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1 ANA LUÍZA ALVES PAIVA LIGA ACADÊMICA DE GERIATRIA (UNIFIPMOC) – 2022 INTRODUÇÃO O delirium é uma síndrome clínica caracterizada por distúrbio da consciência e da cognição, manifestando-se clinicamente como desatenção e pensamento desorganizado. Possui início agudo (se desenvolve em horas ou dias), e curso flutuante dos sintomas. É um evento geralmente determinado pela intoxicação por substância ou efeito colateral medicamentoso, e é comum em pacientes idosos e hospitalizados, em especial naqueles internados em UTI. Existem 3 tipos de apresentação do delirium: Hiperativo: hiperatividade psicomotora, podendo ser acompanhada de oscilação de humor, agitação e/ou recusa a cooperar com os cuidados médicos; Passa despercebido ao diagnóstico, mas possui um melhor prognostico. Hipoativo: hipoatividade psicomotora, que pode estar acompanhado de lentidão, desatenção e diminuição da mobilidade. É comum em idosos hospitalizados e tem prognósticos desfavorável. Misto: alterna os sintomas das 2 formas anteriores. É a forma mais comum. Quanto a sua duração, pode ser classificado em: Agudo: duração de poucas horas a dias Persistente: duração de semanas ou meses EPIDEMIOLOGIA Na comunidade, a prevalência gira em torno de 1 a 2%, mas aumenta com a idade, chegando a 14% entre pessoas com mais de 85 anos. Durante a hospitalização, esta prevalência pode variar entre 25 e 50%, com máxima prevalência registrada de 70 a 87% nas UTIs. Em idosos no pós-operatório, o risco de delirium pode ultrapassar 50%, principalmente dentre os idosos frágeis. Além disso, é muito frequente dentre os pacientes terminais, nos quais a prevalência pode chegar a 80%. FATORES DE RISCO Fatores de Risco Predisponentes: são inerentes aos próprios pacientes e não são modificáveis. Déficit cognitivo(demência): principal fator de risco predisponente para o delirium, aumentando o risco de 2 a 5 vezes. Idade avançada Doença de base descompensada. Insuficiência renal crônica Distúrbios visuais e auditivos História de etilismo Desnutrição e desidratação Fatores de Risco Precipitantes: fator etiológico propriamente dito que pode desencadear o evento e geralmente são modificáveis. Medicações*: estão implicadas em mais de 40% dos casos. As mais frequentemente associadas ao delirium são as de potencial psicoativo conhecido, como as sedativo-hipnóticas, (risco de 3 a 12x maior), narcóticos, (risco 3x maior) ; e os anticolinérgicos (risco de 5 a 12x maior) Além disso, o risco de delirium aumenta em proporção direta ao número de medicações prescritas. Imobilidade Uso de cateteres vesicais de demora ANA LUÍZA A. PAIVA – LIGA ACADÊMICA DE GERIATRIA (UNIFIPMOC) 2 ANA LUÍZA ALVES PAIVA LIGA ACADÊMICA DE GERIATRIA (UNIFIPMOC) – 2022 Fatores ambientais (ruídos) e psicossociais (depressão e dor) Infecções ocultas: são comuns em idosos e podem se manifestar apenas como delirium, sem os achados típicos de febre ou leucocitose; Distúrbios endocrinometabolicos: hipocalcemia, hipercalcemia, hiponatremia, hipernatremia, hipoglicemia, hiperglicemia, disfunções tireoidianas. Eventos iatrogênicos: ocorrem em 29 a 38% dos idosos hospitalizados. Está relacionado à imobilização, polifarmácia, privação do sono, restrição física, ausência de luz natural e retirada de óculos e prótese auditiva. FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia ainda é pouco compreendida. Alterações de neurotransmissores: Há um aumento da função dopaminérgica e uma deficiência colinérgica. Dopamina: neurotransmissor responsável por uma maior excitabilidade neuronal. Por isso, essa maior atividade dopaminérgica pode explicar o porquê as drogas usadas para o tratamento do Parkinson podem causar delirium e por que os antipsicóticos, que atuam antagonizando os receptores de dopamina, são eficazes no controle do delirium. Acetilcolina: causa uma menor excitabilidade neuronal. Logo, situações que cursam com deficiência de acetilcolina estão associadas com o surgimento do delirium, como na doença de Alzheimer. QUADRO CLÍNICO O delirium é caracterizado por uma alteração aguda do nível de consciência e cognição. Curso flutuante: aparecimento e à regressão dos sintomas, ou ao aumento e à redução da gravidade destes ao longo das 24 horas. Distúrbio cognitivo: geralmente determinado por instrumentos para avaliação cognitiva Inatenção: incapacidade em se manter, focar ou mudar a atenção. O paciente pode demonstrar dificuldade em manter um diálogo, distraindo-se facilmente com estímulos irrelevantes. Pensamento desorganizado: discurso incoerente e desconexo. Problemas relacionados com memória e aprendizagem (em especial memória recente), desorientação (em especial para tempo e lugar), distorção na percepção e linguagem são frequentes. Alteração do nível de consciência: as alterações podem variar de agitação ou estado vigilante a letargia ou baixo nível de excitação (reações mínimas a estímulos verbais). Outras manifestações comuns: alucinações, delírios paranoides. Labilidade emocional (como ansiedade, medo, depressão, irritabilidade, raiva, euforia e apatia, podendo haver mudanças rápidas e imprevisíveis. Distúrbio do ciclo sonovigília: que pode se manifestar desde sonolência diurna, agitação noturna, dificuldade para adormecer, sono excessivo durante o dia ou vigília durante a noite. Na maioria das vezes, o paciente cursa com flutuação entre sintomas de hiperatividade e hipoatividade, ou seja, ora o paciente apresenta- se agitado, com déficit de atenção e verborrágico (excesso de palavras sem importância), ora ele se apresenta com letargia, desatenção e redução da mobilidade. 3 ANA LUÍZA ALVES PAIVA LIGA ACADÊMICA DE GERIATRIA (UNIFIPMOC) – 2022 DIAGNÓSTICO O diagnóstico de delirium é primariamente clínico, (história detalhada com um informante confiável + exame Físico) com uso de critérios específicos, como os do DSM5 (2013). CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PELO DSM-5. A. Perturbação da atenção (i.e., capacidade reduzida para direcionar, focalizar, manter e mudar a atenção) e da consciência (menor orientação para o ambiente) B. A perturbação desenvolve-se em um período breve de tempo (normalmente de horas a poucos dias), representa uma mudança da atenção e da consciência basais, e tende a oscilar quanto à gravidade ao longo de um dia. C. Perturbação adicional na cognição (p. ex., décit de memória, desorientação, linguagem, capacidade visuoespacial ou percepção) D. As perturbações dos critérios A e C não são mais bem explicadas por outro transtorno neurocognitivo preexistente, estabelecido ou em desenvolvimento, e não ocorrem no contexto de um nível gravemente diminuído de estimulação, como no coma. E. Há evidências a partir da história, do exame físico ou de achados laboratoriais de que a perturbação é uma consequência fisiológica direta de outra condição médica, intoxicação ou abstinência de substância (i. e., por drogas ilícitas ou medicamento), de exposição a uma toxina ou de que ela se deva a múltiplas etiologias. Exame físico O delirium é uma manifestação neurológica de uma condição subjacente. Então, sempre deve ser investigado a causa. Deve-se fazer uma pesquisa cuidadosa para evidências de infecções ocultas (pneumonia, ITU, infecções articulares...)além de um detalhado exame neurológico com atenção a sinais focais ou de lateralização. INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO Os instrumentos de avaliação consistem em escalas, questionários ou algoritmos que ajudam avaliar os critérios diagnósticos de delirium e desempenham 2 funções principais: identificar a síndrome (aumentando a taxa de detecção de casos) e a quantificar sua gravidade. O miniexame do estado mental (MEEM) também pode ser usado como teste de rastreio para delirium,embora pontuações baixas não sejam necessariamente indicativas da síndrome O Confusion Assessment Method (CAM) é o único instrumento para avaliação de delirium com versão validada para o português, além de ser um teste rápido e amplamente empregado. Apresenta altas sensibilidade (94,1%) e especificidade (96,4%). O diagnóstico é estabelecido pela identificação dos itens 1 e 2, associados a 3 ou 4. CONFUSION ASSESSMENT METHOD 1. Início agudo: Há evidência de mudança aguda do estado mental de base do paciente? 2. Distúrbio da atenção: 2A. O paciente teve dificuldade em focalizar a atenção, por exemplo, distraiu-se facilmente ou teve dificuldade em acompanhar o que era dito? ▪ Ausente durante toda a entrevista ( ) ▪ Presente em algum momento da entrevista, porém de forma leve ( ) ▪ Presente em algum momento da entrevista, de forma marcante ( ) ▪ Incerto ( ) 2B. Se presente ou anormal, este comportamento variou durante a entrevista, isto é, surgiu e desapareceu ou aumentou e diminuiu de gravidade? ▪ Sim ( ) ▪ Não ( ) ▪ Incerto ( ) ▪ Não aplicável ( ) 2C. Se presente ou anormal, descreva o comportamento: 3. Pensamento desorganizado: O pensamento do paciente era desorganizado ou incoerente, com conversação dispersiva ou irrelevante, fluxo de ideias pouco claro ou ilógico, ou mudança imprevisível de assunto? 4. Alteração do nível de consciência: Em geral, como você classificaria o nível de consciência do paciente? ▪ Alerta (normal) ( ) ▪ Vigilante (hiperalerta, hipersensível a estímulos ambientais, assustando-se facilmente) ( ) ▪ Letárgico (sonolento, facilmente acordável) ( ) ▪ Estupor (dificuldade para despertar) ( ) ▪ Coma ( ) ▪ Incerto ( ) Exames complementares 4 ANA LUÍZA ALVES PAIVA LIGA ACADÊMICA DE GERIATRIA (UNIFIPMOC) – 2022 Não existem exames laboratoriais específicos para identificação de delirium, mas alguns exames devem ser solicitados para todos os pacientes, visando ao diagnóstico de infecções ou outros fatores precipitantes. Dentre esses exames, devem-se incluir: hemograma completo, eletrólitos, provas de funções hepática e renal, glicose, saturação de oxigênio, hemoculturas e urinocultura. Caso o fator contribuinte permaneça inconclusivo, considera-se incluir testes para avaliação da função tireoidiana, gasometria arterial, níveis séricos de vitamina B12, cortisol e de determinadas medicações, além de exames toxicológicos. DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS Principais diagnósticos diferenciais do delirium: DELIRIUM DEMÊNCIA DEPRESSÃO INÍCIO Agudo Insidioso Agudo/ Insidioso CURSO Flutuante Crônico progressivo Pode ser crônico DURAÇÃO Dias a semanas Meses a anos Semanas a meses ATENÇÃO Prejudicada Usualmente preservada Pode estar prejudicada PENSAMENTO Desorganizado Pobre e vago Usualmente organizado TRATAMENTO O tratamento do delirium envolve 2 abordagens: 1. Identificação e tratamento da causa básica e minimização dos fatores contribuintes; Ao se iniciar a investigação dos fatores etiológicos envolvidos, deve-se sempre revisar a lista de medicamentos, avaliando-se a redução ou suspensão de substâncias, bem como interações medicamentosas. A retirada súbita do álcool ou de sedativos, com consequente síndrome de abstinência, deve ser sempre considerada. Inúmeras condições patológicas, especialmente as doenças infecciosas, metabólicas, cardiovasculares e cerebrovasculares, devem ser minuciosamente investigadas e tratadas o mais precocemente possível 2. Manejo dos sintomas de delirium Recomenda-se iniciar o manejo de todos os pacientes delirantes com estratégias não farmacológicas, que geralmente resultam na melhora do quadro. A terapia farmacológica, em geral, é reservada a pacientes nos quais os sintomas de delirium ameaçam a continuidade de terapias médicas necessárias (ventilação mecânica, acessos venosos centrais, sondas nasoenterais etc.) ou possam ameaçar a segurança do paciente ou de outras pessoas. Estratégias não farmacológicas Estratégias não farmacológicas devem ser empregadas para todos os pacientes em delirium. Técnicas de reorientação no tempo e espaço (cartazes de orientação, relógios e calendários, bem como objetos pessoais) ; Solicitação da presença contínua de familiares, evitando alternância frequente entre os acompanhantes; Permanência de óculos e próteses auditivas Regularização do sono com redução da luminosidade e do nível de ruídos. Manejar as medicações de forma que o paciente consiga dormir durante a noite com o mínimo de interrupção e estimulá-lo durante o dia. Estratégias farmacológicas Até o momento, não há nenhuma substância oficialmente indicada para o tratamento do delirium. Antipsicóticos: quando necessário, a primeira opção deve ser o haloperidol, ou então algum antipsicótico atípico (quetiapina, risperidona ou olanzapina). São recomendados quando os sintomas comportamentais e emocionais graves não respondem aos métodos não farmacológicos. Essas medicações podem apresentar efeitos adversos significantes, incluindo o potencial de piorar o delirium. 5 ANA LUÍZA ALVES PAIVA LIGA ACADÊMICA DE GERIATRIA (UNIFIPMOC) – 2022 O tratamento com antipsicóticos deve ser iniciado sempre com a menor dose possível, reavaliando- se periodicamente a possibilidade de suspensão. Benzodiazepínicos: terapia de escolha para o delirium causado por quadros convulsivos e síndromes de abstinência relacionadas com medicações e álcool. Possuem um risco aumentado de supersedação e de exacerbação do quadro confusional agudo. PROGNÓSTICO O delirium pode persistir mesmo após a alta hospitalar e deve ser acompanhado até sua resolução. Entre pacientes com e sem demência, sintomas de delirium podem persistir por até 12 meses após o diagnóstico. Muitos mantêm queixas de memória mesmo após a recuperação total do delirium, apresentando maior risco de diagnóstico de demência após este evento. O declínio cognitivo não é apenas um fator predisponente para o delirium, mas também pode ser causado de forma por ele. Em um estudo de Rahkonen et al. (2000), 14 de 51 pacientes (27%) sem o diagnóstico de demência foram diagnosticados como demenciados imediatamente após a remissão dos sintomas de delirium, enquanto outros 14 pacientes receberam o diagnóstico de demência no primeiro ano após alta hospitalar. Taxas elevadas de mortalidade pós-alta têm sido descritas para pacientes após um primeiro episódio de delirium, chegando a mais de 10% de incidência no primeiro ano após o evento. A mortalidade associada ao delirium é alta mesmo após 6 a 12 meses da hospitalização, principalmente se concomitante com demência e enfermidade aguda grave (p. ex., sepse). Estudos que correlacionaram a duração do delirium com prognóstico mostraram que o delirium agudo ou rapidamente reversível (duração menor que 2 dias) tem curso mais benigno e com pouco impacto no prognóstico. REFERÊNCIA FREITAS, E.V.; MOHALLEM, K.L.; GAMARSKI, R.; PEREIRA, S.R.M. Manual Prático de Geriatria. 2ª Edição, Grupo Editorial Nacional (GEN), 2017.
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