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OAB EXAME DE ORDEM DIREITO PROCESSUAL PENAL Capítulo 05 1 CAPÍTULOS Capítulo 1– Sistemas Processuais. Princípios. Capítulo 2 – Aplicação da Lei Processual Penal. Capítulo 3 – Inquérito policial. Capítulo 4 – Ação penal. Capítulo 5 (você está aqui!) – Competência Criminal. Capítulo 6 – Das provas. Capítulo 7 – Das prisões. Capítulo 8 – Questões e processos incidentes. Capítulo 9 – Sujeitos e Comunicação dos atos. Capítulo 10 – Processo e Procedimentos. Capítulo 11 – Sentença e Nulidades Capítulo 12 – Recursos Capítulo 13 – Ações Autônomas 2 SOBRE ESTE CAPÍTULO E ai, OABeiro! Tudo certinho? A apostila de número 05 do nosso curso de Direito Processual Penal tratará sobre Competência Criminal, matéria que é comumente cobrada no Exame de Ordem ao decorrer desses anos! De acordo com a nossa equipe de inteligência, esse assunto esteve presente 8 VEZES nos últimos 3 anos, sendo considerado um assunto de altíssima recorrência! Assim, é imprescindível que você dedique um tempo para estudar este conteúdo com calma e responda as questões que tratam sobre o referido tema, ok? Aqui, a banca costuma seguir o seu padrão: Apresentar um caso hipotético, pelo qual a resposta é respaldada na legislação vigente. Por isso, recomendamos a leitura atenta da letra seca da lei (CPP e Constituição Federal) e entendimentos jurisprudenciais, e sempre em companhia de alguma doutrina à sua escolha. Lembre-se: A resolução de questões é a chave para a aprovação! Vamos juntos! 3 SUMÁRIO DIREITO PROCESSUAL PENAL ............................................................................................................... 6 Capítulo 5 .................................................................................................................................................. 6 5. Competência Criminal ...................................................................................................................... 6 5.1 Jurisdição e competência .................................................................................................................................. 6 5.1.1 Conceito e finalidade .......................................................................................................................................... 6 5.1.2 Princípios ................................................................................................................................................................... 6 5.1.3 Características ......................................................................................................................................................... 7 5.2 Critérios de fixação da competência: ........................................................................................................... 8 5.2.1 Critérios principais ................................................................................................................................................ 8 5.2.2 Critérios alternativos ou facultativos ......................................................................................................... 11 5.2.3 Critérios secundários ........................................................................................................................................ 12 5.3 Competência ratione personae (arts. 69, VII, e 84 a 87, todos do CPP) ................................... 12 5.3.1 Considerações gerais ........................................................................................................................................ 12 5.3.2 Origem normativa da prerrogativa de função ...................................................................................... 13 5.3.3 Predomínio do critério ratione personae sobre o ratione loci ...................................................... 13 5.3.4 Crime cometido durante o exercício funcional (regra da contemporaneidade) .................... 14 5.3.5 Infração penal praticada antes do exercício funcional (regra da atualidade) ......................... 15 5.3.6 Crime cometido após o exercício funcional ........................................................................................... 15 5.3.7 Local da infração ................................................................................................................................................ 16 5.3.8 Prerrogativa de função e competência do Tribunal do Júri ........................................................... 16 5.3.9 Hipóteses de concurso de agentes ............................................................................................................ 16 5.3.10 Prerrogativa de função e exceção da verdade ..................................................................................... 17 5.3.11 Casuística ............................................................................................................................................................... 18 4 5.4 Competência em razão da matéria (arts. 69, III, e 74 do CPP) ...................................................... 26 5.4.1 Jurisdição especial: competência da Justiça Eleitoral ......................................................................... 26 5.4.2 Jurisdição especial: competência da Justiça Militar ............................................................................ 27 5.4.3 Jurisdição Especial: competência da Justiça Trabalhista ................................................................... 27 5.4.4 Jurisdição Comum: competência da Justiça Federal .......................................................................... 27 5.4.5 Jurisdição Comum: competência da Justiça Estadual ........................................................................ 32 5.5 Competência territorial ou competência ratione loci (arts. 69, I, e 70 a 71, todos do CPP) 32 5.5.1 Lugar da infração, também chamada de competência territorial ou competência ratione loci (arts. 69, I, e 70 a 71, todos do CPP) ............................................................................................................ 33 5.5.2 Domicílio do réu (arts. 69, II, e 72 a 73 do CPP) ................................................................................. 36 5.6 Competência de Juízo ...................................................................................................................................... 37 5.6.1 Determinação do juízo competente .......................................................................................................... 37 5.6.2 Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher .......................................................... 37 5.6.3 Varas criminais colegiadas para o julgamento de crimes de pertinência a organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição, do crime do art. 288-A do Código Penal, e das infrações penais conexas aos referidos delitos (Lei n. 12.694/12, art. 1º-A, incluído pela Lei n. 13.964/19) ................................................................................................................................................... 39 5.6.4 Competência do Juízo da Execução Penal.............................................................................................. 41 5.6.5 Competência por distribuição ...................................................................................................................... 42 5.6.6 Competência por prevenção ......................................................................................................................... 43 5.7 Modificação da competência ........................................................................................................................ 44 5.7.1 Considerações gerais ........................................................................................................................................44 5.7.2 Conexão (art. 76 do CPP) ............................................................................................................................... 44 5.7.3 Continência (art. 77 do CPP) ......................................................................................................................... 47 5 5.7.4 Efeitos da conexão e da continência......................................................................................................... 48 5.7.5 Regras aplicáveis na definição da competência em hipóteses de conexão e continência (art. 78 do CPP) ............................................................................................................................................................... 49 5.7.6 Separação dos processos em hipóteses de conexão e continência (art. 79 do CPP) ......... 51 5.7.7 Perpetuação da jurisdição (art. 81 do CPP) ............................................................................................ 55 QUADRO SINÓTICO .............................................................................................................................. 57 QUESTÕES COMENTADAS ................................................................................................................... 63 GABARITO ............................................................................................................................................... 71 QUESTÃO DESAFIO ................................................................................................................................ 72 GABARITO QUESTÃO DESAFIO ........................................................................................................... 73 LEGISLAÇÃO COMPILADA .................................................................................................................... 75 JURISPRUDÊNCIA ................................................................................................................................... 79 MAPA MENTAL ...................................................................................................................................... 90 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................................... 91 6 DIREITO PROCESSUAL PENAL Capítulo 5 5. Competência Criminal 5.1 Jurisdição e competência 5.1.1 Conceito e finalidade Como bem sabido, Jurisdição é o poder atribuído com exclusividade ao Judiciário para decidir um determinado litígio segundo as regras legais existentes. Visa assegurar que as normas de direito substancial incorporadas ao ordenamento jurídico efetivamente conduzam aos resultados nelas previstos. Todavia, o conceito de jurisdição não se confunde com o de competência. Enquanto a Jurisdição é o poder conferido pela Constituição Federal a todo e qualquer Juiz para declarar o direito, sendo abstrata e subjetiva, a competência é o conjunto de regras que vai definir qual é o juiz que poderá examinar determinado litígio, sendo concreta e objetiva. Por fim, lembre-se que a competência é uma limitação ao exercício da jurisdição. 5.1.2 Princípios A jurisdição rege-se pelos seguintes princípios: Juiz natural: É o direito que cada cidadão tem de saber, previamente, a autoridade que irá processar e julgá-lo caso venha a praticar uma conduta definida como infração penal pelo ordenamento jurídico. Visa assegurar que as partes sejam julgadas por um juiz imparcial e independente. 7 Investidura: Apenas quem estiver legalmente investido como Juiz de direito e se encontrar no exercício das respectivas funções pode desempenhar a jurisdição. Ocorrerá mediante concurso público, com exceção do quinto constitucional. Inércia: o Magistrado depende da iniciativa das partes, não podendo se iniciar, ex officio, uma ação judicial. Indeclinabilidade: nenhum Magistrado pode subtrair-se ao exercício da jurisdição. Improrrogabilidade: salvo em situações excepcionais expressamente previstas, um Juiz não pode invadir a competência de outro. Indelegabilidade: impede que o Magistrado possa delegar sua jurisdição a órgão distinto. Irrecusabilidade (ou inevitabilidade): as partes não podem recusar a atuação de determinado juiz, salvo nos casos de impedimento ou suspeição. Unidade: a jurisdição é uma só, ou seja, exercida com a finalidade de aplicação do direito objetivo ao caso concreto. Correlação (ou relatividade): o juiz, ao proferir sentença, deverá observar a exata correspondência entre sua decisão e o pedido incorporado à denúncia ou à queixa. Nula será a sentença citra, extra ou ultra petita, vale dizer, a que julgar aquém, for além ou decidir fora dos limites atribuídos à prestação jurisdicional pelo acusador, respectivamente. 5.1.3 Características Três são as características fundamentais que devem estar presentes na jurisdição para que possa cumprir sua finalidade: Órgão adequado: a jurisdição deve ser exercida pelo Juiz. Contraditório: às partes é facultada a defesa de seus interesses em igualdade de condições. Procedimento: é a sequência de atos previamente determinada para conduzir o processo à fase da sentença. 8 5.2 Critérios de fixação da competência: 5.2.1 Critérios principais São critérios principais aqueles que informam a competência ratione personae, ratione materiae e ratione loci. Renato Brasileiro, além desses três critérios, traz também a “competência funcional” como critério de competência. Ratione materiae: é aquela estabelecida em virtude da natureza da infração penal praticada. Irá permitir que se estabeleça qual das Justiças será a competente para o processo e julgamento da infração: Justiça especial militar, Justiça especial eleitoral, Justiça comum federal e Justiça comum estadual. Ratione funcionae (personae): a importância aqui é "quem praticou o fato delituoso". É relativa aos casos de foro por prerrogativa de função. A inobservância das regras processuais de competência em razão da prerrogativa de função impõe a anulação de todo o processo criminal. Ratione loci: refere-se ao lugar onde ocorreu a infração penal. Uma vez delimitada a competência de Justiça, importa delimitarmos em qual comarca (no âmbito da Justiça Estadual) ou subseção Judiciária (no âmbito da Justiça Federal) será processado e julgado o agente. Competência funcional: é a distribuição feita pela lei entre diversos juízes da mesma instância ou de instâncias diversas para, num mesmo processo ou, ainda, em um segmento ou fase do seu desenvolvimento, praticar determinados atos. São três as espécies de competência funcional: Competência funcional por fase do processo: de acordo com a fase do processo, um órgão jurisdicional diferente exerce a competência. A título de exemplo, é o que acontece no procedimento bifásico do Tribunal do Júri, no qual, enquanto o juiz sumariante exerce sua competência na 2ª fase (iudicium accusationis), o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri exerce sua competência na 2 ª fase (iudicium causae). 9 Competência funcional por objeto do juízo: cada órgão jurisdicional exerce a competência sobre determinadas questões a serem decididas no processo, como ocorre em juízos colegiados heterogêneos. Exemplo: funções exercidas pelo Conselho de Sentença e pelo Juiz Presidente no Tribunal do Júri. Competência funcional por grau de jurisdição: A competência pode ser originária (competência por prerrogativa de função) ou em razão de recurso (princípio do duplo grau de jurisdição). Importante dizer que as competências ratione personae e ratione materiae são absolutas, já que as normas que as regem são de ordem pública. Logo, em regra, podem ser objeto de deliberação judicial independentemente de provocação do interessado, em qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive apóso trânsito em julgado de decisão condenatória. Todavia, há a exceção da Súmula 160 do STF, aplicável tanto às nulidades absolutas como às relativas, dispondo que é nulo o acórdão que reconhece, contra o réu, a nulidade não arguida em recurso da acusação, ressalvados os casos de reexame necessário. Súmula n.º 160, STF. É nula a decisão do Tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício. Já a competência ratione loci é relativa, pois as normas que a disciplinam encontram-se na legislação infraconstitucional, possuindo natureza privada. A incompetência ratione loci, conforme o a Súmula n.º 33, do STJ, tem seu reconhecimento judicial condicionado à existência de provocação da parte interessada. Todavia, o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, é o de que a incompetência relativa também pode ser reconhecida de ofício pelo juiz. Isso porque a súmula n° 33 foi editada sob a ótica do processo civil. Dessa forma, a súmula 33 do STJ, a qual dispõe não ser possível a declaração da incompetência relativa de ofício NÃO se aplica ao processo penal. Nesse sentido, entende o autor Renato Brasileiro (2020): 10 Diversamente do que se dá no processo civil, no processo penal o juiz pode declarar de ofício tanto a incompetência absoluta quanto a relativa. Entende-se que o magistrado dispõe de competência para delimitar sua própria competência (Kompetenz-Kompetenz da doutrina constitucional alemã), pouco importando se qualificada como absoluta ou relativa. Como o art. 109 do CPP não faz qualquer distinção quanto à espécie de incompetência (absoluta ou relativa), não cabe ao intérprete fazê-lo (ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus). A súmula n° 33 do STJ - “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício” - não se aplica ao processo penal. Apesar de ser esse o entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, em alguns julgados isolados, o STJ vem reconhecendo (estranhamente) que a incompetência relativa não pode ser declarada de oficio pelo juiz nem mesmo no processo penal. Cuida-se de entendimento absolutamente equivocado. Na verdade, o STJ parece desconhecer sua própria jurisprudência. Isso porque a súmula n° 33 foi editada sob a ótica do processo civil. Deveras, quando se pesquisa a própria criação da súmula n° 33 do STJ, percebe-se que todos os precedentes que deram origem ao referido preceito sumular estão relacionados ao processo civil. Competência absoluta Competência relativa Regra de competência criada com base no interesse público. Regra de competência criada com base no interesse preponderante das partes. A regra de competência absoluta não pode ser modificada, ou seja, é improrrogável ou imodificável. Nesse sentido: art. 62 do novo CPC. A regra de competência relativa pode ser modificada, ou seja, cuida-se de competência prorrogável ou derrogável. Incompetência absoluta é causa de nulidade absoluta, possuindo as seguintes características: a) pode ser arguida a qualquer momento, mesmo Incompetência relativa é causa de, no máximo, nulidade relativa, apresentando as seguintes particularidades: a) deve ser arguida no momento 11 após o trânsito em julgado (após a formação da coisa julgada, somente pode ser arguida em favor do acusado, por meio de revisão criminal ou habeas corpus); b) o prejuízo é presumido. oportuno (resposta à acusação - CPP, art. 396-A), sob pena de preclusão; b) o prejuízo deve ser comprovado. Pode ser reconhecida ex officio pelo magistrado, enquanto não esgotada sua jurisdição pela prolação da sentença. Pode ser reconhecida ex officio pelo magistrado, porém somente até o início da instrução processual, em virtude da adoção do princípio da identidade física do juiz (CPP, art. 399, § 2°). Não se aplica ao processo penal a súmula n9 33 do STJ. Pode ser arguida por meio de exceção de incompetência. Porém, como o magistrado pode conhecê-la de ofício, nada impede que a parte aborde a incompetência absoluta de outra forma. Pode ser arguida por meio de exceção de incompetência. Porém, como o magistrado pode conhecê-la de ofício, nada impede que a parte aborde a incompetência relativa de outra forma. Se a competência absoluta não admite modificações, a conexão e a continência, que são causas modificativas da competência, não podem alterar uma regra de competência absoluta. Como a competência relativa admite modificações, a conexão e a continência podem funcionar como critérios modificativos da competência, tornando competente para o caso concreto juiz que não o seria sem elas. Nesse sentido: art. 54 e ss. do novo CPC. Exemplos: ratione materiae, ratione funcionae e competência funcional. Exemplos: ratione loci, competência por distribuição, competência por prevenção (súmula nº 706 do STF), conexão e continência. 5.2.2 Critérios alternativos ou facultativos Trata-se do domicílio ou residência do réu (art. 69, II, CPP), que ora funciona como critério alternativo na fixação da competência, ora atua como critério facultativo. A primeira situação – domicílio do réu como critério alternativo – tem lugar quando não for conhecido o local onde 12 foi praticada a infração penal (art. 72 do CPP). Já o segundo caso – domicílio do réu como critério facultativo – incide nas hipóteses de ação penal exclusivamente privada. Aqui, o uso do domicílio do réu fica na opção exclusiva do querelante, sendo irrelevante se conhecido ou não o lugar da infração. 5.2.3 Critérios secundários Quando a fixação da competência conduzir a mais de um juízo competente para ação penal, deverá o operador do direito se valer dos critérios secundários: Prevenção (art. 69, VI, CPP): ocorrerá a prevenção quando, havendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles se anteceder ao(s) outro(s) na prática de atos de jurisdição (atos com carga decisória). Normas de organização judiciária (art. 74 do CPP): busca definir qual o Juiz competente dentro da Comarca a que incumbir o processo e julgamento da ação criminal, o que é feito depois de firmada a competência ratione materiae (Justiça Federal, Justiça Estadual, Militar etc.) e após definido o foro competente para a apuração segundo os critérios de lugar do crime, domicílio e residência do réu e prevenção. Distribuição (art. 69, IV, CPP): a distribuição é critério que possibilita a determinação da competência quando, no mesmo foro, houver mais de uma vara igualmente competente. Conexão ou continência (art. 69, V, CPP): a conexão e a continência são hipóteses de modificação da competência que apenas ocorrem nas condições expressamente previstas – a primeira, no art. 76 do CPP, e a segunda, no art. 77 do mesmo diploma legal. 5.3 Competência ratione personae (arts. 69, VII, e 84 a 87, todos do CPP) 5.3.1 Considerações gerais Em primeiro lugar, deve-se definir qual o órgão Jurisdicional a que incumbirá o processo e o julgamento da infração. É necessário, ainda, verificar se o agente possui ou não foro por prerrogativa de função, isto é, o direito de ser processado criminalmente e julgado diretamente nos Tribunais. Essa prerrogativa está prevista no Art. 84, caput, do CPP: 13 Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade. 1 5.3.2 Origem normativa da prerrogativa de função Apenas a Constituição Federal pode definir normas de prerrogativa de função, não podendo a legislação infraconstitucional fazê-las. Essa regra consta no Art. 125 da CF, a qual dispõe que os Estados organizarão sua Justiça, observadosos princípios estabelecidos nesta Constituição (caput) e que a competência dos Tribunais será definida na Constituição do Estado (§ 1.º, 1.ª parte). Dessa forma, quando a Constituição Federal for silente, admite-se que no âmbito de Constituições Estaduais seja estabelecido privilégio de foro para detentores de cargos estaduais. Contudo, é preciso ter em mente que a competência dos Estados na organização de sua Justiça deve observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal. Assim, o estabelecimento, pelas Constituições Estaduais, de normas de prerrogativa de função apenas poderá alcançar cargos simétricos àqueles para os quais a Constituição Federal assegura a mesma prerrogativa. 5.3.3 Predomínio do critério ratione personae sobre o ratione loci O critério ratione personae predomina sobre o critério relativo ao lugar da infração. Imagine que Prefeito de um município do Pernambuco cometa o delito de porte ilegal de arma em cidade do Estado da Paraíba. Em virtude de sua condição de prefeito e tratando-se de crime de competência da Justiça Estadual, o seu processo e julgamento estão afetos ao Tribunal de Justiça de Pernambuco. 1 Vide questão 02 desse material 14 Isso ocorre, primeiramente, pela supremacia da competência ratione personae sobre a competência ratione loci, e, em segundo lugar, porque a prerrogativa de função não é estabelecida em razão da pessoa que a detém, mas sim em função da relevância do cargo que ela ocupa. 5.3.4 Crime cometido durante o exercício funcional (regra da contemporaneidade) Inicialmente, o STF entendia que, se o crime fosse cometido durante o exercício funcional e estivesse relacionado às funções desempenhadas pelo agente, subsistiria a competência originária dos Tribunais, mesmo que cessasse o exercício da função. Era nesse sentido, aliás, o teor da súmula n° 394 do STF: “Cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece à competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. Dominava na doutrina a regra da contemporaneidade: a competência por prerrogativa de função deve ser preservada caso a infração penal tenha sido cometida à época e em razão do exercício funcional. Cancelada a citada súmula pelo STF em 25 de agosto de 1999, extinguiu-se, por via de consequência, o privilégio de manutenção do foro após a cessação do exercício funcional, independentemente, mais uma vez, da natureza do crime cometido. Ocorre que em 2002, por meio da Lei 10.628, acrescentaram-se ao art. 84 do CPP dois parágrafos, estabelecendo o primeiro deles que “a competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública”, e o segundo, que “a ação de improbidade, de que trata a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função, observado o disposto no § 1.º”. 15 Fica evidente que a intenção do legislador ordinário, ao acrescentar o § 1º ao art. 84 do CPP, foi exatamente a de ressuscitar a súmula n° 394 do STF. Tal situação perdurou até 15 de setembro de 2005, quando o Plenário do STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.797, por maioria, declarou a inconstitucionalidade dos §§ 1.º e 2.º do art. 84 do CPP. Com isso, na atualidade, cancelada a antiga Súmula 394 do STF e declarados inconstitucionais os citados dispositivos, tem-se a seguinte situação: 1. A prerrogativa de função apenas pode ser concedida enquanto o autor da infração penal estiver no exercício do cargo, mandato ou da função que lhe confere a prerrogativa. 2. Inexiste foro privilegiado para ação de improbidade administrativa de que trata a Lei 8.429/1992. 5.3.5 Infração penal praticada antes do exercício funcional (regra da atualidade) Conforme o item anterior é possível concluir, então, que a regra da atualidade passou a ser adotada pelo Supremo Tribunal Federal entre o cancelamento da súmula n. 394 e a decisão proferida na AP 937 QO/RJ. Isso significa dizer que, de acordo com essa regra, o agente faz jus ao foro por prerrogativa de função enquanto estiver exercendo a função. Cessada a função, cessa o direito. 5.3.6 Crime cometido após o exercício funcional Se a competência por prerrogativa de função justifica-se como meio para garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce ou exerceu, caso o agente cometa determinada infração penal após o exercício das funções, não faz jus ao foro por prerrogativa de função. Nesse sentido, dispõe a Súmula n.º 451, do STF: 16 Súmula n.º 451, STF. A competência especial por prerrogativa de função não se estende ao crime cometido após a cessação definitiva do exercício funcional. 5.3.7 Local da infração A competência penal por prerrogativa de função exclui a regra da competência pelo lugar da infração, isto porque, embora o art. 70 do CPP preveja que a competência territorial é determinada pelo local da consumação do delito e, em se tratando de tentativa, pelo local da prática do último ato de execução, tratando-se de competência por prerrogativa de função, pouco importa o local onde o crime foi cometido, recaindo a competência sobre o Tribunal ao qual se encontrar vinculada a respectiva autoridade. 5.3.8 Prerrogativa de função e competência do Tribunal do Júri Indaga-se, qual competência deve prevalecer ao agente com prerrogativa de função com a prática de crimes dolosos contra a vida: a competência do Tribunal do Júri ou a competência por prerrogativa de função? O foro privilegiado determinado pela Constituição Federal prevalece sobre a competência do Tribunal do Júri, que também é determinada em nível constitucional, no art. 5.º, XXXVIII. Todavia, pode ocorrer que o estabelecimento de foro privilegiado se dê por força de disciplina incorporada à Constituição Estadual. Nessa hipótese, incide a Súmula Vinculante 45 do STF: Súmula Vinculante n.º 45, STF. A competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecida exclusivamente pela Constituição Estadual. 5.3.9 Hipóteses de concurso de agentes Na hipótese de concurso de agentes entre um parlamentar e um particular, que não faz jus a foro por prerrogativa de função, ambos poderão ser processados e julgados perante o 17 Supremo Tribunal Federal, em virtude da continência por cumulação subjetiva (CPP, art. 77, inciso I). Além disso, dispõe a súmula n° 704 do STF: Súmula n° 704, STF. Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal a atração por continência ou conexão do processo do corréu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados. Contudo, essa atração não é obrigatória, podendo o Relator determinar a separação dos processos caso visualize a presença de motivo relevante que a recomende. Inclusive, nos casos de concurso de agentes em crime doloso contra a vida, o privilégio de foro ostentado por um dos acusados não atrai a competência do respectivo Tribunal para o julgamento do outro envolvido, que deve ser julgado pelo Tribunal do Júri, seu juiz natural. 5.3.10 Prerrogativa de função e exceção da verdade O art. 85 do CPP estabelece que “nos processos por crime contra a honra, em que forem querelantes as pessoas que a Constituição sujeita à jurisdição do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, àquele ou a estes caberá o julgamento, quando oposta e admitida a exceção da verdade”. Oposta exceção da verdade pelo querelado, ou seja, propondo-se o acusado a demonstrar a verdade dofato que imputou ao querelante, tem-se que, do julgamento da exceção da verdade, poderá resultar o reconhecimento da prática de crime, razão pela qual seu julgamento deve ficar a cargo do Tribunal competente de acordo com o foro por prerrogativa de função. Imagine que uma pessoa detentora de foro privilegiado no STF e em Tribunais de Apelação tenha ajuizado, em determinada Comarca, queixa-crime contra alguém sem foro especial, imputando-lhe o cometimento de crime contra a honra. É possível que o querelado ingresse com uma exceção da verdade, de modo a provar a veracidade do fato delituoso imputado ao detento do foro privilegiado. Nesse caso, o julgamento da exceção da verdade deverá ser feito pelo tribunal junto ao qual o precitado querelante deveria ser julgado caso estivesse na posição de réu. 18 Assim, se determinada pessoa tem foro por prerrogativa de função, somente o respectivo Tribunal poderá apreciar, ainda que incidentalmente, se tal pessoa cometeu o crime aludido na exceção da verdade. Como a competência por prerrogativa de função limita-se à seara criminal, prevalece o entendimento de que o art. 85 somente se aplica à exceção da verdade oposta em relação à calúnia, crime que tem como elementar a falsa imputação de fato definido como crime. Insta lembrar que, embora caiba exceção da verdade no crime de difamação (CP, art. 139, parágrafo único), quando o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções, a difamação versa sobre imputação de fato que não constitui infração penal, razão pela qual não se admite, em regra, a aplicação do art. 85 do CPP. 5.3.11 Casuística Em relação à competência dos Tribunais e aos titulares de foro por prerrogativa de função, a competência ratione funcionae está assim distribuída: Quanto à competência dos Tribunais Supremo Tribunal Federal: Conforme o art. 102, inciso I, da Carta Magna, compete ao STF processar e julgar originariamente: [...] b) nas infrações penais comuns (aí abrangidos crimes eleitorais, contravenções penais, crimes militares, etc.), o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República. Compete também ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “c”, CF) processar e julgar originariamente, nas infrações penais comuns (aí abrangidos crimes eleitorais, contravenções penais, crimes militares, etc.) e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, salvo se o crime de responsabilidade for conexo ao do Presidente ou Vice, caso em que a competência será do Senado Federal, bem como os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. 19 Além disso, de acordo com o art. 102, “d”, da Constituição Federal, compete ao STF processar e julgar o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas “b” e “c” do inciso I do art. 102 da CF. Compete também ao STF o julgamento do habeas corpus quando o coator for Tribunal Superior ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância (CF, art. 102, I, “i”). Importante dizer que somente é cabível habeas corpus para o Supremo quando o constrangimento à liberdade de locomoção emane de decisão de um Tribunal Superior. Logo, contra decisão monocrática de relator de Tribunal Superior que indefere medida liminar em habeas corpus não seria cabível novo writ para o Supremo, na medida em que o Relator, de per si, não poderia ser equiparado ao Tribunal Superior. Nessa linha, dispõe a súmula n° 691 do STF: Súmula n° 691, STF. Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar. Contudo, em que pese o teor da súmula n° 691 do STF, o próprio Supremo tem relativizado a sua aplicação, entendendo que, diante de uma decisão monocrática teratológica de Relator de Tribunal Superior (v.g., desprovida de fundamentação), caracterizando patente constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, será cabível habeas corpus perante o Supremo Tribunal Federal. Por fim, quanto ao habeas corpus contra decisão de turma recursal, há de se ficar atento ao teor da Súmula n° 690 do STF: Súmula n° 690, STF. Compete originariamente ao Supremo Tribunal Federal o julgamento de habeas corpus contra decisão de turma recursal de juizados especiais criminais. Superior Tribunal de Justiça: 20 Conforme o art. 105, I, “a”, da CF, compete ao STJ processar e julgar, originariamente nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os membros do Ministério Público da União que oficiem perante Tribunais. A expressão “crimes comuns” abrange todos aqueles que não sejam de responsabilidade, inclusive as contravenções penais. Em relação aos membros do Ministério Público da União, com exceção do Procurador- Geral da República (pois compete ao Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento de infração penal comum em face deste) e dos membros do Ministério Público da União pela prática de crimes comuns e de responsabilidade (pois compete aos Tribunais Regionais Federais o processo e julgamento dos crimes comuns e de responsabilidade em face destes, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral), todos os demais integrantes do Ministério Público da União que atuam perante os Tribunais – seja esse Tribunal o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, um Tribunal Regional Federal ou até mesmo um Tribunal Superior – deverão ser julgados pelo Superior Tribunal de Justiça nos crimes comuns e nos de responsabilidade. Por fim, igualmente competem ao Superior Tribunal de Justiça os habeas corpus, de acordo com o art. 105, I, “c”, da Constituição Federal, os habeas corpus, quando o coator ou paciente for Governador de Estado e do Distrito Federal, Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público que oficiem perante tribunais, ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição (TJ’s e TRF’S), Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Tribunal Superior Eleitoral 21 Conforme o art. 22, inciso I, “d”, do Código Eleitoral (Lei n° 4.737/65), compete ao Tribunal Superior Eleitoral processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos cometidos pelos seus próprios juízes e pelos juízes dos Tribunais Regionais. Contudo, prevalece o entendimento de que esse dispositivo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Isso porque, segundo o art. 102, I, “c”, da Carta Magna, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os membros dos Tribunais Superiores. Por sua vez, a competência para processar e julgar os membros dos Tribunais Regionais Eleitorais, em quaisquer infrações, nos termos do art. 105,1, “a”, da Constituição Federal, foi deslocada do Tribunal Superior Eleitoral para o Superior Tribunal de Justiça. No que tange aos recursos cabíveis de decisões proferidaspelo Tribunal Regional Eleitoral e pelo Tribunal Superior Eleitoral, o § 3º do Art. 121 da CF consagra a regra da irrecorribilidade das decisões do Tribunal Superior Eleitoral, abrindo exceção apenas para as que contrariem a Constituição Federal e para as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança. Já o inciso I do § 4º do art. 121 da Magna Carta dispõe que, quando a decisão de Tribunal Regional Eleitoral afrontar a Constituição Federal, o recurso será dirigido ao Tribunal Superior Eleitoral. Somente após seu julgamento é que a constitucionalidade poderá ser questionada perante a Suprema Corte. Tribunais Regionais Federais Conforme o art. 108, I, “a”, da CF, compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar originariamente os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Tribunais Regionais Eleitorais Compete aos Tribunais Regionais Eleitorais o processo e julgamento dos crimes eleitorais praticados por juízes e promotores eleitorais, assim como Prefeitos, Deputados Estaduais e outras autoridades com foro por prerrogativa de função prevista nas Constituições Estaduais. Igualmente, cabe aos TRE’s o processo e julgamento de habeas corpus, em matéria eleitoral, 22 contra ato de autoridade que responda perante os Tribunais de Justiça por crime de responsabilidade e, em grau de recurso, os denegados ou concedida pelos juízes eleitorais. Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal Os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, assim como os membros do Ministério Público dos Estados, deverão ser processados e julgados perante o respectivo Tribunal de Justiça pela prática de crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (CF, art. 96, III). De modo semelhante ao que foi dito anteriormente, como a Constituição Federal limitou- se a afastar a competência do Tribunal de Justiça tão somente no que toca aos crimes eleitorais, tem-se que a competência para processar e julgar juízes de direito e membros do Parquet estadual pela prática de crimes militares é do respectivo Tribunal de Justiça. Quanto aos titulares de foro por prerrogativa de função No que diz respeito às autoridades com foro por prerrogativa de função: Presidente da República Nos crimes de responsabilidade, será julgado pelo Senado Federal (CF, art. 52, I). São considerados crimes de responsabilidade todos os atos atentatórios à CF, especialmente os praticados contra a existência da União, o livre exercício do Poder Legislativo, Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, a segurança interna do país, a probidade na administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e decisões judiciais (CF, art. 85, I a VII – rol meramente exemplificativo). Nos crimes comuns, aí abrangidos os crimes eleitorais, o processo também se desenvolve em duas fases. Admitida a acusação pela Câmara dos Deputados, por dois terços dos votos, o presidente será julgado pelo STF (CF, art. 102, I, b). Esse juízo político de admissibilidade exercido pela Câmara dos Deputados (CF, art. 86, caput) precede a análise jurídica pelo STF para conhecer e julgar qualquer questão ou matéria defensiva suscitada pelo denunciado. 23 Assim, somente após a autorização da Câmara dos Deputados é que o STF determinará, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/1990, a notificação do denunciado para, no prazo de 15 dias, apresentar sua resposta à acusação. Recebida a denúncia ou queixa pelo plenário do STF, o presidente ficará suspenso de suas funções (CF, art. 86, § 1º, I), pelo prazo máximo de 180 dias, tempo em que o processo já deveria estar encerrado (CF, art. 86, § 2º). Enquanto não sobrevier decisão condenatória, o presidente não estará sujeito à prisão (CF, art. 86, § 3º). Por fim, quanto aos crimes não-funcionais do Presidente da República, cuja persecução penal fica sobrestada até o término do mandato por força do art. 86, § 4º, da Constituição Federal, quando então poderão ser ajuizadas as ações penais por infrações cometidas antes do exercício do mandato ou durante o seu exercício, mas que não guardem vinculação com as suas funções, a competência não segue as regras especiais da prerrogativa de função. Deputados federais e Senadores Nos crimes comuns (inclusive eleitorais), deve o processo ter curso regular perante o Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102, I, b, c/c art. 53, § 1º), desde que o andamento da ação não seja sustado pelo voto da maioria dos membros da casa respectiva (art. 53, § 3º, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 35/2001)2. Importa saber que, a partir da EC n° 35/01, não mais é necessária a autorização do Congresso Nacional para o recebimento de peça acusatória contra parlamentares. O que pode ocorrer, na verdade, e desde que já tenha havido o recebimento da peça acusatória em relação à prática de crime comum cometido após a diplomação, é a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, por decisão da respectiva Casa por voto da maioria de seus membros (CF, art. 53, §§ 3º e 5º). Em se tratando de crimes de responsabilidade, o parlamentar será processado e julgado pela respectiva casa legislativa. Prevalece o entendimento de que essa competência está relacionada diretamente ao exercício do cargo, razão pela qual, se o parlamentar estiver licenciado, não faz jus ao foro por 2 Vide questão 01 desse material 24 prerrogativa de função, mesmo que se encontre no exercício de outra função para a qual não haja a previsão de foro por prerrogativa de função. Por fim, quanto ao suplente de Senador ou de Deputado Federal, entende o STF que a posse no cargo se dá apenas com relação àquele que efetivamente o exerce, em caráter interino ou permanente. Por isso, a atração da competência do Supremo, de natureza intuitu funcionae, ocorre, desde a diplomação, unicamente em relação ao titular eleito para exercer o cargo. Ministros de Estado No que tange ao crime comum, Ministros de Estado são processados e julgados perante o STF, ao qual também compete o julgamento dos crimes de responsabilidade, salvo se conexos aos do presidente, caso em que a competência será do Senado Federal. Governador de Estado No tocante aos crimes comuns (também incluídos os crimes eleitorais) praticados por Governadores de Estado, a competência será do Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, “a” ). No caso de crime eleitoral praticado por governador, decidiu a Suprema Corte que a competência é do Superior Tribunal de Justiça e não do Tribunal Superior Eleitoral. Nos crimes de responsabilidade, o órgão competente costuma ser definido pela Constituição Estadual. Em São Paulo, por exemplo, a competência é de um órgão colegiado formado por desembargadores, deputados estaduais e presidido pelo Presidente do TJ. Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e membros dos Tribunais Regionais Federais Pela prática de crimes comuns e de responsabilidade, são julgados originariamente pelo Superior Tribunal de Justiça (CF, art. 105, I, “a”). Membros do Ministério Público Estadual e Juízes Estaduais Membros do Ministério Público Estadual (Promotores de Justiça e Procuradores de Justiça) e Juízes estaduais (aí incluídos os membros dos Tribunais de Justiça Militar em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, bem como os Juízes de Direito do Juízo Militar) são julgados pelo Tribunal de Justiça ao qual estão vinculados, independentemente da natureza da infração penal (crime federal, militar, doloso contraa vida ou até mesmo contravenções penais), ou o local de 25 sua prática, ressalvados apenas os crimes eleitorais, quando o julgamento caberá ao Tribunal Regional Eleitoral. Prefeitos municipais Compete ao Tribunal de Justiça do respectivo Estado o julgamento de prefeitos municipais, independentemente de prévio pronunciamento da Câmara dos Vereadores, quando se tratar de crimes comuns, assim considerados aqueles tipificados no art. 1º do Decreto-lei (Dl.) n.º 201/67. Importante ter mente as súmulas n.º 703 do STF e n.º 164 do STJ. De acordo com a súmula n.º 703 do STF, a extinção do mandato do prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1° do Dl. 201/67. Por sua vez, segundo o disposto na súmula n.º 164 do STJ, o prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1° do Decreto-lei n. 201, de 27/02/67. No crime praticado contra bens, serviços ou interesse da União, competente será o Tribunal Regional Federal, e não o TJ, para o julgamento do Prefeito. Nesse sentido, conforme dispõe a súmula n.º 702 do STF, a competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau. O STJ, outrora, editou a súmula n° 208: “Compete à Justiça Federal (leia-se: ao respectivo Tribunal Regional Federal) processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal”. Por sua vez, segundo a súmula n.° 209 do STJ, “ Compete à Justiça Estadual (leia-se: ao respectivo Tribunal de Justiça) processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”. Por fim, em se tratando de crime doloso contra a vida, a jurisprudência tem afastado a competência do Tribunal do Júri, prevalecendo a competência do Tribunal de Justiça, em virtude do princípio da especialidade. Já para os casos de crimes de responsabilidade praticados por Prefeitos Municipais (infrações político-administrativas), que são os tipificados no art. 4° do Decreto-lei n° 201/67, a competência para julgamento é da Câmara Municipal. 26 5.4 Competência em razão da matéria (arts. 69, III, e 74 do CPP) A partir do critério ratione materiae será definida qual a justiça competente para o processo e julgamento da infração dentre as quatro existentes na estrutura do Poder Judiciário do Brasil com competência criminal: Justiça Eleitoral, Justiça Militar, Justiça Federal e Justiça Estadual, as duas primeiras integrantes da denominada Jurisdição Especial e as duas últimas, compondo a chamada Jurisdição Comum. 5.4.1 Jurisdição especial: competência da Justiça Eleitoral A Constituição Federal limita-se a falar da competência da Justiça Eleitoral em seu Art. 121, dispondo que lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais. Tem-se utilizado o Art. 35, II, do Código Eleitoral, como norteador dessa competência, ao estabelecer que compete aos Juízes Eleitorais processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos. Não podemos confundir crimes eleitorais com crimes políticos. Crimes eleitorais são aqueles tipificados na legislação eleitoral e que, direta ou indiretamente, relacionam-se com as votações. Já os crimes políticos, previstos nos arts. 8.º e seguintes da Lei 7.170/1983, compreendem as condutas que afetam a segurança nacional e a ordem política e social, cabendo seu processo e julgamento também à Justiça Federal, agora por força do art. 109, IV, 1.ª parte, da CF.3 A jurisdição criminal na órbita eleitoral pode ser exercida no âmbito das seguintes instâncias: Juízes Eleitorais, Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal. Descabe recurso especial das decisões do TRE para o STJ, e sim para o TSE. 3 Vide questão 06 desse material 27 5.4.2 Jurisdição especial: competência da Justiça Militar A competência da Justiça Militar é dividida da seguinte forma: Justiça Militar Federal e Justiça Militar Estadual. Conforme os arts. 124 e 125, § 4.º, da CF, tanto uma esfera quanto outra possui competência exclusiva para o julgamento de crimes militares definidos em lei. 5.4.3 Jurisdição Especial: competência da Justiça Trabalhista A Constituição Federal não atribuiu aos órgãos da Justiça do Trabalho competência penal. Dessa forma, se for constatado no âmbito da Justiça Trabalhista a ocorrência de delitos contra a organização do trabalho, deverão estes ser comunicados à autoridade policial ou ao Ministério Público para a respectiva apuração. Quanto à competência para o processo e julgamento dessa ordem de crimes, a jurisprudência contemporânea do STJ ainda se baseia na Súmula 115 do extinto Tribunal Federal de Recursos, dispondo que “compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direito dos trabalhadores considerados coletivamente”. 5.4.4 Jurisdição Comum: competência da Justiça Federal A competência da Justiça Federal está disposta no Art. 109 da CF, muito embora existam outras regras incorporadas a súmulas dos Tribunais, estabelecendo hipóteses específicas. Trataremos aqui das hipóteses mais recorrentes em provas do Art. 109 da CF, que possuem maior repercussão em matéria criminal (incisos IV, V, V-A, VI, VII, IX, XI). IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; Os crimes políticos são condutas que preenchem os requisitos previstos no art. 2.º da Lei 7.170/1983, a saber, tanto a motivação política e os objetivos do agente quanto a lesão real ou 28 potencial aos bens juridicamente tutelados. Dessa forma, pode-se dizer que compete à Justiça Federal o processo e julgamento dos crimes contra a segurança nacional. Quanto às infrações praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, suas autarquias ou empresas públicas: bens, serviços e interesse são aqueles que possuem relação com os fins institucionais das entidades referidas (União, suas entidades autárquicas ou empresas públicas), e não aqueles relacionados pessoalmente aos dirigentes. Nos crimes contra sociedades de economia mista, a competência para o processo e julgamento será da Justiça Estadual. No mesmo sentido, segue a Súmula n.º 42 do STJ: Súmula n.º 42, STJ. Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.4 E quanto às fundações públicas federais? Apesar de não previstas no art. 109, IV, da CF, prevalece o entendimento de que os crimes praticados em seu detrimento sujeitam-se, igualmente, à competência da Justiça Federal. Já com relação aos crimes contra a fauna, inexistindo qualquer lesão a bens, serviços ou interesses da União, afasta-se a competência da Justiça Federal, incumbindo à Justiça Estadual o processo e julgamento de crimes cometidos contra o meio ambiente, nos quais se compreendem os delitos praticados contra a fauna e a flora. Quanto aos crimes eleitorais e militares, são julgados pela Justiça Eleitoral e pela Justiça Militar, respectivamente. Por fim, percebe-se que o inciso IV do art. 109 exclui da competência dos Juízes Federais o processo e o julgamento das contravenções penais. Por essa razão, editou o STJ a Súmula 38, dispondo o seguinte: Súmula n.º 38, STJ. Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processopor contravenção penal, ainda que 4 Vide questão 04 desse material. 29 praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades. V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; A prática de crime previsto em tratado ou convenção internacional, por si só, não atrai, necessariamente, a competência da Justiça Federal para o respectivo processo e julgamento. Para tanto, será necessário que se trate de delito com repercussão internacional e não meramente interna ao País. Nos casos, por exemplo, de tráfico internacional de drogas, na falta de demonstração da internacionalidade firma-se a competência da Justiça Estadual, pois considerada ocorrente a hipótese de tráfico interno. Nesse sentido, a Súmula 522 do STF dispõe o seguinte: Súmula n.º 522, STF. Salvo ocorrência de tráfico para o Exterior, quando, então, a competência será da Justiça Federal, compete à Justiça dos Estados o processo e julgamento dos crimes relativos a entorpecentes. V-A – as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5.º deste artigo; Trata-se de dispositivo introduzido pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, federalizando os crimes perpetrados contra os direitos humanos a que se refere o § 5.º do art. 109 da Carta da República: § 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador- Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). 30 A caracterização dessa espécie de delitos exige que se atenda ao princípio da proporcionalidade, compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. A título de complementação, a verificação quanto à ocorrência de grave violação de direitos humanos justificante da fixação da competência federal depende do exame do caso concreto, prevendo, nesse sentido, o citado art. 109, § 5.º, da Constituição Federal o incidente de deslocamento da competência. Trata-se tal incidente de medida processual de iniciativa do Procurador-Geral da República suscitado perante o STJ, visando deslocar para o âmbito da Justiça Federal o processo e julgamento de crimes que, originariamente, em razão das demais normas legais e constitucionais definidoras da competência ratione materiae, concerniriam à esfera estadual. VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; Crimes contra a organização do trabalho: para que a competência seja da Justiça Federal, exige que haja lesão aos direitos dos trabalhadores considerados coletivamente, pois, tratando-se de simples lesão a direito individual, remanesce a competência residual da Justiça Estadual. Crimes contra o sistema financeiro: serão de competência da Justiça Federal apenas os crimes tipificados em leis que dispuserem expressamente no sentido dessa competência. Crimes contra a ordem econômico-financeira: a competência da Justiça Federal exige que haja expressa previsão legal nesse sentido. Tomem-se como exemplo os delitos previstos na Lei 8.137/1990, legislação que define os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. VII – os “habeas corpus”, em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; 31 O inciso prevê regra simétrica à constante no art. 650, § 1.º, do CPP, dispondo que “a competência do juiz cessará sempre que a violência ou coação provier de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição”. Aquele dispositivo ainda traz a ressalva quanto à possibilidade de o constrangimento emanar de autoridade cujos atos estejam sujeitos à outra jurisdição. IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; Para a definição da competência federal basta que o crime tenha sido cometido a bordo de navios ou aeronave. Não importa se os navios estejam em navegação ou atracados, ou se as aeronaves estão em voo ou em terra. Contudo, há ressalva quanto aos crimes militares praticados a bordo de navios ou aeronaves, ficando a cargo da competência da Justiça Militar. Lembrando-se que por crimes militares compreendem-se apenas as condutas tipificadas no Código Penal Militar, desde que presentes, ainda, os condicionamentos do art. 9.º desse Código. Esses requisitos são imprescindíveis para a caracterização de uma determinada conduta como crime militar. Não se fazendo presentes, não se tem crime militar, ainda que, por exemplo, o delito ocorra em navio ou aeronave militar. Sendo assim, subtraídos, então, os crimes militares, será indiferente, para fins da atração ao juízo federal, à natureza do delito praticado, podendo ser, inclusive, delitos dolosos contra a vida, os quais ficarão sujeitos a Júri Federal. Por último, a Lei 8.617/1993 disciplina no Direito brasileiro a denominada passagem inocente, que se constitui em exceção à aplicação do princípio da territorialidade no Direito Penal. Esse instituto aplicado ao Direito Penal permite que crimes cometidos dentro de navio estrangeiro, de passagem pelo país, não sejam julgados pela lei do país em trânsito, desde que não afetem um bem jurídico nacional. XI – a disputa sobre direitos indígenas. 32 Para atrair a competência federal, não basta ser índio o sujeito ativo ou o sujeito passivo. É necessário que fique caracterizado estar o delito relacionado à disputa sobre direitos indígenas. Enfim, exige-se que o crime atinja interesses gerais da população indígena, assumindo caráter transindividual. Súmula n.º 140, STJ. Compete à justiça comum estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou como vítima. 5.4.5 Jurisdição Comum: competência da Justiça Estadual Trata-se de competência residual. Assim, todas as infrações que, por sua natureza, não estejam afetas às Justiças Especiais (Militar e Eleitoral) e à Justiça Comum Federal deverão ser processadas e julgadas perante a Justiça Comum dos Estados. 5.5 Competência territorial ou competência ratione loci (arts. 69, I, e 70 a 71, todos do CPP) Uma vez definida a Justiça competente (Militar, Eleitoral, Federal ou Estadual), não sendo hipótese de competência originária dos tribunais, passaremos do foro competente para a tramitação da ação penal, ou seja, a competência territorial, também conhecida como competência de foro. A competência territorial, conforme o art. 69, incisos I e II, do CPP, poderá ser determinada pelo lugar da infração ou pelo domicílio ou residência do réu. 33 5.5.1 Lugar da infração, também chamada de competência territorial ou competência ratione loci (arts. 69, I, e 70 a 71, todos do CPP) Trata-se aqui da fixação da competência a partir do lugar do crime. Segundo o disposto no art. 70 do Código de Processo Penal, a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução. Art. 70. A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelolugar em que for praticado o último ato de execução. Como se vê, o Código de Processo Penal fixa a competência territorial, em regra, pelo local da consumação do delito, sendo que, no caso de tentativa, a competência se vê fixada pelo local do último ato de execução. Importante não confundir o disposto no art. 70 do CPP, que fixa a competência territorial pelo lugar da consumação da infração penal, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução, com o preceito constante do art. 6º do Código Penal, que adota a teoria da ubiquidade, considerando praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Em outros termos, o art. 70 do CPP tem como destinatário os crimes praticados, integralmente, dentro do território brasileiro, enquanto que o art. 6º do CP funciona como uma regra para a aplicação da norma penal no espaço, ou seja, quando o crime atingir mais de uma nação. Competência territorial quanto às espécies de infração penal 34 Crimes de mera conduta: o tipo penal não prevê qualquer resultado naturalístico. Tais delitos consumam-se com a simples prática da conduta, sendo o local da conduta, portanto, o foro competente para processar e julgar o delito. Crimes formais: essas infrações penais preveem um resultado naturalístico, que, no entanto, não precisa ocorrer para que se verifique a consumação do delito, razão pela qual também são conhecidas como crimes de consumação antecipada ou delitos de resultado cortado. Neste caso, o foro competente será o local da consumação do crime. Nos crimes formais, que se consumam antecipadamente, lugar do delito é aquele onde foi praticada a conduta definida em lei como tal. É irrelevante, para efeito de determinação da competência, o lugar do exaurimento do crime. A exemplo do que ocorre com o crime de extorsão previsto no art. 158 do CP. Imagine-se o seguinte exemplo (Renato Brasileiro): determinado indivíduo, recolhido a um presídio em Bangu/ RJ, efetua ligações para alguém que está em Santos/SP, exigindo o pagamento de vantagem indevida, sob pena de causar mal a um ente querido, operando-se a entrega da quantia a um comparsa na cidade de Florianópolis/SC. Nesse exemplo, não se pode confundir o local da conduta (Bangu/ RJ), nem tampouco o local de seu exaurimento (importante lembrar que o exaurimento consiste numa ocorrência típica posterior à consumação do delito) - Florianópolis/SC -, onde se deu a obtenção da vantagem ilícita, com o local da consumação do crime de extorsão - Santos/SP -, o qual deverá determinar o foro competente para processar e julgar o delito. Crimes materiais: são aqueles cuja consumação depende da produção naturalística de um determinado resultado, expressamente previsto pelo tipo penal, tal como se dá com os crimes de homicídio, infanticídio, etc. Como esses crimes consumam-se com a produção do resultado, o foro competente é o do local do resultado. Crimes qualificados pelo resultado: ocorre quando o agente atua com dolo na conduta e dolo quanto ao resultado qualificador, ou dolo na conduta e culpa no que diz respeito ao resultado qualificador (crime preterdoloso). Em relação a tais delitos, firma-se a competência pelo local da produção do resultado qualificador. 35 Crimes permanentes: são aqueles cuja consumação se prolonga no tempo. Assim, sua consumação ocorre enquanto durar a permanência, fixando-se daí a competência territorial para processar e julgar o referido delito. Infrações em continuidade delitiva: diz-se continuada a infração quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro (CP, art. 71, caput). Por força do art. 71 do CPP, a competência será firmada pela prevenção. Caso a regra do art. 71 do CPP não seja observada, deve o juízo prevento avocar os processos que corram perante os outros juízes, salvo se já estiverem com sentença definitiva (CPP, art. 82), hipótese em que caberá ao juízo das execuções a unificação das penas. Crimes plurilocais – princípio do esboço do resultado: Nos crimes plurilocais, em que ação e resultado ocorrem em lugares distintos (v.g., homicídio praticado numa cidade do interior, vindo a vítima a morrer num hospital da capital), tem-se dado uma interpretação diversa da prevista no artigo 70 do CPP (contra legem), para considerar que a competência ratione loci deve ser determinada pelo local onde foi praticada a infração (atos executórios), embora aí não consumada. Crimes cometidos no estrangeiro: a competência ratione loci, nesses casos, consta do art. 88 do CPP: “no processo por crimes praticados fora do território brasileiro, será competente o juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República”. Infrações cometidas a bordo de embarcações ou aeronaves: Art. 89. Os crimes cometidos em qualquer embarcação nas águas territoriais da República, ou nos rios e lagos fronteiriços, bem como a bordo de embarcações nacionais, em alto-mar, serão processados e julgados pela justiça do primeiro porto brasileiro em que tocar a embarcação, após o crime, ou, quando se afastar do País, pela do último em que houver tocado. Art. 90. Os crimes praticados a bordo de aeronave nacional, dentro do espaço aéreo correspondente ao território brasileiro, ou ao alto-mar, ou a bordo de 36 aeronave estrangeira, dentro do espaço aéreo correspondente ao território nacional, serão processados e julgados pela justiça da comarca em cujo território se verificar o pouso após o crime, ou pela da comarca de onde houver partido a aeronave. Infrações cometidas na divisa de duas ou mais comarcas: firmar-se-á a competência pela prevenção, nos exatos termos do art. 70, § 3º, do CPP. Atos infracionais: será competente a autoridade do lugar da ação ou omissão, observadas as regras de conexão, continência e prevenção. Crimes falimentares (Lei 11.101/2005): o foro competente para a apuração será o do lugar onde foi decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial (art. 183 da Lei 11.101/2005). 5.5.2 Domicílio do réu (arts. 69, II, e 72 a 73 do CPP) Caso não seja possível determinar o lugar da infração, a competência será firmada pelo domicílio ou residência do réu (CPP, art. 72, caput). Trata-se de foro supletivo ou foro subsidiário. Art. 72. Não sendo conhecido o lugar da infração, a competência regular-se-á pelo domicílio ou residência do réu. Conforme o art. 72, § 1º, do CPP, caso o réu tenha mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela prevenção. Apesar do silêncio da lei, prevalece o entendimento de que o mesmo raciocínio será aplicável ao réu que possua vários domicílios, ou na hipótese de vários corréus com domicílio e residências diferentes. § 1º Se o réu tiver mais de uma residência, a competência firmar-se-á pela prevenção. Todavia, se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato (CPP, art. 72, § 2º). 37 § 2º Se o réu não tiver residência certa ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz que primeiro tomar conhecimento do fato. Por fim, nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração (CPP, art. 73). É o chamado foro de eleição no processo penal, na medida em que o querelante pode optar pelo foro do domicílio ou da residência do réu, mesmo sendo conhecido o lugar onde foi cometidaa infração penal. Art. 73. Nos casos de exclusiva ação privada, o querelante poderá preferir o foro de domicílio ou da residência do réu, ainda quando conhecido o lugar da infração. 5.6 Competência de Juízo 5.6.1 Determinação do juízo competente Essa competência é fixada a partir do fundamento jurídico-material da demanda (penal, cível, trabalhista, etc.). Pode ainda ser firmada pela natureza da infração penal imputada, haja vista a possibilidade de especialização de varas para o processo e julgamento de determinadas infrações penais (v.g., varas especializadas para o processo e julgamento de crimes de lavagem de capitais, tráfico de drogas, acidentes de trânsito, etc.). Segundo o art. 74 do CPP, a competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. 5.6.2 Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher A Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340/06), em seu Art. 14, determinou a criação de um órgão especializado para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Não se confunde com Juizados Especiais Criminais, na medida em que às infrações penais praticadas com violência 38 doméstica e familiar contra a mulher – aí incluídos crimes e contravenções penais independentemente da pena prevista – não se aplica a Lei n° 9.099/95 (de acordo com o art. 41 da Lei n° 11.340/06). A competência desse Juizado abrange crimes e contravenções penais. Não guarda correspondência com qualquer delito específico tipificado no Código Penal e na Legislação Especial. Assim, desde que praticadas no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, infrações penais diversas poderão ser julgadas pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Evidentemente, se a infração penal praticada no contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher referir-se a crime doloso contra a vida, a competência para o processo e julgamento do feito será do Tribunal do Júri, e não do Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. A caracterização da violência doméstica e familiar contra a mulher não requer que a violência seja perpetrada por pessoas de sexos distintos. O agressor tanto pode ser um homem (união heterossexual) como outra mulher (união homoafetiva). No entanto, é indispensável que a vítima esteja em situação de hipossuficiência física ou econômica, em condição de vulnerabilidade, enfim, que a infração penal tenha como motivação a opressão à mulher. Há a exigência de uma qualidade especial da vítima: ser mulher. O fato de ela ser figura pública renomada não afasta a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para processar e julgar o delito. Isso porque a situação de vulnerabilidade e de hipossuficiência da mulher, envolvida em relacionamento íntimo de afeto, revela-se ipso facto, sendo irrelevante a sua condição pessoal para a aplicação da Lei Maria da Penha. Configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer das ações elencadas no art. 7º (violência física, psicológica, sexual patrimonial ou moral) praticada contra a mulher em razão de vínculo de natureza familiar ou afetiva: 39 I) No âmbito da unidade doméstica: deve ser compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. II) No âmbito da família: compreendida como a unidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa. III) Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação: acerca do namoro como relação íntima de afeto, o STJ tem entendido que a aplicabilidade da legislação deve ser analisada em face do caso concreto. Não há necessidade de coabitação entre agressor e vítima. A propósito, eis o teor da súmula n. 600 do STJ: Súmula n.º 600, STJ. Para a configuração da violência doméstica e familiar prevista no art. 5° da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), não se exige a coabitação entre autor e vítima. Portanto, caracterizada uma hipótese de violência doméstica e familiar contra a mulher, mesmo que a infração penal praticada seja considerada de menor potencial ofensivo, fixar-se-á a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. 5.6.3 Varas criminais colegiadas para o julgamento de crimes de pertinência a organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição, do crime do art. 288-A do Código Penal, e das infrações penais conexas aos referidos delitos (Lei n. 12.694/12, art. 1º-A, incluído pela Lei n. 13.964/19) A lei n.º 13.964/2019 (Pacote anticrime) acrescentou à Lei n.º 12.694/12, o art. 1.º-A, que passou a prever a possibilidade de os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais instalarem, nas comarcas sedes de Circunscrição ou Seção judiciária, mediante resolução, Varas Criminais Colegiadas com competência para o processo e julgamento de crimes de pertinência 40 a organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição, do crime do art. 288-A do Código Penal (constituição de milícia privada), e das infrações penais conexas aos crimes anteriormente citados. Art. 1º-A. Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais poderão instalar, nas comarcas sedes de Circunscrição ou Seção Judiciária, mediante resolução, Varas Criminais Colegiadas com competência para o processo e julgamento: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) I - de crimes de pertinência a organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) II - do crime do art. 288-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) III - das infrações penais conexas aos crimes a que se referem os incisos I e II do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 1º As Varas Criminais Colegiadas terão competência para todos os atos jurisdicionais no decorrer da investigação, da ação penal e da execução da pena, inclusive a transferência do preso para estabelecimento prisional de segurança máxima ou para regime disciplinar diferenciado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 2º Ao receber, segundo as regras normais de distribuição, processos ou procedimentos que tenham por objeto os crimes mencionados no caput deste artigo, o juiz deverá declinar da competência e remeter os autos, em qualquer fase em que se encontrem, à Vara Criminal Colegiada de sua Circunscrição ou Seção Judiciária. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) § 3º Feita à remessa mencionada no § 2º deste artigo, a Vara Criminal Colegiada terá competência para todos os atos processuais posteriores, incluindo os da fase de execução. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) 41 5.6.4 Competência do Juízo da Execução Penal Conforme o art. 2º da Lei de Execução Penal, a jurisdição penal dos juízes ou tribunais da justiça ordinária, em todo o território nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade da Lei n° 7.210/84 e do Código de Processo Penal, igualmente se aplicando a LEP ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária. Para fins de fixação da competência do juízo da execução, interessa aferir a natureza do estabelecimento penitenciário em que se encontra o condenado: se estadual, o juízo das execuções será estadual; se federal, o juízo das execuções será federal; se militar, o juízo das execuções será militar. Alberto Silva Franco
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