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37 5 Introdução O processo de evolução biológica de todo organismo vivo é produto de alterações no seu material genético. A informação contida neste material está codificada na grande maioria dos organismos pelo ácido desoxirribonucleico (DNA), enquanto em alguns vírus essa informação encontra- -se no ácido ribonucleico (RNA). A identificação do DNA como transportador da informação genética tem sido um processo gradual ainda inacabado. Pela facilidade de mani- pulação, os micro-organismos, mais especificamente as bac- térias e os vírus, têm sido o material usado nestas pesquisas. A molécula de DNA é geralmente uma dupla fita. Alguns vírus possuem RNA em vez do DNA, podendo ser uma molécula de fita simples ou dupla. Poucos vírus possuem DNA de fita simples. O DNA possui em vários organismos as mesmas propriedades ou funções, as quais incluem a capacidade de replicação e transmissão das mo- léculas hereditárias durante a divisão celular. A unidade de replicação é o replicon, que contém um sítio origem capaz de replicação autônoma. O DNA em bactérias é uma macromolécula em forma de uma dupla fita circular, com um comprimento de aproxi- madamente 1,1 mm, altamente empacotado e dobrado para se manter dentro da célula, que mede de 1 a 2 µm de com- primento. O DNA do vírus do polioma consiste em 5.100 pares de bases e tem um comprimento de 1,7 µm (17.000 Ao), enquanto o DNA da bactéria E. coli possui cerca de 4,6 milhões de bases com um comprimento macroscópico de 1,7 mm, ou seja, aproximadamente 850 vezes maior que a célula bacteriana. O empacotamento do DNA está em torno de um eixo central formando uma estrutura superenrolada (supercoiled). Esta forma favorece a ação de certas enzimas, como as DNA girases e as topoisomerases. Observa-se que existem duas forquilhas em cromosso- mos circulares que se replicam então em forma bidirecional. A 180o do ponto de origem existe um sítio de terminação. Este processo bidirecional é quase universal, com exceção de alguns vírus e bactérias. A replicação do DNA é semicon- servativa, isto é, uma fita do DNA parental é conservada du- rante o processo de replicação, enquanto a fita complementar Genética Bacteriana Gabriel Padilla Sérgio Olavo Pinto da Costa é sintetizada novamente. A síntese in vitro do DNA requer: a) uma mistura de desoxirribonucleotídeos 5’ trifosfato: dATP, dGTP, dCTP, dTTP; b) a presença do íon Mg++, que estabiliza o DNA quando se une a fosfato carregado negati- vamente; c) uma molécula de DNA de alto peso molecular, na qual o DNA cumprirá uma dupla função, atuando como iniciadora (primer) e como molde da fita; d) a presença de DNA polimerase. Esta enzima requer uma hidroxila 3’ livre em um dos extremos do DNA, além de uma região de fita simples no outro extremo, significando que a síntese se dá em direção 5’ → 3’, 3’ → 5’. Várias DNA polimerases têm sido descobertas: DNA polimerase I e II, que são enzimas de reparo e DNA polimerase III, que atua na replicação. Em procariotos, estas enzimas têm função endonucleotídica. A síntese de DNA em uma fita é descontínua, enquanto na outra é contínua. Ambas as fitas são sintetizadas em senti- do 5’ → 3’, mas a fita que está sendo sintetizada em sentido 3’ → 5’ o faz em fragmentos conhecidos como fragmentos de Okasaki, os quais são unidos por um ligase. Assim, a síntese é contínua para a fita que cresce na direção 5’ → 3’, chamada fita líder (laggingstrand), enquanto a fita que cresce em sentido 3’ → 5’ o faz em forma descontínua. O processo de replicação em E. coli envolve: 1) A replicação começa na origem, OriC, onde as fitas do DNA se separam. As proteínas de replicação formam um complexo chamado primossoma. Este complexo segue a forquilha de replicação durante a síntese de DNA. 2) Uma das fitas é cortada na origem, expondo um dos ex- tremos como fita simples. Antes de começar a síntese dos fragmentos de Okasaki na fita descontínua, é necessária a presença da enzima RNA primase. Esta enzima se liga a DnaB (helicase), sintetizando um novo primer de dez nu- cleotídeos de longitude, dissociando-se posteriormente. Os primers são feitos em intervalos na fita descontínua. Depois, a DNA polimerase III é usada para alongar os primers RNA, produzindo deste modo os fragmentos de Okasaki. A elongação é feita pela DNA polimerase III até o extremo 5’ do fragmento prévio de DNA. Os primers RNA são removidos por enzimas de reparo (polimerase I) e são substituídos por DNA. A enzima DNA ligase une a extremidade 3’ do novo DNA com a extremidade 38 5’ fosfato do fragmento anterior, e a fita complementar, a fita descontínua, é sintetizada. O cromossomo de E. coli tem aproximadamente 4,6 x 106 pares de bases. Como a célula se divide a cada 30-40 minutos, isto significa que a duplicação do cromossomo será a uma taxa de 1.584 pares de bases por segundo. A replica- ção em E. coli é bidirecional; cada forquilha de replicação é polimerizada a uma taxa de 792 pares de bases por segundo. Mutação As alterações na estrutura química ou física do DNA são conhecidas como mutações. Estas podem ser ocasionadas por agentes físicos ou químicos chamados mutagênicos ou agentes genotóxicos. O organismo não exposto a um muta- gênico é chamado tipo selvagem, enquanto o organismo com alterações resultantes da ação destes agentes é um mutante. Estes são identificados por variações fenotípicas ou varia- ções que só processos bioquímicos ou biofísicos detectam. As mutações são fontes de uma grande variabilidade gené- tica, e sem elas o processo de adaptação não seria possível. Portanto, existe tendência a uma variabilidade herdada de uma geração a outra. De acordo com o agente, as mutações podem ser espontâneas ou induzidas. As mutações espontâneas podem ser causadas por erros durante a replicação do DNA ou pela exposição do organismo a influências extracelulares do meio ambiente, como radiações ou agentes químicos. As mutações induzidas são produto de uma ação deliberada na qual o organismo é exposto à ação de um agente genotóxico. As mutações es- pontâneas são eventos raros, com frequências de 1 ´ 109 a 1 ´ 1012 por geração para um gene particular; ou uma célula bacteriana em um bilhão ou uma em dez bilhões apresentam mutação. As frequências variam para cada tipo de mutação, para cada espécie e para cada linhagem. Algumas regiões do DNA são mais sensíveis à aparição de um evento mu- tacional, chamadas pontos quentes. As mutações podem envolver uma base só, mutações pontuais. A taxa de mutação a um mutagênico específico depende da natureza da base no extremo 5’. O sistema de reparo varia em sua efetividade devido à presença de bases específicas na região do sítio de mutação. A taxa de mutação pela ação de um agente geno- tóxico é de 1 ´ 10-4 ou maior. A replicação é um processo altamente eficiente, com uma taxa de erro baixa estimada entre 1 ´ 10-8 e 1 ´ 10-11. Para E. coli com um cromossomo de 4,6 ´ 106 pares de bases, um erro acontece uma vez a cada mil a dez mil repli- cações. A segurança deste processo está baseada na atividade de várias enzimas que formam um complexo chamado sis- tema DNA replicase ou replissoma formado por helicases, topisiomerases, proteínas ligadoras de DNA, primases e ligases. Algumas espécies bacterianas apresentam uma taxa maior de mutação espontânea. Foram descobertos em Escherichia coli genes mutadores, que elevam a frequência de mutação, por exemplo, o gene que produz a RNA poli- merase termolábil. Esta insere nucleotídeos incorretamente durante a replicação a uma taxa maior que a da enzima da linhagem selvagem. Em bactérias produtoras de antibióticos do gênero Streptomyces, essa taxa de mutação espontânea pode ser de 1% a 4% por esporo, mil vezes maior que E. coli. Quando a mutação permanece estável, esta pode ser transferida a outras gerações. No caso de uma linhagem selvagem His+ = histidina prototrófica que muda para His- = histidina auxotrófica, esta linhagem pode reverter e voltara His+ através das chamadas mutações revertentes. Outra mu- tação que se apresenta distante do sítio da mutação original é conhecida como mutação supressora. Existem diferentes tipos de mutação, por exemplo: muta- ção por substituição de pares de bases. Estas mutações podem ser espontâneas como consequências de rearranjos na distribui- ção de elétrons nas bases púricas e pirimidínicas, produzindo- -se assim alterações ou mutações tautoméricas. Os tautômeros são compostos que diferem na organização dos hidrogênios e dos elétrons. Dois tipos de substituição de bases podem ocor- rer: transição e transversão. Na transição, uma base pirimídica é substituída por outra pirimídica. Na transversão, uma base púrica é substituída por outra pirimídica ou vice-versa: transição T ↔ C ↨ ↨ transversão A ↔ G transição Quando as mutações são estudadas em nível de polipep- tídeos, são reconhecidos basicamente quatro tipos de muta- ções que alteram a atividade destes: mutações sem sentido, mutações de sentido errado, mutações de fase de leitura e mutação supressora. As mutações sem sentido são o produto de códons sem sentido, ou seja, que não especificam para nenhum aminoá- cido. Elas são reconhecidas como sinais de terminação pelos ribossomos. Os resultados são polipeptídeos mais curtos, cuja atividade encontra-se seriamente comprometida. As mutações de sentido errado afetam uma base, resultando na substituição de um aminoácido por outro no polipeptídeo. Substituição de aminoácidos polares por não polares pode afetar a atividade do polipeptídeo. As mutações de fase de leitura afetam a sequência como um todo, pois elas são os produtos de inserções ou deleções numa sequência. As mu- tações supressoras podem ser intragênicas, ou seja, perto do gene que sofre a primeira mutação. Alterações de uma base nos tripletes CAG, AAG, GAG, UCG, UGG, UAC, UUG, UGG, UAA podem produzir um códon sem sentido UAG, também conhecidas como mutações âmbar. As outras trincas são UGA (opal) e UAA (ocre). Entre as principais variações fenotípicas consequentes das mutações, são conhecidos os mutantes: 1. Auxotróficos: são incapazes de sintetizar um ou mais fatores de crescimento como aminoácidos, purinas, pirimidinas, vitaminas. As lesões afetam genes que co- dificam para enzimas envolvidas na síntese de proteínas. As linhagens do tipo selvagem são prototróficas (capazes de sintetizar o fator de crescimento). 39 2. Resistente a drogas: mutantes que exibem diferente to- lerância a drogas como antibióticos e quimioterápicos. 3. Morfológicos: apresentam alterações, como a incapaci- dade de produzir flagelo, pili ou fímbria, cápsula, ou variações na forma da colônia. 4. Temperatura-sensíveis (ts): são mutantes incapazes de produzir um metabólito ou uma função a temperaturas diferentes à normal (temperatura restritiva). No caso de proteínas, a estrutura destas pode variar como consequ- ência da variação na temperatura. Em condições normais, esta é funcional (temperatura permissiva). 5. Supressor-sensíveis: mutantes incapazes de funcio- nar, a menos que uma segunda mutação ou fator, ou supressor, esteja presente. Este supressor corrige ou compensa o defeito fenotípico causado pela mutação supressora-sensível. Os agentes químicos produzem variados tipos de muta- ção como a substituição induzida que é conseguida pela ação de agentes como 5-bromouracilo, ácido nitroso e agentes alquilantes como mostarda nitrogenada ou etilmetanosul- fonato. Acridinas são corantes como proflavina (similar à purina), que podem inserir-se no DNA criando espaços (gaps), que induzem a formação de deleções ou inserções. As deleções implicam a perda de nucleotídeos, enquanto na inserção bases nucleotídicas são adicionadas ao DNA. Agentes físicos, como raios X, produzem deleções ao ocasionarem o rompimento de cadeias opostas. O DNA pode ser afetado também indiretamente, isto é, quando a radiação afeta compostos no citoplasma: radicais livres como H3O+ e peróxidos orgânicos podem reagir com o DNA alterado. A luz ultravioleta (UV) pode gerar diferentes tipos de mutação como substituição de bases, alteração no quadro de leitura (frameshift), deleções e duplicações. A UV atua diretamente no nível da ligação das bases, produzindo dímeros entre elas. Os dímeros freiam a velocidade da síntese, mas não obrigatoriamente a bloqueiam. UV tem a propriedade de ativar o sistema de reparo do DNA, quando este comete um erro e pode produzir uma mutação, sendo assim uma lesão premutacional. Os transposons e as sequências de inserção atuam como genes mutadores e são considerados os princi- pais agentes das mutações espontâneas. Muitos transposons levam sinais de terminação, e, quando inseridos, a transcri- ção é interrompida. Sistemas de Reparo do DNA Quando a célula é submetida à ação de agentes genotó- xicos, as proteínas que intervêm na reparação do DNA são sintetizadas. Dois sistemas são conhecidos: a resposta SOS e a resposta adaptativa. O sistema SOS é induzido primaria- mente pela luz ultravioleta. A indução de um sinal ativa a expressão de genes que tentaram corrigir as lesões. Os genes expressos podem atuar em nível de reparação de excisões ou reparação pós-replicativa. Esta ação é controlada pelos ge- nes RecA e LexA. A proteína LexA atua como um repressor dos genes SOS. Quando RecA é ativado, e a proteína RecA sintetizada, esta interage com LexA clivando-a. Assim, os genes SOS são desreprimidos. Uma vez feita a reparação, o sinal indutor é eliminado e os genes SOS são inativados. A reparação por excisão ocorre no escuro e é especí- fica para lesões de fita simples. A lesão é reconhecida pela distorção causada na fita pelos dímeros de timina. Ocorre também uma reparação por fotorreativação, mediada por uma enzima reativadora (fotoliase) que se une ao dímero no escuro removendo-o. Os dímeros produzem espaços no DNA. O sistema de reparo atua em forma pós-replicativa, na qual estes espaços são preenchidos e a síntese do DNA continua. Existe ainda recombinação entre as fitas do DNA, e, quando esse inter- câmbio entre as fitas ocorre, as lesões podem ser removidas por excisão. Apesar de estes sistemas serem eficientes, as mutações ainda podem ocorrer num processo conhecido como “sujeito a erro de excisão”. Recombinação e Transferência Gênica Enquanto a mutação assegura a variabilidade, a recombi- nação genética garante que diferentes combinações de genes sejam possíveis. Os mecanismos desenvolvidos evolutiva- mente, que permitem a recombinação, são: transformação, transdução e conjugação. Recombinação genética se dá por um conjunto de processos que produzem rearranjos entre genes ou parte desses genes. São reconhecidos dois tipos principais de recombinação: recombinação geral ou homó- loga e recombinação sítio-específica. A recombinação geral é classicamente reconhecida como a que ocorre entre molé- culas extensivamente homólogas, ou seja, entre, no mínimo, centenas de pares de bases de uma dada região do DNA. Ela depende da proteína RecA e da energia de ATP. A recombinação sítio-específica apresenta duas distintas características: é independente da proteína Rec e requer somente homologia entre as moléculas participantes de DNA, cerca de 10-40 pares e bases. Existem dois tipos de recombinação sítio-específica: a) conservativa, cujo exemplo é a integração do DNA do fago lambda no cromossomo de Escherichia coli K-12; e b) replicativa, que inicia a trans- posição de elementos genéticos e requer uma enzima, a transposase. Uma terceira categoria é a recombinação ilegítima que tem sido usada para classificar eventos que não envolvem nem extensiva homologia nem sequências específicas. Técnicas de sequenciamento têm mostrado que recombinação ocorre em pequenas regiões de homologia. O melhor exem- plo desse tipo de recombinação procede do estudo de alguns fungos dos quais se podem recuperar todos os produtos que consistem em quatro ou oito esporoshaploides, que resultam da meiose de um zigoto diploide. Recombinação é um processo mediado por genes rec (re- combinantes). A proteína RecA atua como uma ATPase DNA dependente, que promove o emparelhamento homólogo de uma fita simples de DNA com um DNA linear de fita dupla. Esta proteína é incapaz de emparelhar moléculas de fita du- pla. Originalmente, RecA junto a proteínas desestabilizadoras se unem a fita simples. Este complexo forma segmentos ao longo da estrutura fosfato-açúcar do DNA, promovendo a aproximação das fitas. Ocorre então o emparelhamento de bases ou sinapses. O intercâmbio de material entre as fitas requer energia, que é obtida da hidrólise de ATP, uma função 40 da RecA. Os segmentos de DNA intercambiados, finalmente, são ligados para produzir moléculas de DNA. Transformação Processo no qual o DNA livre no meio é tomado pela célula, resultando em alterações genotípicas desta. Para conseguir capturar o DNA, a célula precisa encontrar-se no estado de competência. Fatores como composição do meio e estado fisiológico da célula são importantes para o sucesso do processo. Quando a célula atinge o estado de compe- tência, libera-se um fator de competência, que induzirá ao estado competente as células que ainda não estão. A proteína autolisina expõe à membrana as proteínas-de-união de DNA e endonuclases. O DNA é cortado em fragmentos de seis mil a oito mil pares de bases. Uma exonuclease cliva as duas fitas, para que somente uma entre na célula. A fita de DNA mais a proteína, que protege o DNA da digestão de DNases, formam o complexo eclipse. Este complexo será transporta- do através da membrana citoplasmática, onde a fita simples do DNA se une à homóloga da receptora. A transformação tem sido observada tanto em bactérias Gram-positivas como em Gram-negativas (Figura 5.1). Transdução É o processo no qual o DNA bacteriano é transferido en- tre células mediado por um vírus. Dois tipos são conhecidos: 1) Transdução generalizada, na qual qualquer gene pode ser transduzido. O vírus leva basicamente DNA bacteriano, como foi observado por Zinder e Lederberg em 1952. Depois da lise celular, um alto título (concentração) de vírus é obtido e algumas destas partículas incorporam DNA bacteriano. Estas partículas conseguem infectar ou- tras células, mas não produzem lise, devido basicamente à carência de DNA viral. Por recombinação, o DNA de dupla fita permuta informação com o DNA receptor. No caso de não se produzir integração, a transdução é dita abortiva (Figura 5.2). 2) Transdução especializada ocorre com a transferência de genes bacterianos específicos, que estão localizados próximos do sítio de integração viral. Quando é induzida a inserção do DNA viral, por exemplo, pela ação da UV, no caso de lambda, esta ocorre levando genes de galac- tose ou biotina. Conjugação É o mecanismo de transferência de informação genética que requer contato entre as células. Este intercâmbio implica transferência de molécula de DNA extracromossômica, um plasmídio. A transferência do plasmídio pode ser dividida em quatro estágios: a) formação de uma união específica doador-receptor (contato efetivo); b) preparação para trans- ferência do DNA (mobilização); c) transferência do DNA; d) formação de um plasmídio funcional replicativo no receptor. Fragmentos de DNA da célula doadora Célula receptora DNA cromossomal Célula receptora toma o DNA doador Recombinação acontece entre DNA doador e DNA receptor DNA não recombinado degradado Célula geneticamente transformada Figura 5.1 — Esquema da transformação genética em bactérias. 41 Nem todos os plasmídios são capazes de desenvolver os estágios anteriores. De acordo com a sua funcionalidade, os plasmídios são classificados como: 1. plasmídio conjugativo: plasmídios que levam genes que codificam para contato efetivo; 2. plasmídio mobilizável: plasmídio que prepara seu DNA para transferência; 3. plasmídio autotransmissível: é um plasmídio conjugativo e mobilizável, como, por exemplo, F (Figura 5.3A). Em alguns casos, um plasmídio pode transferir outro. Por exemplo, uma célula E. coli pode ter os plasmídios F e ColE1. F é conjugativo e mobilizável, enquanto ColE1 é só conjugativo. F, então, pode ajudar para transferência de ColE1. A conjugação exige contato entre o doador e/ ou receptor. Em E. coli, isto é feito pelo pilus sexual, que é formado por uma proteína contrátil hidrofóbica, a pilina, que forma esta estrutura tubular (ver capítulo 2). A mobilização começa quando uma proteína corta o DNA em um sítio chamado origem de transferência, ou oriT, em F. Inicia-se uma replicação do tipo círculo rolante. A síntese de DNA ocorre tanto na célula doadora (síntese do DNA da doadora conjugante), que substitui a fita de DNA transferida, como na célula receptora (síntese do receptor conjugante), que duplica o DNA que foi transferido. Uma célula com plasmídio F integrado é conhecida como Hfr (high frequency of recombination), significando que os genes cromossômicos de uma célula Hfr são transferi- dos a uma célula F–, numa frequência maior do que para uma F+. O processo de transferência Hfr é diferente do de F, pois: a) leva 100 minutos para a total transferência do cro- mossomo, enquanto dois minutos no caso do plasmídio F; Figura 5.2 — Esquema da transdução. Capsídeo protéico de fago Cromossomo bacteriano DNA fago DNA bacteriano DNA do fago e proteínas são sintetizadas e o cromossomo bacteriano é destruído DNA fago Eventualmente durante a montagem do fago, fragmentos de DNA são empacotados dentre do capsídeo do fago. A célula doadora sofre lise e libera partículas de fago contendo DNA bacteriano Fago infecta célula doadora Um fago com DNA bacteriano infecta um novo hospedeiro, a célula receptora Célula receptora DNA bacteriano doador DNA bacteriano receptor Célula recombinante Recombinação pode acontecer, produzindo uma célula recombinante com um genótipo diferente das células doadoras e receptoras 42 b) geralmente a célula receptora se separa antes de a Hfr completar a transferência, em decorrência do movimento browniano; c) no cruzamento Hfr x F–, a receptora F– per- manece F , devido a que o processo geralmente se interrompe antes de F ser totalmente transferido (Figura 5.3 B). Neste caso, o DNA transferido não se circulariza e não pode replicar, podendo ocorrer recombinação, e gerar somente recombinantes em F–. Plasmídios Plasmídios são moléculas extracromossômicas circulares de DNA encontradas em muitas espécies bacterianas e em algumas espécies de eucariotos. São geralmente moléculas de DNA de fita dupla em forma de círculos fechados ou lineares, e o tamanho varia de 2 a 50 kb em média, podendo existir plasmídios gigantes maiores de 500 kb como nas bactérias Streptomyces. Os plasmídios se replicam separa- damente ou junto com a célula hospedeira, passando às cé- lulas-filha. Plasmídios podem ser curados ou removidos da célula, depois de serem submetidos a diferentes condições de estresse, como mudanças na temperatura, presença de certos corantes ou carência de certos nutrientes. Os plasmídios não são indispensáveis para a célula, mas podem conferir-lhe vantagens seletivas: por exemplo, possui informação para degradação de certos substratos, resistência a um antibiótico ou a um metal pesado. O primeiro plasmídio descrito apre- sentava capacidade de ser transferido a uma célula hospedei- ra durante um processo similar a um cruzamento chamado conjugação. Este plasmídio foi chamado fator sexual, fator de fertilidade, ou fator F. Portanto, a célula que possui o fa- Cromossomo bacteriano Pili sexual Replicação e transferência do Fator F Fator F Célula F+ Célula F- O plasmídio F (fator F) é tranferido de um doador (F+) a um receptor (F-), a célula F- é convertida em célula F+ Célula F+ Célula F+ Recombinação entre fator F e cromossomo acontece em sítios específicos Célula F+ Inserção do fator F no cromossomoFator F integrado Célula HfrFator F integrado no cromossomo de uma célula F+ transforma esta numa célula Hfr (high frequency of recombination) Célula Hfr Célula F- Replicação e transferência de parte do cromossomo Recombinação acontece no receptor entre o fragmento do cromossomo Hfr e o cromossomo F- Célula Hfr Célula F- recombinante Figura 5.3A — Esquema da conjugação em bactérias. Figura 5.3B — Esquema da conjugação. 43 tor sexual (também conhecida como célula doadora) é capaz de transferir uma cópia do fator sexual à célula receptora. A replicação do plasmídio pode ocorrer em dois mo- mentos: primeiro, quando a célula bacteriana se divide, o DNA plasmideal também se divide, assegurando que cada célula-filha receba uma cópia deste; segundo, durante o processo de conjugação, a molécula de DNA replicada pode entrar na célula receptora. Parece que, durante a replicação do plasmídio, o DNA adere à membrana citoplasmática e usa as enzimas e maquinaria utilizada para a replicação do DNA cromossomal. A replicação pode ser uni ou bidirecio- nal, dependendo do tipo de plasmídio. Alguns plasmídios se apresentam em baixo número de cópias (um a dez, ou menos), enquanto outros o fazem em alto número (dez a cem). O número de cópias é controlado pela taxa de inicia- ção da síntese de DNA. O plasmídio replicará até alcançar seu número de cópias. Supõe-se que o plasmídio codifique inibidores que afetam a taxa de iniciação da própria síntese, controlando, portanto, o número de cópias. Muitos plasmídios têm a habilidade de conferir a propriedade de fertilidade (conjugativo), enquanto outros são não-conjugativos e não conseguem efetuar sua própria transferência. Plasmídios resistentes a antibióticos em bactérias Gram-positivas, como estafilococos, não podem ser transferidos por processo de conjugação. A conjugação ocorre em bacilos, em algumas espécies de estreptomicetos e estreptococos. Os plasmídios de estafilococos só podem ser transferidos por processos de transdução, que envolve a ação de uma partícula viral. Os plasmídios não-conjugativos em Gram-negativas podem ser transferidos somente se a célula também contém plasmídios conjugativos. O fator de transferência de um plasmídio pode, portanto, efetuar a transferência de plasmídios não-conjugativos, processo chamado mobilização do plasmídio. As bactérias podem conter diferentes tipos de plasmí- dios. Enterobactérias como E. coli possuem um ou dois plas- mídios conjugativos por cromossomo, podendo transportar de dez a 15 plasmídios não conjugativos por cromossomo. Quando dois ou mais são herdados em forma estável, são considerados como compatíveis. Outros plasmídios são con- siderados como incompatíveis quando, após várias divisões celulares, um dos tipos de plasmídio é perdido. Os mecanis- mos moleculares que controlam esta incompatibilidade não são conhecidos, mas devem ter relação com fatores genéti- cos que controlam a replicação do plasmídio e a segregação na divisão celular. Os tipos de plasmídios mais frequentemente observados numa célula hospedeira são os seguintes: Plasmídios de tipo sexual: são importantes para a trans- ferência de plasmídios a uma célula receptora. Plasmídios do tipo fator sexual são capazes de integrar-se no cromossomo, gerando uma célula conhecida como Hfr (alta frequência de recombinação) ou permanecer independentemente do cromossomo hospedeiro. O plasmídio sexual integrado torna possível a mobilização do cromossomo bacteriano durante a conjugação (Figura 5.4). Plasmídios R: a resistência a antibióticos em muitos micro-organismos é devida à presença de plasmídios que contêm informação para a síntese de enzimas que inativam antibióticos específicos. Estes são denominados plasmí- dios de resistência ou fator R. Os plasmídios R têm dois componentes: o determinante de resistência R e o fator de transferência de resistência RTF. O RTF é necessário para a transferência dos determinantes; este contém informação para a formação do pilus ou fímbria um requerimento para transferência de DNA por conjugação em bactéria Gram- negativa. Alguns determinantes de resistência não possuem o segmento RTF; portanto, as bactérias que os transportam são incapazes de transferir estes determinantes à outra du- rante a conjugação. Ambos os fatores, R e RTF, são capazes de replicação autônoma em seus estados independentes (ou seja, estando como peças separadas de DNA), e tanto podem integrar-se dentro de outros elementos extracromossomais como em unidades cromossomais. Além disso, existem outros plasmídios como os plas- mídios Col: são plasmídios de Escherichia coli capazes de produzir colicinas, que são proteínas capazes de inibir o crescimento de células que não possuem o plasmídio Col. Plasmídios virulentos: plasmídios em várias bactérias transportam informações que favorecem a virulência durante o processo de infecção em mamíferos, incluindo os humanos. Plasmídios resistentes a mercúrio e outros íons de me- tais pesados. Plasmídios que geram hiperplasias em plantas: crista de galo é um tipo de câncer de plantas dicotiledôneas causado por Agrobacterium tumefaciens. A proliferação do tecido da planta (formação do tumor) é devido à presença de um plasmídio Ti transportado pela bactéria invasora. Transposons Durante os anos 1940 e 1950, Barbara McClintock, tra- balhando com milho, demonstrou a existência de elementos reguladores que se deslocam de um sítio a outro no genoma e afetam a expressão gênica. Trinta anos mais tarde, foram reconhecidos segmentos móveis de DNA em bactérias, que são movimentados (transpostos) em baixa frequência dentro do cromossomo. A frequência de transposição, tanto em procariotos como em eucariotos, é relativamente baixa, 10-7 por geração, dependendo do elemento em particular. Por ser o cromossomo uma molécula contínua de DNA, a transposição dos elementos móveis é um processo de in- tercâmbio de DNA, um tipo de recombinação. Entretanto, esta difere da recombinação clássica homóloga, uma vez que não existe intercâmbio de material genético entre sequências homólogas, não sendo necessária a ocorrência de homologia. Além disso, em bactérias, a evidência é clara: a recombina- ção homóloga depende do produto do gene recA, enquanto o movimento de elementos transponíveis (transposons) ocorre na mesma frequência tanto em células recA- como recA+. Muitos transposons de bactéria possuem genes facilmen- te identificáveis, que podem ou não existir em outro lugar do genoma. Genes de resistência a antibióticos são comuns, e transposons levando estes genes são os mais frequentemente estudados. Estes são designados Tn além da marca (exemplo Tn1 ampicilina). Quando não é reconhecida uma marca, estes elementos são designados sequências de inserção ou elementos IS, e são designados como IS1, IS2 etc. Os trans- 44 posons estão frequentemente localizados dentro de um gene particular, gerando uma mutação neste. Os genes de resistência presentes em transposons são usualmente diferentes daqueles produzidos por mutação no cromossomo. A origem dos genes de transposons é desconhecida. Muitos genes R codificados por plasmídios são levados por transposons neles presentes. Já há algum tempo se especula que genes de resistência a antibióticos aminoglicosídeos de amostras de interesse clínico foram derivados de organismos produtores desses antibióticos. A presença de enzimas modificadoras de aminoglicosídeos tem como função básica fornecer um mecanismo de autoproteção contra o antibiótico produzido. Portanto, os actinomicetos poderiam ter fornecido o contingente inicial de genes a partir dos quais os genes de resistência derivaram. Existe também a teoria de que os genes de resistência seriam derivados de genes bacterianos, que codificam enzimas envolvidas com o metabolismo celular normal, e teriam sofrido mutações. De acordo com esta teoria, a pressão seletiva de aminoglicosí- deos teria uma função primordial. Muitos transposonssão flanqueados por sequências de inserção. Estas possuem de 800 a 1.400 pb. Os extremos dos IS possuem características comuns a todos, que são: sequências curtas invertidas de 15 a 40 pb. Os sítios-alvo de inserção de IS não são aleatórios, significando que existem sítios preferenciais. No processo de inserção existe uma duplicação de uma sequência pequena de nucleotídeos, a sequência-alvo na molécula de DNA receptora. Por este motivo, o elemento transponível é sempre flanqueado por nucleotídeos repetidos denominados sequências repetidas diretas (Figura 5.5). Os transposons levam outros marcadores em adição à informação para transposição. A marca mais comum é a resistência a antibióticos. Outros marcadores são genes para fermentação de lactose, metabolismo de rafinose, formação de enterotoxina em E. coli e resistência a metais pesados. Existem basicamente dois tipos de transposons: classes I e II. O transposon classe I tem um marcador genético flanque- ado por duas cópias de um elemento IS. O de classe II é uma sequência flanqueada por sequências invertidas repetidas (IR), mas não por elementos IS. Entre as IR encontram-se genes que codificam para a transposição, tanto como outros marcadores genéticos. Esta classe II apresenta-se com fre- quência em plasmídios. O Tn3 pertence à classe II e contém três genes: A, R e bla. A e R estão envolvidos no processo de transposição, enquanto bla codifica para a produção de beta-lactamase. A transposição de Tn3 envolve a formação Figura 5.4 — Esquema do Plasmídio F (fator de fertilidade de E. coli). Tamanho de ~94 kb, cópia única. Possui 19 genes tra (transferência). Os números indicam as posições expressas em quilobase (Kb). Região de formação de Hfr e F Op ero n d e t ran sfe rên cia Transf erência de DN A Exclusão da superfície Formação de pili sexuais 95/0 IS3 δ γ IS2 IS3 18 33 4353 62 pif oriVfrp inoon T fin P Tra A Tra J Tra Y Tra E Tra K Tra B Tra V Tra W Tra U Tra N Tra F Tra H Tra G Tra S Tra T Tra D Tra I Duplicação Ope rado r Tra O Controle transferência R esi stê nci a a fag os esp ecí fico s d e F 45 de um intermediário ou cointegrado; este representa na célu- la a fusão de dois plasmídios. A enzima transposase é o pro- duto do gene A e responsável pela formação do cointegrado. O passo final da transposição inclui o processo de resolução. Isto significa que os dois plasmídios voltam a separar-se. A enzima responsável é a resolvase, codificada pelo gene R. Esta catalisa o intercâmbio sítio específico nos sítios res. Os transposons podem ser usados como ferramentas para clonagem. Os genes desejados são introduzidos, clonados em um plasmídio e este finalmente é introduzido em células bacterianas (Figura 5.6). Existem transposons que são capazes de se transferir de uma célula para outra sem o auxílio de plasmídios, num processo em que é necessário o contato direto entre a célula doadora e a receptora. Este tipo de transposon é ubiquitário de Streptoo coccus e é conhecido como transposon con- jugativo. Ele é importante na disseminação da resistência múltipla de antibióticos nesse gênero bacteriano, e possivel- mente em outras bactérias Gram-positivas. O determinante da resistência à tetraciclina pode ter sido o primeiro que adquiriu a capacidade conjugativa, já que tem sua dissemi- nação mais difundida; quase todos os sistemas conjugativos não plasmideanos em estreptococo incluem essa resistência. Um transposon conjugativo que representa bem essa classe é o Tn916. Ele é constituído por um segmento relativamente grande de DNA (16 kb). A evolução da resistência múltipla pode ter sido pela aquisição de marcadores adicionais nesse transposon conjugativo. O interessante é que muitos trans- posons conjugativos têm forte inclinação para se inserir próximos ao determinante de hemolisina de plasmídios de S. faecalis. A presença desses plasmídios dotados de alta mobilidade e abrigando transposons conjugativos aumenta a conjugação cromossomo-cromossomo em cerca de duas ordens de magnitude, acreditando-se que parte desse au- mento é devida à carona desses transposons no plasmídio. Além da capacidade de estimular cruzamento bacteriano, os transposons conjugativos diferem dos demais transposons conhecidos pelo fato de não conterem longas sequências repetidas e não causarem duplicação do alvo de DNA no seu sítio de inserção. Figura 5.5 — Tipos de transposons. Representação de transposons classe I e II. A transposição em classe I é estimulada por elementos IS que estão nos laterais do marcador genético interno. Figura 5.6 — Os transposons compostos são ladeados por IS (como IS1) ou IS-like (como IS10) em repetição direta (no Tn9) ou inversa (no Tn10). Marcador genético não para transposição IS Outro marcador genético IRIRClasse II Gene para transposição Classe I IS IS1 Tn9 CmR IS1 IS10 TcR Tn10 IS10 46 Significado médico dos transposons bacterianos há um significado médico importante dos transposons, primeiramente, porque existem transposons de indiscutível valor em humanos, e, também, porque se encontram frequen- temente nas bactérias dos humanos transposons ligados a plasmídios, que são os grandes responsáveis pela resistência bacteriana aos antimicrobianos. O mais bem conhecido trans- poson que ocorre no homem é o HIV, um retroelemento que se dissemina horizontalmente como um vírus. Contudo, os transposons LINE e os elementos Alu humanos são também dotados de interesse médico. Vários casos de hemofilia ocor- reram por uma nova inserção do retrotransposom LINE L1. Até recentemente, inserções de L1 e de Alu causaram doen- ças. Uma dessas inserções foi no gene supressor de tumor e três no gene da distrofia muscular do tipo Duchenne/Becker. É bem conhecido o fato de que transposons bacterianos são responsáveis pela disseminação de genes responsáveis pela resistência bacteriana aos antibióticos e quimioterápi- cos de um genoma bacteriano para outro, via plasmídios. A rápida evolução de plasmídios de resistência (plasmí- dios R) e, consequentemente, a sua disseminação entre genomas de bactérias hospitalares (mesmo entre espécies e gêneros diferentes) devem-se à transposição desses ele- mentos. Lembremo-nos de que todo plasmídio conjugativo é constituído por dois componentes: genes envolvidos na conjugação, os genes tra (componente RTF), e os genes que conferem resistência aos antimicrobianos (determinantes R). Em vários plasmídios R, os determinantes R são ladeados por segmentos de inserção (IS) homólogos. Vários plasmí- dios R carregam dois ou mais determinantes, cada um deles ladeado por IS. Esses elementos IS são os grandes respon- sáveis pela rápida evolução dos plasmídios bacterianos que transportam genes que conferem resistência múltipla aos an- timicrobianos. Do estudo da organização desses transposons, pôde-se ter conhecimento de uma nova classe de transposons denominada integrons. Muitos dos genes resistentes aos antibióticos encontrados em bactérias Gram-negativas são contidos em cassetes de genes, vários dos quais integrados numa específica posição de um integron. Integrons e a organização de transposons cassetes de genes são elementos móveis de DNA que contêm um sítio específico de recombinação, um elemento conhecido como “59 — base” e é reconhecido pelo sistema de recombinação sítio-específico do integron. Integrons são pequenos sistemas genéticos modulares móveis envolvidos na aquisição e disseminação de genes de resistência aos an- tibióticos entre bactérias Gram-negativas, particularmente, entre enterobactérias. São constituídos por dois segmentos de DNA conservados, que ladeiam uma região central na qual cassetes móveis de genes que codificam funções de resistência aos antibióticos foram inseridos nele. O segmento 5’ codifica uma recombinase sítio-específica (integrase) e promotor ou promotores fortes que asseguram a expressão dos cassetes integrados. A integrase é responsável pela inser-ção de genes de resistência aos antibióticos que se localizam a jusante do promotor. O segmento 3’ carrega um gene ubi- quitário para resistência à sulfanilamida (sul) e dois quadros abertos de leitura com funções ainda não conhecidas. A presença do gene de resistência sul localizado fora do cas- sete de resistência não deixa de ser um tanto surpreendente. Provavelmente, o integron ancestral não conduzia nenhum gene de resistência e o gene sul foi integrado ulteriormente nesse segmento 3’ e uma razão para isso é que sulfanilamida é o mais antigo antimicrobiano usado. Resumindo, um in- tegron é uma estrutura genética que inclui os determinantes de um sistema de recombinação sítio-específica capaz de capturar e mobilizar genes contidos em elementos genéticos móveis denominados cassetes de genes. Os componentes essenciais de um integron são: o gene int, localizado no seg- mento 5’, que codifica uma recombinase sítio-específica; a integrase, um sítio adjacente, att, localizado na extremidade do segmento conservado 5’, que é reconhecido pela integra- se, para a integração de cassetes de genes de resistência e um promotor orientado para a expressão do cassete de genes. Genes que constituem os cassetes tiveram, provavel- mente, suas origens num pool de genes de resistência que, acredita-se, surgiram há centenas de milhões de anos de bactérias do solo produtoras de antibióticos, entre elas, acti- nomicetos. Esses genes podem ter sido originários também de bactérias resistentes ou mesmo de moléculas de DNA codificando resistência, encontradas no ambiente. Transposons e evolução molecular elementos genéticos móveis podem ter sido importantes na organização genômica e, portanto, na evolução molecular dos organismos hoje existentes. Adicionam-se, em bactéria, os mecanismos de transferência gênica (transdução, transfor- mação e conjugação) como elementos reestruturadores desses genomas. Não é conhecido, no entanto, se essas atividades de transposição estavam presentes no início da evolução molecular ou se chegaram mais tarde. Um pequeno segmen- to móvel de DNA, como um transposon, pode ter sido uma estrutura oportuna a participar da reunião de um DNA em expansão. Quando genomas bacterianos em evolução torna- ram-se mais complexos ou, com o tamanho atual, a transpo- sição deixou de ser necessária. Muitos transposons podem ter-se perdido enquanto alguns bacterianos se mantiveram, e são os que conhecemos hoje em dia. A partir de uma perspectiva evolutiva, os elementos genéticos móveis (como também o RNA catalítico — os íntrons) apresentam a característica ímpar de reunir pro- priedades de auto-organização, evolução e diversificação das bactérias primitivas. O aparecimento de DNA na qua- lidade de elemento genético móvel, como transposons e DNA circulares covalentemente fechados (CCC), em forma de plasmídios, são bem mais estáveis em temperaturas elevadas e em condições de pH alcalino, do que o DNA cromossômico. Se as condições iniciais para a evolução foram inóspitas, o DNA plasmidiano teria sido o melhor candidato em termos de estabilidade. A integração de vá- rios plasmídios poderia ter levado à formação de pequenos cromossomos. Transposição pode ter reunido genes disper- sos em forma de operon. 47 DNA Recombinante O desenvolvimento de várias técnicas de biologia molecular abriu uma nova era científica conhecida como Engenharia Genética. A grande maioria das aplicações está baseada na clonagem de vários genes de interesse. As metas primárias deste ramo da biologia são: 1) isolamento de um gene particular, parte de um gene ou de uma região do genoma de interesse; 2) produção de um RNA particular e proteínas em grandes quantidades; 3) melhoramento na produção de compostos bioquímicos (enzimas, drogas), ou de outros compostos orgânicos comercialmente importantes; 4) produção de plantas com características desejáveis (ex.: resistência a enfermidades, menores requerimentos de nutrientes); 5) produção de organismos com características economica- mente importantes; 6) produção de vacinas (ver Capítulo 16); 7) geneterapia (ver Capítulo 82). Os processos metodológicos são iniciados geralmente fazendo um mapa de restrição. Este se baseia na utilização de enzimas de restrição (endonucleases), que têm a proprie- dade de digerir o DNA em fragmentos. Os sítios de corte são específicos, as enzimas reconhecem fragmentos de DNA com tamanhos variando entre tetrâmeros até hexanucleotíde- os. O DNA pode ser cromossômico, plasmidíano ou viral. O fragmento do DNA contendo o gene a ser clonado deve ser inserido dentro de um DNA circular chamado vetor, desta forma se produzirá uma molécula de DNA recombinante ou quimera. O vetor atua como um veículo de transporte que levará o gene dentro da célula hospedeira, usualmente uma bactéria. Dentro do hospedeiro, o vetor se multiplicará Bactéria Cromossomo bacteriano Plasmídio Plasmídio (vetor) é isolado DNA é clivado por enzimas de restrição DNA contendo genes de interesse Genes de interesse Genes é inserido no plasmídio DNA recombinante (plasmídio) Plasmídio é incorporado por uma célula Bactéria recombinante Cópias do gene Proteínas do gene RNA Proteína Plasmídio Figura 5.7 — Esquema do procedimento de DNA recombinante. 48 passando a progênie. Outros tipos de enzimas usadas em clo- nagem são: as nucleases, enzimas que cortam ou degradam DNA ou RNA; as ligases, enzimas que unem fragmentos de DNA; as polimerases, que fazem cópias das moléculas e DNA e RNA; enzimas modificadoras que removem ou acrescentam grupos químicos; topoisomerases, que intro- duzem ou removem DNA superenrolado de DNA circular covalentemente fechado (Figura 5.7). Os veículos mais usados são: a) plasmídios, pequenas moléculas de DNA circular encontradas em eubactérias e outros organismos. O plasmídio tem a capacidade de replicar-se independentemente do cromossomo celular; b) cromossomos virais (bacteriófagos). A molécula de DNA para ser um vetor funcional precisa de: capacidade de replicação no hospedeiro; ter um tamanho pequeno ideal < 10kb; possuir uma marca de seleção (geral- mente uma resistência a um antibiótico). Uma vez purificado o DNA, o passo seguinte é a construção da molécula de DNA recombinante. As Bactérias e a Genômica Os primeiros genomas de vírus animais, bacteriófagos e organelas, foram elucidados na década de 1980. Os avanços da biologia molecular têm permitido a obtenção de sequên- cias completas de muitos genomas de bactérias, arqueobacté- rias e eucariotos. Em maio de 1995, Craig Venter do Institute for Genomic Research (TIGR) apresentou a primeira sequ- ência genômica de bactéria, a do Haemophilus influenzae. O genoma do H. influenzae apresenta um pouco mais do que dois milhões de bases e 1.743 genes — uma densidade média de um gene a cada mil bases. Isso significava que cada base do DNA codificava algo importante, virtualmente sem desperdício, nem sequências de “lixo”. Mais de mil genes são idênticos a genes conhecidos de outros organis- mos ou parecidos com eles. Dezessete por cento contribuem para traduzir-se em proteínas, 12% são necessárias para o transporte, 10% são requeridos para produzir energia e 8%, para produzir o envoltório externo da célula bacteriana. Entretanto, cerca de 40% dos genes eram irreconhecíveis; eles não se assemelham a genes conhecidos, embora mais de metade fosse similar a genes previstos. Oito genes só foram encontrados na forma virulenta tipo B. Esses genes contêm informação para proteína que ajudam as bactérias a aderirem-se às células hospedeiras. Foi também observado que o cromossomo continha 1.465 cópias de um motivo curto de 29 bases, chamado sequência sinal de incorporação, com um núcleo conservado que consiste em AAGTCGGT. A bactéria reconhece e preferencialmente incorpora DNA exógeno com essa sequência. Uma pista quanto à capacidade de a bactéria se adaptar a mudanças do seu meio ambiente surgiu com adescoberta de um punhado de importantes genes de virulência que abriga curtas extensões de uma sequência repetida de qua- tro bases que deliberadamente introduzem erros de grafia durante a replicação do DNA. Isso resulta numa ampla variação nas sequências das proteínas, que ajuda a bactéria a enfrentar as mudanças no meio externo. Desde então, um elevado número de genomas têm sido concluídos. Até 2006 foram sequenciados e registrados 30 genomas de arqueobac- térias, 380 de eubactérias, 51 de eucariotos, 990 organelas (mitocôndrias e cloroplastos), 294 fagos, 427 plasmídios, 39 viroides e 1.219 vírus animais. Em 2012 o número de genomas sequenciados chegou a 4585 e espera-se que até 2020 100.000 estejam sequenciados. Igualmente até o 2012 um total de 69 genomas humanos completos foram sequen- ciados. Ver exemplos na Tabela 5.3.1. Em adição a essas sequências, outras importantes bactérias foram trabalhadas, tais como diversas linhagens de Escherichia coli, Bacillus subtilis, Xyllela fastidiosa, Pasteurella multocida, etc. Em bactérias patogênicas, elementos genéticos que codificam para fatores de virulência são conhecidos como ilhas de patogenicidade. Estes agrupamentos gênicos foram adquiridos por transferência horizontal de genes. Estes va- riam de 10 a 200 kb em tamanho e codificam para toxinas, fatores de aderência, captura de ferro, invasão e secreção. O conteúdo de G+C nas ilhas é frequentemente maior que em outras regiões do genoma. Os dados de sequenciamento são úteis para estudos comparativos, inclusive de composição genômica, organi- zação gênica, localização de famílias gênicas, análise de sistemática comparativa de organismos representativos de di- ferentes linhagens filogenéticas. Tais estudos estão ajudando a ilustrar o papel desempenhado na transferência horizontal (ou lateral) de genes. Mais recentemente, duas linhagens de Staphylococcus aureus MRSA (Staphylococcus aureus meticilina resistentes) foram sequenciadas. Foram descritas três novas classes de ilhas de patogenicidade: uma família de ilhas de toxina de choque tóxico; ilhas de exotoxina; ilhas de endotoxina e vários candidatos para novos fatores de virulência. É descrita a virulência dessas duas linhagens como devido à aquisição por herança horizontal de genes de muitas outras diferentes espécies e à extrema diversidade de superantígenos. S. aureus tem a capacidade de se adaptar a pressões ambientais, tais como antibióticos e o sistema imune humano. Também, recentemente, foi demonstrado pelo sequen- ciamento de Streptococcu spyogenes do grupo A (GAS) que genes de bacteriófagos e transposons perfazem aproximada- mente 10% do DNA total desse organismo, sugerindo que a fonte de transferência horizontal é também significante. De fato, três dos quatro profagos identificados em S. pyogenes transportam genes codificando proteínas associadas à viru- lência, localizados numa extremidade do fago. O interessan- te é que, apesar de 40 genes associados à virulência terem sido identificados em GAS, nenhum desses genes agrupa dentro de ilhas de patogenicidade, como é o caso de muitos patógenos tal como o MRSA acima referido. É sabido que o corpo humano contém 10 vezes mais células microbianas que células humanas. Esta diversidade de micro-organismos forma uma comunidade comensal, sim- biótica e de micro-organismos patogênicos que convivem no hospedeiro. Esta comunidade é conhecida como microbiota ou microbioma, sendo seu estudo fundamental para enten- 49 der o equilíbrio interno (homeostasia) e a sobrevivência do gênero humano em diversos ambientes (ver capítulo 12). Sua importância é tal que a composição da microbiota está profundamente relacionada com diversas doenças tais como doenças cardiovasculares, respiratórias, doença inflamató- ria intestinal, alergia, autoimunidade, obesidade, esclerose múltipla entre outras. A microbiota é variável e depende de fatores inatos no indivíduo, assim como externos tais como alimentação e meio ambiente. A microbiota tem um papel preponderante na formação de biofilmes protetores que competem com bactérias patogênicas por sítios de adesão e microambientes (antagonismo microbiano). A microbiota colabora na regulação do sistema imune e homeostase, tam- bém está diretamente ligada ao metabolismo do hospedeiro, auxiliando na digestão e absorção de alimentos, além de produção de vitaminas K e B12. Devido a isto vários estu- dos complexos têm sido desenvolvidos como é o caso do Projeto da Microbiota Humana (HMP), que busca estudar o papel de micro-organismos na saúde e doença humana. Este projeto permitirá conhecer a composição da microbiota das superfícies mucosas do corpo, incluindo mucosa nasal, cavidade oral, pele, trato gastrointestinal e trato urogenital avaliando o potencial metabólico destas comunidades. Estes dados permitirão gerar um sistema integrado de informação sobre as propriedades biológicas da microbiota e sua relação com hospedeiro. Do Genoma à Função Bacteriana Após a finalização do sequenciamento do genoma, o desafio é utilizar os dados para interpretar a função das pro- teínas, da célula e dos organismos. Não há dúvida que obter, arquivar, ordenar e classificar dados é a chave do processo, mas a bioinformática tem um papel no contexto do conhe- cimento da vida e evolução. Novas maneiras para identi- ficar e medir todas as moléculas de RNA (transcriptoma) e proteínas (proteoma) na célula irão permitir identificar a participação crítica e as sequências de interações de um dado evento. Agindo assim, cientistas esperam entender processos biológicos, tais como reprodução, envelhecimento, evolução e, evidentemente, causas (e, portanto, cura) de doenças. Um fato que mostra a tarefa por realizar e o estudo da relação entre a estrutura e função, a partir de genomas microbianos recém-decifrados, é que eles podem conter cerca de 20% a 70% de quadros de leitura (ORFs), que informam proteínas ditas de “função desconhecida”. Estima-se que cerca de dez proteínas são identificadas por dia e incluídas as cerca de 14 mil resolvidas até hoje. A Identificação de Genes não Essenciais em Mycoplasma genitalium Uma importante questão quando se tem uma com- pleta sequência genômica é saber quantos desses genes são essenciais para a vida celular, ou seja, qual o número mínimo de genes que são necessários para a vida. Para tal estudo, foi utilizado o menor genoma celular bacteriano, o do Mycoplasma genitalium, um habitante comum dos tratos genitais humanos. A equipe de Venter, composta de apenas cinco funcionários, usando oito máquinas ABI, levou poucos meses para concluir o sequenciamento desse organismo que possui somente 580 mil pares bases e 480 genes codifica- dores de proteínas, mais 37 genes para as diversas espécies de RNA, totalizando 517 genes. A pergunta que fica é se o M. genitalium é capaz de manter a vida com apenas um terço dos genes do H. influenzae, quantos genes mais seriam dispensáveis? Seria possível definir o número mínimo de genes necessários para manter a vida? A solução veio com experimentos introduzindo um transposon para romper alguns genes (cerca de duas mil inserções diferentes foram realizadas). As inserções do transposon em 93 genes dife- rentes do M. genitalium não tinham aparentemente nenhum efeito sobre a sua saúde. A análise revelou que apenas cerca de 300 dos 480 genes codificadores de proteínas são essen- ciais para o M. genitalium sob condições de crescimento em laboratório e a função de cerca de 100 desses genes continua envolta em mistério. Bibliografia 1. Costa SOP. Elementos transponíveis em bactérias. In: Melo IS et al. (eds). Recursos genéticos e melhoramento — Microrga- nismos. Jaguariúna: Embrapa Meio Ambiente; 2002. 2. Mahillon J, Chandler M. Insertion sequences. Microbiol and Mol Biology Rev. 1998;62(3):725-74. 3. Nelson DL, Lehninger AL, Cox MM. Lehninger principles of biochemistry. 3. ed. Wisconsin: Worth Publishers; 2000. 4. The J. CraigVenter Institute. http://www.jcvi.org/cms/home/ 5. Tortora GJ, Funke BK, Case CL. Microbiology: an introduc- tion,. 10 Edition. Menlo Park: Benjamin/Cummings; 2012. 6. Madigan, M.T., Martinko, J.M., Dunlap, P.V., Clark. D.P. Brock. Biology of Microorganisms.Pearson International Edition 14th Edition 2014. 7. Whitehead NA et al. 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