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Pó s- gr ad ua çã o em E du ca çã o DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DA COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Sônia Cristina Soares Dias Vermelho Ana Cristina Gipiela Pienta Diretores Diretoria Executiva Luiz Borges da Silveira Filho Diretoria Operacional Marcelo Antonio Aguilar Diretoria Acadêmica Francisco Carlos Sardo Editora Coordenação Editorial Angela Krainski Dallabona Projeto Gráfico Evelyn Caroline Betim Araujo Arte-Final Evelyn Caroline Betim Araujo Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. Edição 2021 Sônia Cristina Soares Dias Vermelho Ana Cristina Gipiela Pienta RESUMO Os desafios contemporâneos da coordenação pedagógica são grandes e carecem de reflexão crítica, rigorosa e de totalidade, pois ela está inserida em um processo de transformação social, econômica e tecnológica. Pensar os desafios que estão colocados atualmente para a educação é uma tarefa complexa e exige abordagem ou, pelo menos, leituras em algumas áreas, além de temáticas específicas, como mercado de trabalho, modo de produção e organização das práticas de consumo, relação do sujeito com o universo simbólico, problemas ambientais, entre outros. A base teórica está centrada no pensamento complexo sobre a contemporaneidade e a coordenação pedagógica, entendida em uma perspectiva de ação coletiva, inserida no conjunto das relações e das problemáti- cas intra e interinstitucionais. A análise de elementos teóricos para orientar uma prática coletiva de gestão escolar é um objetivo a ser perseguido. Palavras-chave: Desafios contemporâneos. Coordenação pedagógica. 1 INTRODUÇÃO O pensamento complexo é, essencialmente, o pensamento que trata da incerteza e que é capaz de conceber a organização. É o pensamento capaz de reunir (complexus: aquilo que é tecido conjuntamente), de contextu- alizar, de globalizar, mas, ao mesmo tempo, capaz de reconhecer o singular, o individual, o concreto (MORIN; LE MOIGNE, 2000, p. 206). É comum encontrarmos em textos acadêmicos, ou mesmo noticiários, a afirmação de que estamos no meio de um processo de transformação social, econômica e tecnológica. Entretanto, historicamente, é necessário reconhecer que a transformação é parte integrante da dinâmica do modelo de desenvolvimento capitalista. Portanto, as transformações que vivemos não deixarão de existir, não se trata de uma fase que estamos atravessando e que podemos aguardar que finde para entrarmos em uma fase de estabilidade. Enquanto vivermos sob a égide do sistema capitalista, conviveremos com transformações constantes, sejam de base tecnológica, econômica ou social. Os rumos dessas transformações vão se fazendo, vamos construindo-os com maior ou menor capacidade de intervenção. Certamente, podemos concordar de antemão que, a cada período, a estrutura social torna-se mais com- plexa. As relações se adensam em função das possibilidades de contato e de relacionamento que se abrem. Com isso, pensar nos desafios que estão colocados atualmente para a educação é atribuição complexa e exige aborda- gem ou, pelo menos, leituras em algumas áreas. No período atual, talvez como nunca antes, caiba o conceito de totalidade como caminho para a compreensão do real. No entanto, não se trata de tarefa fácil. Neste texto, serão abordadas algumas questões de áreas que pos- suem algum vínculo com a educação, sem pretender abarcar a totalidade de variáveis, contextos e problemáticas que perpassam a educação. Foram eleitos, para discussão, aspectos relacionados ao mundo do trabalho, modo Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 4 de produção e organização das práticas de consumo. Também é importante entender a relação do sujeito com o universo simbólico, seja na forma dos produtos da mídia, nas relações com o espaço-tempo ou com as tecnologias. Finalmente, serão feitas algumas conside- rações acerca dos problemas ambientais. Retomando a afirmação anterior, buscaremos construir um pensamento complexo sobre a contem- poraneidade, sem desconhecer que se trata, aqui, de uma leitura possível deste tempo, objetivando reunir, de maneira complexa, o contexto de forma globali- zada, mas que nos permita, ao mesmo tempo, reco- nhecer o que há de singular, de individual, de concreto no fazer da coordenação pedagógica. A atuação da escola, portanto, é vista, no seu conjunto, enquanto instituição social, que expressa, mas, ao mesmo tempo, é perpassada pela dinâmica e pelo imaginário social de seu tempo e de sua cultura. Neste sentido, a atuação da coordenação pedagógica é entendida em uma perspectiva de ação coletiva, inse- rida no conjunto das relações e das problemáticas intra e interinstitucionais. Não é possível, na atualidade, pensar de forma compartimentalizada a atuação dos profissionais da educação. Professores, coordenado- res, funcionários, comunidade, enfim, cada agente do processo tem sua particularidade, mas a capacidade de entendimento deve ser compartilhada entre todos. Por isso, as questões aqui tratadas não sugerem uma orientação exclusiva da atividade de coordenação; não se pretende, neste texto, trazer uma listagem de tarefas e atribuições que o coordenador deve seguir, mas, sim, elementos para orientar uma prática coletiva de gestão escolar. 2 COMPLEXIDADE: CENÁRIOS DA ATUALIDADE I 2.1 Economia e educação As discussões acerca das mudanças que ocorre- ram no mundo do trabalho nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial assumiram grandes dimen- sões no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, e centra- ram-se em algumas áreas, sendo a educação uma das principais. O panorama econômico internacional, em meados da década de 1960 do século XX, colocava em xeque a hegemonia estadunidense – pelo menos econômica –, principalmente quando se evidenciou que os mercados internos da Europa Ocidental e Japão começaram a ficar saturados. As políticas norte-ameri- canas para solucionar os problemas internos tornaram o dólar instável como moeda de reserva internacional, fazendo com que países da Europa Ocidental, Japão e outros começassem, por conta própria, uma expan- são no modelo fordista, desafiando a superioridade daquele país, levando ao rompimento do acordo de Bretton Woods1. Economicamente, o ponto fulcral deste processo de reestruturação era a rigidez dos investimentos corporativos, dos contratos de trabalho e do Welfare State, só restando uma alternativa para manter estável a economia: a impressão de moedas, trazendo, como consequência, um aumento crescente da inflação. A tentativa de conter a inflação, em 1973, expôs muita capacidade excedente, gerando uma crise nos merca- dos. Isso implicou um aumento do custo relativo dos insumos de energia, levando alguns setores a buscarem mudanças tecnológicas e organizacionais para econo- mizar energia e encontrar mercados no qual pudessem investir os petrodólares excedentes. Desse processo emergiu o problema das finanças públicas, mostrando que o Estado gastava muito mais do que podia (HAR- VEY, 1994). A partir desse quadro, as corporações buscaram formas de sair da situação de estagflação. As mudan- ças se deram, principalmente, sobre o processo produ- tivo, notadamente da base tecnológica e organizacio- nal, tendo a automação, as novas linhas de produtos e os novos nichos de mercado como os pilares dessas mudanças. Resumidamente, este foi o panorama no qual um novo modo de acumulação foi gestado; Harvey (1994) o denominou “acumulação flexível”, em contraposição com a rigidez do modelo anterior – o Fordismo. As principais características da acumulação flexível, indi- cadas por Harvey, seriam a flexibilização dos mercados de trabalho, dos produtos e dos padrões de consumo, permitindo um surgimento rápido de novos setores da produção e de mercados, traduzindo em altas taxas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. Percebeu-se, também, um processo decompressão do espaço-tempo, isto é, o horizonte de tomada de deci- sões começou a se estreitar com as inovações nas tele- comunicações, que possibilitaram tomadas de decisão dentro de um espaço cada vez maior e em um tempo cada vez menor. Foram as redes de dados, as NetWorks – a internet é a principal –, que permitiram esse pro- 1 Para maiores informações, acesse o site: <http://www. brettonwoods.org/>. Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 5Faculdade Educacional da Lapa - FAEL cesso. Santos (1999), analisou o espaço geográfico desse novo período, denominado “meio técnico-cien- tífico-informacional”, pois o espaço passou a funcio- nar sob a égide do mercado globalizado, possibilitado, também, pelas estruturas da comunicação digital. O autor afirma que: [...] da mesma forma como partici- pam da criação de novos processos vitais e da produção de novas espé- cies (animais e vegetais), a ciência e a tecnologia, junto com a infor- mação, estão na própria base da produção, da utilização e do fun- cionamento do espaço e tendem a constituir o seu substrato (SAN- TOS, 1999, p. 190). Fundamentalmente, esses elementos indicaram novas formas de regulamentação da força de trabalho, que deixou de ter a rigidez do período anterior, com contratos regulados pelo Estado, apresentando inúme- ras formas de relacionamento entre capital e trabalho. Por conseguinte, a força de trabalho passou, tenden- cialmente, a configurar-se em categorias: um núcleo central, constituído pelos empregados com contra- tos fixos e todas as garantias, composto por pessoas altamente qualificadas, mas em um número bastante reduzido; e a periferia, dividida em dois subgrupos: 1) empregados em tempo integral, não tão qua- lificados, mas de grande número no mer- cado, portanto facilmente substituíveis; 2) empregados em tempo parcial, ou tem- porários, terceirizados, subcontratados e mesmo aqueles no mercado informal (em grande crescimento). De fato, conforme expõe Crochik (1999), todas essas mudanças trouxeram grandes perdas para os tra- balhadores: algumas garantias trabalhistas que ainda permitiam a eles certa qualidade de vida e de traba- lho, após as mudanças no quadro de regulação dessa nova estrutura foram perdidas, o que acabou gerando fortes tensionamentos entre capital e trabalho. Atual- mente, assistimos, com relativa frequência, a notícias de movimentos contestatórios de trabalhadores nos países desenvolvidos, buscando, desesperadamente, manter as garantias trabalhistas adquiridas ao longo da história. Entretanto, nem sempre a redução dos direitos sofre movimentos contrários – isso depende do grau de organização dos trabalhadores. No Brasil, o auge dos movimentos sindicais, nos anos 1980, garantiu a continuidade de muitas garantias trabalhistas, mas são questões que emergem de tempos em tempos no cenário econômico e social. Mais recentemente, a reforma trabalhista implantada por meio da Lei 13.467/2017, promoveu a flexibilização das leis tra- balhistas e das relações de trabalho no Brasil, de certa forma atendendo aos interesses econômicos de alguns grupos de empregadores. Além desse aspecto, a questão do desemprego estrutural, que era tratado pelos defensores do novo modelo como natural, passou a produzir efeitos drás- ticos sobre as sociedades, uma vez que os novos postos de trabalho que surgiriam em função do aumento do setor de serviços acabaram por trazer outros proble- mas para os trabalhadores, pois, apesar desse aumento nos serviços, surgiram os pequenos negócios como peças centrais no sistema (economias informais ou subterrâneas – o porão da economia, que reflete desigualdades e falta de oportunidades); os negócios baseados em relações de parentesco ou padrinhos; bem como o trabalho autônomo, que voltou a crescer de forma vertiginosa. Esses tipos de relações trabalhistas significam uma maior exploração da força de trabalho, visto que está submetida às leis draconianas do mercado, sem qualquer garantia. O trabalhador não tem férias e, às vezes, nem finais de semana, pois o ganho depende do tempo em que está produzindo. Essa dinâmica esgota o sujeito de tal forma que o tempo de vida útil de um autônomo, dependendo da área, não ultrapassa uma década, como ocorre, com muita frequência, com os profissionais da área de informática. Depois de um período de aproximadamente dez anos como autô- nomo, ou terceirizado, em geral, o indivíduo acaba abandonando a carreira e busca alternativas para se manter no mercado de trabalho. Sem necessidade de escamotear os números para apaziguar os ânimos, no que diz respeito ao mercado de trabalho, eles mostram que, no início do século XXI, apenas 25% da população economicamente ativa era constituída por trabalhadores permanentes, qualificados e protegidos pela legislação; outros 25% faziam parte dos segmentos ditos informais, pouco qualificados e desprotegidos da legislação; e o restante, 50%, estava desempregado ou em trabalhos sazonais, temporários, ou em subempregos. Esse quadro, dentro da política traçada, é algo inerente à realidade da socie- dade da informação, fruto do desenvolvimento social. Resta a alternativa de tentar garantir a permanência Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 6 dentro dos 25% da população economicamente ativa privilegiada, ou seja, que tenha emprego. As mudanças a que assistimos atualmente estão seguindo o padrão da flexibilidade do modelo japo- nês. Se o modelo econômico anterior não produzia as condições necessárias para que as pessoas pudessem se sentir seguras, a tendência que vemos se desenhar diante dessas transformações, na ordem econômica, aponta muito mais para um acirramento das condi- ções de instabilidade social, em um movimento que pode estar levando a um aumento do individualismo, em função, entre outras coisas, do aumento da tensão psíquica vivida socialmente. As mudanças a que assistimos atualmente estão seguindo o padrão da flexibilidade do modelo japonês. A instabilidade à qual uma parcela crescente da população está submetida compromete, sobremaneira, a sua economia pulsional psíquica, esteja ela empre- gada ou não, pois se está excluída do sistema, a pressão por buscar formas de subsistência é tal que inviabiliza qualquer possibilidade de um equilíbrio emocional, e aqueles que estão dentro do sistema sentem-se amea- çados o tempo todo por aqueles que não estão, visto que podem ser excluídos também. Para suportar esse novo modelo, o sistema tem ditado as normas com- portamentais e procedimentais para os trabalhadores, cuja tônica central é a flexibilização. Contudo, certa- mente, para dar conta de mais essa repressão de sua individualidade, marcas estão sendo feitas na sua cons- tituição psíquica, consciente ou inconscientemente. Nesse contexto, cabe pensarmos sobre como a escola vem se posicionando diante de tal questão. Quanto à qualificação, segundo o modelo de acu- mulação flexível, existe a possibilidade de que os traba- lhadores sejam mais qualificados, compensando as perdas pela diminuição do número de postos de trabalho. De acordo com Lessa et al. (apud CROCHIK, 1999, p. 24), [...] é verdade que o nível educa- cional dos postos criados é supe- rior aos dos postos eliminados, mas, pela natureza das novas ocu- pações, percebe-se que as diferen- ças em educação têm menos a tin- gentes mais jovens e, por isso, com maior escolaridade. Com isso, o Brasil não ficou à parte nesse pro- cesso – acabou se deparando com um contexto bas- tante complexo e tenso em termos de produção e con- sumo. O desemprego atingiu índices altos nos anos 1990; a economia foi direcionada para a importação, o que gerou problemas internos enormes. Esse quadro mudou com as políticas públicas voltadas para geração de renda e emprego na primeira década dos anos 2000, o que possibilitou uma condição um pouco mais digna de vida e de trabalho para um contingente do mercado de trabalho formado em décadas passadas. São profissionaiscom grandes dificuldades de adaptação ao novo modelo produtivo em função da rigidez com que era organizado o modelo produtivo anterior. Naquele período, uma formação técnica era suficiente para inserir-se no mercado e, em geral, salvo por questões particulares, esse profissional mantinha-se no ramo por toda sua vida. Tal situação, atualmente, não é comum – as mudanças de atuação profissional ocorrem com muito mais frequência. No campo das normas, hábitos e atitudes cultu- rais, vimos o fortalecimento ainda maior de uma pos- tura individualista, marcada por uma cultura empre- endedorista que, juntamente com um movimento flexível do capital – que acentua o efêmero e o fugaz –, vem colaborando para que as ações coletivas conscien- tes se tornem cada vez mais difíceis. A valorização do empreendedorismo tornou-se uma forte preocupação do governo brasileiro para ingressar na sociedade do conhecimento. Isso fez com que o país investisse fortemente na disseminação das tecnologias de comunicação e informação, em especial a internet, e na alfabetização digital, ou seja, em um processo claro de garantir o acesso a tais tecnologias de forma universalizada, para que todos possam delas usufruir, como sinônimo de garantia da cidadania. Dentre as ações de política pública de maior enver- gadura, consideramos o Programa Nacional de Infor- mática na Educação (Proinfo)2 o maior e mais perma- nente. Trata-se de um investimento que teve início em 1996 com o objetivo de promover, por meio da escola, a disseminação dos recursos tecnológicos digitais e a formação de professores para o uso em sala de aula. Nesse sentido, o empreendedorismo é visto como comportamento necessário para a empregabilidade, bem como lema do capital que vem procurando se apropriar, de uma forma muito mais qualificada, das 2 Para maiores detalhes, vide site do programa: <http://www.inclusaodigital.gov.br/ linksoutrosprogramas/proinfoprogramanacionaldeinformaticanaeducacao/>. Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 7Faculdade Educacional da Lapa - FAEL potencialidades humanas, do conhecimento, do lais- sez faire dos trabalhadores, que agora é considerado como capital intelectual das empresas. Com a ampliação da infraestrutura tecnológica, espera-se universalizar o acesso à internet, entendida como a alternativa para combater as desigualdades e promover a cidadania. No entanto, isso não garante condições melhores de vida; as questões da igualdade social e da cidadania devem ser discutidas no âmbito da distribuição de renda e não somente quanto ao acesso aos recursos tecnológicos, caso contrário, esta- remos promovendo uma sociedade caracterizada como a sociedade da “fome” de informação e da miséria (ainda maior) humana. Nesse contexto, para ir além do simples domínio da tecnologia, ou seja, formar as novas gerações para que empreendam novas práticas culturais e sociais, caberá, também, à escola desenvolver habilidades e pensamento crítico que tornem tais gerações capa- zes dessas ações. Atualmente, a sociedade exige que os egressos do sistema educacional sejam aprendizes autônomos, os quais, mesmo depois de saírem dos bancos escolares, tenham condições mínimas para continuar aprendendo, principalmente por meio da educação a distância, atualizando-se para garantir sua empregabilidade – é o life long learning. Esse é um movimento que tende a se manter daqui para frente. Diante do contexto internacional, a sociedade brasileira, em especial a educação, encontra-se pressio- nada para incorporar no seu espaço as novas tecnolo- gias e rever alguns de seus valores e comportamentos em função do novo período de organização do capital. O tema da internet vem sendo debatido há algu- mas décadas por alguns autores no campo da educa- ção, da sociologia, do urbanismo, haja vista as pos- sibilidades que essa tecnologia trouxe em termos de comunicação e troca de dados entre lugares distantes. Além de potencializar a comunicação por meio das mídias de massa, a rede das redes – internet – permitiu ao sistema financeiro uma dinâmica de movimenta- ção de capital até então inexistente. Com isso, a eco- nomia mundial pode ser acionada de qualquer lugar do mundo em questão de segundos, bastando uma conexão entre os computadores, o que, atualmente, pode ser feito por meio de aparelhos móveis, como telefones celulares, computadores portáteis e relógios. As implicações dos potenciais que essas novas tecno- logias trouxeram para o imaginário e para o cotidiano da sociedade estão permitindo, inclusive, que alguns autores vejam nelas uma alternativa para a solução dos problemas sociais. 3 MERCADO E CONSUMO Marcuse (1996, p. 113) afirma: A tecnologia como modo de produ- ção, como totalidade de instrumen- tos, dispositivos e invenções que caracterizam a era das máquinas é assim ao mesmo tempo um modo de organizar e perpetuar (ou mudar) relações sociais, uma manifestação de padrões de pensamento e com- portamento dominantes, um ins- trumento de controle e dominação. Na citação anterior, Marcuse traz algumas ques- tões fundamentais sobre nosso mundo, nossas práticas e relações. Sabemos que as dificuldades para enfrentar a realidade, para estabelecer uma relação social afetiva e verdadeira, criam as condições para que o indivíduo busque outros objetos para fixar sua libido, por exem- plo, no apego à tecnologia, na relação fetichizada com a mídia e seu conteúdo. No entanto, como é fruto de uma situação tensionada e caótica, o apego aos objetos tam- bém é tenso. O resultado desse processo é a formação, em geral, de uma consciência crítica fragilizada quanto à sua capacidade de reflexão e de autodeterminação, impermeável a si mesma e às experiências sensíveis. Em uma sociedade fortemente permeada pela tec- nologia, por coisas que substituem ou que se sobre- põem ao humano, percebe-se uma tendência de que as pessoas mobilizem na sua relação com a tecnologia algo de excessivo, com uma dose de irracionalidade, na medida em que a técnica e a tecnologia tornam-se um fim em si mesmas e não são vistas como extensões das capacidades humanas (ADORNO, 1995). O apego aos meios e o descaso quanto ao que causarão às outras pessoas mostram o quanto nossa cultura, hoje, tem produzido pessoas com um forte traço de indiferença, de frieza em relação ao outro, porque esse outro, assim como os meios do qual ele dispõe, significa, também, coisas com as quais ele se relaciona, se apropria e uti- liza. Com isso, o que podemos identificar como social é uma: [...] sociedade [que], em sua estru- tura atual – e, provavelmente, há milênios – não se funda, como se afirma ideologicamente desde Aris- tóteles, no encanto e na atração, senão na perseguição do interesse Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 8 próprio, em detrimento do inte- resse dos demais. Isto se sedimentou no caráter das pessoas até o mais íntimo. Aquilo que contradiz, o impulso gregário da chamada ‘lonely crowd’, a multidão solitária, é uma reação, um amontoarse de gente fria que não suporta sua própria frieza, mas tampouco pode modificála. (ADORNO, 1995, p. 119120) Se a preocupação de Adorno (1995) era de que Auschwitz3 não se repetisse na história, atuando sobre aqueles que violentam a si próprios no cumprimento de ordens, as quais são contraditórias para ele e para um ideal de sociedade humanista, hoje isso se torna um tanto quanto complexo, visto que essa sociedade tem conseguido ser crescentemente coercitiva, opressiva e totalitária, sob um discurso não totalitário, não coercitivo e não opressivo. Para que as pessoas percebam essa contradição, será necessário recorrer a um processo de reflexão que elas pouco foram ensinadas a realizar. Atualmente, as pessoas estão cada vez mais expos- tas e suscetíveis à servidão de seu corpo, aos modelos que atuam na sua formação e na sua consciência, com os comportamentos que lhes são ditados, os quais são sancionados e ampliados pelas mídias que atuam como elementoagregador e, ao mesmo tempo, homoge- neizador dessa lógica do progresso e do apego a um modelo de comportamento individualista. Com isso, o mundo totalmente socializado, na grande maioria das situações, senão na sua totalidade, faz com que os sujeitos não encontrem liberdade para escolhas, pois todas aquelas possíveis já vêm pré-confi- guradas. A racionalidade do eu se vê relegada à simples tarefa de eleger o menor passo ou o mal menor. Como consequência desta sociedade totalitária, surge sobre os indivíduos o sentimento de extrema impotência frente ao real, aliado a um aumento da angústia. Na lógica do mal menor, a adaptação acaba sendo a melhor solução para o sujeito, enquanto pos- sibilidade de se garantir material e subjetivamente. Nisso, o apego que as pessoas passam a ter em relação aos bens culturais, a toda tecnologia, impõe uma dinâ- mica social na qual os indivíduos se “entregam” aos ditames sociais, sem condições de questionar a ordem do progresso imposta a todos. Para sustentar este processo, um clima cultural geral é criado pelos meios que veiculam informações, fazendo com que as pessoas se submetam ou ajam 3 Para maior aprofundamento, ler texto de Adorno: “Educação e Emancipação”. fortemente guiadas pela atmosfera cultural geral. E não é difícil exemplificarmos este aspecto atualmente. Por exemplo: nos comerciais de produtos, nos quais o sujeito demonstra que tem muito mais prazer em diri- gir seu carro do que em uma relação afetiva, o poten- cial humano se desloca das relações interpessoais para as relações com as coisas, com objetos que suposta- mente lhe trariam mais prazer e satisfação do que uma experiência sensível. Contudo, o que consideramos bastante preocu- pante é que a falta de esclarecimento, pela incom- preensão do que realmente ocorre na sociedade e por que ocorre, gera tal ansiedade e incerteza nas pessoas que elas acabam por se fragilizar, criando as condições psicológicas ideais para se apegarem a movimentos de massa que prometem aliviar tal estado de tensão. Com isso, a sociedade promete, agora, o acesso ilimitado à informação, transformando-o, em grande medida, em uma informação e em um conhecimento destituídos de sua força de trans- formação e de esclarecimento, porque os sujeitos que seriam os agentes da transformação para um real mundo humano estão ficando mais incapaci- tados de utilizá-lo para tal fim. As informações e os conhecimentos são utilizados para manter o estado de inconsciência, o qual pode ser atribuído muito mais a consequências das repressões psicológicas do que a uma incapacidade natural das pessoas em conseguir compreender o real a partir das informa- ções e conhecimentos disponibilizados. Certamente, hoje, mais do que em qualquer outra época da história humana, uma parcela da população tem acesso às informações de forma muito mais fácil e rápida e o processo de escolarização passa por amplia- ção. Isso tudo deveria fazer com que as populações tivessem maiores condições de compreensão e inter- venção no real; no entanto, assistimos, exatamente, ao inverso: os indivíduos são crescentemente integrados ao sistema social e incapazes de compreender a contra- dição dessa mesma sociedade. Os indivíduos são crescentemente integrados ao sistema social e incapazes de compreender a contradição dessa mesma sociedade. Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 9Faculdade Educacional da Lapa - FAEL A forma como os meios de comunicação tratam as questões sociais e políticas, colocando no mesmo nível de importância uma notícia política e outra sobre o lançamento da moda francesa de primavera- -verão, faz com que se perca a relação existente entre essas questões políticas e sociais e a própria vida das pessoas. Com isso, o conhecimento, a compreensão da sociedade em que elas vivem perde seu poder de guiar as suas ações – elas agem conforme pensam ser mais correto, pois se espelham no que ditam os meios de comunicação de massa, que dizem levar- -lhes informações. Esta ignorância, segundo Adorno et al. (1965, p. 622), [...] cria ao nível do eu uma ansie- dade que combina muito bem com as ansiedades da infância. O indiví- duo deve fazer frente a problemas que, na realidade, não compreende e se vê obrigado a criar certas téc- nicas de orientação, por mais gros- seiras e mentirosas que sejam, que o ajudem a encontrar seu caminho na escuridão, por assim dizer.4 Os recursos que os indivíduos utilizam para compreender a sociedade são a estereotipia e a per- sonalização, os quais são largamente utilizados pelas mídias – como repetições de estratégias infantis –, e que funcionam, ao mesmo tempo, como instrumen- tos de ação e cicatrizes sobre o sujeito (ADORNO et al., 1965). O fato de não compreenderem com clareza, de não conseguirem interpretar o mundo em que vivem, proporciona as condições psíquicas ideais para que os indivíduos retrocedam aos níveis de elaboração infantis da estereotipização e personalização. Primeiramente, o estereótipo ajuda o sujeito a organizar aquilo que lhe parece caótico. A dificuldade para compreender situ- ações complexas, para realizar um processo cognitivo verdadeiro e aprofundado, faz com que mais ferrenha- mente ele se apegue a verdades prontas para evitar o trabalho e o sofrimento de ter que conhecer e refletir sobre certos assuntos desagradáveis (ADORNO et al., 1965). Mas este processo tem um custo individual: o fato de colocarem a realidade dentro de imagens pron- tas, estereotipadas, acaba por manter esse mundo tão afastado, abstrato e não experimentado que, ao final, muito pouco ajuda no alívio da ansiedade e tensão 4 Texto no original: “[...] crea al nível de yo una ansiedad que enlaza demasiado bien con las ansiedades de la niñez. El individuo debe hacer frente a problemas que, en realidad, no compreende y se ve obligado a crearse ciertas técnicas de orientación, por groseras y falaces que sean, que lo ayudan a encontrar su camino en la oscuridad, por lo decirlo”. geradas pela sua incompreensão. Um exemplo coti- diano, que vivemos nas escolas, diz respeito ao pre- conceito com as minorias ou etnias. A dificuldade em compreender a complexidade da situação da juventude e as opções que fazem de comportamento, agrupando-se em “tribos”, cria as condições para que jovens que utilizam seu corpo para expressar uma ideia, uma posição frente ao mundo, sejam agrupados sob o conceito de “tribo”. Algumas pessoas podem utilizar o termo sem conotações e pre- conceitos, mas uma boa parcela vai utilizá-lo de forma a criar um estigma sobre os grupos. Tal estigma é apre- endido pelo sujeito que sofre o preconceito – o jovem, neste caso –, e é retribuído na forma de comporta- mentos ainda mais estereotipados. Isso gera um cír- culo vicioso, em que os jovens adotam posturas mais agressivas porque atribuem a eles valores, sentimentos e comportamentos baseados em ideias prefixadas e preconceituosas sobre seu comportamento. Nesse sentido, o estereótipo é um produto de nossa cultura que se relaciona com mecanismos psí- quicos infantis durante o processo de diferenciação com o mundo externo. Segundo Crochik (1997), exis- tem muitos fatores que contribuem para a utilização de estereótipos. Um deles seria a predominância de um sistema produtivo que busca uma ação eficiente: que exige que as pessoas tenham definições precisas de tudo e de todos. Isso acarreta uma obrigatoriedade da certeza, exigindo comportamentos estandartiza- dos. O sujeito é coagido a se posicionar em relação a tudo, posto que a ignorância é menos um saber que se dever buscar por ele do que uma falha na formação. A dificuldade de dar conta de tudo leva os indivíduos a buscarem esquemas ordenadores já prontos, impossi- bilitando a experiência: no exemplo anterior, usam as ideias preconcebidas sobre as “tribos” e não buscam se relacionar com elas para melhor compreender o uni- verso juvenil. Um pensamento com base em clichês fragmenta o mundo e o dicotomizaem bom e mau, perfeito e imperfeito, certo e errado. Com isso, o recurso da este- reotipização, não conseguindo provocar o alívio de um mundo ameaçador sobre o sujeito, acaba por evocar o seu contrário: a personalização. Esse recurso (perso- nalização) consiste em tomar uma pessoa como chave para descrever processos políticos e sociais: o problema é personalizado. Por exemplo, o culpado da crise eco- nômica passa a ser personificado em uma pessoa, em um partido, em quem defende uma ou outra ideolo- gia. Na realidade, as questões sociais, em um mundo Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 10 globalizado, tem raízes profundas e amplas, invadem campos distintos. Com isso, não se pode analisar situ- ações complexas com raciocínios simplistas. Diante da dificuldade de compreender a comple- xidade do real, atribuir a responsabilidade a uma pessoa acaba sendo a saída mais fácil e rápida para apaziguar a angústia de não saber a origem do problema, mas também alimenta a polarização entre os defensores e os acusadores do “responsável”. A incompreensão gera muita angústia; por conta disso, uma solução rápida e fácil atenua, temporariamente, o sofrimento, mas não o elimina, porque a certeza de que o desconhecimento permanece um dia volta à tona na consciência. 4 UNIVERSO SIMBÓLICO E TECNOLOGIA De acordo com Benjamin (1994, p. 169), [...] no interior de grandes proces- sos históricos, a forma de percep- ção das coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo em que seu modo de existência. O modo pelo qual se organiza a per- cepção humana, o meio em que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também histo- ricamente. Como discutido anteriormente, percebemos o mundo por meio de nossos sentidos e, hoje, vivemos em uma sociedade que está profundamente marcada pela produção e pelo consumo de mercadorias que atuam sobre eles. O Brasil, país emergente, dispõe para a população produtos midiáticos na mesma proporção que países europeus e asiáticos. Ainda que tenhamos uma parcela da população carente de escolas, moradia, emprego e outros, o percentual de pessoas que possui acesso à rádio, à televisão e à internet é bastante significativo. Na citação anterior, certamente, Benjamin não está discutindo em específico a questão das mídias, mas, sim, toda a estrutura tecnológica e técnica que a humanidade criou alterando nossa percepção sobre o mundo e nós mesmos. No cerne desse processo estão as relações humanas, as quais estão sendo crescente- mente mediadas por objetos tecnológicos5. Relações 5 Estamos entendendo por tecnologia toda produção humana, tanto material quanto subjetiva. Nesse sentido, a linguagem, as formas de expressão e comunica- ção são tecnologias desenvolvidas pela humanidade, bem como os equipamentos que passaram a ser utilizados para a comunicação, como suporte para as lingua- gens, tais como a pintura, a fotografia, o rádio, o cinema, etc. mediadas por tecnologia têm sido estabelecidas desde as civilizações mais arcaicas, com o uso de sinais grá- ficos ou sonoros. Contudo, certamente, foi bastante significativa a revolução advinda da produção das imagens, que passaram a ocupar um papel relevante na sociedade, em particular a partir do surgimento da pintura como arte, como leitura do real, com o intuito de perpetuar a imagem e, posteriormente, a fotografia, o cinema e a televisão, mídias que con- quistaram espaços diversos na sociedade ao longo de suas histórias. Trivinho (2001) nos traz alguns elementos para pensarmos sobre esta questão na atualidade. O autor propõe o uso do conceito de fenômeno glocal, cujo pressuposto é de que ocorreu uma clivagem bidimen- sional do mundo como experiência humana, no qual passou a existir [...] um, o universo dos lugares, dimensão concreta da experiência corporal, processada in loco; outro, o campo dos não lugares (em especial, o de caráter audiovisual), oceano veloz e reciclável de vivências espec- trais (TRIVINHO, 2001, p. 69). Isso significa que convivemos no mundo com uma dimensão concreta, que nos permite experi- ências sensíveis, e em um outro, o campo dos “não lugares”, o das subjetividades espectrais. Segundo Tri- vinho (2001), essa fratura dá-se no plano do sensível, portanto, quase imperceptível, “[...] que se coloca socioculturalmente como efeito estrutural de monta operada pela comercialização ampliada dos media” (TRIVINHO, 2001, p. 69). Pensar na atualidade, portanto, significa identificar o virtual muito aquém do surgimento da internet e do computador. A virtu- alização como processo social remonta a períodos em que nossa experiência com o real passou a ser mediada com base, em alguma medida, em imagens pintadas, captadas, projetadas. Ao longo da nossa história, as relações sociais têm se constituído mediadas por algum suporte material ou linguístico, que, muito cedo, passou a construir imagens como forma de expressão do sentimento, das ideias, dos valores humanos. Francastel (1983, p. 45), teórico de arte e cinema, afirma que “a imagem não é um conceito; ela prescreve uma das mais importantes formas de organização da sociedade”; ou seja, a ima- gem, além de atuar sobre o indivíduo, organiza, estru- tura, em alguma medida, a vida social: são os clichês, o estereótipo, regulando as relações humanas. As ima- gens têm como sentido, para nós, um triplo rosto, no Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 11Faculdade Educacional da Lapa - FAEL qual se refletem a realidade exterior, a criação plástica e a realidade interior (HUYGUE, 1986) – imagens que são veiculadas em tecnologias e que vêm assumindo um papel central na formação do indivíduo, imagens que têm um discurso próprio. Essas imagens, em seus suportes, se as entender- mos como produções humanas, passaram a fazer parte da nossa formação, ou seja, interferem na estruturação do nosso aparelho perceptivo (BENJAMIN, 1994). Dessa forma, podemos pensar que nós nos constituí- mos, psiquicamente, como sujeitos, e sociologicamente como cidadãos, sendo profundamente marcados pelas imagens veiculadas pelas mídias que intermedeiam a nossa relação com o espaço e com os grupos sociais nos/ com os quais interagimos, ou seja, virtualizando, em grau crescente, o mundo e as pessoas. O conteúdo, ou o que comunicamos, por sua vez, é veiculado em suportes que, a cada tempo, são inventados e reinventados. Contudo, retomando a citação inicial de Ben- jamin (1994), devemos demarcar que, atualmente, o processo pelo qual vêm se dando a produção e o consumo dos produtos das mídias difere daquele ana- lisado pelo autor. Hoje, a dimensão econômica, na produção artística, tornou-se um fator determinante nesse processo, ou seja, atualmente, acontece uma produção e um consumo dessas mercadorias que ocor- rem muito fortemente inspirados pela lógica da indús- tria cultural (ADORNO, 1986). Com isso, a imagem artística, em grande medida, rendeu-se aos desígnios do mercado, enquanto, por exemplo, a pintura perma- neceu por um longo período no campo da arte, pois os artistas dependiam de suas produções para a sobrevi- vência, sem, no entanto, suas obras se limitarem a ser somente objetos de troca ou mercadoria. Como criti- cou Adorno (1986), o problema não é a arte ter uma dimensão de mercadoria, a questão é ela ser só isso: uma mercadoria. Boa parte do que é produzido e veiculado pelas mídias está submetida à lógica da indústria cultural, o que se busca é o lucro. Nesse contexto, os apelos que ela faz aos seus consumidores emergem substancial- mente dos aspectos subjetivos reprimidos pela socie- dade. A forma como as mídias atuam sobre o sujeito é totalizante, no sentido lato do termo – quer absor- vê-lo, introduzi-lo em um mundo fantasmagórico de imagens que se sobrepõem umas às outras, sem pos- sibilidade de reflexão sobre seu conteúdo, sem tempo para pensar; mesmo porque, hoje, muitas pessoas, quando se imobilizam perante a mídia, desejam ape- nas não pensar. Se elas puderem repetiro que veem e escutar para se manterem “integradas” no contexto, já será o suficiente para lhes garantir um lugar no meio em que convivem. Conhecer qual pintor é o expoente do momento, qual filme ganhou o Oscar, muito mais do que apreciar seu conteúdo e sua expressão plástica, é o que realmente importa para uma boa parcela da população; as pessoas precisam se manter informadas para terem o que falar nas rodas de bate-papo. Com isso, cada vez mais as relações humanas estão sendo mediadas pelo conteúdo veiculado pela mídia. Em certa medida, a experiência com o real tem sido gradativamente substituída pela experiência com o vir- tual. Certamente, essas questões não nos autorizam a considerar que as mídias são as únicas responsáveis pela nossa atual condição humana, porém, precisamos con- siderar que a racionalidade que governa suas ações e seu discurso, ainda que não na sua totalidade, vem ser- vindo para a manutenção do mundo como ideologia. Desde o tempo das cavernas, com as inscrições rupestres, até os dias atuais, com a pintura, a fotogra- fia, a televisão, o cinema, a internet no espaço privado e no público, as mídias trazem conteúdos que nos “informam” sobre pessoas, lugares, processos sociais; acabamos por absorver esses conteúdos e utilizá-los na condução de nossas ações. Em função do crescente uso das imagens na construção de nossa percepção sobre o real, interferindo na forma como atuamos nos pro- cessos sociais, Huygue (1986) chegou a propor que a denominação da civilização moderna passe de civiliza- ção do livro para civilização da imagem, devido à sua presença em todas as dimensões da vida humana. O problema não é a arte ter uma dimensão de mercadoria, a questão é ela ser só isso: uma mercadoria. Essa relação com a imagem produzida, tornada perene por meio de algum processo tecnológico, remonta a momentos muito remotos de nossa civiliza- ção, pois, como diz Sampaio (2000, p. 51): [...] todas as artes figurativas pode- riam ser pensadas como tendo seu protótipo na prática egípcia do embalsamento, como defesa con- tra a morte e o tempo. A tentativa de escapar ao tempo e consequen- temente à morte é o que levaria o sujeito a, através do embalsamento, Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 12 procurar uma perenização do que foi a sua vida. A prática do embalsamento, assim como a cria- ção de imagens, sempre foi uma busca por superar a implacável ação da natureza sobre nossa existên- cia. Dessas práticas à fotografia, a construção de imagens esteve ligada a uma necessidade de comu- nicarmos algo a alguém, para além do tempo de sua existência: perpetuar, elevar o objeto para além de sua materialidade física e irredutivelmente delimi- tada por um tempo de vida. A comunicação sobre um objeto, comprovando sua existência, sua forma e seu conteúdo, lançou mão das tecnologias e téc- nicas de produção de imagens, objetivando sempre os outros sujeitos, distantes no espaço e no tempo, como necessidade de domínio da natureza. Quando Benjamin (1994) discute a mudança de nossa percepção em função dos condicionantes histó- ricos, entendemos que as tecnologias que atuam sobre nossos sentidos ocupam uma posição importante na conformação do nosso aparelho perceptivo a essa nova realidade. A pintura, diferentemente da fotografia, segundo ele, guardava uma profunda relação com a obra de arte, ainda mantinha sua aura por se tratar de uma expressão do artista, carregada de sua subjetividade, obra de mãos laboriosas, marcando uma leitura sobre o mundo, com seu estilo, seu traçado próprio, seu talento, seu eu expondo-se por meio de uma com- binação de cores e luzes. Mas, uma vez transgredidos os limites da arte, as imagens produzidas pelas mídias assumem o fetiche da mercadoria, tornam-se elas pró- prias e a quem representam mercadorias do sistema de troca, e passam a atuar na formação do sujeito, impri- mindo na relação que ele estabelece com o real mar- cas profundas, fornecendo um arsenal ainda maior de modelos, por meio das imagens que veicula, com as quais o eu pode se constituir. Os aspectos psicológicos, analisados a partir da psicanálise, trazem elementos importantes para pen- sarmos nas mídias como instâncias formadoras do sujeito, em competição acirrada com as demais, prin- cipalmente, com a família e a escola. Isso porque essas instâncias, em grande parte, incorporam e sancionam seu discurso no cotidiano pelo consumo de seus pro- dutos, em geral, alienadamente. Essas questões são desafios com os quais temos de lidar para entender as influências e os discursos que transcorrem no interior das escolas. As ações que os grupos promovem são motivadas por questões cultu- rais e conjunturais. Nesse sentido, entender o real é fundamental para o educador. 5 “HOMO COMPLEXUS”: CENÁRIOS DA ATUALIDADE II “A velocidade é irrelevante quando se vai na direção errada.” Mahatma Gandhi Dentro do universo informacional da atualidade, é muito fácil nos perdermos, nos inebriarmos com a quantidade de produtos, de serviços, de oportuni- dades, de caminhos e descaminhos que se abrem à nossa frente. Imaginamos o que é, para a juventude do século XXI, a tarefa de fazer escolhas profissionais, afe- tivas, de locomoção, etc. Em todas essas áreas (traba- lho, amor e lazer), as possibilidades são cada vez maio- res; no trabalho, assistimos a um alargamento quanto ao rápido surgimento e desaparecimento de tipos e postos de trabalho, em função da junção/disjunção de atividades nos espaços de produção, bem como na produção do conhecimento. Além disso, o mercado de trabalho exige um profissional com habilidades e conhecimentos mais amplos. No campo da afetivi- dade, hoje, tem-se muito mais liberdade de escolha e de tentativas; as relações afetivas se tornaram, até certo ponto, mais fluídas – atualmente, a garotada “fica”. No campo do lazer, talvez com uma incidência maior, as escolhas tendem “ao infinito”. Com isso, saber escolher talvez seja uma habi- lidade das mais preciosas na atualidade, para não se percorrer “caminhos errados”. A complexidade, dis- cutida por Morin, não se dá somente na ciência ou na sua produção – nós e a natureza somos, por defi- nição, complexos. Para lidar com a complexidade, é necessário saber trilhar os caminhos da vida de forma complexa. Para tanto, é necessário romper fronteiras, aventurar-se por universos desconhecidos de experiên- cias humanas e de conhecimento, deixar que as mãos e a cabeça tenham liberdade e, sem medo de errar, ousar novos horizontes. A princípio, não é fácil, mas, no final, sempre vale a pena. 6 IMAGEM E/DA SOCIEDADE Na relação entre mídia e sociedade, dois autores dos quais nos apropriamos para compreender as impli- cações da mídia no contexto social foram Barbero e Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 13Faculdade Educacional da Lapa - FAEL Rey (2001). Os autores discutem tal questão em um texto acerca do novo regime de visualidade provocado pela mídia. Para entendermos o que eles chamam de regime de visualidade, precisamos considerar o con- ceito de tecnicidade da imagem. A partir do conceito de tecnicidade, os auto- res defendem a ideia de que, diante do fenômeno da comunicação atual, não se tem dado a devida aten- ção à noção grega da techné, que nos remete à dimen- são humana da destreza, da habilidade do fazer, mas, também, de argumentar, expressar, criar e comunicar. Com isso, há, hoje, na técnica, segundo os autores, “[...] novos modos de perceber, ver, ouvir, ler, aprender novas linguagens, novas formas de expressão, de textu- alidade e escritura” (BARBERO; REY, 2001, p. 12). Com isso, a técnica não somente propõe uma forma de fazer, um modo de executar ações e estabe- lecer relações, como, também, resultante desse modo, desenvolvemos novas formas de nos relacionarmos com o real. Um exemplo que podemos usar para aná- lise diz respeito ao tratamento da informação. Nas sociedades arcaicas, a informação era tratada utilizando a técnicado discurso oral mitificado, dentro de uma relação hierárquica (mais velhos versus mais novos), para que a informação e o conhecimento sobre a caça, a pesca etc. fosse repassada para as novas gerações. Com essa técnica, a visão de mundo e a relação estabe- lecida com ele eram permeadas por uma visão mítica. Hoje, o tratamento da informação é feito mediante uso de equipamentos/meios que armazenam a infor- mação em vários formatos (textos, gráficos, imagens etc.), a forma de acesso é extremamente variada. As novas gerações independem dos mais velhos para ter acesso a elas. Nesse contexto, essa técnica faz com que o sujeito estabeleça um outro tipo de relação com o mundo, uma relação desmitificada – ainda que a reli- gião permaneça, em uma dimensão da vida social, bas- tante presente. Dentre os recursos que a sociedade sempre utilizou para tratar a informação, a imagem, certamente, é uma das formas mais relevantes. Partindo de uma discussão sobre a função social da imagem, Barbero e Rey (2001, p. 53) afirmam que ela sempre foi um meio de expres- são, de comunicação, mas, também, de adivinhação, de iniciação, de encantamento e cura. Com esta carga genética, a imagem, com frequência, é impregnada de sentimentos de desconfiança e vem assumindo novo estatuto em função de sua formação híbrida entre as dimensões de sua visualidade (dispositivos de leitura) e de sua tecnicidade (tecnologia de produção). No seu percurso histórico, o qual remonta à pró- pria noção de comunidade, emergem, nestes últimos séculos, para além da complexidade de linguagens e de escritura da imagem, as imagísticas e os imaginários. O seu desgaste e o seu esvaziamento de sentido ocorrem em função de sua submissão à lógica da mercadoria, denunciando a primazia de uma estética que privilegia a banalização da vida cotidiana com a proliferação de imagens, nas quais, parafraseando Baudrillard, “não há nada para ver”. Hoje, uma foto da miséria humana, da fome, é apreciada com valor estético e pendurada nas paredes como objeto decorativo. Nessa discussão, uma primeira dimensão é pen- sarmos a imagem como objeto social, a qual, segundo os autores, possui duas dimensões dicotomizadas: a) do universo do sublime; b) do espetáculo/diverti- mento. Ou seja, a imagem carrega elementos, às vezes, opostos. Em um sentido, pode ser considerada como objeto a ser apreciado, mas carrega, também, uma banalização da violência ou mesmo uma espetaculari- zação da experiência humana. Debord (1997) discute esta questão com a compreensão de que: As imagens que se desligaram de cada aspecto da vida fundemse num curso comum, onde a uni- dade desta vida já não pode ser res- tabelecida. A realidade considerada parcialmente desdobrase na sua própria unidade geral enquanto pseudomundo à parte, objeto de exclusiva contemplação. A espe- cialização das imagens do mundo encontrase realizada no mundo da imagem autonomizada, onde o mentiroso mentiu a si próprio. O espectáculo em geral, como inver- são concreta da vida, é o movi- mento autônomo do não vivo. Além de encarnar um universo representacional do real, a imagem traz, em si, a possibilidade do logro, da malícia, do engodo, do prazer ilusionista. As duas faces se interpenetram e se consolidam no universo da imagem. Como centrais na vida urbana, compre- ender sua função, seus limites, torna-se tarefa central para a educação6. Em uma segunda dimensão, a imagem nos apa- rece como um objeto cultural, causando um entre- laçamento entre os modos de simbolização e rituali- zação dos laços sociais e os modos de operar os fluxos audiovisuais e das redes: relações constituídas por/ 6 Sobre essa discussão, vale a pena assistir ao documentário Janela da alma, de João Jardim e Walter Carvalho. Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 14 pela/para as redes. Nesta dimensão, segundo os auto- res, a imagem vem operando um desordenamento cultural justificado por: a) convivência com uma opulência, em ter- mos comunicacionais, com uma debili- dade de público; b) maior disponibilidade de informação com um empobrecimento/deterioração da edu- cação formal; c) aumento significativo de imagens e um empobrecimento da experiência; d) multiplicação de signos em uma sociedade que padece do maior deficit simbólico. Esta experiência cultural desordenada, do ponto de vista do sujeito, tem resultado, segundo Barbero e Rey (2001), em uma situação de desancoramento. Esse conceito está atrelado à relação do sujeito com o espaço, e constitui-se fator nuclear para formação de sua identidade, bem como para a vida cotidiana. A identificação com um lugar (nação, cidade, bairro, rua, escola, associação etc.) permite ao sujeito esta- belecer os vínculos com os demais que habitam esse mesmo lugar; esta é a condição necessária para o pro- cesso de socialização. Não existe socialização sem que haja um lugar para que ela ocorra. O termo desanco- ramento advém da ideia do barco/navio que, quando quer parar em um lugar, deve lançar sua âncora para se fixar; caso contrário, as águas o levam à deriva. Um barco ancorado se fixa em um lugar, um sujeito com laços com o lugar possui identidade cultural e psí- quica. Um barco sem âncora fica à deriva, um sujeito sem um lugar é um ser sem referência. Essa referência se constrói ao longo da vida, a par- tir de práticas, costumes, valores que são consolidados e transmitidos de geração em geração. Até o século XVII, a dimensão cultural era delimitada pela dimen- são espacial: existiam, de forma definida, diferenças culturais entre povos, grupos e nações. Com o desen- volvimento das tecnologias da informação e comuni- cação, que permitem a troca simbólica em escala pla- netária, as distinções culturais estão se tornando mais fluídas, com fronteiras menos demarcadas. Se eram essas características culturais que delineavam as iden- tidades, a sua dissolução, certamente, trouxe implica- ções para a formação das identidades na atualidade. Hoje, conseguimos nos identificar como “brasileiros” – ainda que o Brasil já traga na sua gênese a marca da mistura –, mas as mesclas entre norte e sul, leste e oeste, nos tornam genéricos. A cultura dos pampas gaúchos, assim como o forró nordestino, a comida capixaba, a baiana, o sotaque carioca, ou mesmo o catarinense, estão disseminados por todos os lugares. Além da dimensão espacial, a experiência do desordenamento tem trazido, também, uma modi- ficação na sensibilidade em relação ao tempo, o que será denominado sensorium audiovisual, marcado pela simultaneidade, pelo instantâneo e pelo fluxo: simultaneidade do agora (HARVEY, 1994). A dimen- são temporal remete diretamente à noção de história, herança, mas, também, de futuro, de utopia. A percepção do espaço e do tempo é alterada a par- tir do surgimento dos suportes técnicos que permiti- ram a constituição do que, hoje, chamamos de “experi- ência audiovisual”. As experiências audiovisuais, como afirmam Barbero e Rey (2001), repõem radicalmente nossa relação com a cultura, fundamentalmente, pelo modo como passamos a nos relacionar com a realidade. Quanto a esta questão, dizem os autores: Do espaço, aprofundando o desan- coramento que a modernidade pro- duz com relação ao lugar, desterri- torialização dos modos de presença e relação das formas de perceber o próximo e o longínquo, que tor- nam mais perto o vivido “a distân- cia” do que aquilo que cruza nosso espaço físico cotidianamente. E, paradoxalmente, essa nova espacia- lidade não emerge do itinerário que me tira do meu pequeno mundo, senão, ao contrário, da experiência doméstica convertida pela televisão e pelo computador nesse território virtual ao qual, como expressiva- mente disse Virillo, “todos chegam sem que tenham que partir” (BAR- BERO; REY, 2001, p. 34). Sem este lastro na espacialidade, a cultura local- -nacional perde seus laços orgânicos com o território e com a língua, que eram aspectos nucleares na sua cons- tituição: os sujeitos, na relação com o espaçoe com os outros, articulam sua cultura e, portanto, sua identi- dade. A diminuição destas duas dimensões (espaço e língua) na sociedade atual altera, significativamente, o posicionamento da cultura, na perspectiva indivi- dual e coletiva, como eixo coesionador/aglutinador do coletivo. Isso, associado à lógica da mercadoria, pode nos direcionar para uma sociedade sem laço algum, sem uma configuração espacial e linguística que per- mita a diferenciação cultural. Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 15Faculdade Educacional da Lapa - FAEL As imagens que compõem o discurso da mídia, neste sentido, aparecem descontextualizadas, desisto- ricizadas e apolíticas, marcadas por uma fragmentação que não estrutura uma história cuja duração permita vislumbrar um projeto. De acordo com os autores, ficamos entulhados de projeções, mas desprovidos de projetos (BARBERO; REY, 2001). Esta experiência tem trazido para as comunidades locais e nacionais uma fragilidade dos laços orgânicos com o território e com a língua. As categorias (território e língua) vêm sofrendo uma diminuição de sua primazia na cons- tituição da identidade, deixando de ser principal ele- mento coesionador do coletivo, causando uma debili- dade e confusão na relação do sujeito com o território, com seu povo e com sua língua. É neste contexto cultural que os autores defenderão a constituição, preferencialmente nos espaços escolares, de uma segunda oralidade, a do audiovisual, que possui relação intensa com o olhar, a escuta, a atenção. A partir deste pressuposto, Barbero e Rey (2001, p. 18) afirmam que: “Se já não se escreve, nem se lê como antes, é porque tampouco se pode ver, nem expressar como antes.” Essa afirmação, for- temente alicerçada em um pensamento benjamiano, coloca-nos o desafio de rever o estatuto da visualidade a partir da lógica econômica, subjugada, em certa medida, à frequência, à intensidade e às regularidades do mercado. Qual imagem se torna importante hoje? 7 TEMPO E/DO SUJEITO Sob outra ótica, analisar a relação da mídia com a sociedade nos remete, de alguma maneira, a pensar no tempo em que essa mídia é mais fortemente con- sumida: no tempo livre. Nos moldes do modo de pro- dução capitalista, o trabalho passou a ser regulado por contratos que estabelecem limites de duração (jornada de trabalho). No tempo restante, o trabalhador pode realizar as atividades que quiser (ou puder). Com isso, temos, atualmente, problemas relacionados ao tempo do trabalho e do “não trabalho”, ou ao tempo livre. Esse tempo – o do “não trabalho” –, está cada vez mais “preenchido” com conteúdos da indústria cultural, em especial das mídias de comunicação, como a televisão, o cinema e, mais recentemente, a internet. Mas o que realmente significa esse “tempo livre”? O quanto ele é realmente livre? Nessa discussão, o tempo do lazer no contexto do capitalismo foi rapi- damente percebido como momentos distintos da vida humana: um tempo para produzir e um tempo para consumir. Vários autores anunciaram que essa dinâ- mica foi criada como ideologia para dar sustentabili- dade ao modelo econômico sob a lógica do capital. Tal sistema se mantém desde que haja um volume de con- sumo do que é produzido em escala sempre crescente. Ou seja, a indústria sobrevive desde que tenha alguém para comprar o que ela produz. Nos primórdios do capitalismo, a parcela da população com condições de consumir era restrita (somente uma burguesia abastada possuía recursos para adquirir automóvel, por exemplo). No entanto, muito rapidamente, o próprio sistema evidenciou que o mercado consumidor deveria ser ampliado, para evitar uma crise econômica por superabastecimento (muitos produtos sem público para comprá-los). Uma das saídas foi inserir no mercado consumidor a classe trabalhadora. No entanto, o consumo deveria se dar no tempo em que ela não estivesse produzindo: surge, com isso, o universo do lazer. Isso porque o próprio sistema de produção fordista tinha como um de seus pressupostos que o trabalhador tivesse renda e tempo de lazer suficientes para consumir os produtos fabri- cados em massa, alimentando a cadeia produtiva. Nas décadas de 1930 e 1940 começam a surgir os negó- cios envolvidos no tempo do não trabalho, em que a lógica do business e do show business se aproxima- ram. Na realidade, uma é o prolongamento da outra, pois toda a indústria da diversão, do entretenimento, está submetida ao regime do lucro. Segundo Adorno (1995, p. 73), por um lado, deve-se estar con- centrado no trabalho, não se distrair, não cometer disparates; sobre essa base repousou outrora o trabalho assalariado, e suas nor- mas foram interiorizadas. Por outro lado, deve o tempo livre, provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor, não lem- brar em nada o trabalho. A estratégia da indústria da diversão, ou da indús- tria do tempo livre, é a de incorporar aspirações e dese- jos humanos que, se em um determinado momento cumpriam uma verdadeira função no jogo de forças psíquicas dos indivíduos, gradativamente foram sendo institucionalizadas pela lógica do mercado, sendo ofertadas como mercadorias a serem adquiridas obje- tivando a felicidade, a liberdade. Em contrapartida, esses condicionantes instauram as condições para que o tédio venha, crescentemente, a fazer parte da vida cotidiana. O tédio pelo dia de trabalho sempre igual, Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 16 é seguido de um tempo que não consegue ser livre o suficiente para descarregar a tensão e as frustrações geradas pela vida nesse sistema repetitivo, o que, em geral, torna-se algo insuportável. Como bem colocou Adorno (1995, p. 76): O tédio existe em função da vida sob a coação do trabalho e sob a rigorosa divisão do trabalho. Não teria que existir. Sempre que a conduta no tempo livre é verdadeiramente autô- noma, determinada pelas próprias pessoas enquanto seres livres, é difí- cil que se instale o tédio [...]. Enquanto a grande maioria dos sujeitos é, em alguma (ou muita) medida, determinada heterono- micamente em todos os momentos da vida, o tédio se instaura como uma das manifestações subjetivas de um espírito coagido, alijado de sua verdadeira existência, ou seja, como uma manifestação das deformações que a sociedade vem produzindo nas pessoas (ADORNO, 1995). Esse processo tem, como uma de suas princi- pais consequências, a detração da fantasia como utopia e seu atrofiamento, pois o sujeito volta sua fantasia para outros objetos, por exemplo, para o conteúdo que as mídias lhes oferecem; identificam-se em um processo psíquico de regressão do tipo narcísico, de fantasia ilu- sória, de esquecimento de sua própria falta. A perda dessa dimensão na subjetividade humana cria as condições para que, mesmo tendo tempo livre para desfrutar à sua maneira, as pessoas não consigam torná-lo efetivamente livre, acabando por buscar uma nova oferta do mercado da diversão para consumi-la nesse tempo, satisfazendo, em alguma medida, sua necessidade psíquica de desligamento (ainda que por poucas horas) do real. Contudo, esse desligamento é ameno, para que o sujeito não se reconheça naquilo que vive no tempo da diversão programada. Sua vida tem sentido na medida em que vislum- bra a possibilidade de sua própria realização. A dinâ- mica da sociedade globalizada tem retirado, em grau cada vez maior, a possibilidade dessa realização acon- tecer segundo o desejo e as necessidades verdadeira- mente individuais. Tem submetido crescentemente o sujeito à lógica do social, fazendo com que ele ajuste suas potencialidades e energias às necessidades do sis- tema e as assuma como suas. Para isso, o sistema lança mão de mecanismos que mantenham o tempo da vida de todos dividido em tempo de trabalho e tempo de não trabalho, desde que ambos estejam submetidos à mesma lógica. Nesse contexto, Sob as condições vigentes, seria inoportuno e insensato esperar ou exigir das pessoas que realizem algo produtivo em seutempo livre, uma vez que se destruiu nelas justamente a produtividade, a capacidade cria- tiva (ADORNO, 1995, p. 77). As mídias, nesse sentido, atuam como elemento coesionador entre o tempo do trabalho e do não tra- balho, mantendo o sujeito em uma dinâmica de con- tinuidade na sua vida tão estandartizada. O tédio da vida cotidiana é ilusoriamente rompido pelo glamour proporcionado pelo conteúdo das mídias, pela vida do galã, pela ida aos cinemas, pelos encontros furtivos nas salas de bate-papo virtual. Algo tem de, mesmo ilu- soriamente, romper com o tempo entediante de um trabalho que não realiza o sujeito. Com isso, precisamos considerar que a promessa iluminista de que a racionalização da vida traria as melhores condições para que os indivíduos pudessem manifestar sua verdadeira essência, vem, contradito- riamente, aniquilando sua potencialidade, destruindo sua capacidade criativa, sua capacidade imaginativa em nome de uma racionalidade que privilegia o meio, invertendo a equação: de meio, as tecnologias tor- naram-se fim em si mesmas. No entanto, ainda que as análises sociológicas nos mostrem esse panorama não muito agradável, Adorno (1995) levanta algumas questões que surgiram em torno de uma pesquisa rea- lizada no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, questões não totalmente conclusivas, mas que apon- taram que, apesar do grau de integração das pessoas à sociedade e ao fenômeno na indústria da diversão, em alguma medida, ainda lhes resta uma desconfiança quanto ao seu conteúdo e quanto ao que ela promete. Segundo Adorno, as pessoas consomem os produtos da indústria cultural com um tipo de reserva, “não acreditam inteiramente neles”, evidenciando-nos que, não inteiramente, ocorre a integração da consciên- cia e do tempo livre. Caberia questionarmos se esses resultados seriam alcançados ainda hoje, depois de tantas décadas de consumo desses produtos e com o absurdo crescimento das mídias na sociedade, do sim- ples programa de televisão até as páginas de internet, simulando realidades virtuais, somos envolvidos pela indústria da diversão desde a mais tenra idade. 8 FORMAÇÃO E/DO SUJEITO Muitos discursos colocam a necessidade de incor- poração dos novos recursos tecnológicos nos processos Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 17Faculdade Educacional da Lapa - FAEL educativos, em qualquer nível. No Brasil, isso pode ser claramente visualizado em uma breve análise dos documentos que orientam a formação dos currículos escolares da educação básica, os quais apresentam uma perspectiva de trabalho docente supostamente alicer- çado na necessidade de uma leitura crítica dos meios. Na discussão dos temas transversais, presente nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fun- damental (PCN), a utilização das mídias se apresentava como possibilidade de elemento articulador dos conte- údos, de valores, conceitos que deveriam ser trabalha- dos nas salas de aula. De acordo com o documento: Os materiais que se usa como recurso didático expressam valo- res e concepções a respeito de seu objeto. A análise crítica desse mate- rial pode representar uma opor- tunidade para se desenvolver os valores e as atitudes com os quais se pretende trabalhar. Discutir sobre o que veiculam jornais, revistas, livros, fotos, propagandas ou pro- gramas de TV trará à tona suas mensagens – implícitas ou explíci- tas – sobre valores e papéis sociais (BRASIL, 1998, p. 36). Nessa perspectiva, as mídias entram como recurso didático de apoio ao trabalho docente, introduzindo, de forma muito superficial, a questão da formação do indivíduo pelos meios. O documento não deixa de indicar a problemática da mídia como instância for- mativa, mas não aprofunda a discussão quanto aos valores e às atitudes que as mídias veiculam, os quais deveriam ser questionados e criticados. A competência 5 da Base Nacional Comum Cur- ricular (Brasil, 2018) destaca a importância de compreender, utilizar e criar tec- nologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Essa competência reconhece o papel fundamental da tecnologia e estabelece que o estudante deve domi- nar o universo digital, sendo capaz, portanto, de fazer um uso qualificado e ético das diversas ferramentas existentes e de compreender o pensamento computa- cional e os impactos da tecnologia na vida das pessoas e da sociedade, superando o caráter de mero consumi- dor e expectador. Por outro lado, os professores, em geral, também são sujeitos que se encontram nas mesmas condições de seus alunos em termos de “consumidores dos pro- dutos da mídia”. A formação e a experiência com esses produtos e o lugar que eles ocupam na vida destes sujeitos (docentes e discentes) não são muito distin- tos: nos adultos, a mídia atua como “amortecedor” da tensão cotidiana, conforme discutimos anteriormente; para os alunos, representa diversão, ocupa um vazio relacional, substituto das atividades sociais que ante- riormente eram realizadas de forma coletiva nos espa- ços domésticos e de grupo. Como afirmam os PCN, se para os jovens as mídias atuam em torno da sua fantasia, para os profes- sores esse processo não é muito diferente, o que muda é o conteúdo da fantasia. A permanência dos sujei- tos no campo da fantasia criada pelas mídias reper- cute de alguma forma na manutenção do status quo, pois dá condições para que eles mantenham a sua vida nos limites do permissível, ou seja, em um cotidiano sempre igual e incessante. Estes limites são expressados pelos próprios meios de comunicação, que não indi- cam uma transformação social, mas, sim, no máximo, melhorias em aspectos superficiais. Esta questão, aliada à proletarização dos traba- lhadores da educação nas últimas décadas, e à própria degradação da imagem da profissão de educador em meio à pauperização da escola – pelo menos da pública –, integra os fatores que confluem para uma agudiza- ção do problema: se, por um lado, os docentes entram em sala de aula com pouca ou quase nenhuma condi- ção de atuar criticamente perante as mídias, por outro, as condições objetivas de trabalho que ele encontra não o estimulam a buscar alternativas e formação. A permanência dos sujeitos no campo da fantasia criada pelas mídias repercute de alguma forma na manutenção do status quo. Felizmente, nos últimos anos, podemos identi- ficar um movimento de valorização da educação e do educador, que tem se expressado na ampliação da estrutura de escolas públicas e de outras medidas Faculdade Educacional da Lapa - FAEL 18 de melhoria da qualidade do trabalho docente. Con- tudo, ainda temos muito para ser melhorado, para atingirmos um patamar de qualidade que necessita- mos e merecemos. Não pretendemos fazer o discurso demonizador das mídias, mas é fundamental tensionar o caráter educativo dos meios. De acordo com pesquisa reali- zada por Fischer (2001), existe um dispositivo pedagó- gico, presente nos conteúdos veiculados pelas mídias, que se mostra nas variadas técnicas de exposição do sujeito, nas correlatas inclusões, exclusões, atenção e desatenção às diferenças e nas várias estratégias de colocar a mídia e a televisão em particular, como um locus pedagógico revelado a partir das diferentes técni- cas de falar do sujeito individual. Os modos de transformar a vida em espetáculo possibilitaram à autora identificar que, a partir dos recursos do zoom, do enquadramento, do cenário e da sonorização, a televisão captura aquilo que é mais íntimo do sujeito e expõe ao público, como se pudesse, e devesse, penetrar na intimidade daqueles que traz à cena, e, também, por conseguinte, na intimidade de quem observa: um exercício de voyeurismo, um espelho de narciso. É “[...] na exposição dossujeitos, basicamente na exposição de todos os medos e inseguranças, de todas as dúvidas, pecados e transgressões – que, ao serem publicizados, são tratados no sentido de uma normalização [...]” (FISCHER, 2001, p. 104). Ou seja, ao agir publicizando o que é privado, expondo a intimidade das pessoas, a televisão busca uma conformação do comportamento, uma adaptação à realidade. Essas questões são fundamentais enquanto objeto de estudo, pois o desconhecimento deixa o sujeito desarmado para entender suas reações diante da mídia. Ainda que concordemos que a escola deva assumir em parte essa formação crítica em relação aos meios, precisamos considerar que isso é, antes de tudo, uma questão política e não somente pedagógica. De nada adianta um discurso pedagógico dessa natureza em uma sociedade que permite a veiculação de programas infantis que lançam mão, explicitamente, de mecanis- mos de erotização e de estímulo ao consumo irrefreado sobre nossas crianças e adolescentes, com uma progra- mação que, predominantemente, exalta o corpo belo, com uma reprodução dos modelos do mundo fashion internacional. Seria mais coerente se, aliada a essa polí- tica educacional, houvesse, também, uma política de controle ao que é produzido e veiculado nos canais de televisão. Se esse controle não existe – pois não basta indicar que um programa é recomendado para esta ou aquela idade –, na pior das hipóteses, pensamos que, pelo menos, este debate deveria ser aberto à população para que, ao ser discutida, a problemática pudesse vir à tona de forma mais aberta e realista. Ainda que os documentos oficiais lancem a neces- sidade de uma postura crítica perante a mídia, que deve ser desenvolvida nos alunos pelos professores, que tipo de crítica se faz no momento, como diz Fischer (2001), em que a mídia brasileira precisa “adequar-se a uma série de constrangimentos políticos e econômi- cos”, os quais influenciam sobremaneira aquilo que é veiculado: real ou superficial? Em um outro sentido, também poderíamos questionar a própria ideia de que essa crítica deva ser estimulada pelos docentes, como se isso fosse possível simplesmente pelo uso dos meios em sala de aula, como se bastasse um desejo puro e simples, ou algumas horas de curso de formação, que são necessárias, mas não suficientes para que os docen- tes mudem sua relação com a mídia. O que estamos querendo assinalar é que, para que essa prática ocorra de forma crítica, os professores pre- cisam de elementos que lhes permitam essas reflexões, que vão muito além do mero fato de terem ciência do problema, e, aqui, estendo essa crítica não só ao uso da televisão em sala de aula como também de qualquer meio, inclusive a internet. Ou seja, uma mudança de comportamento implica não apenas a necessidade de uma ação pedagógica de formação crítica para as mídias, mas, também, de ações políticas mais amplas que difundam essa discussão para além dos espaços escolares, pois a lógica da indústria cultural está capi- larmente articulando as relações sociais e a própria produção material na sociedade. Colocar-se contra essa lógica requer um exercício reflexivo e crítico que abarque todas as dimensões da vida do sujeito. Não é possível pensar que os professores possam, ao entrar na sala de aula, se despir de si mesmos e passar a atuar de forma diferente da que fazem em casa, somente por- que ali estão na função de docentes. Consumir os produtos que as mídias veiculam faz parte do estilo de vida da sociedade do século XXI, inclusive da escola brasileira, a qual, seja pela própria mídia que está dentro dela, seja pelos sujeitos que estão agindo no seu interior, seu conteúdo, sua voz, permeia o cotidiano escolar tanto quanto permeia os outros espa- ços da vida humana. Sabemos que nossos jovens pas- sam a maior parte do seu tempo logados, conectados, Desafios Contemporâneos da Coordenação Pedagógica 19Faculdade Educacional da Lapa - FAEL na presença (mas não na companhia) dos pais ou dos mais velhos, fazendo parte de seu espaço privado, com a anuência de todos, inclusive da escola. Com isso, não defendemos a ideia de negar os meios tecnológicos – certamente é necessário que a escola se aproprie deles e trabalhe na perspectiva de sua desmitificação; mas, para tanto, os desafios que se colocam dizem respeito à construção, junto aos estudantes, da capacidade de ter um posicionamento crítico, contestador, questionador, frente ao que é veiculado, inclusive na atenção à origem e à veracidade das informações. O que está em jogo é a necessidade de uma crí- tica ao sistema em sua totalidade, sua lógica, seus valo- res, sua organização. E, mais preocupante ainda, nos parece atribuir a responsabilidade, quase que exclusiva aos professores, pela “criação” de um pensamento crí- tico nos alunos – o que certamente não vai aconte- cer dentro do quadro das atuais condições –, e, mais uma vez, a responsabilidade pelo fracasso recai sobre os educadores, como já aconteceu em outros tempos na história da educação brasileira. Os meios de comunicação são alicerces muito for- tes e capilarmente presentes na sociedade na elabora- ção e manutenção dessa ideologia. A escola pode vir a ocupar um espaço nesse processo, mas, para tanto, a crítica tem de ser ampla; caso contrário, a nosso ver, somente viria a reforçar o status quo. Ainda nesse contexto, não podemos deixar de considerar que as falas, comportamentos, valores, esti- los são exemplos de situações em que o discurso e os personagens da mídia são os “educadores” de nossos jovens, muito mais que os professores e os pais. Bar- bero e Rey (2001) afirmam que, em relação especifica- mente às instituições família e escola, os audiovisuais, em particular a televisão, a internet e as redes sociais, causaram um verdadeiro curto-circuito nas estruturas de relação de autoridade, “transformando os modos de circulação da informação no lar”. Nas estruturas das situações de audiência acontecem as relações e os conteúdos se estabelecem e se entrecruzam entre os sujeitos. Elas deveriam ser o foco das atenções e de análises para identificar a complexidade e as implica- ções da televisão na configuração dos laços parentais. Os autores chamam a atenção para aquilo que realmente, segundo eles, seria a pergunta mais impor- tante a ser feita: qual o verdadeiro papel das mídias e tecnologias neste processo de reconfiguração do lar? Atualmente, as crianças não dependem mais do domí- nio da cultura letrada para terem acesso às informa- ções, como acontecia na sociedade em que o livro as reunia em torno dos mais velhos. Hoje, vivemos um dilema em que a escola não consegue enfrentar os problemas de relacionamento entre professores e alunos, direção e alunos. Um dos aspectos que interferem nesse processo de distancia- mento entre escola/família e jovens diz respeito ao uni- verso cultural em que esses sujeitos circulam. Histori- camente, as escolas se organizaram em torno do texto impresso como forma de “ligar” o jovem ao conhe- cimento e, consequentemente, aos seus professores. Instaurou-se, com isso, um regime de saber baseado na comunicação do texto impresso. Este paradigma de comunicação adotado pela escola, aliado ao fato de colocar a idade como critério de ascensão, permitiu o estabelecimento de uma dupla correspondência: [...] entre a linearidade do texto escrito e o desenvolvimento esco- lar – o avanço intelectual caminha paralelo com o progresso na leitura – e entre este e as escalas mentais da idade. [...] E é este modelo mecânico e unidirecional ao qual responde a leitura passiva, que a escola fomenta, prolongando a relação do fiel com a sagrada escri- tura, que a Igreja havia instaurado tempos atrás (BARBERO; REY, 2001, p. 57). A manutenção deste modelo paradigmático escolar acabou por promover duas situações. Na pri- meira, causou um distanciamento geracional, pois, atualmente, a sociedade não mais pode ser compre- endida por meio dos impressos. Contudo,