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PATOLOGIA DA REPRODUÇÃO DOS ANIMAIS DOMÉSTICOS Ernane Fagundes dó Nascimento Médico Veterinário, MMV. Doutor em Ciência Animal. Professor Adjunto da Escola de Veterinária da UFMG Renato de Lima Santos Médico Veterinário, MMV, PhD em Patologia Veterinária. Professor Adjunto da Escola de Veterinária da UFMG 2.a Edição GUANABARA~KOOGAN NOTA DA EDITORA: A área da saúde é um campo em constante mudança. As normas de segurança padronizadas precisam ser obedecidas; contudo, à medida que as novas pesquisas ampliam nossos conhecimentos, tomam-se necessárias e adequadas modificações terapêuticas e medicamentosas.Os autores desta obra verificaramcuidadosamente osnomes genéricos e comerciais dos medicamentos mencionados, bem como conferiram os dados referentes à posologia, de modo que as informações fossem acuradas e de acordo com os padrões aceitos por ocasião da publicação. Todavia, os leitores devem prestar atenção às informações fornecidas pelos fabricantes, a fim de se certificarem de que as doses preconizadas ou as contra-indicações não sofreram modificações. Isso é importante, sobretudo em relação a substâncias novas ou prescritas com pouca freqüência. Os autores e a editoranãopodem ser responsabilizadospelo uso impróprio nem pela aplicação incorreta do produto apresentado nesta obra. , No interesse de difusão da cultura e do conhecimento, os autores e os editores envidaram o máximo esforço para localizar os detentores dos direitos autorais de qualquer material utilizado, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright @2003 by EDITORA GUANABARA KOOGAN S.A, Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro, RI - CEP 20040-040 Te!.: 21-2221-9621 Fax: 21-2221-3202 www.editoraguanabara.com.br Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web, ou outros), sem permissão expressa da Editora. CONTEÚDO SEÇÃO I Embriologia do Sistema Genital Diferenciação Sexual Intersexos 1 Embriologia do Sistema Genital e Diferenciação Sexnal, 3 Referências bibliográficas, 6 2 Intersexos, 7 Hennafroditismo,7 Características anátomo-patológicas, 9 Freemartinismo,10 Características morfológicas do freemartin, 11 Síndrome da feminização testicular, 12 Referências bibliográficas, 12 SEÇÃO 2 Patologia do Sistema Genital Feminino 3 Patologias do Ovário, 15 Generalidades, 15 Alterações do desenvolvimento, 17 Agenesia, 17 Ovário acessório e supranumerário, 17 Hamartoma vascular, 17 Disgenesia ovariana, 18 Hipoplasia ovariana, 18 Ovários infantis (ovários do feto eqüino), 19 Ovários afuncionais, 20 Tecido adrenocortical ectópico, 20 Alterações circulatórias, 20 Hemorragia intrafolicular, 20 Hemorragia pós-ovulação, 20 Hemorragia por enucleação do corpo lúteo, 21 Lesões vasculares, 21 Alterações inflamatórias, 21 Alterações regressivas, 22 Hipotrofia, 22 Fibrose, 22 Cistos ovarianos, 22 Alterações progressivas, 29 Metaplasia óssea ovariana, 29 Hiperplasia da serosa ovariana, 29 Hiperplasia adenomatosa da rete ovarii, 29 Neoplasias ovarianas, 30 Referências bibliográficas, 37 4 Patologias da Tuba Uterina, 40 Generalidades, 40 Alterações do desenvolvimento, 42 lnfundíbulo acessório, 42 Tuba uterina acessória, 42 Cistos remanescentes do ducto mesonéfrico, 42 Cortical adrenal ectópica, 43 Agenesia, 43 Aplasia segmentar, 43 Duplicação das tubas uterinas, 43 Divertículo, 43 Alterações inflamatórias, 43 Salpingite, 43 Piossalpinge, 44 Cistos da mucosa, 44 Hidrossalpinge, 45 Aderências, 45 Cistos adquiridos, 45 Cistos intra-epiteliais, 45 Recessos epiteliais císticos, 45 Metaplasia escamosa, 45 Adenomiose, 46 Neoplasias,46 Referências bibliográficas, 46 5 Patologias do Útero, 48 Generalidades, 48 Endométrio, 48 Miométrio, 49 Alterações de posição ou distopias adquiridas, 49 Torção, 49 Prolapso uterino, 50 Hérnia, 50 Ruptura, 50 Alterações do desenvolvimento, 50 xiv / Conteúdo Aplasia segmentar, 50 Hipoplasia uterina, 51 Útero duplo, 51 Duplo cérvix, 51 Hipoplasia do endométrio, 51 Alterações circulatórias, 51 Hiperemia e edema, 51 Hemorragia, 51 Alterações regressivas, 52 Hipotrofia do endométrio, 52 Mucometra e hidrometra, 52 Alongamento da base do corno uterino, 53 Cistos endometriais, 53 Alterações inflamatórias, 53 Generalidades, 53 Inflamação uterina na vaca, 55 Inflamação uterina na égua, 56 Inflamação uterina na porca, 57 Endometrite,57 Metrite puerperal, séptica ou pós-parto, 58 Metrite necrobacilar, 58 Physometrite, 58 Síndrome mastite-metrite agalaxia (MMA), 58 Tuberculose, 58 Piometrite, 59 Metrite contagiosa eqüina, 61 Seqüelas da metrite e da endometrite, 62 Alterações progressivas, 62 Hiperplasia endometrial, 62 Adenomiose, 63 Pólipo endometrial, 64 Neoplasias,64 Referências bibliográficas, 68 Micoplasmas,76 Herpesvírus bovino tipo 1, 76 Diarréia bovina a vírus, 76 Herpesvírus caprino, 76 Herpesvírus eqüino tipo 1, 76 Vírus da arterite viral eqüina, 77 Parvovírus suíno, 77 Vírus da síndrome reprodutiva e respiratória suína, 77 Tritrichomonas foetus, 77 Toxoplasma gondii, 78 Neospora caninum, 78 Fungos, 78 Causas não-infecciosas de aborto, 78 Persistência dos cálices endometriais, 79 Retenção de placenta, 80 Subinvolução dos sítios de inserção placentária, 81 Hemorragia e eritrofagocitose no placentoma dos ruminantes, 81 Metaplasia óssea na placenta caprina, 81 Referên~ias bibliográficas, 82 6 Patologias do Útero Gestante, 70 Generalidades, 70 Gestação prolongada, 70 Placentação adventícia, 70 Cistos placentários, 71 Hidrâmnio e hidralantóide, 71 Morte embrionária, 71 Mortalidade embrionária em bovinos, 71 Mortalidade embrionária em eqüinos, 72 Mortalidade embrionária em suínos, 72 Mortalidade embrionária em cães e gatos, 73 Morte fetal, 73 Mumificação fetal, 73 Maceração fetal, 74 Aborto, 74 Brucella sp., 74 Campylobacter fetus, 75 Leptospira sp., 75 Listeria monocytogenes, 75 Arcanobacter pyogenes, 75 Salmonella sp., 75 Bacillus sp., 75 Chlamydia, 75 7 Patologias do Cérvix, da Vagina e da Vnlva, 84 Patologias do cérvix, 84 Alterações do desenvolvimento, 84 Cérvix duplo, 84 Hipoplasia do cérvix, 84 Tortuosidade do canal cervical, 84 Alterações adquiridas, 84 Prolapso de anel cervical, 84 Metaplasia escamosa, 85 Cervicite, 85 Dilatação cervical e divertículo cervical, 85 Estenose do cérvix, 85 Cistos do cérvix, 85 Patologias da vagina e da vulva, 86 Alterações do desenvolvimento, 86 Persistência de hímen, 86 Fístulas retovaginais e retovestibulares, 86 Hipoplasia congênita da vulva e do vestíbulo vaginal, 87 Persistência da cloaca em bezerros, 87 Cistos vaginais e vulvares, 87 Alterações inflamatórias, 87 Prolapso vaginal, 88 Neoplasias da vulva e da vagina, 88 Referências bibliográficas, 89 SEÇÃO 3 Patologia do Sistema Genital Masculino 8 Patologias da Bolsa Escrotal e dos Testícnlos, 93 Generalidades, 93 Epitélio seminífero, 93 Patologias da bolsa escrotal, 94 Patologias do testículo, 94 Alterações do desenvolvimento, 94 Monorquidismo e anorquidismo, 94 Apêndice testicular, 94 Tecido adrenocortical acessório, 94 Criptorquidismo, 94 Hipoplasia testicular, 95 Alterações degenerativas, 96 Degeneração testicular, 96 Alterações inflamatórias, 100 Neoplasias testiculares, 101 Referências bibliográficas, 103 9 Patologias do Epidídimo e do Cordão Espermático, 105 Patologias do epidídimo, 105 Alterações do desenvolvimento, 105 Aplasia e hipoplasia, 105 Aplasia segmentar, 105 Paradídimo, 105 Alterações inflamatórias, 105 Espermatocele e granuloma espermático, 105 Epididimite, 106 Alterações regressivas, 108 Cistos epiteliais, 108 Alterações progressivas, 108 Adenomiose, 108 Patologias do cordão espermático, 109 Aplasia segmentar do ducto deferente, 109 Varicocele, 109 Torção, 109 Funiculite, 109 Referências bibliográficas, 109 10 Patologias do Pênis e do Prepúcio, 110 Alterações do desenvolvimento,110 Fimose e parafimose, 110 Hipospadia, 110 Pênis bífido, 110 Persistência do frênulo peniano, 110 Alterações circulatórias, 111 Hematoma peniano, 111 Alterações inflamatórias, 111 Acrobustite, 111 Balanopostite, 111 Neoplasias do pênis e do prepúcio, 111 Referências bibliográficas, 112 11 Patologias das Glândulas Sexuais Acessórias, 113 Patologias da próstata, 113 Alterações do desenvolvimento, 113 Cistos, 113 Atrofia, 113 Conteúdo / xv Prostatite, 113 Metaplasia, 114 Hiperplasia, 114 Neoplasias, 114 Patologias da glândula vesicular, 115 Alterações do desenvolvimento, 115 Inflamação das glândulas vesiculares, 115 Patologias da glândula bulbouretral, 115 Referências bibliográficas, 116 SEÇÃO 4 Patologia da Glândula Mamária 12 Patologias da Glândula Mamária, 119 Generalidades, 119 Alterações do desenvolvimento e alterações na forma das mamas, 120 ,Alterações circulatórias, 121 Hiperemia, 121 Hemorragias, 121 Edema, 122 Alterações inflamatórias, 122 Mastite, 122 Mastite bovina, 122 Mastite estreptocócica bovina, 123 Mastite estafilocócica bovina, 123 Mastite tuberculosa bovina, 124 Mastite por coliformes, 124 Mastite por Arcanobacter pyogenes, 124 Mastite em caprinos e ovinos, 125 Mastite em cães e gatos, 125 Mastite em suínos, 125 Alterações progressivas, 125 Considerações gerais, 125 Cadela e gata, 126 Classificação dos tumores, 126 Hiperplasias mamárias/alterações fibrocísticas, 126 Ginecomastia, 127 Tumores benignos, 127 Adenomas, 127 Tumor misto benigno, 127 Papiloma ductal, 128 Tumores malignos, 128 Tipos especiais de carcinoma, 128 Sarcomas, 129 Diagnóstico citológico dos tumores de mama, 129 Estadiamento e graduação dos tumores da glândula mamária, 131 Referências bibliográficas, 133 Índice Alfabético, 134 Seção 1 Embriologia do Sistema Genital Diferenciação Sexual Intersexos Capítulo 1 Embriologia do Sistema Genital e Diferenciação Sexual A embriologia é um ramo da ciência que fornece subsídios para o estudo da patologia. Dessa forma, a embriologia do sistema reprodutivo é essencial para uma melhor compreensão da patogênese de muitas condições anormais das gônadas e das vias genitais.Esse conhecimentoé especialmenteneces- sário para o estudo dos intersexos, das formações císticas do sexo oposto, das anomalias do desenvol- vimento da genitália, das patologias da placenta e do feto e, ainda, das neoplasias gonadais. A organização das gônadas e os modelos arquitetônicos básicos do trato genital se estabele- cem muito precocemente na embriogênese. Nessa etapa ainda indiferenciada, cada indivíduo é anatomicamente bissexual, com capacidade para desenvolver, em maior ou menor grau, as caracte- rísticas fenotípicas de macho ou de fêmea, indepen- dentemente do sexo genético. Do ponto de vista morfológico, o embrião humano de seis ou sete se- manas ainda é sexualmente neutro. Esse período corresponde à quarta semana na cadela e à sexta semana na vaca. Na gonadogênese, as determinações do sexo ge- nético, do sexo gonadal e do sexo fenotípico são interdependentes, e cada um depende dos eventos que ocorreram nos estágios anteriores. Durante o estágio indiferenciado das gônadas, todos os indi- víduos são potencialmente capazes de desenvolver- se parcialmente, ou mesmo completamente, em machos ou fêmeas, independendo do sexo genéti- co. A determinação do sexo se processa em três ní- veis: sexo genético, sexo gonadal e sexo fenotípico. O sexo genético é determinado durante a fertiliza- ção, quando um espermatozóide X ou Y penetra em um óvulo, formando um zigoto de constituição XX ou XY. O sexo gonadal é determinado mais tarde, quando a gônada indiferenciada desenvolve-se em ovário ou testículo, certamente sob influência do sexo genético. Já o sexo fenotípico depende do de- senvolvimento de estruturas derivadas do seio uro- genital. Quandoocorre qualquer distúrbiono desen- volvimento desses três estágios, podem-se originar várias formas de intersexualidade. A determinação do sexo genético ocorre no mo- mento da fertilização e influenciará assim o desen- volvimento da gônada indiferenciada. Os mecanis- mos através dos quais ocorre essa influência ainda não estão completamente esclarecidos. Contudo está claro que o cromossomo Y influencia de for- ma decisiva a diferenciação sexual masculina. Atu- almente tem sido proposto que o fator de diferenci- ação testicular (TDF) é codificado por um gene lo- calizado no segmento curto do cromossomo Y, co- nhecido como SRY, correspondente à região deter- minante do sexo do cromossomo Y. Anteriormen- te acreditava-se que o antígeno H-Y, sintetizado a partir da expressão do gene H-Y, presente no cro- 4/ Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos mossomo Y, seria o responsável pela determinação do desenvolvimento da gônada masculina. Resultados de estudos recentes sugerem que o TDF (também conhecido como TDY), produto do gene SRY, é uma proteína constituída por 80 ami- noácidos que tem a capacidade de se ligar a uma seqüência específica de DNA (A/TAACAATIA)e, portanto, atua como fator de transcrição influenci- ando a expressão de outros genes envolvidos na diferenciação sexual. O TDF também tem a capa- cidade de se ligar a outras seqüências, induzindo dobras na cadeia de DNA com ângulos diferentes para cada seqüência. O ângulo dessas dobras influ- encia a expressão de genes nas proximidades do sítio de ligação do TDF. Reforçando o possível papel regulatório do TDF, recentemente têm sido identificados genes autossômicos envolvidos no processo de diferenciação sexual, como por exem- plo: o fatoresteroidogênico1(SF-l) e o gene SOX9. Além disso, outro gene autossômico, conhecido comoWT-1,que é requeridopara o desenvolvimen- to genitourinário normal, aparentemente se liga a seqüências localizadas acima da seqüência codifi- cadora do gene SRY e, portanto, acredita-se que o WT-l atuaria ativando a expressão do SRY. No camundongo a expressão do TDF ocorre durante apenas dois dias e é restrita à crista gonadal. A gônada é formada primitivamente por células germinativas, chamadas gonócitos, que são deriva- das do interstício gonadal, localizado no saco vitelínico, de onde migram, por diapedese (nos mamíferos) ou por via sanguínea (nas aves), para o mesênquima, em um local denominado "crista gonadal", on& se multiplicarão, dando origem aos cordões sexuais primordiais. Os gonócitos tornam- se evidentes por volta de 15 a 20 dias no embrião, quando este tem cerca de 10 somitos. Até aqui o indivíduo é sexualmente neutro. Se o indivíduo é portador, no seu genoma, do cromossoma Y, há diferenciação para cordões testiculares, e a gônada será testículo. Se o indivíduo é do sexo genético feminino (XX), não ocorre a expressão do TDF, e a gônada se diferencia em ovário. A migraçâo de gonócitos do interstício gonadal para o mesênquima, sobretudo para as pregas ou cristas gonadais, aparentemente é devida à ação de uma substância quimiotática, que atrai as células germinativasprimordiais. Isso pode ser demonstra- do in vitro, colocando-se em um meio de cultura células primordiais, que apresentam movimento constante e aleatório; se forem adicionadas a esse meio células da crista gonadal, imediatamente os gonócitos migram ou são atraídos para a frente des- sas células. Em embriões humanos, por volta da 5.a semana após a fecundação, grande número de cé- lulas germinativas primordiais migram em direção à crista gonadal por movimento de diapedese. O direcionamento dessa migração aparentemente é determinado pela ação de alguma substância quimiotática produzida pelo epitélio celômico. Componentes da matriz extracelular como a fibro- nectina também estão envolvidos nesse processo. Na crista gonadal, as células germinativas primor- diais darão origem a oogônias, no caso do embrião do sexo feminino. Na espécie humana, logo após a migração,dos gonócitos, aos 24 a 30 dias de gesta- ção, existem aproximadamente 1.700gonócitos, ou futuras oogônias. Aos 60 dias de gestação já são 600.000 oogônias, e aos 150 dias aproximadamen- te 7.000.000 dessas células estão presentesno ová- rio. Ao nascimento esse número já está reduzido a cerca de 1.000.000de oogônias, e na fase da puber- dade este número é ainda mais reduzido, geralmente variando entre 300.000 e 400.000 oogônias. Nos bovinos, aos 95 dias observam-se folículos primor- diais, aos 140 dias folículos em crescimento e aos 180 dias já há presença de fqlículos antrais. Quandohouver diferenciaçãoda medular, os cor- dões sexuais primários evoluem para formar canais seminíferos, que se anastomosam nos túbulos retos da rete testis, e estes, nos túbulos mesonéfricos e ductos mesonéfricos ou de Wolff, os quais origina- rão as vias genitais masculinas internas. Essa dife- renciação dos ductos mesonéfricos ocorre sob estí- mulo da testosterona produzida pelas células inters- ticiais de Leydig recém-diferenciadas. Parte desse hormônioé metabolizadoem diidrotestosterona,que irá estimularo seio urogenital a se diferenciar,origi- nando as vias genitaismasculinasexternas.Também já se sabe que, quando a gônada se diferencia para testículo, as células indiferenciadas de suporte, que irão se diferenciar em células de Sertoli na fase pré- púbere, secretam o MIF (Fator Inibidor de Müller) ou HAM (Hormônio Antimülleriano) que inibe o desenvolvimentodos ductosparamesonéfricose, por conseguinte,das vias genitais femininasinternas. Se a quantidade do MIF for pequena ou insuficiente, haverádesenvolvimento,aindaquenão total,dasvias genitais femininas internas. Da mesma fonna, se a quantidadede diidrotestosteronafor insuficiente,ou mesmo ausente, haverá diferenciação das vias ge- nitais femininas externas a partir do seio urogeni- tal.Tal diferenciaçãopoderáser total ouparcial.Nos bovinos,a regressãodos ductosde Mülleré evidente entre 50 e 55 dias e toma-se completa aos 67 dias de idade do embrião. Na ausência do TDF, a gônada se diferencia em ovário e os cordões sexuais darão origem aos oócitos. As células germinativas primordiais pas- sam por várias divisões mitóticas e entram em fase de meiose, transfonnando-se em oócitos, que são envolvidos pelas células foliculares derivadas do blastema somático e transformam-se em folículos primordiais. Em síntese, o desenvolvimento da genitália mas- culina ocorre de fonna "ativa", ou seja, os ductos mesonéfricos (de Wolff) se desenvolvem sob estí- mulo honnonal (testosterona)e o seio urogenital se diferencia nos órgãos genitais masculinos externos sob estímulo da diidrotestosterona. Além disso, as células indiferenciadas de suporte, presentes na gônada masculina, secretam o MIF, que inibe o desenvolvimento dos ductos paramesonéfricos (de Müller). Já a genitália feminina se desenvolve de fonna "passiva", uma vez que, na ausência de estí- mulo da testosterona,não há o desenvolvimentodos ductos mesonéfricos, ocorrendo o desenvolvimen- to dos ductos paramesonéfricos por não haver pro- dução de MIF. Nesse caso, o seio urogenital origi- na os órgãos sexuais femininos externos, devido à ausência da diidrotestosterona (Fig. 1.1). As infonnações a respeito da diferenciação se- xual baseiam-se em embriologia experimental, se- gundo a qual, em coelhos, se as gônadas em dife- renciação, ovário ou testículo, forem destruídas, haverá diferenciação dos ductos de Müller. Se, em um embrião masculino, destruinnos o testículo, os ductos de Müller daquele lado se diferenciarão, ao passo que no lado oposto haverá diferenciação dos ductos de Wolff. Isso mostra que há necessidade da célula com seu cariótipo no local, sugerindo um mecanismoparácrinode ação dessas substâncias.Se forem injetados honnônios masculinos (testostero- na) diretamente em um embrião feminino, haverá estímulo para a fonnação dos derivados dos ductos de Wolff, mas haverá também diferenciação dos ductos de Müller, já que o MIF não está presente. Embriologia do Sistema Genital e Diferenciação Sexual / 5 Gônada indiferenciada Fator de diferenciação testicular Testículo 5", redutase Diidrotestosterona (metabólito da testosterona produzida pela ação da 5", redutase) Vias genitais masculinas externas (pênis, prepúcio, glande e escroto) Vias genitais internas masculinas (epidídimo, ducto deferente, ampolas e glândula vesicular) Fig. 1.1 Representação esquemática dos mecanismos envol- vidos no processo de diferenciação da gônada e da genitália masculina. Pelo exposto, pode-se concluir que existem cin- co estágios na diferenciação sexual: (1) determinação cromossômica do sexo (XX ou XY); (2) fonnação da gônada bis sexual; (3) diferenciação gonadal; (4) diferenciação da genitália interna; (5) diferenciação da genitália externa. Além dessas etapas, também ocorre a determina- ção ou diferenciaçãodo sexo cerebral. Nos machos, 6 I Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos alguns centros hipotalâmicossão masculinizados,o que impedea atividadecíc1icaobservadanas fêmeas. Nessas condições, qualquer alteração em um desses estágios será capaz de desencadear o apare- cimento de intersexos, como hermafroditismo, freemartinismo, síndrome da feminização testicu- lar etc. Tais alterações ocorrem fundamentalmente em duas situações: aberrações cromossômicas e distúrbios hormonais de origem genética ou não. Foi demonstrado que, no homem e em algumas espécies de animais domésticos, intersexos com cariótipoXX apresentam a seqüênciado gene SRY, ou seja, expressam o TDF. Por outro lado, alguns intersexos com cariótipo XY são negativos para o SRY, ou seja, não possuem a seqüência do gene e conseqüentemente não expressam o TDF. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BYSKOV, A.G. Differentiation of mammalian embryonic gonad. Physiol. Rev., v.66, n.l, p.71-117, 1986. DlNIZ, E.G. 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SULTAN, C., LOBACCARO, J.M., MEDLEJ, R, POULAT, F., BERTA, P. SRY and male sex determination. Horm. Res., v.36, p.I-3, 1991. THIBAULT, M.C., LEVASSEUR, M.C., HUNTER, RH.F. (eds.).Reproduction in mammals and manoParis:Edition Marketing, 1993. VEITIA,RA., NUNES, M., McELREAVEY, K.,FELLOUS, M. Geneticbasis ofhuman sexdetermination: anoverview. Theriogenology, vA7, n.l, p.83-91, 1997. o conhecimentodas anomaliasdo desenvolvimento do sistema reprodutivo não é de interesse apenas científico, mas também possui grande importância prática, em virtude dos prejuízos que tais anomali- as podem causar nos rebanhos. O indivíduo hermafrodita,ou com características de intersexualidade, é aquele que possui órgãos genitais masculinos e femininos. Entre os animais domésticos, a intersexualidade é mais freqüente em suínose caprinos,menos comumem eqüinos e cães, ocasionalem ovinos e bovinos,e extremamenterara em felinos. HERMAFRODITISMO Hermafrodita é aquele indivíduo dotado de dois sexos distintos anatômica e funcionalmente. Essa particularidade é normal em certos grupos zooló- gicos, mas não entre os animais domésticos, cuja gônada pouco diferenciada raramente será fisiolo- gicamente ativa. Existem diversas classificações baseadas na ana- tomiado intersexo.Hermafroditaverdadeiroé aque- le que apresenta gônadas e vias genitais internas de ambos os sexos (Figs. 2.1, 2.3 e 2.4). Uma gônada pode ser testículo e a outra ovário,ou ambas apre- sentarem tecidos ovárico e testicular, o que carac- teriza um ovotestis (Fig. 2.2). Essa condição é mais comum em suínos e caprinos, sendo de ocorrência rara em outras espécies. As vias genitais externas são quase sempre femininas, com vulva rudimen- tar e clitóris hipertrofiado, semelhante a um pênis. Capítulo 2 Intersexos Pseudo-hermafrodita, macho ou fêmea, é uma clas- sificação baseada na morfologia da gônada. Assim, se esta se assemelha a um testículo, o indivíduo é um pseudo-hermafrodita macho, e, caso a gônada presente seja ovário, o indivíduo é um pseudo-her- mafrodita fêmea. Com base na patogenia, os intersexospodem ain- da ser divididos em: intersexos de origem cromos- sômica, quando as alterações na diferenciação se- xual estão relacionadas com aberrações cromossô- micas numéricas; intersexos gonadais, que não es- tão relacionados a aberrações cromossômicas; e intersexos fenotípicos, decorrentes de anomaliasno desenvolvimento da genitália.Essa classificaçãofoi proposta para o homem e para os suínos. A etiologia entre suínos e caprinos é hereditária, condicionada a um gene autossômico recessivo, sendo desconhecida em outras espécies. A maioria dos intersexos na espécie caprina são pseudo-hermafroditas machos com cariótipo femi- nino (XX). Essa condição está relacionada com a característica mocha, pois foi observado que, em cruzamentos entre cabras e bodes mochos, 7,1% da progênie eram hermafroditas, ao passo que não houve casos de hermafroditismo nos cruzamentos entre animais com chifres. A incidência de hermafroditismo em suínos va- ria de 0,2 a 0,6% em váriospaíses, podendo sermais elevada em determinadas regiões. A incidência de intersexos na leitegada de varrões portadores do gene pode chegar a 5%. Os hermafroditas verdadei- ros são muito mais comuns nos suínos do que em 8 / Patologia daReproduçãodos Animais Domésticos Fig. 2.1 Hermafrodita verdadeiro suíno. A gônada direita é um testículo e a esquerda é um ovário. Fig. 2.2 Hermafrodita verdadeiro caprino. Gônada constituí- da por tecido ovariano com presença de um corpo lúteo (CL) e por túbulos seminíferos (seta). H. E. lOx. Fig. 2.3 Hermafrodita verdadeiro suíno. Secção transversal das vias genitais internas mostrando uma estrutura semelhante ao epidídimo localizada ao lado do como uterino. Fig. 2.4 Hermafrodita verdadeiro suíno. Mesmo caso ilustra- do na Fig. 2.3, endométrio à direita e dueto epididimário à esquerda. H. E. 5x. qualquer outra espécie doméstica. O comportamen- to sexual do intersexo suíno é variável; pode esse indivíduo apresentar comportamento de cio ou mesmo masculinização e comportamento seme- lhante ao de varrão. Com freqüência, nesses casos, é possível observar o útero distendido e repleto de secreção de odor desagradável, podendo ocorrer piometrite. O intersexo suíno tem, via de regra, cariótipoXX, e as alterações na organogênese das gônadas são decorrentes da presença de um gene no cromosso- ma X paterno (possivelmente o gene SRY), origi- nário de translocação ou de mutação. Esse gene é responsável pela masculinização da gônada embri- onária. Durante o desenvolvimento embrionário, o cromossoma X de origem paterna é inativado. Tal inativação pode ocorrer em diferentes fases da vida embrionária e, baseando-se na hipótese de que há assincronia no desenvolvimento das duas gônadas nessa espécie, é possível explicar o fato de que, normalmente, a gônada direita é um testículo ou ovotestis e a esquerda, um ovário ou ovotestis. Caso a inativação do cromossoma X de origem paterna se dê precocemente durante o desenvolvimento embrionário,quando a gônadadireitajá iniciou, mas não completou o seu desenvolvimento, essa gôna- da será um ovotestis, porque sofrerá ação parcial do cromossoma X de origem paterna. Se a inativação ocorrer em um período intermediário, a gônada di- reita será testículo, porque foi submetida à influên- cia do cromossoma X paterno durante todo o seu desenvolvimento,mas, nessecaso, a gônadaesquer- da será um ovárioporquejá terá iniciado seu desen- volvimento após a ocorrência da inativação. Caso a inativação do cromossoma X paterno ocorra tar- diamente, a gônada direita será um testículo e a esquerda, um ovotestis, porque essa última terá so- frido parcialmente a influência do cromossoma X paterno. Dessa forma, geralmente a gônada direita do hermafrodita verdadeiro suíno é um testículo ou ovotestis e a esquerda, um ovário ou ovotestis. Sob o ponto de vista prático, a intersexualidade na espécie suína afeta o rendimento do sistema de produção, não só por comprometer a fertilidade desses indivíduos, como também por vários fatores, como o comportamento agressivo desses animais nos gruposde animaisem fase de terminação,o odor característico de varrão na carcaça dos animais que possuem ovotestis e o potencial de propagação do gene indesejável através de cobrição natural ou, principalmente, por inseminação artificial. O hermafroditismo ocorre com menos freqüên- cia em eqüinos, em comparação com caprinos e suínos. Nessa espécie, geralmente existe o pseudo- hermafrodita macho, com pênis mais curto direcio- nado caudalmente entre as pernas, e a gônada (tes- tículo) permanece na cavidade abdominal, sendo muito comum ocorrer hiperplasia, ou mesmo neo- plasia, das células intersticiais de Leydig. Em cães, o hermafroditismo é raro; e quando ocorre,geralmentetrata-se de um pseudo-hermafro- ditamacho,que enquantojovem fora aparentemente fêmea, mas, após atingir a maturidade sexual, tor- nou-se fenotipicamente macho. Apesar disso, o pseudo-hermafrodita macho exerce atração sexual sobre outros machos. Ao exame externo, sua geni- tália se assemelha à de uma cadela, com a vulva maior do que o normal, apresentando grandes tu- fos de pêlos e o c1itórishipertrofiado, semelhante a um pênis. Intersexos em bovinos, excetuando-se os casos de freemartinismo, são comparativamente raros. Poucos casos de pseudo-hermafroditas machos têm sido descritos (Fig 2.5). O hermafrodita verdadeiro é raro e o pseudo-hermafrodita fêmea, extremamen- te raro. Na literatura, há um relato de um coelho herma- frodita verdadeiro que, mantido em isolamento, tomou-se gestante, caracterizando um caso de autofertilização. Intersexos / 9 Fig. 2.5 Intersexo bovino. Hipertrofia acentuada do c1itóris, que se assemelha à glande; este animal apresentava compor- tamento masculino. Características anátorno-patológicas Hermafrodita verdadeiro: gônadas masculina e feminina, vias genitais internas masculina e femi- nina, e vias genitais externas femininas. Pseudo-hermafrodita macho: gônada masculina, vias genitais internas femininas e vias genitais ex- temas masculinas rudimentares. Pseudo-hermafrodita fêmea: gônada femini- na, vias genitais internas masculinas rudimen- tares e vias genitais externas femininas rudimen- tares. A patogênese do hermafroditismo pode ser facil- mente explicada pela translocação de seqüênciasdo cromossoma Y para o cromossoma X, particular- mente do gene SRY. Contudo, há relatos de casos de hermafroditismo, sejaverdadeiroou pseudo-her- mafrodita macho, em indivíduos de cariótipo XX, que não possuem seqüências específicas do gene SRY. Essa condição é conhecida como sexo rever- so. A hipótese do [oeus Z foi proposta para expli- car esses casos em que há fenótipo masculino em indivíduos SRY-negativo. Segundo essa hipótese, o produto do gene SRY agiria como repressor de outro gene autossômico ou localizado no cromos- soma X, denominado [oeus Z. O produto do [oeus Z atuaria como repressor de genes responsáveispela manifestação do fenótipo masculino. Caso essa hi- 10/ Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos pótese seja verdadeira, indivíduos XX, com muta- ção ocasionando perda de função do [oeus Z, apre- sentariam fenótipo masculino mesmo na ausência do gene SRY. FREEMARTINISMO Freemartins são quimeras XXlXY que se desen- volvem como conseqüência da fusão da circulação corioalantóidea em gestações gemelares em que haja pelo menos um feto do sexo masculino e outro do sexo feminino (Figs.2.6 e 2.7), quando a fêmea Fig. 2.6 Gestação gemelar em bovinos. À esquerda, feto do sexo feminino; à direita, feto masculino. Fig. 2.7 Gestação gemelar em bovinos. Anastomose dos va- sos do alantocórion (seta). Gentileza do Prof. F. Megale. '" sofre alterações da organogênese do sistema geni- tal. Em bovinos, 92% das fêmeas gêmeas de machos sãofreemartins. A freqüência de gestação gemelar em bovinos é de 1 a 2%. Poucos casos de freemar- tinismo têm sido descritos em ovinos, caprinos e suínos. Recentemente, tem sido possível a identifi- cação de seqüências específicas do cromossoma Y em fêmeas nascidas de gestação gemelar com ou- tro feto macho pela técnica de PCR, que é mais sen- sível do que o método da cariotipagem. Ofreemartin aparece quando há anastomose dos vasos corioalantóideos e intercâmbio de células e hormônios entre os fetos, antes que a diferenciação gonadal do feto do sexo feminino tenha-se comple- tado. Na espécie bovina, a anastomose dos vasos co- riônicos se completa por volta de 39 dias de ges- tação. A partir de 59 a 60 dias de gestação, come- ça a ocorrer o quimerismo. O testículo completa seu desenvolvimento por volta de 60 dias e o ová- rio em aproximadamente 90 dias após a concep- ção. Assim, quando do início do quimerismo, o testículo já se encontra diferenciado, mas a dife- renciação ovariana;Ünda não ocorreu. A assincro- nia desses eventos deve ser a responsável pela baixa ocorrência de freemartinismo nos pequenos ruminantes e em outras espécies, nos quais a fu- são dos vasos do alantocórion é tardia em relação à diferenciação gonadal. A masculinização da gônada feminina possivel- mente ocorre devido à expressão do TDF, originá- rio das células do feto macho. Os andrógenos, apa- rentemente, são responsáveis pelo desenvolvimen- to dos órgãos sexuais masculinos, e o HAM é o res- ponsável pela supressão do desenvolvimento dos duetos paramesonéfricos. Dessa forma, o desenvol- vimento das vias genitais internas femininas é in- completo, podendo ocorrer o desenvolvimento par- cial de vias genitais internas masculinas. Para que ocorra freemartinismo, há necessidade de quatro fatores básicos: .1 (1) liberação de dois oócitos, sendo um deles fecundado por um espermatozóide X e o ou- tro fecundado por um espermatozóide Y; (2) implantação de heterossexos no útero; (3) anastomose de vasos coriônicos; (4) modificação na organogênese feminina. Características morfológicasdo freemartin A gônada é semelhante a um testículo, tem folí- culos em crescimento, folículos anovulatórios, medular bastante desenvolvida, com estruturas se- melhantes aos túbulos seminíferos, com células de Sertoli, células intersticiais semelhantesa fibroblas- tos ou semelhantes a células intersticiais de Leydig ou células luteínicas, que aparecem formando ni- nhos que se assemelham macroscopicamente a um corpo lúteo. A tuba uterina está ausente ou então é semelhan- te ao epidídimo. O útero não se desenvolve completamente e per- manece sob a forma de cordões fibrosos. O cérvix normalmente está ausente (Fig. 2.8). A vagina é pouco desenvolvida, o que pode ser útil no reconhecimento de uma fêmea freemartin, uma vez que o comprimenro da vagina está, na maioriados casos,bastantereduzido, corresponden- do a aproximadamente um terço do comprimento de uma vagina normal. A vulva é pouco desenvolvida, com tufos de pê- los em sua comissura ventral. O animal apresenta o clitóris bem desenvolvido e proeminente (Fig. 2.9). Outra característica muito freqüente nos animais freemartin é a presença de glândulas vesiculares (Fig. 2.8). lnlersexos! 11 Fig. 2.9 Bovinofreemartin. Hipertrofia de c1itóris.Gentileza do Prof. F. Megale. O macho bovino quimera, originário de gestação gemelar com outro feto do sexo feminino, não apre- senta alterações significativas na organogênese de seu sistema genital. Contudo esses animais tendem Fig. 2.8 Bovinofreemartin. As vias genitais internas apresentam-se sob a forma de cordões fibrosos, vagina pouco desenvol- vida e presença de glândulas vesiculares. Gentileza do Prof. F. Megale. 12 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos a apresentar crescimento testicular retardado até o primeiro ano de idade e, quanto maior a taxa de células com cariótipoXX presente nesse indivíduo, maior tendência ele apresenta à degeneração testi- cular. SÍNDROME DA FEMINIZAÇÃO TESTICULAR A síndromede feminizaçãotesticular(SFf), tam- bém chamada de síndrome de insensibilidade aos andrógenos, foi descrita em homem, camundongo, rato, gato, bovinos e eqüinos. Trata-se de uma con- dição de origem genética e, no camundongo, foi demonstrado que o gene para a feminização testi- cular está presente no cromossoma X. Os indivídu- os afetados são XY quanto ao genótipo e têm pro- dução de testosterona pelos testículos, mas não há desenvolvimento dos duetos de Wolff, e por isso não há formação das vias genitais masculinas inter- nas. Também não ocorre o desenvolvimento dos duetos de MüIler, porque o HAM é produzido pelo testículo embrionário. A genitália externa é femi- nina. A diferenciação das vias genitais internas e da genitália externa masculina não ocorre, porque, embora haja a produção de testosterona e de diidro- testosterona, as células dos duetos mesonéfricos e do seio urogenital são desprovidas de receptores para andrógenos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FRANKENHUlS, M.T., SMITH-BUJIS, C.M.C., BOER, L.E.M., KLOOSTERBOER, J.W. A case of combined hennaphroditism and autofertilisationin a domestic rabbit. VetoRec., v.126, n.24, p.598-599, 1990. FUJISHIRO, A., KAMAKURA, K., MIYAKE, Y-I., KANEDA, Y. A fast, convenient diagnosis of the bovine freemartin syndrome using polymerase chain reaction. Theriogenology, v.43, n.5, p.883-89I, 1995. HUBLER, M., HAUSER, B., MEYERS-WALLEN, V.N., ARNOLD, S. SRY-negative XX true hennaphrodite in a Basset Hound. Theriogenology, v.5I, n.7, p.139I-I403, 1999. HUNTER, RH.F., CHALMERS, c., CAVAZOS, F. Inter- sexuaIity in domestic pigs: a guide to mechanisms of gonadal differentiation? Anim. Breed. Abstr., v.56, n.lO, p.785-79I, 1988. HUNTER, RH.F., GREVE, T. Intersexuality in pigs: clini- cal, physiological and practical considerations. Acta Veto Scand., v.37, n.I, p.I-I2, 1996. LYON, M.F.,' HAWKES, S.G. X-linked gene for testicular feminization in the mouse. 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O ovário é constituído de duas camadas, uma externa, parenquimatosa, que é o córtex ovariano, e outra interna vascular, a medular.. O córtex é constituído por folículos ovarianos, corpo lúteo (dependendo da fase reprodutiva do indivíduo) e pelo estroma de sustentação com seus vasos sanguíneos e linfáticos. A porção externa do córtex tem uma camada de tecido conjuntivo den- so, chamada túnica albugínea ovariana, localizada entre a porção externa do córtex e o epitélio germi- nativo, cuja denominação, embora em uso, é ina- dequada, uma vez que o epitélio germinativo nada mais é do que um segmento do epitélio do peritô- nio modificado e não tem função de produção de células germinativas, ao contrário do que a nomen- claturanos faz crer. A medular do ovário consiste em vasos sanguí- neos e linfáticos, nervos e tecido conjuntivo de sus- tentação. Na porção adjacente ao hilo, na extremi- dade tubárica do ovário, está localizada a rede ova- riana, ou rete ovarii, que é homóloga à rede testi- cular, de origem mesonéfrica e cuja função não é bem conhecida, embora haja indícios de que esteja envolvida na organização estrutural da gônada du- rante a vida embrionária e modulação da meiose das células germinativas. A égua tem a particularidade de apresentar em seu ovário a inversão entre a cortical e a medular, e esta última está posicionada externamente em rela- ção à cortical, que se localiza internamente. Com isso, a ovulação nessa espécie ocorre em uma área restrita do ovário, a qual é revestida por epitélio germinativo e é chamada fossa de ovulação. De acordo com o seu estágio de desenvolvimen- to, os folículos são classificados em primordial, primário, secundário, e terciário ou antral. Os folí- culos primordiais são constituídos por um oócito, circundado por uma camada simples de células foliculares de aspecto pavimentoso. Os folículos primários caracterizam-se pelo revestimento do oócito por uma camada simples de células da gra- nulosa de aspecto colunar. Nos folículos secundá- rios, estão presentes múltiplas camadas de células da granulosa. Os folículos terciários são caracteri- zados pela presença do antro, que é uma cavidade formada em meio às células da granulosa e que é preenchida por líquido folicular. Durante o desen- volvimento folicular, a teca torna-se proeminente, as células internas da teca hipertrofiam-se, diferen- ciando-se em teca interna; ao passo que as células externas permanecem com seu aspecto fibroso, constituindo-se na teca externa. A presença de folículos que contêm mais de um oócito, chamados folículos poliovulares, pode ser observada em todas as espécies domésticas, mas é um achado comum somente nos ovários de cadelas e gatas. 16 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos A morfologiaovarianaémuitovariável,principal- mente devido às peculiaridades funcionais de cada espécie. Assim, no ovário da porca, podem ser ob- servadosinúmerosfolículosmadurosque lhe confe- rem um aspectosemelhanteao de um cacho de uvas. Já a vacaapresentapoucosfolículosmaduros,e pode- se observar freqüentementeapenas um folículo que atinge as dimensões de folículo pré-ovulatório, ao passo que os demais permanecem com tamanho menor. A vaca apresentaondas de crescimento foli- cular durante o diestro e, com isso, freqüentemente são observados folículos terciários com diâmetro superior a cinco milímetros na presença de um cor- po lúteo ativo. O conhecimento das dimensões dos folículos pré-ovulatórios nas diferentes espécies é importante, sobretudo para a diferenciação entre os folículose as alteraçõesovarianascísticas.O diâme- tro dos folículospré-ovulatóriosnas diferentesespé- cies domésticas encontra-se listado na Tabela 3.1. A foliculogênese pode ser dividida em basal e tônica. A foliculogênese basal ocorre independen- temente de estímulo gonadotrópico de origem hi- pofisária, e a foliculogênese tônica depende de es- tímulo gonadotrópico hipofisário. Os hormônios gonadotrópicos FSH e LH são essenciais para a maturação e diferenciação das células da granulosa. A concentração de receptores gonadotrópicos varia com a natureza do estímulo hormonal, com a fase do ciclo estral e do desenvol- vimento folicular, sendo regulada pelos hormônios FSH, LH, prolactina, estrógeno, andrógenos e por fatores de crescimento. Estudos in vivo indicam o envolvimento dos hor- mônios tireoidianos na expressão de receptores de Tabela 3.1 Diâmetro dos folículos maduros nas diferentes espécies domésticas LH e para a gonadotropina coriônica humana. A diferenciação adequada das células da granulosa é indispensável para a ovulação e sobretudo para a formação do corpo lúteo. Embora os efeitos primá- rios do FSH e do estrógeno estejam bem estabele- cidos, vários outros hormônios e fatores de cresci- mento têm sido implicados nesse processo como os hormônios tireoidianos, a insulina, a inibina, a leptina, o IGF-I e o EGF. A diferenciação e matu- ração das células da granulosa resulta na produção do líquido folicular, rico em inibina, estrógeno e ci- tocinas. Os hormônios tireoidianos parecem influ- enciar a diferenciação e não a proliferação das cé- lulas da granulosa, pois no hipotireoidismo ocorre aumento do número de folículos atrésicos. Em ratas hipertireóideas observa-se maior número de folícu- los aptos -aovular e de corpos lúteos, ao contrário do que ocorre no hipotireoidismo. Na vaca, a foliculogênese tônica tem início quan- do os folículos ultrapassam o tamanho de quatro milímetros de diâmetro. Concentrações basais de gonadotropinas durante o ciclo estral permitem a emergênciade ondas de crescimentofoliculara cada sete a nove dias e, assim, ocorrem duas ou três on- das de crescimento folicular em cada ciclo estral. Cada onda consiste no aparecimento contemporâ- neo de três a seis folículos, com o diâmetro superi- or ou igual a cinco milímetros. O mecanismo de seleção e dominância folicular, que faz com que um único folículo, ou esporadicamente dois folículos, complete seu desenvolvimento até a ovulação e que os demais folículosentrem em atresia,não estácom- pletamente esclarecido, mas envolve fatores endó- crinos, parácrinos e autócrinos, entre eles o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-I), o fator de crescimento epidermal (EGF), o fator de cresci- mento de fibroblastos (FGF), a inibina e outros. A interação entre alguns desses fatores encontra-se esquematizada na Fig. 3.1. Durante o processo de atresia, a perda das células da granulosa dos folículos atrésicos se dá através de apoptose, que é um processo ativo dé morte celular programada. Os fatores que estimulam o desenvol- vimento folicular, como, poi exemplo, o IGF-I, blo- queiam o processo de apoptose,ao passo que fatores inibidores do desenvolvimento folicular provocam aumento da taxa de apoptose das células da granulo- sa. Um exemplo de fator que estimula a apoptoseno folículo atrésico é a proteína ligadora do IGF-I, que Espécie Diâmetro Folicular Gata 2a3mm Cadela 5aSmm Cabra SalOmm Ovelha SalOmm Porca SalOmm Vaca 16 a 19 mm Égua 30 a 70 mm Estradiol + Inibina Hipófise ) +- ! FSH OVÁRIO Fig. 3.1 Representação esquemática dos mecanismos envol- vidos na seleção e dominância folicular. O folículo dominan- te (FD) produz estradiol e inibina que exercemfeedback ne- gativo sobre a hipófise, diminuindo a secreção de FSH. O FD produz IGF-I (o que permite o seu desenvolvimento mesmo com a diminuição da concentração de FSH) e se desenvolve até a ovulação; os folículos subordinados (FS) produzem EGF e não têm condição de desenvolvimento quando da diminui- ção da concentração de FSH (entram em atresia). A ação ini- bitória direta do FD sobre os FS aparentemente ocorre na es- pécie bovina. se liga ao IGF-I, impedindo que este exerça sua função. A concentração da proteína ligadora do IGF-I é maior no interior dos folículos em atresia, se comparados aos folículos "saudáveis". As ondas de crescimentofolicularna éguapodem ser classificadas como maiores (quando ocorre di- vergência entre os folículos de uma onda, originan- do folículos dominante e subordinados) e menores (quando não ocorre divergência). As ondas maio- res podem ser subdivididas em ondas secundárias, que emergem durante o diestro e originam um folí- culo dominante anovulatório ou uma ovulação no diestro, e ondas primárias, que emergem durante o diestro e dão origem à ovulação no estro. A porca não apresenta ondas de crescimento fo- licular,e o recrutamentofolicular,o desenvolvimen- to inicial de um grupo de folículos a partir dos folí- culos primordiais, ocorre somente após o final da fase luteínica. Tal recrutamento não é resultado do aumentode secreçãode gonadotropinas,mas a atre- sia durante essa fase pode ser resultante do declí- nio da secreção de FSH. Nessa espécie, o estradiol produzidopelos folículos maduros promove a ma..; turação de folículos menos maduros, de tal forma Patologias do Ovário / 17 que esses passam a compor a população folicular selecionada. A coelha, além de apresentar características pró- prias em seu sistema genital (ver Capo5), tem como particularidade a ovulação induzida. A ovulação da coelha se deve a um mecanismo reflexo, ou seja, ocorre somente após o estímulo da cópula, e a libe- ração do oócito se dá, aproximadamente, oito a 12 horas após a cópula. ALTERAÇÕES DO DESENVOLVIMENTO Agenesia Agenesia de um ou de ambos os ovários é ocasi- onalmente observada em ruminantes, porcas e ca- delas. Se a agenesia é bilateral, parte das vias geni- tais femininas está ausente, ou pode estar presente, mas nesse caso é infantil ou pouco desenvolvida. Há casos de fusão de ambas as gônadas quando da sua formação, sendo a agenesia designada unilate- ral. É uma condição hereditária. Ovário acessório e supranumerário Em ambos os casos, tem-se uma terceira gôna- da. É chamado ovário acessório aquele que se apre- senta unido a outra gônada normal através de um septo conjuntivo. Já o ovário supranumerário apre- senta-se como uma terceira gônada distinta, sepa- rada das outras. Aparentemente, o ovário acessório ou supranumerário resulta da divisão da gônada embrionária. São alterações extremamente raras, sendo mais comuns em vacas. Nessa espécie, há casos de animais com três gônadas funcionais. Tem sido relatado, com bastante freqüência, o fato de cadelas e gatas, após a ovarioisterectomia, continuaremmanifestando estro. Quando isso ocor- re, a causa mais comum é a presença de ovário aces- sório ou de tecido ovariano no ligamento ovariano, e não a ineficiência na castração. Ovários acessórios ou supranumerários são bas- tante susceptíveis às neoplasias, especialmente de células da granulosa. Hamartoma vascular O hamartoma vascular é uma formação vascular normal durante o período embrionário e logo após 18 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos o nascimento, que regride com o avançar da idade, de forma que, quando o animal atinge a puberdade, os vasos já regrediram. Quando persistem, os va- sos são chamados de hamartomas vasculares e apa- recem como nódulos avermelhados, de tamanho e forma variados - há relatos de casos de alguns hamartomas pesando vários quilos. Os hamartomas são compostos por artérias e veias bastante tortuo- sas. Em alguns casos, essas formações podem au- mentar de tamanho, ocorrendo tromboses ovarianas com conseqüente edema, hemorragia, necrose e proliferação de tecido conjuntivo, e podem ainda ser confundidos com tumores. Os hamartomas vasculares têm sido observados em vacas, porcas e éguas. Disgenesia ovariana A disgenesia ovariana tem sido observada em éguas que não possuem um dos cromossomas X (XO). As éguas XO têm os ovários inativos e des- providos de células germinativas. A genitália tubu- lar apresenta conformação normal, porém é peque- na, e o endométrio é hipoplásico. A genitália exter- na é pequena e pouco desenvolvida. Esta síndromeocorreem outrasespécies,mas não em todas. Na espécie humana, o embrião XO qua- se nunca sobrevive. Hipoplasia ovariana Das anomalias do desenvolvimento do ovário, a hipoplasia ovariana é a mais comum. Pode ocorrer em todas as espécies, especialmente em vacas. A alteração pode ser uni- ou bilateral, total ou parci- al. Quando a alteração é bilateral e total, a genitália também é hipoplásica ou hipodesenvolvida, inclu- sive a glândula mamária, e o animal é estéril. Quan- do é unilateral, o animal é subfértil. Sabe-se que uma vaca com hipoplasia unilateral total apresenta a gônada contralateral, ainda que morfologicamente normal, pouco funcional. É uma alteração de origem hereditária, condici- 0nada a um gene recessivo de baixa penetrabilidade ou de penetrabilidade incompleta. A hipoplasia ovariana unilateral é mais comum, e a gônada mais freqüentemente envolvida é a do lado esquerdo (87% dos casos são de hipoplasia unilateral esquerda; 4% de hipoplasia unilateral direita; e 9% de hipoplasia bilateral). O ovário hi- poplásico encontra-se diminuído de tamanho e apre- senta uma superfície lisa ou rugosa, com ausência de folículos ovarianos, corpos fibrosos ou corpos lúteos (Figs. 3.2 e 3.4); a cortical é hipodesenvol- vida e a medular apresenta-se bastante desenvolvi- da e rica em tecido conjuntivo fibroso e vasos san- guíneos (Fig. 3.3). Na hipoplasia parcial, somente parte da gônada encontra-se afetada - geralmente a porção medial - e ela se caracteriza pela ausência de folículos ovarianos (Fig. 3.2). A diminuição do número de células germinati- vas nos casos de hipoplasia pode estar relacionada à deficiência no desenvolvimento dessas células no Fig. 3.2 Hipoplasia ovariana. Vaca. O ovário inferior apre- senta hipoplasia total e o superior, hipoplasia parcial. Fig. 3.3 Hipoplasia ovariana. Vaca. Córtex ovariano com ausência total de folículos. H. E. 16X. Fig. 3.4 Hipoplasia ovariana. Égua. O ovário direito apresen- ta hipoplasia total. saco vitelínico, ou à falha no processo de migração das células até a crista gonadal, ou ainda, a sua per- sistência e multiplicação na gônada. Em um estudo envolvendo 150búfalasproceden- tes da Ilha de Marajó, no Estado do Pará, e abati- das em matadouro, constatou-se um caso de hipo- plasia ovariana bilateral total, correspondendo a uma freqüência de 0,66%. Em bovinos zebu, a ocorrência de hipoplasia ovariana é, aparentemente, menor do que em taurinos. Em um estudo, no qual realizou-se avali- ação macroscópica do sistema genital de 6.054 va- cas azebuadas provenientes do Estado de Minas Gerais, não foi diagnosticado nenhum caso de hi- poplasia ovariana. Ovários infantis (Ovários do feto eqilino) O endométrio da égua gestante produz gonado- tropina (ECG) em grande quantidade, desde o 40.0 dia até cerca de 150 dias de gestação. A grande quantidade de hormônio produzida pela égua ges- tante foi incriminada de provocar grande desenvol- vimento da gônada fetal, que pode chegar a ser maior do que a gônada materna (Figs. 3.5 e 3.6). A segunda fase de crescimento da gônada fetal se dá entre 150 e 250 dias de gestação, quando há alta concentração de estrógeno na urina, a qual está re- lacionada com a diminuição de volume do ovário fetal. Patologias do Ovário /19 Fig. 3.5 Órgãos do sistema genital de um feto eqüino aos 180 dias de gestação; observar o ovário aumentado de volume. Fig. 3.6 Ovário de feto eqüino aos 210 dias de gestação. Abun- dância de células intersticiais. H. E. 50X. Estudos recentes revelaram que o ECG não é capaz de atravessar a placenta, e que a hipertrofia e a hiperplasia de células intersticiais da gônada fe- tal são provavelmente devidas à ação de LH hipofisário do feto. O soro fetal entre 50 e 200 dias de gestação é rico em LH, e a adeno-hipófise é al- tamente produtiva. A regressão das células intersticiais coincide com a presença de estrógeno na urina, que parece ser o responsável pela regressão dessas células. Por esse tempo, os folículos primordiais da gônada fetal so- frem regressão em grande quantidade. 20 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos Ovários afuncionais Os casos de ovários afuncionais são observados em animais adultos, que os têm diminuídos de ta- manho, devido à ausência de crescimento folicular. Ocorre nas deficiências nutricionais e nas doenças crônicas que causam caquexia. A condição de afuncionalidade não é uma anomalia do desenvol- vimento, e foi colocada neste tópico a fim de se salientar a importância da diferenciação entre essa condição, que é adquirida e reversível, da condição de hipoplasia ovariana, congênita e irreversível. Tecido adrenocortical ectópico Podem ser observados nódulos de tecido do córtex adrenal com localização adjacente ao ovário. Normal- mente encontram-se próximos à inserção do mesová- rio, têm coloração amarelada e seu tamanho pode va- riar de milímetros até 2,5 centímetros de diâmetro. Tal alteração aparentemente não tem significado clínico. ALTERAÇÕESCIRCULATÓRIAS Hemorragiaintrafolicular A hemorragia intrafolicular ocorre em bezerras, nos cistos foliculares das cadelas e, ocasionalmen- te, em folículos atrésicos na vaca. A causa é desco- nhecida (Figs. 3.7 e 3.8). Fig. 3.7 Hemorragia intrafolicular. Vaca. Líquido folicular tingido por sangue. " Fig. 3.8 Cisto folicular. Vaca. Material fixado mostrando cisto com conteúdo hemorrágico. Gentileza do Dr. C. A. Bezerra. Hemorragia pós-ovulação Ocorre em todas as espécies, variando em inten- sidade. A égua desenvolve um corpo hemorrágico de grandes dimensões após a ovulação (Fig. 3.9). O coágulo que preenche o espaço do líquido foli- " - "" ... . Fig. 3.9 Hematoma ovariano (corpo hemorrágico). Égua. cular vai dar lugar ao desenvolvimento das células luteínicas e à formação do corpo lúteo. A hemorragia decorrente de ovulação pode dar origem a pequenas projeções de fibrina na superfí- cie do ovário, que posteriormente podem-se orga- nizar, originando pequenas aderências fibrosas na superfícieovariana.Essas projeções são conhecidas na literatura da língua inglesa como ovulation tag. Hemorragia por enucleação do corpo lúteo É a alteração circulatória mais importante no ovário. A hemorragia pode ocasionar duas conse- qüências indesejáveis: aderência ovariana ou mes- mo morte por hipovolemia. A cicatriz no ovário, decorrente da enucleação manual do corpo lúteo, é bem maior e de forma estrelada, diferindo daquela do corpo lúteo periódico, conhecida como corpo albicans. Além disso, observa-sea presença do cor- po lúteo extirpado, que permanece indefinidamen- te nas cavidades pélvica ou peritoneal. As experi- ências indicam que a extirpaçãodo corpo lúteo, tan- to nos casos de gestação como nos casos de piometrite, provoca hemorragia intensa e, por isso, a morte por hipovolemia pode ocorrer, ou então, as aderências são muito mais acentuadas, isso porque nesses casos o corpo lúteo é mais firmemente ade- rido ao ovário e é bem mais irrigado do que o cor- po lúteo não persistente do ciclo estral normal. Atu- almente, com o adventoda utilização terapêutica da prostaglandina F2a e de seus análogos, a enuclea- ção manual do corpo lúteo caiu em desuso. O rompimento de cistos ovarianos também pode ocasionar grandes hemorragias. Lesões vasculares A hialinização das paredes das artérias e arterío- Ias do ováriopode ocorrer logo após o parto. Além disso, também as arteríolas do corpo lúteo em re- gressão apresentam degeneração hialina de sua pa- rede. O significado dessas lesões vasculares não é conhecido. ALTERAÇÕES INFLAMATÓRIAS A ooforite ou ovarite é relativamente rara e, na maioria das vezes, é piogênica. Nas áreas onde a Patologias do Ovário / 21 tuberculose é uma doença comum, os ovários e as vias genitais são freqüentemente afetados. Nesses casos, a superfície do ovário e a do oviduto reve- lam a presença de nódulos avermelhados ou ama- relados, e elevados, de aspecto granuloso. Micros- copicamente, observam-se numerosas células epi- telióides e células gigantes circundando uma área necrótica.A Brucella suis também produz, freqüen- temente, lesão inflamatóriagranulomatosana super- fície (serosa) do ovário de porcas. Abscessos ováricos em vacas são geralmente precedidos de piometrites, especialmente naqueles casos em que há extirpação do corpo lúteo. O vírus da diarréia bovina tem sido isolado de ovários de bovinos naturalmente infectados, sendo considerado importante agente causador de proble- mas reprodutivos nessa espécie. Há evidências de que esse vírus é capaz de interferir na foliculogê- nese, reduzindo o diâmetro dos folículos dominan- tes ovulatório ou anovulatório, na mortalidade em- brionária e fetal, provocando abortos e defeitos congênitos (ver Capo6). Além disso, foi observado que esse vírus pode ser detectado no oócito e nas células do cumulus ooforus de folículos em diver- sas fases de crescimento e induz processo inflama- tório no parênquima ovariano. O herpes vírus bovino tipo 1 causa ooforite necrótica multifocal, com as lesões mais severas localizadas no corpo lúteo. O infiltrado inflamató- rio nesses casos consiste predominantemente em linfócitos nas áreas necróticas. O vírus Akabane, que é causa comum de aborto e teratogenicidade em bovinos na Austrália, Japão e Israel, ao infectar a vaca imediatamente após a inseminação, provoca necrose do corpo lúteo com infiltrado linfocítico acentuado. Uma observação importante para a interpretação dos processos inflamatórios do ovário na vaca é que nem todas as células inflamatórias presentes no corpo lúteo têm significado patológico. Eosinófilos são freqüentemente observados no tecido conjun- tivo e estroma de corpos lúteos jovens ou recente- mente formados, e esse achado não é considerado patológico. Mastócitos são observados na cápsula externa do corpo lúteo no terço médio do diestro, ao passo que macrófagos geralmente estão presen- tes em corpos lúteos em regressão ou no estágio final do diestro. Além disso, em condições normais há uma pequena população de macrófagos residen- 22 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos tes no interstício ovariano bovino ao longo de todo o ciclo estral. ALTERAÇÕES REGRESSIVAS Hipotrofia Hipotrofia do ovário pode ocorrer como resulta- do de inanição crônica e de doenças crônicas caquetizantes. Vacas criadas em regime extensivo podem apresentar interrupção na atividade ovaria- na cíclica durante a estação de seca devido à defi- ciência nutricional, condição que é revertida após o início da estação chuvosa. Vacas de corte, durante a fase de amamentação, também tendem a apresentar demorapara o reinício da atividadeovarianacíclica após o parto. Isso ocor- re por deficiência de estímulo gonadotrópico que, aparentemente, é mediada pela liberação de opiói- des endógenos. A paralisação completa da atividade ovariana, como ocorre na mulher após a menopausa, não acontece entre os mamíferos domésticos. A perda contínua de 06citos e a diminuição da fertilidade ocorrem com o avanço da idade, mas a função ova- riana continua, ainda que irregularmente. Os ová- rios de várias espécies domésticas aumentam de tamanho com o passar do tempo. O aumento é de- Tabela 3.2 Cistos ovarianos e sua origem vido ao acúmulo de tecido conjuntivo fibroso resul- tante da involução de corpos lúteos, da regressão vascular após várias gestações e da regressão de folículos. Os ovários de porcas e cadelas velhas são muito mais lobulados, em comparação com os das fêmeas jovens dessas mesmas espécies. Uma porca com mais de 10 partos pode ovular normalmente, porém o número de leitões nascidos é, de maneira geral, pequeno. Fibrose A fibrose ovariana aparece nos animais velhos em conseqüência do acúmulo de tecido conjuntivo fibroso resultante da degeneração do corpo lúteo e de lesões vasculares pós-parto. A luteólise, que é um processo fisiológico, caracteriza-se histologicamen- te pela presença de células luteínicas acentuadamen- te eosinofílicas, retraídas e, em alguns casos, vacuo- lizadas. Nem todas as células luteínicas desenvol- vem essas alterações simultaneamente durante o processo de luteólise. Cistos ovarianos Dez tipos de cistos podem ser encontrados no ovário ou ao seu redor (Tabela 3.2). Eles serão dis- cutidos detalhadamente a seguir. Tipo de Cisto Cisto paraovárico Origem Túbulos mesonéfricos craniais (epoóforo), túbulos mesonéfricos caudais (paraóforo) e ductos mesonéfricos (cistos dos ductos mesonéfricos) rete ovarii (derivado mesonéfrico) Epitélio germinativo Folículos terciários em atresia Cisto da rete ovarii Cisto de inclusão germinal Cisto do folículo atrésico Cisto do corpo lúteo Cisto luteínico ou luteinizado Cisto folicular Cisto tubo-ovárico Corpo lúteo Folículo terciário luteinizado Folículo terciário Tuba uterina e ovário (aderências) Tuba uterina, mesossalpinge e ovário (aderências) Apêndice paramesonéfrico Cisto bursa-ovárico Hidátide de Morgani CISTO PARAOVÁRICO OScistos paraováricos têm localização adjacen- te ao ovário. Originam-se a partir de resquíciosembrionários dos túbulos mesonéfricos. Os cistos de origem mesonéfrica recebem deno- minações especiais. Assim, quando são derivados da porção cranial dos túbulos mesonéfricos, são chamados de epoóforos e, quando se originam a partir das porções caudais dos túbulos mesonéfri- cos, são chamados de paraóforos. Os cistosparaováricos,normalmente, têm até um centímetro de diâmetro; na égua, eles podem atin- gir até setecentímetrosde diâmetro.Esses cistos são limitados por uma simples camada de epitélio cuboidal, e sua parede contém músculo liso. Podem aumentar de diâmetro ao longo da vida do animal e, por isso, os cistos de grande diâmetro são encon- trados sobretudoem animaisvelhos. Não há evidên- cias de que os cistos paraováricos interfiram na ati- vidade ovariana. CISTO DA RETE OVARIl A rete ovarii é constiruídapor grupos de túbulos anastomosados, revestidos por epitélio simples cú- bico ou colunar. É dividida, conforme sua localiza- ção, em rete intra-ovariana, conectante e extra-ova- nana. Os cistos da rete ovarii ocorrem em todas as es- pécies domésticas, mas são mais freqüentes em cadelas e gatas. Essas formações císticas originam- se a partir do acúmulo de secreção na rede ovaria- na e subseqüente dilatação cística da mesma. Os cistos da rete ovarii apresentam uma simples cama- da de epitélio cuboidal, e sua parede não contém músculo liso. A diferenciação entre cistos paraováricos e cis- tos da rete ovarii extra-ovariana é difícil de ser fei- ta com precisão, tanto macro- quanto microscopi- camente, uma vez que nos dois casos a localização é a mesma e ambos têm células musculares lisas em sua parede. Cabe ressaltar que a porção extra-ova- riana da rete ovarii tem continuidade com os túbu- los mesonéfricos. CISTO DE INCLUSÃOGERMINAL OS cistos de inclusão germinal aparecem na su- perfície do ovário e se formam por fragmentos do peritônio (epitélio germinativo), que se dobram para o interior do córtex ovariano (Fig. 3.10). Ocorrem Patologias do Ovário / 23 Fig. 3.10 Cistos de inclusão germinal. Cadela. H. E. 13,2x. em todas as espécies, sendo mais importantes em éguas, nas quais podem interferir com a ovulação. Na égua, geralmente são múltiplos, de tamanho que varia de milímetros a 4,5 centímetros, e são locali- zados próximos à fossa de ovulação, por isso são também chamados, nessa espécie, de "cistos da fos- sa" (Fig. 3.11). As formações císticas aumentam de tamanho com a idade e destroem gradativamente o parênquima ovariano e, quando em grande núme- ro, podem bloquear a fossa de ovulação. Também na égua, em adição ao epitélio do peritônio, o epi- télio tubárico pode ser carreado para dentro do ová- rio logo após a ovulação, o que não ocorre em ou- tras espécies. Os cistos de inclusão germinal, em outras espé- cies, apresentam dimensões muito reduzidas, sen- do diagnosticados microscopicamente e carecendo de importância clínica. Os cistos de inclusão ger- minal não têm atividade de produção hormonal. Fig. 3.11 Cistos de inclusão germinal (cistos da fossa). Égua. 24 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos CISTO DO FOLÍCULO ATRÉSICO São folículos que não se desenvolveram comple- tamentee não ovularam. O número de folículos que iniciam o desenvolvimento é muito maior do que o número de folículos que ovulam, ou seja, muitos folículos não completam o seu desenvolvimento e entram em um processo conhecido como atresia folicular. O folículo atrésico se caracteriza por re- velar o oócito degenerado, células da granulosa em degeneração com citoplasma vacuolizado e luteinização das células da teca interna. CISTO DO CORPO LÚTEO Freqüentemente ocorre a formação de uma ca- vidade cística na porção central do corpo lúteo, irregular, cujo tamanho pode variar de milímetros até mais de dois centímetros (Figs. 3.12 e 3.13). Nesse caso, ocorreu ovulação, e a atividade ova- riana cíclica continua normalmente. A presença da formação cavitária caracteriza o cisto do corpo lúteo, também conhecido como corpo lúteo císti- co. Os cistos podem ocorrer em vacas gestantes até o 40.0dia de gestação. A partir dessa data, geral- mente se rompem. É possível identificar corpo lú- teo cístico e corpo lúteo normal num mesmo ová- rio. Em zebuínos, há tendência de protrusão da ca- vidade cística para a superfície do ovário. Fig. 3.12 Corpo lúteo cístico. Vaca. Fig. 3.13 Corpo lúteo cístico. Vaca. H. E. 33x. A patogenia não é conhecida, possivelmente en- volve faltá de irrigação na parte central do corpo lúteo. Embora haja suspeitas de que cistos do cor- po lúteo de grandes proporções possam comprome- ter a produção de progesterona pelo corpo lúteo e conseqüentemente diminuir as chances de estabe- lecimento da gestação, estudos recentes indicam que, além de não haver comprometimento da fun- ção luteínica nesses casos, o volume de tecido luteínico e a concentração sérica de progesterona tendem a ser maiores nos animais cujos corpos lúteos possuem cavidades císticas. CISTO LUTEÍNICO OU LUTEINIZADO Quando do desenvolvimento do cisto luteínico, não há ovulação. O folículo cresce, não ovula e ocorre luteinização das células da teca interna. Vacas com cisto luteinizado têm falha de ovula- ção; normalmente o animal entra em anestro e, nesses casos, não há hiperestrogenismo. A cavi- dade cística é arredondada, revestida por uma camada de tecido conjuntivo fibroso externamen- te e, internamente, por células da teca luteiniza- das (Fig. 3.14). Ocorre com maior freqüência na vaca e na porca. A patogenia não está clara, mas sabe-se que en- volve uma insuficiência da ação do hormônio lu- teinizante, o que pode ser decorrente de deficiên- cia de LH, de FSH e LH, ou mesmo excesso de LH. O cisto luteínico pode ser considerado uma varia- ção do cisto folicular, que será discutido adiante, e pode apresentar graus variados de luteinização de sua parede. Fig. 3.14 Cisto luteinizado. Vaca. Gentileza do Prof. F. Megale. Caracteriza-se macroscopicamente por apresen- tar parede espessa e distendida, consistência firme, conteúdo líquido citrino e inodoro, e parede inter- na amarelada. Microscopicamente, apresenta cáp- sula conjuntiva ao redor de células da teca luteini- zadas. CISTO FOLICULAR O cisto folicular, ou doença ovariana cística, ca- racteriza-se pela persistência de uma estrutura foli- cular anovulatória por período superior a 10 dias, na ausência de corpo lúteo, e com interrupção da atividade ovariana cíclica normal; o diâmetro ultra- passa 2,5 centímetros (Figs. 3.15 e 3.16). O cisto folicular é a alteração regressiva mais comum do ovário. Ocorre em várias espécies do- mésticas, sendo mais estudado e conhecido na vaca e na porca. Muito pouco se sabe sobre o seu signi- ficado em outras espécies.Em vacas, o aspectomais conhecido dessa patologia é a sua associação com ninfomania. O cisto folicular se desenvolve mais freqüente- mente no primeirociclo pós-parto. Há trabalhos que revelam ser essa alteração mais comum em vacas que tiveram problemas pós-parto, tais como febre vitular, distocia e retenção de placenta. Há também trabalhos que relatam o desenvolvimento de cisto folicular em vacas, após o parto, antes que tenha ocorrido a primeira ovulação;normalmenteelas não Patologias do Ovário / 25 Fig. 3.15 Cisto folicular múltiplo. Vaca. Este animal apresen- tava sinais de ninfomania. Gentileza do Dr. C. A. Bezerra. -r- r - Fig. 3.16 Cisto folicular. Vaca. Parede do cisto com aspecto semelhante ao de um folículo maduro. H. E. 40X. mostram sinais de estro, ao passo que aquelas que apresentamcisto após o estro e ovulação geralmente mostram sinais de ninfomania. Possivelmente, a justificativa para tal fato é que a progesterona, pro- duzida pelo corpo lúteo da primeira ovulação, in- duz o aparecimento de receptores para estrógeno. O comportamento da vaca com cisto folicularé muito variável, podendo ocorrer ninfomania (Fig. 3.17), anestro ou virilismo. Esse comportamentoé determinado pela produção hormonal do cisto, em que pode predominar a produção de estrógenos, progesterona ou andrógenos, o que, por suavez, 26 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos Fig. 3.17 Vaca com cisto folicular apresentando comporta- mento de ninfomania. Gentileza do Df. C. A. Bezerra. depende da constituição e da atividade das células que compõem a parede do cisto. A etiopatogenia do cisto folicular não está clara. Para alguns, é devida à exacerbada ação do FSH e não liberação do LH pela adeno-hipófise ou à não liberação do GnRH pelo hipotálamo. Outros acham que se deve à ausência de receptores de LH no fo- lículo maduro, ou mesmo à ausência de ácido siálico. É o ácido siálico que estabelece a ligação do hormônio LH com os receptores, por isso se diz muitas vezes que o LH é quimicamente noIinal, mas biologicamente inativo. Além disso, é possível que ocorra baixa concentração hipofisária de recepto- res para o GnRH ou, ainda, falha no processo de feedback positivo do estrógeno para a liberação do LH. Há, também, a teoria de que a quantidade de receptores foliculares para o LH estaria diminuída nos casos de desenvolvimento de cisto folicular. Existem evidências de que há deficiência de LH e de que o folículo maduro não está exposto à ação desse hormônio, conseqüentemente não sofre ovu- lação. As disfunções da tireóide podem afetar o desem- penho reprodutivo, associando-se à irregularidade do ciclo estral, redução da fertilidade e mesmo abor- to. O hipotireoidismo, caracterizado por diminuição da triiodotironina (T3) e tiroxina (T4) e aumento do hormônio estimulante da tireóide (TSH) na circu- ...- lação sanguínea, está associado à formação de cis- tos ovarianos, especialment~ em fêmeas suínas. Experimentalmente, leitoas com hipotireoidismo apresentam ovários hipertrofiados e com cistos foliculares múltiplos. Fatores estressantes que cursam com elevação da concentração sérica de cortisol também podem pre- dispor ao desenvolvimento de cisto folicular. Va- cas com cisto folicular apresentam hiperfunção das células secretoras de ACTH e hipofunção das célu- las secretoras de LH na hipófise. Aparentemente a diminuição das células secretoras de LH é secun- dária ao aumento de função das células secretoras de ACTH, o que reforça o papel importante do es- tresse na patogênese do cisto folicular. Conforme discutido anteriormente, durante o processo de atresia folicular ocorre apoptose das células da granulosa, ao passo que no folículo do- minante as células da granulosa se mantêm viáveis e são refratárias à apoptose. Portanto, é possível que falha nos mecanismos mediadores da apoptose das células da granulosa poderia retardar o processo de atresia, favorecendo o desenvolvimento do cisto folicular. Recentemente foi obervado que embora as células da granulosa de cistos foliculares sofram apoptose da mesma forma que folículos atrésicos, apoptose das células da teca interna é diminuída em folículosque originam cistos foliculares, o que pode ser responsável pelo atraso da regressão folicular nesses casos. A apoptose tardia dessas células po- deria explicar o fato da regressão espontânea de cistos foliculares na vaca. A incidência de cisto folicular em vacas é variá- vel. Para vacas leiteiras, a incidência varia entre 6 e 30% por lactação. Aproximadamente 48% das vacas com cisto folicular no período pós-parto cu- ram-se espontaneamente, ao passo que aquelas que após 60 dias do parto não se recuperaram quase sempre mostram ninfomania e se recuperam com o tratamento. A freqüência de cisto folicular em va- cas zebuínas aparentemente é baixa, em compara- ção com os animais taurinos. Embora este assunto não tenha sido muito estudado nas raças zebuínas, existem algumas informações disponíveis. Em um levantamento envolvendo 4.008 vacas azebuadas, abatidas em matadouros dos Estados de Minas Ge- rais e de Goiás, detectaram-se apenas seis casos de cisto folicular, o que corresponde a 0,14% do total de animais examinados. Em um outro estudo, ava- liou -se o sistema genital de 117 vacas zebuínas não- gestantes, que apresentavam algum tipo de altera- ção uterina ou ovariana. O material foi proveniente de matadouros localizados em Campo Grande, no Estado do Mato Grosso do Sul. Cinco casos de cis- to folicular foram diagnosticados, correspondendo a 3,0% dos animais estudados. Quando urna vaca tem cisto folicular por um lon- go período e durante esse período ocorre hiperes- trogenismo e, conseqüentemente, ninfomania, o útero é em geral estimulado e, numa fase avança- da, ocorrerão fadiga do miométrio e hipotrofia, de- senvolvendo-se finalmente mucometra ou hidrome- tra. Muitas vezes urna clara distinção entre cisto luteínico e folicular não é possível. Isso porque al- guns cistos foliculares desenvolvem pequenos pon- tos de tecido luteínico em sua parede. Macroscopicamente, os cistos foliculares podem ser confundidos com folículos pré-ovulatórios. Nesse caso, o exame de outras partes do aparelho genital se faz necessário. Assim, a vulva mostra-se edemaciada, o clitóris hipertrofiado, e podem ser observados cistos das glândulas de Bartolin e dos ductos de Gartner, que são resquícios dos ductos de Wolff. O útero toma-se ~demaciado' e flácido, há hi- perplasia do endométrio, aumento de volume da ti- reóide, hiperplasia ou hipertrofia da cortical da adre- nal, não-degranulação das células basófilas da hi- pófise, colo uterino com canal hipertrofiado e, nos casos avançados seguidos de ninfomania, observa-se mucometra, decorrente de fadiga do miométrio. Con- tudo, cabe salientar que o folículo pré-ovulatório na vaca dificilmente ultrapassa dois centímetros de diâmetro, ao contrário do cisto folicular, que nor- malmente apresenta diâmetro superior a 2,5 centí- metros. Histologicamente, o cisto folicular caracteriza-se pela ausência de ovócito e de zona pelúcida; por células da granulosa degeneradas, que contêm abun- dante quantidade de líquido, e por células da teca edemaciadas e, às vezes, com parte luteinizada. Cisto folicular em outras espécies PORCA. Os cistos ovarianos são freqüentes na porca e às vezes associam-se à infertilidade. Nessa espécie, ocorrem cistos grandes, com dois a três centímetros de diâmetro, que aparecem tanto em porcas gestantes corno em não-gestantes. Não são Patologias do Ovário / 27 propriamente cistos foliculares, mas sim folículos maduros que não sofreram ovulação. Esse tipo de cisto não tem significado clínico (Fig. 3.18). Os cistos foliculares são pequenos e múltiplos, com diâmetro que varia entre um e dois centíme- tros. Os cistos pequenos normalmente não apresen- tam áreas de luteinização de sua parede e são cha- mados de cistos do tipo estrogênico. Os cistos foliculares podem também ser múltiplos e grandes (Fig.3.19),e quase sempre têm áreasde luteinização em sua parede e são chamados de cistos do tipo progesterônico. Porcas afetadas apresentam ciclo estral curto e irregular, infertilidade e hiperplasia do endométrio.Nessa espécie, o estresse aparentemen- te desempenha papel importante na etiopatogenia do cistofolicular.Porcas desmamadas precocemen- te, '10 ou menos dias pós-parto, são muito susceptí- veis a apresentar cisto folicular e infertilidade. Nas porcas em condições de estresse, há elevação de Fig. 3.18 Cisto folicular simples ou de retenção. Porca. Fig. 3.19 Cisto folicular múltiplo grande. Porca. 28 / Patologia da Reprodução dos Animais Domésticos glicocorticóides circulantes, resultando em compro- metimento da função ovariana, especialmente en- tre o 14.0 e o 16.0 dias do ciclo estral, período em que ocorre a seleção dos folículos destinados à ovu- lação. Histologicamente, os cistos foliculares são recobertos por células da granulosa e revestidos por cápsula conjuntiva. ÉGUA. O cisto folicular associado à perda do ciclo ovariano e à infertilidade, comparável ao que ocorre na vaca e na porca, aparentemente não ocorre na égua. '-'m foUeu'lo maduro nessa espécie mede de três a sete centímetros de diâmetro e, por isso, pode ser confundido com cisto. A égua é poliestral estaciona!. Durante a transi- ção entre a fase de anestro e a fase de atividade ovariana cíclica, a égua
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