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Juliana Silva | Gastroenterologia | 1 Diagnóstico da Icterícia É um sinal clínico que na maior parte das vezes indica um processo patológico subadjacente. Coloração amarelada dos tecidos em decorrência do depósito de bilirrubina. A icterícia inicialmente acontece mais na esclera, no freio sublingual e posteriormente no tegumento. A hiperbilirrubinemia é decorrente de um desequilíbrio entre a produção (degradação de hemácias) e a eliminação hepática. Diagnóstico diferencial: Situações em que a pele está amarelada ou alaranjada, mas geralmente a esclera está normal. Carotenemia: ingestão habitual de alimentos ricos em betacaroteno (cenoura, mamão, laranja, abóbora) — pseudo-icterícia. Para confirmar deve-se dosar o betacaroteno. Produção e metabolismo da Bilirrubina A bilirrubina é produzida a partir da quebra das hemácias (meia vida de aproximadamente 120 dias). Quando as hemácias estão velhas são ret iradas da c ircu lação pelos macrófagos (sistema reticuloendotelial do baço). A degradação das hemácias libera a fração globina e a fração heme. A fração heme sofre um processo de oxidação pela enzima heme- oxigenase e é convertida em biliverdina. ‣ A bil iverdina sofre ação da biliverdina redutase e forma a Normal < 1,1 mg/dL (70% bilirrubina indireta) Bilirrubina acima de 2-3 mg/dL Juliana Silva | Gastroenterologia | 2 bilirrubina indireta ou não conjugada (bilirrubina ligada a albumina) * não é hidrossolúvel - não é filtrada nos rins * situações em que há excesso de bilirrubina indireta não é colúria. A bilirrubina indireta cai na circulação, chega no fígado, se desprende da albumina e apenas a bilirrubina é internalizada no hepatócito. No fígado ocorre um processo de conjugação pela enzima uridina glucuronil-transferase, forma a bilirrubina direta/conjugada. Essa bilirrubina conjugada vai para o polo biliar do hepatócito e é excretada na via biliar (na bile), e a bile vai ao intestino. No intestino quando a bilirrubina é excretada junto a bile, as bactérias da flora intestinal a transformam em urobilnogênio. O urobilinogênio pode seguir dois caminhos: ‣ Ser excretado nas fezes (estercobilina, o que dá coloração marrom às fezes) ‣ Ser reabsorvido A parte que é reabsorvida de urobilinogênio será excretada pelos rins na forma de urobilina, dando coloração amarela na urina. Excreção de bilirrubinas A bilirrubina indireta (ligada a albumina) tem um peso molecular e tamanho maior. Se não tiver lesão, não terá excreção desse tipo de molécula na urina. Em uma situação de aumento de bilirrubina indireta, não tem aumento de bilirrubina indireta na urina. Quando há um processo inflamatório do fígado ou uma obstrução da via biliar tem refluxo da bilirrubina direta para a circulação sanguínea. Dessa forma, terá um predomínio da bilirrubina direta. Essa bilirrubina indireta é solúvel e passa pela urina. Icterícia com predomínio da bilirrubina direta -> bilirrubina na urina dando colúria. Juliana Silva | Gastroenterologia | 3 Se a bilirrubina não chega no intestino e nas fezes -> acolia (fezes esbranquiçadas / em massa de vidraceiro). Hemácias destruídas Hemoglobina Fração globina Fração Heme Biliverdina Heme oxigenase DENTRO DO BRAÇO Bilirrubina indireta (não conjugada) Heme redutase Albumina se liga a bilirrubina indireta e leva para o fígado NO SANGUE Hepatócito captura a bilirrubina indireta Hepatócito adiciona moléculas de UDP Bilirrubina direta ou conjugada NO FÍGADO UDPGT Secretada para a via biliar Atinge o intestinoEntra em contato com as bactérias intestinais Formação de urobiligênio e estercobiligênio Serão oxidados para resultar nos seus componentes corados nas fezes (em excesso dá acolia) Parte do estercobiligênio é reabsorvido, cai na circulação e é eliminado através da circulação renal (em excesso dá colúria) Juliana Silva | Gastroenterologia | 4 Classificação da Icterícia Pré-hepática: Predomínio da bilirrubina indireta Raramente pode ter predomínio da direta -> apenas em duas situações: ✔ Síndrome de Dubin-Johnson ✔ Síndrome de Rotor Hepática e Pós-hepática: Sempre predomínio da bilirrubina direta. Icterícia pré-hepática Na maioria dos casos ocorre predomínio da bilirrubina indireta. Doenças hemolíticas Situações em que se tem destruição dos glóbulos vermelhos -> aumenta a oferta de bilirrubina indireta para o fígado. • C o n g ê n i t a s : e s f e r o c i t o s e , deficiência G-6-PD e PK, anemia falciforme • Adquiridas: anemia microangiopatia, anemia autoimune (pode estar associada ao Lúpus, por exemplo), hemoglobinúria paroxístico noturna. Eritropoiese ineficaz Deficiência de ferro, folato e cianocobalamina Juliana Silva | Gastroenterologia | 5 Drogas Tais medicamentos podem induzir uma hemólise e fornecer maior quantidade de bilirrubinas indireta para o fígado. ✔ Rifampicina (tratamento da tuberculose) ✔ Ribavirina (tratamento de hepatite C) Doenças congênitas Síndrome de Gilbert: • Relativamente comum, presente em até 5% da população -> d im inu ição da at iv i dade de conjugação pela enzima uridina glucuronil-transferase (UGT) • Em geral, esses pacientes são assintomáticos e apresentam aumento de bilirrubina indireta, mas sem presença de hemólise. • E s s e q u a d r o p o d e s e r desencadeado por alguns gatilhos, dentro os quais: jejum, atividade física, desidratação, menstruação e infecções agudas • Para diagnóstico da Síndrome de Gilbert é feito a prova de restrição calórica, ou seja, o paciente dosa as bilirrubinas com jejum habitual de 8 - 10h, e nesse dia ingere 400 calorias e no dia seguinte dosa as bilirrubinas (que para confirmar o diagnóstica, estas devem estar dobrados). Seu diagnóstico costuma ser feito na adolescência. Síndrome de Crigler-Najjar I e II: • Forma mais grave da doença, caracter izada por at iv idade reduzida ou até ausente da UGT pronunciada logo no período neonatal • O quadro de diminuição drástica da atividade da UGT cursa com a diminuição da excreção fecal de urobilinogênio, bem como com menor conjugação da bilirrubina total. • O quadro pode evoluir para um episódio denominado Kernictus, caracterizado pelo dano neurológico permanente, decorrente de um aumento demasiado e prolongado dos níveis séricos de bilirrubina indireta. Juliana Silva | Gastroenterologia | 6 • Nesse caso, o tratamento pode ser feito com a administração de fenobarbital, que aumenta um pouco a atividade da enzima. EXCEÇÕES: há apenas dois casos de hiperbilirrubinemia pré-hepática com predomínio de bilirrubina direta. São duas síndromes congênitas (Dubin-Johnson e Rotor). ✔ Síndrome de Dubin-Johnson: é um quadro de hiperbilirrubinemia mista, com predomínio do aumento da bilirrubina conjugada. Ocorre por um defeito na proteína transportadora (MRP2) e gera dificuldade de excreção ou de armazenamento da bilirrubina conjugada. Quadro clínico consiste na manifestação ictérica em adolescentes e adultos jovens, que geralmente se apresentavam assintomáticos ou com sintomas inespecíficos. Portanto, a bilirrubina chega no hepatócito, é conjugada, mas existe um problema no processo de excreção. Na biópsia hepática, o fígado se encontra enegrecido. ✔ Síndrome de Rotor Quadro clínico muito semelhante ao quadro da Sd. Dubin Johnson que ocorre por prejuízo no armazenamento hepatocelular da bilirrubina conjugada, havendo extravasamento para o plasma e culminando no aumento dos níveis séricos de bilirrubina direta Juliana Silva | Gastroenterologia | 7 Icterícia Hepática Qualquer coisa que possa lesionar o fígado. • Hepatite alcoólica • Hepatite autoimune • Hepatites virais (A, B, C, D, E, CMV, EBV) • Medicamentosos (anabolizantes, c lorpromaz ina , er i tromic ina , halatono) • Colangite biliar primária -> doença autoimune associadaa doenças inflamatórias intestinais, afeta ductos biliares maiores dentro e fora do fígado • Colestase gravidez • Ductopenia -> desaparecimento dos ductos biliares (medicamentos, sarcoidose, pós Tx hepático) • Colestase recorrente benigna • Nutrição parenteral total • Sepse -> afeta a excreção da bilirrubina • Doença veno-oclusiva • Doença enxerto versus hospedeiro Icterícia pós-hepático Após o saída do fígado tem-se um processo de inflamação ou neoplasia que pode causar obstrução. Malignas ✔ Colangiocarcinoma -> tumor das vias biliares que pode ocorrer dentro ou fora do fígado ✔ Câncer de Pâncreas -> se for na cabeça causa obstrução do colédoco ✔ Câncer amplo de Vater ✔ Câncer vesícula biliar Benignas ✔ Coledocolitíase -> cálculo preso no colédoco ✔ Colangite esclerosante primária ✔ Pancreatite crônica -> se tiver fibrose ou formação de um pseudocisto de pâncreas que comprime a via biliar na porção final ✔ Infecções: HIV, CMV Juliana Silva | Gastroenterologia | 8 Tipos de Icterícia Diagnóstico laboratorial Vitamina K é lipossolúvel, portanto, precisa da bile para a sua produção. Se tem uma redução da bile, tem uma deficiência de vitamina K. Exames de imagem Na doença hemolítica e hepática não terá dilatação da via biliar. Só ocorre essa dilatação quando é uma doença fora do fígado (extra- hepática). CPRE: co lang iopancreatograf ia retrograda endoscópica -> também é terapêutico Fator diagnóstico Hemolíse Colestase intra-hepática Extra-hepática Sintomas Dor lombar, artralgia Náusea, vômito, febre, anorexia, colúria, acolia Icterícia intensa, colúria, acolia, prurida, dor Exame físico Esplenomegalia Hepatomegalia, esplenomegalia Hepatomegalia, vesículo palpável Juliana Silva | Gastroenterologia | 9 O indivíduo que chega com uma icterícia, precisa-se fazer uma análise da história clínica, exame física e so l ic i tar exames laborator ia is complementares. De acordo com o resultado dos exames laboratoria is se pode suspeitar da causa e até mesmo solicitar exames de imagem para confirmar o diagnóstico. Juliana Silva | Gastroenterologia | 10 Casos clínicos 1. Mulher de 25 anos, relata quadro de icterícia cutâneo-mucosa colúria há duas semanas. Apresentou náusea e desconforto em região epigástrica no início do quadro. Referia prurido. Negava febre, calafrios, perda ponderal. Refere ter ganho 6 kg nos últimos 6 meses. Refere etilismo eventual, nega drogadição. Uso de anticoncepcional oral há 7 anos. Trouxe exames realizados 4 meses antes do quadro atual: US abdome total: sem alterações. EDA: aspecto normal. H pylori: negativo. Exame físico Bom estado geral, corada, hidrtada, icterícia 2+/4+, eupneica, afebril, 1,67 cm, 80 kg, IMC 28,7 kg/m2. PA: 120/80 mmHg, 76 bpm Ausculta cardíaca e pulmonar sem anormalidades Abdome plano, normotenso, fígado palpável no RCD, indolor, baço não percutível, RHA normais Extremidades: sem edemas Exames laboratoriais Paciente retorna duas semanas após com os seguintes exames: H b : 13 ,4 mg/dL , H t : 40%, leucograma: 8400 células/mm3, plaquetas: 277000 mm3, AP: 100%, glicemia: 91 mg/dl, creatinina: 0,7 mg/dl, proteína C reativa: 0,4 mg/dl, AST: 251 U/L, GGT: 72 U/L, fosfatase a lca l i na : 1 16 U/L , bilirrubinas totais: 4,4 mg/dl (BI: 1,3 mg/dl e BD: 3,1 mg/dl), albumina: 4,1 g/dl Essa paciente apresenta aumento das transaminases. Principal causa de icterícia com aumento das transaminases → hepatite viral aguda. De acordo com esses exames laboratoriais sabe-se que tem algo errado, mas ainda não se consegue Juliana Silva | Gastroenterologia | 11 chegar no diagnóstico, para isso é preciso solicitar exames de imagem. • Suspeita de hepatite: solicitar sorologia para hepatite A, B e C. • Resultado: Anti-HVA IgM -, HbsAg -, Anti- HBc IgM -, Anti-HBc total -, Anti-HBs +, Anti-HCV -, Anti-HIV -. • De acordo com os exames, não é uma hepatite viral (apenas Anti- HBs +, o que indica que a paciente tomou vacina). • Deve-se continuar a pesquisa, pensando- se em outras causas de h e p a t i te n ã o v i r a l , c omo medicamentosa, alcoólica etc. • Solicitar novos exames: ASMA -, AMA -, ANCA -, CEA: 1,2 mg/dl, alfa-fetoproteina: 5,0 ng/ml, CA 19-9: 72 U/ml. • Apresentava redução da icterícia. N e g a v a p r u r i d o . R e f e r i a desconforto em epigástrio episódio . • O marcador t umora l es tá aumentado, mas nem sempre ind ica tumor . É necessár io pesquisar. • P r i m e i r a m e n te d e s c a r t a r obstrução. ColangioRNM: sem anormalidade. • Foram solicitados novos exames laboratoriais: CMV IgM/IgG -, EBV IgM/IgG -, SARS CoV- 2 IgM/IgG – Ecoendoscopia Na parte inferior, dentro da vesícula há a presença de microlitíase. Diagnóstico: microlitíase biliar Juliana Silva | Gastroenterologia | 12 • Novos exames laboratoriais: PCR: 0,3 mg/dl, AST: 17 U/L, ALT: 27 U/L, GGT: 35 U/L, fosfatase alcalina: 82 U/L, bilirrubinas totais: 1,2 mg/dl (BI: 0,3 md/dl e BD: 0,9 md/dl), CA 19-9: 16 U/ml. • Assintomática e encaminhada para avaliação cirúrgica. • Portanto, essa paciente teve um episodio de obstrução da via biliar por micro cálculos. Pode ter promovido uma papilite na ampola de Vater e teve um processo de obstrução transitória da via biliar e a g o r a n a a v a l i a ç ã o d a ecoendoscopia foi encontrada a causa. Conduta É necessário retirar os cálculos → colecistectomia laparoscópica. Icterícia em apenas um olho. O que indica que a paciente possui uma prótese ocular no olho em que está sem icterícia. Se precisou retirar o olho, é porque apresentou algum problema → neoplasia (melanoma de retina com metástase hepática). Excreção de bilirrubinas Icterícia pré-hepática Malignas Benignas Exame físico Exames laboratoriais Ecoendoscopia Conduta
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