente de seu interlocutor. Para tornar mais claro esse pensamento, vamos citar direta- mente o pensamento do filósofo (Nunes, 2014, p. 10): Sócrates — Eis aí a função das parteiras; muito inferior à minha, Em verdade, não acontece às mulheres parirem algumas vezes falsos filhos e outras vezes verdadeiros, de difícil distinção. Se fosse o caso, o mais importante e belo trabalho das parteiras consistiria em decidir entre o verdadeiro e o falso, não te parece? Teeteto — Sem dúvida. VII — Sócrates — A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença de eu não partejar mulher, porém homens, e de acompanhar as almas, não os corpos, em seu trabalho de parto. Porém a grande superioridade da minha arte consiste na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é alguma quimera e falsidade ou fruto legítimo e verdadei- ro. Neste particular, sou igualzinho às parteiras: estéril em matéria de sabedoria, tendo grande fundo de verdade a censura que muitos me assacam, de só interrogar os outros, sem nunca apresentar opinião pes- soal sobre nenhum assunto, por carecer, justamente, de sabedoria. E a razão é a seguinte: a divindade me incita a partejar os outros, porém me impede de conceber. Por isso mesmo, não sou sábio não havendo um só pensamento que eu possa apresentar como tendo sido invenção de minha alma e por ela dado à luz. Porém os que tratam comigo, suposto que alguns, no começo pareçam de todo ignorantes, com a continuação de nossa convivência, quantos a divindade favorece progridem admi- ravelmente, tanto no seu próprio julgamento como no de estranhos. O que é fora de dúvida é que nunca aprenderam nada comigo; neles mesmos é que descobrem as coisas belas que põem no mundo, servin- do, nisso tudo, eu e a divindade como parteira. E a prova é o e seguinte: Muitos desconhecedores desse fato e que tudo atribuem a si próprios, ou por me desprezarem ou por injunções de terceiros, afastam-se de mim cedo demais. O resultado é alguns expelirem antes do tempo, em virtude das más companhias, os germes por mim semeados, e estra- garem outros, por falta da alimentação adequada, os que eu ajudara a pôr no mundo, por darem mais importância aos produtos falsos e enganosos do que aos verdadeiros, com o que acabam por parecerem ignorantes aos seus próprios olhos e aos de estranhos. [...]. 29 Platão e o Mundo das Ideias Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . [...] Teeteto — Convém saberes, Sócrates, que já por várias vezes procu- rei resolver essa questão, por ter ouvido falar no que costumas pergun- tar sobre isso. Porém não posso convencer-me de que cheguei a uma conclusão satisfatória, como nunca ouvi de ninguém uma explicação como desejas. Apesar de tudo, não consigo afastar da idéia essa questão. Sócrates — São dores de parto, meu caro Teeteto. Não estás vazio; algo em tua alma deseja vir à luz. Teeteto — Isso não sei, Sócrates; só disse o que sinto. Sócrates — E nunca ouviste falar, meu gracejador, que eu sou filho de uma parteira famosa e imponente, Fanerete? Teeteto — Sim, já ouvi. Sócrates — Então, já te contaram também que eu exerço essa mesma arte? Teeteto — Isso, nunca. Sócrates — Pois fica sabendo que é verdade; porém não me traias; nin- guém sabe que eu conheço semelhante arte, e por não o saberem, em suas referências à minha pessoa não aludem a esse ponto; dizem apenas que eu sou o homem mais esquisito, do mundo e que lanço confusão no espírito dos outros. Para Platão, portanto, o mundo sensível, o nosso mundo, é o mundo das som- bras, das imperfeições, uma vez que pelos nossos sentidos não podemos chegar à verdade nem ao verdadeiro conhecimento. Somente no mundo das ideias é possível chegar ao verdadeiro conhecimento, à ideia do Bem. O sensível, assim como o nosso corpo, é a prisão da alma, por isso esta deve fugir dele, tornar-se virtuosa, ou seja, assemelhar-se a Deus. Os sentidos só nos permitem conhecer as cópias imperfeitas daquilo que é perfeito no mundo das ideias, isto é, só podemos emitir opiniões (doxa), as quais são sempre contraditórias sobre o verdadeiro conhecimento ou a verda- deira realidade. O mundo dos sentidos, como dito anteriormente, é a prisão na qual estamos detidos, e é preciso, por meio da razão (logos), libertar-se dessa prisão e assim ascender ao mundo das ideias, ou melhor, ao mundo da perfei- ção. Platão defende ateoria da transmigração das almas, ou seja, a alma pode ir e vir do mundo das ideias muitas vezes, encarnando aqui, num processo deno- minado de metempsicose, no qual a alma pode transmigrar de forma humana, INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I animal ou até vegetal. Em suma, é um assunto complexo, mas tentaremos resumir a teoria da transmigração da alma nas palavras de Dom Walter Michael Ebejer: Cebes é o primeiro a registrar seus temores de que a alma, após a morte, pode ficar dispersa e dissipada, como fumaça, no nada (70 A). Como resposta, Sócrates começa invocando a doutrina órfica da transmigra- ção, que ensina que os vivos vêm dos mortos, como os mortos dos vivos (70 D). Esse nexo da geração recíproca de opostos, partindo de opos- tos, que Sócrates vislumbra manifestamente em todos os seres naturais, e nas qualidades (beleza e feiura), e nos existenciais (dormir e acor- dar), dá-lhe o pretexto para o início do seu argumento dos “proces- sos recíprocos”; e assim demonstrar a imortalidade da alma. [...]. Essa ‘reminiscência’ é muito parecida com o que entendemos com a frase “associação de ideias”, porém com a diferença essencial: que enquanto nós, em virtude de semelhança, ou dessemelhança ou contiguidade, re- memoramos aqueles outros objetos ou acontecimentos deste mundo, a doutrina da reminiscência afirma que vendo, ouvindo, etc. a realidade física a mente fica imediatamente conscientizada das realidades não fí- sicas que representam a natureza dos objetos físicos em pauta, mas que são apartadas – as Formas subsistentes (EBEJER, 2010, p. 76-77). A METAFÍSICA ARISTOTÉLICA Todos os homens por natureza desejam o saber. O prazer causado pelas sensações é a prova disto, pois, mesmo fora de qualquer utilidade, elas nos agradam por elas mesmas, e, mais do que todas as outras, as sensa- ções visuais. De fato, não só para agir, mas mesmo quando nos propo- mos nenhuma ação, a vista é por assim dizer, o que proferimos a todo o resto. A causa disto é que a vista é, por assim dizer, o que preferimos a todo o resto. A causa disto é que a vida é, de todos os sentidos, o que nos faz adquirir mais conhecimentos e nos mostra o maior número de diferenças (ARISTÓTELES, 1969, p. 37). 31 A Metafísica Aristotélica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . O termo metafísica não foi criado por Aristóteles. Acredita-se que sua origem está relacionada aos peripatéticos ou ainda por Andrônico de Rodes no século I a.C. Em Aristóteles, o encontramos como a filosofia primeira, isto é, a ciência do ser enquanto ser, e por isso tem como finalidade chegar às causas primeiras do ser enquanto ser; ou ainda como teologia, para se opor a outra ciência empí- rica denominada de segunda, ou física. Podemos dizer, então, com Martins e Aranha (2004, p. 123), que “Aristóteles traz as ideias do céu à terra”. Diferentemente de Platão, para quem o sensível era inferior ao inteligível, Aristóteles faz agora uma junção dos dois termos e os denomina de substân- cia (ousía), ou seja, uma realidade primeira da qual todos os demais seres são dependentes. A metafísica de Aristóteles pode ser resumida da seguinte maneira: “Matéria e forma”, “potência e ato”, “particular e universal”, e “motor imóvel e as coisas que são movidas”. A metafísica se propõe a buscar a causa primeira de todas as coisas. Segundo Aristóteles, quatro são as causas: causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. As duas primeiras são a matéria e a forma com as quais as coisas são constituídas. A causa eficiente diz respeito ao artífice, artesão, aquele que gerou a coisa. A causa eficiente está relacionada ao devir, ou seja, à finalidade para qual a coisa foi feita. A origem do homem está relacionada à matéria (physis) graças ao princípio das causas: matéria e forma, ato e potência, essência e existência, e substância e acidentes, ou seja, das quatro causas. Essa ideia pode ser resumida como segue: INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I ■ Ato: é o que é. ■ Potência: é o que é o que poderá vir a ser. ■ Ato Puro: é o que é o que não poderá vir a ser de outra maneira. ■ Essência: aquilo que a coisa é. ■ Existência: aquilo que é ou subsiste. ■ Causa primeira daquilo que os demais seres são dependentes, ou seja, é da causa primeira que todas as coisas existentes vieram a ser o que são. ■ Acidente: qualidade que pode pertencer ou não a um determinado sujeito (ex. Ser alto ou baixo não descaracteriza o fato de ser homem). Aristóteles trabalha a questão da causa e do movimento, sempre buscando pelo princípio ou causa primeira de todas as coisas. Segundo Aristóteles, nós não podemos ficar infinitamente procurando pela causa primeira de todas as coisas. Deve existir um ser que é antes de todas as coisas, logo, a causa da existência de tudo. Para que seja a causa de tudo, nada pode ter existido antes dele, ou seja, ele deve necessariamente ser o primeiro. Para explicar essa teoria, Aristóteles vale-se da teoria do primeiro “motor imó- vel”. Ele é a causa da existência de todas as coisas. É imóvel, ou seja, por ninguém é movido, mas é a causa do movimento de todas as coisas, é o deus aristotélico, não o Deus cristão, criador, mas o deus que gera, a partir dele, todas as coisas. Esse é o “Motor Imóvel” (...) Mas de que modo o Primeiro Motor pode mover permanecendo absolutamente imóvel? No âmbito das coisas que nós conhecemos existirá algo que saiba mover sem mover ele próprio? Aristóteles responde apresentando como exemplos coisas como “o ob- jeto do desejo e da inteligência”. O objeto do desejo é aquilo que é belo e bom: o belo e o bom atraem a vontade do homem sem moverem-se de modo algum; da mesma forma, o inteligível move a inteligência sem mover-se. Analogamente, o Primeiro Motor “move do mesmo modo como o objeto de amor atrai o amante” e, como tal, permanece absolu- tamente imóvel. Evidentemente, a causalidade do Primeiro Motor não é uma causalidade do tipo “eficiente” (do tipo exercido por uma mão que move um corpo, pelo escultor que modela o mármore ou pelo pai que gera o filho), sendo, mais propriamente, uma causalidade de tipo “final” (Deus atrai e, portanto, move, como perfeição”) (REALE; AN- TISERI, 2007, VL1, p. 186). 33 Filosofia Patrística e Escolástica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . O motor imóvel ou primeiro motor consiste em ser o ato puro, puro pensa- mento, Ser necessário, incorruptível, uma vez que não está ligado nem limitado à matéria, como mais tarde São Tomás de Aquino, o qual cristianiza a filosofia aristotélica, afirma, categoricamente, que o Primeiro Motor é Deus. FILOSOFIA PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA FILOSOFIA PATRÍSTICA A filosofia patrística é um período do pensamento filosófico cristão que ocorreu do século II ao século VII d.C. A Patrística pode ser dividida em três períodos, conforme Abbagnao (2007, p. 868-869): Do século II até o século III, o período dos padres apologistas (Justino, Taciano, Atenágoras, Teófilo, Irineu, Tertuliano, Minúcio Félix, Cipriano e Lac- tâncio). Do século II até meados do século IV, período de formulação das doutrinas cristãs. Tem como principais nomes os seguintes pais da Igreja: Cle- mente de Alexandria, Orígenes, Basílio, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa e Agostinho. Do século V ao século VII - esse período tem como característica a formulação e sistematização das doutrinas até então postuladas. Os principais nomes desse período são: Nemésio, Pseudo-Dio- níso, Máximo Confessor, João Damasceno, Mar- ciano Capela, Boécio, Isidoro deSevilha, Beda , o Venerável. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Segundo os historiadores Etienne Gilson e Boehner Philotheus, compreende- -se por filosofia cristã [...] toda filosofia que, criada por cristãos convictos, distingue entre os domínios da ciência e da fé, demonstra suas proposições com razões naturais, e não obstante vê na revelação cristã um auxílio valioso, até certo ponto moralmente necessário para a razão (GILSON; PHILO- THEUS, 2003, p. 11). A filosofia patrística também pode ser dividida como o período que antecede Agostinho, período agostiniano, e o período pós-agostinho, no qual começa também a decadência da patrística. A filosofia patrística está, intrinsecamente, atrelada à teologia patrís- tica. Os pais apostólicos (aqueles que foram discípulos imediatos dos apóstolos), os pais apologistas e os pais polemistas foram os defensores da doutrina cristã nos primeiros séculos do cristianismo. É possível que Justino, o Mártir (século II), tenha sido o maior expoente da época. Justino, que fora um pagão, também foi por um período de tempo adepto da filosofia platônica e, como não encon- trou satisfação plena na filosofia pagã, converteu-se ao cristianismo, onde teria encontrado a verdadeira Filosofia (GILSON; PHILOTHEUS, 2003, p. 27-28). Contudo, segundo Paul Tillich (2000, p. 47), faz-se necessário especificar o que Justino realmente compreendia por filosofia: “Nessa época o termo ‘filosofia’ se referia a movimentos de caráter espiritual opostos à magia e a superstição”. Para Justino, além da filosofia cristã não ser supersticiosa e nem constituída de ele- mentos mágicos, ela era, para ele, a verdadeira filosofia por ser universal. Apesar da importância de Justino, o Mártir, e de outros filósofos do cristia- nismo, Aurélio Agostinho (Santo Agostinho) é, sem sombra de dúvidas, o grande nome da filosofia cristã (patrística Latina) e de toda a era da patrística ou, por que não dizer, de toda a história do Cristianismo. Agostinho nasceu na África, em Tagasta, no ano 354 da era cristã, filho de pai pagão (que converteu-se ao Cristianismo no final da vida) e de mãe devota, historicamente conhecida como Santa Mônica. Teve grande influência do Bispo Ambrósio de Milão, do qual no ano de 387 recebeu o batismo. No ano 395, tor- nou-se bispo da cidade de Hipona, onde ficou conhecido como Agostinho de Hipona. 35 Filosofia Patrística e Escolástica Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Na filosofia, foi influenciado diretamente pelo neoplatonismo, depois de ter deixado o maniqueísmo. A produção filosófica e teológica de Agostinho é extensa, convém citar aqui apenas as principais obras: ■ Contra os acadêmicos. ■ A vida feliz. ■ Os Solilóquios. ■ A imortalidade da alma. ■ A Trindade. ■ A cidade de Deus. ■ Confissões. ■ Sobre o Livre Arbítrio. FILOSOFIA ESCOLÁSTICA Entende-se por escolástica o período da história da filosofia que vai do século VIII ao século XV da era cristã e atinge seu apogeu com o seu maior represen- tante, Tomás de Aquino, conhecido historicamente como São Tomás de Aquino. A escolástica chega para substituir o sistema monástico, recebeu esse nome por ser o sistema de ensino vigente nas escolas da época. O período denominado de escolástica pode ser dividido em Escolástica, em que sobrevive o pensamento platônico-agostiniano, fruto da Patrística, e a Alta Escolástica, no qual predomina o pensamento do Aquinate. Os principais nomes dos períodos da escolástica são: ■ Escolástica: João Scoto; Santo Anselmo da Cantuária; São Bernardo de Claraval; Pedro Abelardo. ■ Alta Escolástica: Alberto Magno; São Boa Aventura; São Tomás de Aquino; Duns Escoto; Mestre Eckhart. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Conforme mencionado anteriormente, São Tomás foi o mais proeminente filó- sofo da Alta Escolástica. Contudo, vale salientar que isso é questionável, uma vez que a Igreja pode ter priorizado o referido filósofo em detrimento dos outros. Contudo, esse fato é irrelevante neste momento, pois o que pretendemos aqui é apenas expor de forma sucinta parte do pensamento e obras do doutor angélico, como ele é conhecido pela Igreja. De acordo com os historiadores da filosofia, Tomás de Aquino nasceu entre 1224 e 1225, na cidade de Nápoles. Tomás de Aquino foi o grande propagador do aristotelismo de seu tempo no meio cristão. Vale ressaltar que a filosofia aristotélica não era bem vista pela Igreja, devido ao fato de Aristóteles ter sido traduzido e comentado pelos filó- sofos árabes, principalmente por Averróis. O escritor Manuel Correia de Barros bem resume a causa da guerra da igreja contra os escritos de Aristóteles: Com verdadeiro entusiasmo, os doutores cristãos começaram o estudo do aristotelismo. Mas os livros de Aristóteles são dum pagão; pela bre- vidade do estilo, são de compreensão difícil; a sua doutrina aparecia de- formada nas traduções árabes; que a interpretavam num sentido total- mente oposto ao cristianismo. Aristóteles não fala da Criação; disse, ou parece dizer, que Deus não conhece o mundo (BARROS, 1966, p. 31). Por sua vez, o Aquinate, como bom aristotélico, cristianiza as ideias do filósofo de Estagira (Aristóteles), enfatizando que o motor imóvel é Deus. Para São Tomás, Deus não é o primeiro por ser o número um numa série, mas é primeiro por ser o único imóvel (BARROS, 1966, p. 187). São Tomás também defende que não podemos retroceder ao infinito para chegar a causa primeira: Não podemos aqui remontar ao infinito. A existência de cada termo da série está dependente da de todos os anteriores. Suprimindo o pri- meiro – o Primeiro por essência, que existe sem causa, por si mesmo –, suprimem-se todos os outros; e esses outros existem – o mundo existe –; logo, Deus existe (BARROS, 1966, p. 189). 37 René Descartes e a Filosofia Moderna Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . RENÉ DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA René Descartes é considerado o pai da filosofia moderna. Nasceu em 1596, em La Haye, Touraine. Segundo o professor Paulo Vieira Neto(2006), Descartes parti- cipou com Mauricio de Nassau da conhecida Guerra dos Trinta Anos, mas logo abandona a carreira militar, passando por Roma até retornar à Paris, já com 30 anos. Foi educado pelos Jesuítas na escola de La Flèche, para os quais, possivel- mente, sempre foi devedor. Não tinha boa saúde, contudo, era de uma inteligência incomparável. Seu método foi fundamentado na busca pela verdade, objetivo pelo qual sacrificou bens, como família, pátria e até a vida social. A influência de Descartes foi muito grande, a ponto do grande filósofo G. W. Leibniz (1646 – 1716) referir-se a ele com as seguintes palavras: Eu costumo chamar os escritos de Descartes de ‘vestíbulo da verdadei- ra filosofia’, já que, embora ele não tenha alcançado o seu núcleo íntimo, foi quem dele se aproximou mais do que qualquer outro antes, com a única exceção de Galileu, do qual quisessem os céus que tivéssemos todas as meditações sobre os diversos temas, que o destino adverso re- duziu ao silêncio. Quem ler Galileu e Descartes se encontrará em me- lhores condições de descobrir a verdade do que se houvesse explorado todo o gênero dos autores comuns (REALE; ANTISERI, 2007, VL2, p. 351). A filosofia de Descartes é também conhecida pela questão da dúvida hiperbólica (exagerada). Na obra “Discurso do Método”, encontramos a seguinte afirmação de Descartes: [...] de nunca aceitar algo como verdadeiro que eu não conhecesse pri- meiro claramente como tal; ou seja, de evitar cuidadosamente apressa e a prevenção, e de nada fazer constar de meus juízos que se apresen- tasse tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse motivo algum de duvidar dele (CORVISIERI, 1999, p.49). Portanto, Descartes parte do princípio de que se deve duvidar de tudo. Ele duvida “das afirmações do senso comum, dos argumentos da autoridade, do tes- temunho dos sentidos, das informações da consciência, das verdades deduzidas pelo raciocínio, da realidade do mundo exterior e da realidade do seu próprio corpo” (ARANHA; MARTINS, 2004, p. 131). A série de dúvidas de Descartes INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I é interrompida com o “Cogito, ergo sum” (penso, logo existo). Sobre o Cogito, Descartes nos diz: [...] porém logo em seguida, percebi que, ao mesmo tempo que eu que- ria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava ser alguma coisa. E ao notar que esta verdade: eu penso logo existo, era tão sólida que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la sem escrú- pulo algum, o primeiro princípio da filosofia que procurava (CORVI- SIERI, 1999, p. 62). Para Descartes, nossas ideias são dividas em três tipos: ■ Ideias Inatas: que são aquelas que já nascem comigo. ■ Ideias Adventícias: são as ideias que provêm do mundo exterior. ■ Ideias Factícias: são as ilusões da mente. As principais ideias são as inatas, uma vez que elas são claras e distintas, logo, não sujeitas a erros. As ideias inatas são o Cogito (res cogitans – coisa pensante), a ideia de Deus, a imortalidade da alma e a ideia de extensão e movimento. A certeza de que existo e que existe um mundo fora de mim só pode ser verda- deira porque existe um Deus, que é eterno e infinitamente bom. Logo, se Deus existe, e é infinitamente bom, ele não me engana e é a garantia de que as coisas pensadas são verdadeiras e reais. Portanto, não há dúvidas, eu tenho um corpo, logo, eu existo. Conforme Descartes, a ideia de Deus só pode existir em mim, ser imperfeito e finito, se um outro ser, perfeito e infinito, tivesse colocado em mim tal ideia. Essa ideia (de Deus) não pode ser fictícia, porque foge à minha capacidade de retirar ou acrescentar alguma coisa a ela. Também não pode ser adventícia, por- que não a recebi através dos meus sentidos. Portanto, ela só pode ser inata, uma vez que ela existe em mim desde que fui criado por Deus, pois de outra forma, segundo Descartes, ela não existiria. 39 O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke e David Hume Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . O EMPIRISMO INGLÊS: FRANCIS BACON, JOHN LOCKE E DAVID HUME FRANCIS BACON Estas três coisas (a arte da impressão, a pólvora e a bússola) mudaram a situação do mundo todo, a primeira nas letras, a segunda na arte militar, a terceira na navegação; provocaram mudanças tão infinitas que nenhum império, nem seita, nem estrela parece ter exercido maior influência com mais eficácia sobre a humanidade do que essas três invenções ( REALE; ANTISERI, 2007, VL 2, p. 319). O filósofo empirista Francis Bacon nasceu em Londres, em 1561. Segundo Antonio Rezende, o método utilizado por Bacon, bem como pelos demais filósofos empiristas, é conhecido como método experimental (REZENDE, 2005, p. 118). Novo Organum é a obra mais conhecida de Bacon, na qual o filósofo trata das questões pertinentes ao método indutivo científico que, por sua vez, tem como objetivo a construção ou interpretação das ciências da natureza. Entre as atividades exercidas por Bacon consta que ele foi jurista, parlamentar, guarda dos selos, chanceler e visconde de Saint- Albans (HUISMAN, 2001, p. 105). Descartes foi conhecido como o filósofo da “dúvida”. É possível afirmar, me- diante tal pensamento, que Descartes foi um filósofo cético? O que é ceti- cismo? INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I A filosofia de Bacon tem como finalidade instaurar uma ciência prática, logo, é preciso transpor os conceitos filosóficos medievais baseados mais na razão do que na observação. Contudo, vale ressaltar que, para Bacon, nem todas as expe- riências são válidas, sendo válidas as experiências bem guiadas, caso contrário, elas serão de todo vagas. A filosofia de Bacon, no entanto, não deve ser conside- rada tecnicista, já que para ele a ciência só é valida se posta a serviço “do ideal da caridade e da fraternidade” (REALE; ANTISERI, 2007, Vl2, p.347). Portanto, em questões de ética, Bacon defende a ideia de que o indivíduo pode e deve progre- dir, sem deixar de ser humano, ou seja, a função da ciência deve estar centrada na transformação social do ser humano, com base no conceito da fraternidade. Empirismo é uma “corrente filosófica para a qual a experiência é critério ou norma de verdade, considerando-se a palavra ‘experiência’ no significado: Em geral, essa corrente caracteriza-se pelo seguinte: negação do caráter absoluto da verdade ou, da verdade acessível ao homem; reconhecimento de que toda verdade pode e deve ser posta à prova, logo eventualmente modificada, corrigida ou abandonada. Portanto, o Empirismo, não se opõe à razão ou a nega, a não ser quando a razão pretende estabelecer verdades necessárias, que valham a pena em absoluto, de tal forma que seria inútil ou contraditório submetê-las à prova” (ABBAGNANO, 2007, p. 377-378). 41 O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke e David Hume Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . JOHN LOCKE John Locke (1632 - 1704) era filho de um pequeno proprietário e advogado da cidade Wrington, próximo a Bristol. Quando Locke tinha dezesseis anos come- çou a guerra civil, e o pai dele alistou-se no exército que apoiava o governo. Locke foi um filósofo inglês de grande influência no século XVII, sendo considerado o sucessor de Tomas Hobbes. Para Locke, nós temos ideias simples e ideias complexas (compostas). A formação das ideias complexas se dá a partir das ideias simples, as quais são provenientes dos nos- sos sentidos. As ideias simples podem ser impressões de sensação, ou seja, são aquelas que vêm de fora, são externas, porém me afe- tam porque são captadas através dos órgãos dos sentidos, conforme podemos ver nas pala- vras do filósofo: Para melhor conceber as ideias que recebemos da sensação, não nos parece impróprio considerá-las com referência aos diferentes meios pelos quais elas se aproximam de nossas mentes e tornam-se por nós percebíveis. Primeiro, algumas entram em nossas mentes por um único sentido. Segundo, outras transportam-se à mente por mais de um sentido. Terceiro, outras derivam-se apenas da reflexão. Quarto, algumas abrem caminho, e são sugeridas à mente, por todos os meios da sensação e da reflexão (AIEX , 1978, p. 166). INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I Diferentemente de Descartes, o qual, como vimos anteriormente, defendia a existência de ideias inatas, para Locke, não existem ideias inatas, nem mesmo a ideia de Deus é inata, para o referido filósofo, uma vez que há povos que não conhecem ou não têm uma palavra para designar Deus e não possuem nenhuma religião. Além de tais povos, as crianças e as pessoas com algum tipo de defi- ciência mental não possuem nenhuma ideia inata sobre a divindade. Portanto, Locke não aceita a teoria das ideias inatas (AIEX, 1978, p. 146). Para Locke, se afirmarmos que as impressões estão na mente, mas que o indivíduo não as conhece, é a mesma coisa que reduziressas impressões a nada. Segundo o filósofo supracitado, é possível que um homem viva muitos anos sem jamais conhecer algumas verdades que sua mente seria capaz de conhecer. Portanto, Locke conclui que “ninguém jamais negou que a mente seria capaz de conhecer várias verdades. Afirmo que a capacidade é inata, mas o conhecimento, adquirido” (apud AIEX, 1978, p. 146). Segundo Locke, todas as nossas ideias derivam da reflexão, logo a experi- ência dos objetos externos chegam até nós pelos nossos sentidos, isto é, pela sensação. Contudo, as experiências internas chegam até nós pela reflexão. Para Locke, a nossa mente é como uma tábula rasa (folha em branco): à medida que a nossa mente recebe as informações, seja pela sensação ou pela reflexão, ela forma, a partir das ideias simples, as ideias complexas, que são ativadas em nós pela experiência. De acordo com Locke, [...] o entendimento não tem o menor vislumbre de quaisquer ideias se não as receber de uma das fontes. Os objetos externos suprem a men- te com as ideias das qualidades sensíveis, que são todas as diferentes percepções produzidas em nós, e a mente supre o entendimento com ideias através de suas próprias operações (apud AIEX, 1978, p. 146). 43 O Empirismo Inglês: Francis Bacon, John Locke e David Hume Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . Locke ainda prossegue: Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da razão e do conheci- mento? A isso respondo, numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento. Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas mentes, que são por nós mes- mos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos entendi- mentos com todos os materiais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento jorram as nossas ideias, ou as que possivelmente termos (apud AIEX, 1978, p. 159). Portanto, segundo Locke, as ideias estão na nossa mente, mas são produto e influ- ências das coisas externas absorvidas pelos nossos sentidos. Sobre a existência de Deus, o filósofo empírico considera que ela é certa, muito mais do que os nossos sentidos nos manifestam (REALE; ANTISERI, 2007, p. 510-520). A seguir, faze- mos menção de uma citação de Locke feita por Reale e Antiseri (2007, p. 525), a qual salienta a fé de tal filósofo: A Sagrada Escritura é e sempre será o guia constante do meu assenti- mento. E eu sempre lhe darei ouvidos, porque ela contém a infalível verdade sobre as coisas da máxima importância. Se pudesse, gostaria de dizer que nela não há mistérios, mas devo reconhecer que, para mim, eles existem e temo que existirão. Entretanto, onde me faltar a evidência das coisas, encontrarei um argumento suficiente para que possa crer: Deus disse isto. Portanto, condenarei imediatamente e rejei- tarei toda doutrina minha tão logo se me mostrar que ela é contrária a qualquer doutrina revelada na Escritura. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I O IDEALISMO ALEMÃO: KANT E HEGEL EMMANUEL KANT Esclarecimento é a saída do homem da menoridade pela qual é o pró- prio culpado. Menoridade é a incapacidade de servir-se do próprio en- tendimento sem direção alheia. O homem é o próprio culpado por esta incapacidade, quando sua causa reside na falta, não de entendimento, mas de resolução e coragem de fazer uso dele sem a direção de outra pessoa. Sapere aude! Ousa fazer uso de teu próprio entendimento! Eis o lema do Esclarecimento ( FIGUEIREDO, 2009, p. 407). Segundo Rego (2006), o filósofo Emmanuel Kant nasceu em Königsberg, em 22 de abril de 1724, na cidade da antiga Prússia, hoje situada na Polônia. Como filósofo, destacou-se entre os mais importantes da história da filosofia, deixando inúmeras obras, dentre as quais podemos destacar: ■ Crítica da razão pura. ■ Resposta à pergunta: O que é iluminismo? ■ Fundamentação da metafísica dos costumes. ■ Crítica da razão prática. ■ Crítica do juízo. ■ A religião nos limites da razão pura. ■ A metafísica dos costumes. 45 O Idealismo Alemão: Kant e Hegel Re pr od uç ão p ro ib id a. A rt . 1 84 d o Có di go P en al e L ei 9 .6 10 d e 19 d e fe ve re iro d e 19 98 . A obra “Crítica da razão pura” tem a ciência como ponto de partida e a inter- roga sobre condições de possibilidade do conhecimento científico. De fato, quando a faculdade de conhecer é analisada por Kant, nessa obra, observa-se a distinção entre duas formas de conhecimento: o empírico ou a posteriori e o conhecimento a priori. O conhecimento empírico é aquele que contém a sensa- ção e, assim, pressupõe a presença real dos objetos. Ele se funda na experiência, e esta, em última instância, é um saber baseado nos sentidos. O conhecimento a priori é aquele que não é fundado na experiência, ou seja, ele é independente de toda e qualquer experiência. Para Kant, somente a experiência pode nos dizer como as coisas são, con- tudo, ela não pode dizer que as coisas devem ser sempre dessa maneira, e não de outro modo. Dessa forma, se há um conhecimento que tenha essas qualida- des e seja necessário e universal, então ele não pode ser empírico, logo, deve ser a priori. Para o filósofo de Könisberg, conhecer é dar forma à matéria dada, e esta matéria é a posteriori, enquanto que a forma é a priori. Portanto, o conhecimento depende do objeto, mas a forma é invariavel- mente encontrada em todos os objetos e por todos os sujeitos. Na matemática e na física, temos conhecimentos que são, ao mesmo tempo, racionais e objetivos, no sentido de procederem da razão e de se referirem a objetos. A matemática é Imannuel Kant (1724-1804) é um dos filósofos mais lidos e discutidos nos dias de hoje. Suas contribuições abrangem todos os campos do saber, es- tendendo-se da epistemologia à moral, passando pelo pensamento jurídi- co-político, estético e antropológico. Dedicou-se a praticamente todos os assuntos em voga em sua época – uma época que ele mesmo definiu como a do Esclarecimento, e da qual somos em grande medida ainda tributários. Daí por que tomar conhecimento da filosofia kantiana e de sua articulação com o seu tempo constitua uma oportunidade para seguirmos de perto a formação de concepções que orientam nosso próprio modo de compre- ender a realidade e agir sobre ela. Em suma, voltar a Kant é uma maneira de compreender melhor as ideias e princípios que nos fazem pensar como pensamos. Fonte: Figueiredo, 2009. INTRODUÇÃO À FILOSOFIA: BREVE HISTÓRICO; FILOSOFIA E CONHECIMENTO Reprodução proibida. A rt. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. I um exemplo magnífico de como tão longe conseguimos chegar ao conhecimento a priori, independente da experiência. O problema, para Kant, é saber por que essas ciências podem determinar certos objetos a priori, e por que o mesmo não se dá com a metafísica. Para Kant, a metafísica é racionalista, ou seja, vai além da experiência. O mesmo se dá com a matemática, que tem suas verdades baseadas em si mesmas ou demonstradas a partir de verdades evidentes. No entanto, na matemática isso não se dá da mesma forma que na física, em que predomina o conhecimento pela experiência, pois, quando os matemáticos demonstram seus teoremas, não o fazem pela experiência, mas pela razão. Ora, se nas matemáticas a razão con- segue produzir conhecimentos a partir de si mesma, por que ela não poderia fazer o mesmo na metafísica? Se a razão não precisa da experiência nas mate-
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