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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA ALINI HOFFMANN A (IM)POSSIBILIDADE DE RETIRADA DO PATRONÍMICO PATERNO OU MATERNO EM CASO DE ABANDONO AFETIVO Florianópolis 2021 ALINI HOFFMANN A (IM)POSSIBILIDADE DE RETIRADA DO PATRONÍMICO PATERNO OU MATERNO EM CASO DE ABANDONO AFETIVO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Gisele Rodrigues Martins Goedert, MSc. Florianópolis 2021 ALINI HOFFMANN A (IM)POSSIBILIDADE DE RETIRADA DO PATRONÍMICO PATERNO OU MATERNO EM CASO DE ABANDONO AFETIVO Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de Bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Graduação em Direito, da Universidade do Sul de Santa Catarina. Florianópolis, 14 de junho de 2021. ______________________________________________________ Professor e orientador Gisele Rodrigues Martins Goedert, MSc Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Luciana Faísca Nahas, Dra Universidade do Sul de Santa Catarina ______________________________________________________ Prof. Denis de Souza Luiz, Esp Universidade do Sul de Santa Catarina TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE A (IM)POSSIBILIDADE DE RETIRADA DO PATRONÍMICO PATERNO OU MATERNO EM CASO DE ABANDONO AFETIVO Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca deste Trabalho de Conclusão de Curso. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico. Florianópolis, 14 de junho de 2021. ____________________________________ ALINI HOFFMANN Agradeço a todos os professores que participaram, em algum momento, de minha jornada acadêmica por serem peças fundamentais na construção do conhecimento. AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, aos meus pais pelo apoio no sonho em poder cursar o ensino superior e participar da graduação de direito, por partilharem de todo este período e serem minha base. Agradeço a minha professora orientadora Gisele Rodrigues Martins Goedert, peça essencial nesta etapa importante da graduação, por ser uma excelente profissional, sempre solícita e disposta em ajudar, por partilhar de seus conhecimentos e ser um exemplo de mulher inspiradora. Agradeço a coordenadora de TCC, professora Andreia Catine Cosme, pelo semestre produtivo e por toda a dedicação em ajudar os acadêmicos, ministrando seu trabalho com maestria. Igualmente, agradeço a todos os professores que de alguma forma participaram da minha graduação, por partilharem seus conhecimentos, serem peça fundamental na construção do conhecimento, pelo poder de mudar vidas e pela dedicação máxima disponibilizada aos estudantes. Agradeço os meus amigos por todo o apoio e confiança, em especial a minha amiga Luciana Macedo, por me acompanhar durante toda a graduação, ser um porto seguro, sempre estar disposta a me escutar e dividir os momentos de alegrias e aflições. Ainda, agradeço aos meus colegas de classe pelo compartilhamento de ideias e pelas vivências trocadas, cada um tornou-se peça essencial ao longo deste período. “Não queremos ser diferentes, e, sim, que todo mundo tenha o direito de ser como é.” (Renato Russo). RESUMO O presente trabalho busca como objetivo verificar a possibilidade de retirada do patronímico materno ou paterno em caso de abandono afetivo, ante a possibilidade de relativização do princípio da imutabilidade do nome. A estruturação da monografia baseou-se no método dedutivo, utilizando levantamento bibliográfico, estudo da legislação vigente e análise da construção jurisprudencial com enfoque no tema. Em primeiro momento será abordado o tema referente ao nome civil em um estudo de suas características mais importantes. Passados estes apontamentos, se adentrará ao tema do abandono afetivo elencando seus principais aspectos. Por fim, é abordado o princípio da imutabilidade do nome e a possibilidade de sua relativização, com estudos de casos jurisprudenciais. O nome possui caráter fundamental de elemento individualizador na sociedade, como direito da personalidade, todos possuem a prerrogativa de serem identificados de forma única, ante ao princípio da dignidade da pessoa humana. O abandono afetivo por ente familiar fere diretamente este macro princípio constitucional, acarretando sentimentos de desvalorização e angústia. Dentro deste conflito o trabalho proposto analisa a possibilidade de nascimento da relativização da imutabilidade do nome, permitindo a supressão do patronímico para hipóteses além das legalmente previstas. Conclui-se que os casos de comprovado abandono afetivo por parte de um dos genitores têm guarida na jurisprudência para que seja possibilitada a exclusão do nome familiar, pois partilhar e ser identificado socialmente por um sobrenome que traga sentimos ruins ao portador fere de forma direta o princípio da dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Nome. Direito da personalidade. Abandono afetivo. Imutabilidade do nome. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 9 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO AO NOME ............................ 11 2.1 O NOME COMO DIREITO DA PERSONALIDADE ........................................... 11 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOME ................................................................ 13 2.3 NATUREZA JURÍDICA DO NOME .................................................................... 15 2.4 ASPECTO PÚBLICO E PRIVADO DO NOME .................................................. 16 2.5 DIREITO AO NOME E SUA FUNÇÃO INDIVIDUALIZADORA ......................... 17 2.5.1 Herança do nome de família ......................................................................... 19 2.5.2 Do sobrenome ............................................................................................... 20 2.6 LEI DE REGISTROS PÚBLICOS ...................................................................... 21 3 ABANDONO AFETIVO ....................................................................................... 25 3.1 CONCEITO DE ABANDONO AFETIVO ............................................................ 25 3.2 DO DIREITO AO CUIDADO NORMATIVAMENTE INSTITUIDO ...................... 29 3.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................. 32 3.2.2 Princípio da afetividade ................................................................................ 34 3.3 A CONCRETIZAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO ............................................ 36 4 A RELATIVIZAÇÃO DA IMUTABILIDADE DO NOME ....................................... 40 4.1 DA IMUTABILIDADE DO NOME ....................................................................... 40 4.2 A MODIFICAÇÃO DO SOBRENOME NO PRISMA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ........................................................................42 4.3 RELATIVIZAÇÃO DA IMUTABILIDADE DO SOBRENOME NO CASO DE ABANDONO AFEITVO ............................................................................................. 43 4.4 A POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO DO SOBRENOME MATERNO OU PATERNO NO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ........................................... 45 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 50 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 52 9 1 INTRODUÇÃO A possibilidade de modificação do assento civil com supressão do patronímico familiar é tema recorrente no sistema judiciário brasileiro, onde o requerente busca desvincular-se de uma herança familiar acometida de sentimentos ruins. O interesse de pesquisa pelo tema apresentado surgiu após análise de um caso em específico julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que trouxe novamente ao mundo midiático a problemática, juntamente com reflexão da alta recorrência de casos de abandono afetivo provenientes da ausência de paternidade responsável por conhecidos da pesquisadora. Reveste de importância o tema abordado em decorrência da impossibilidade de previamente saber os laços afetivos decorrentes da relação familiar, pois o sobrenome decorre de herança de família, sendo instituído logo após o nascimento de forma deliberada pelos genitores. Discorre a legislação de forma expressa algumas possibilidades de alterações ou exclusão do sobrenome, no entanto, o direito como matéria mutacional, que precisa acompanhar as evoluções sociais, pulsa por analisar situações específicas em que seja necessária a relativização de determinados preceitos. A necessidade do presente estudo advém da importância de discutir que o direito não deve ser estanque, sendo imprescindível que a norma se adeque aos casos concretos vivenciados no judiciário. Neste contexto, a problematização da pesquisa orbita na possibilidade da relativização do princípio da imutabilidade do nome com retirada do patronímico paterno ou materno em caso de indevido constrangimento decorrente de abandono afetivo. Para se alcançar o tema proposto, o trabalho foi dividido em cinco capítulos, sendo três de desenvolvimento. O segundo capítulo aborda as nuances de um dos direitos da personalidade, o direito ao nome, ressaltando a prerrogativa irrenunciável de cada pessoa a ter um nome que lhe permita ser diferenciada na sociedade, característica decorrente da sua função individualizadora, adentrando no nome de família, popularmente conhecido como sobrenome, capaz de indicar a procedência familiar de cada pessoa. Apresenta um breve apanhado histórico dos fatores sociais que foram 10 fundamentais para a concretização da necessidade de identificação, elencando os aspectos público e privado que permeiam o nome. Também são abordados no segundo capítulo, por meio de um breve compilado, aspectos primordiais proporcionados pela Lei de registros públicos e sua permissibilidade no que tange ao nome. Em continuação, no terceiro capítulo se estuda o abandono afetivo conceituado como a ausência de interesse dos genitores nos cuidados para com sua prole, ficando omissos no momento da criação e do sustento. Complementando o abandono, analisa-se o dever de cuidado instituído pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, fundados no princípio da dignidade da pessoa humana e no princípio da afetividade. A demonstração de concretização do abandono afetivo na pesquisa é feita por meio de estudo jurisprudencial de casos concretos, onde são descritos os elementos caracterizadores do abandono como melhor meio de elucidação. Após as explanações de dois temas que são alicerces para a problemática proposta, o quarto capítulo adentra na relativização da imutabilidade do nome, discorrendo sobre a modificação do sobrenome com base no princípio da dignidade da pessoa humana, servindo de suporte para o estudo da relativização da imutabilidade do sobrenome legalmente instituída em caso de abandono afetivo, passando a analisar o tema e esta possibilidade sob a ótica jurisprudencial. O princípio da imutabilidade do nome é abordado de acordo com o intuito da legislação em resguardar o real conhecimento de cada pessoa pelo nome dado desde o nascimento, priorizando a manutenção deste como meio de garantir segurança jurídica às relações. Trazendo breves ressalvas sobre a possibilidade de relativização do mesmo. No trabalho foi utilizando o método dedutivo, tendo como ponto de partida os temas gerais relacionados ao nome e ao abandono afetivo, unindo as duas questões e direcionando o enfoque para a possibilidade de relativização do princípio da imutabilidade do nome em decorrência do abandono afetivo, usando de alicerce entendimentos doutrinários e preceitos normativos instituídos, analisando a questão por meio de estudo jurisprudencial de casos verídicos. 11 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O DIREITO AO NOME No presente capítulo será abordado o nome com a breve apresentação de sua definição, a evolução histórica que rodeia o assunto, com uma explanação da natureza jurídica do nome, seu aspecto público e privado, sua importância como elemento individualizador, bem como a característica de se transpassar por meio de herança familiar o patronímico aos descendentes, acentuar-se no tema do sobrenome e discorrer sobre a Lei de Registros Públicos. 2.1 O NOME COMO DIREITO DA PERSONALIDADE O direito ao nome regulamentado pela legislação brasileira se engloba nos direitos ditos como direitos de personalidade, são atribuições próprias de cada indivíduo, segundo Nader (2018): Os direitos em epígrafe decorrem unicamente da condição humana e visam a proteger os atributos da personalidade. Não se confundem com os direitos humanos, mas deles se desprendem. Pode-se dizer que os direitos da personalidade constituem expressão do Direito Natural, porque são a- históricos, derivam da ordem natural das coisas e são revelados pela participação conjunta da razão e experiência. Por isto mesmo não expressam uma nacionalidade, mas um elemento humano do Direito. Na concepção de Tartuce (2020) os direitos da personalidade se baseiam e tem condão de resguardar características pessoais de cada indivíduo, abarcando a esfera física e moral, prolongando a proteção durante toda a vida do portador, até o momento de sua morte. Neste rol de direitos, se ressalta a sua característica de direito inato, isto é, inerente ao próprio indivíduo em virtude do simples fato de existir, surgem com a existência humana, porém são conhecidos e protegidos no ordenamento jurídico. (BRANDELLI, 2012, p. 48) Os direitos da personalidade encontram respaldo no princípio de proteção à dignidade da pessoa humana, deste modo, inúmeros são seus direitos decorrentes, Donizetti (2020) menciona que “No rol dos direitos da personalidade incluíram-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à imagem, ao nome etc. Todos com um único objetivo comum: garantir ao ser humano a realização plena da sua condição de pessoa.” 12 Introduzido os direitos da personalidade, o nome possui como principal escopo a individualização de cada indivíduo, garantindo resguardo para fins de tutela no mundo jurídico evitando confusões nas esferas privadas, e prevenindo utilizações indevidas. Entende Venosa (2021) que o nome se consagra como um dos direitos da personalidade mais importantes, além de mencionar “A importância do nome para a pessoa natural situa-se no mesmo plano de seu estado, de sua capacidade civil e dos demais direitos inerentes à personalidade.” Deste modo, todo indivíduo carece de identificação no meio social, nas palavras de Lôbo (2021) “O direito à identidade pessoal significa o direito a ser identificado por símbolose signos, principalmente o de ter nome. Além de direito, o registro civil é imposição legal e a pessoa tem o dever de portar o nome, no interesse da sociedade.” A importância do nome transcende a esfera pessoal de identificação, no meio social se faz necessário individualizar cada membro para a segurança das relações jurídicas, sendo que hoje o nome se aplica em seu sentido mais amplo, ou seja, compreende o nome e sobrenome. (GONÇALVES, 2020, p. 156). Para Monteiro e Pinto (2016, p. 125) “em todos os acontecimentos da vida individual, familiar e social, em todos os atos jurídicos, em todos os momentos, o homem tem de apresentar-se com o nome que lhe foi atribuído e com que foi registrado.” A relevância com tal direito restou ainda mais nítida com a regulamentação dada pelo Código Civil especificamente em seu artigo 16 “Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.” (BRASIL, 2002). Nessa perspectiva, a importância ao nome e os efeitos trazidos com ele se alastrou para além da pessoa física, destaca Monteiro e Pinto (2016, p. 126): [...]serve para individualizá-lo não só durante a vida como após a morte. Tão notória é sua respectiva utilidade que seu uso se estendeu às firmas comerciais, às coletividades, aos navios, locomotivas e aviões, às cidades, ruas e logradouros públicos, aos animais, aos produtos agrícolas e até aos furacões; mesmo edificações são conhecidas pelo nome que lhes é dado. Para Nader (2018) “A utilização do nome, palavra ou imagem da pessoa não pode ser objeto de divulgação por qualquer meio, sem a devida autorização e 13 sempre que nociva à honra, boa fama, respeitabilidade ou se destinarem a fins comerciais.” O Código Civil restou por regulamentar tal prerrogativa em seu artigo 17, a fim de garantir ao nome ainda mais proteção quando dispõe que “O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.” (BRASIL, 2002). Assim, a divulgação do nome alheio como meio arrecadatório em propagandas veiculadas nos meios de comunicação sem a autorização de seu detentor foi rechaçada, inclusive independentemente de prova do prejuízo causado pela publicação, conforme a súmula 403 do STJ. Desta maneira o direito ao nome deve ser amplamente protegido, visto que ninguém pode utilizar-se do nome alheio em virtude de seu efeito erga omnes, que permite ao portador se defender de qualquer ofensa ocorrida. (AMARAL, 2018, p. 380). Sabiamente Brandelli (2012, p. 34) descreve que o nome “É direito fundamental, e da mais alta relevância, porque permite, ou ao menos facilita, garantir o respeito aos demais direitos da pessoa, imputar-lhe deveres, tutelar-lhe se hipossuficiente, uma vez que possibilita a individuação humana[...]”. O nome elencado nos direitos da personalidade desempenha papel importante quanto a identificação na sociedade, permitindo maior segurança jurídica, motivo pelo qual guarnece de maior respaldo e proteção contra uso indevido. 2.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO NOME A existência e importância do nome como meio de identificação marca origem deste a época dos gregos, onde cada indivíduo dispunha de nome próprio, porém não havia transpasse do nome familiar. Sobre o assunto, ensina Venosa (2021) que “Posteriormente, com a maior complexidade das sociedades, passaram a deter três nomes, desde que pertencessem a família antiga e regularmente constituída: um era o nome particular, outro o nome do pai e o terceiro o nome de toda a gens.” 14 Em Roma o nome era composto por dois elementos, o primeiro usado por membros do mesmo grupo familiar chamado de gentílico1, e o segundo era o prenome, comumente elencado como nome próprio. Com as grandes conquistas romanas, diversas civilizações passaram a utilizar o mesmo padrão de identificação, no entanto, os povos bárbaros tiveram seus nomes substituídos pelos constantes no calendário cristão, isto gerou uma grande confusão de identificação, em virtude da grande quantidade de nomes idênticos. (MONTEIRO E PINTO, 2016 p. 126). A saída para tal entrave, segundo Monteiro e Pinto (2016, p.126 - 127) “Para distingui-las, recorreu-se ao emprego de um sobrenome, ora tirado de qualidade ou sinal pessoal (Bravo, valente, Branco), ora da profissão (monteiro), ora do lugar do nascimento (Portugal), ora de algum animal, planta ou objeto (Coelho, Carvalho, leite).” No decorrer dos séculos, em que pese o nome sempre estar atrelado aos indivíduos, não houve regulamentação legal expressa, isto pelo fato de que por muito tempo preocupou-se somente com direitos individualizados, como a propriedade. Com o afloramento das classes desfavorecidas em virtude da Revolução Francesa os direitos voltados para a dignidade da pessoa humana tomaram pauta, Brandelli (2012, p. 50) destaca: Da concepção patrimonialista que imperava no século XIX, fruto do individualismo da época, o qual empurrava para o topo do ordenamento civilista o contrato e a propriedade, passou-se para uma concepção personalista, que adotou como valor primeiro o ser humano. O direcionamento do direito voltado para o ser humano tornou necessário legislar sobre o tema, a fim de resguardar a criação de prerrogativas, o primeiro passo ocorreu com a Constituição da República Federativa do Brasil ao trazer em seu artigo 1º, inciso III, a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988), intimamente ligada ao direito do nome, que posteriormente foi regulamentado pelo Código Civil, artigos 16 ao 19. (BRASIL, 2002). Complementa a esses acontecimentos dizer que “O direito ao nome é uma concreção da dignidade da pessoa humana e do direito ao livre desenvolvimento da 1 “Define a nacionalidade, o lugar de origem(nascimento) do sujeito.” (DICIONÁRIO INFORMAL, 2013). 15 personalidade, e a negação ao direito ao nome do interessado constitui uma violação da sua dignidade.” (AGUADO 1998 apud Brandelli, 2012 p. 58). Denota-se que o direito, como uma matéria inesgotável, o longo do tempo sofre transformações e observa os temas pulsantes e necessários do meio social para legislar e regulamentar. 2.3 NATUREZA JURÍDICA DO NOME Dispõe o direito ao nome de cinco teorias para explicar sua natureza jurídica: “a) a da propriedade; b) a da propriedade suigeneris; c) a negativista; d) a do sinal distintivo revelador da personalidade; e e) a do direito da personalidade.” (GONÇALVES, 2021). O direito ao nome como propriedade parte do princípio de que o nome nada mais é do que uma propriedade, que pode ser familiar no caso do patronímico, ou pessoal quando se fala do prenome. (GOMES, 2019). Em contrapartida entende Monteiro e Pinto (2016, p. 126) que tal conceito não se aplica, já que “a propriedade comum é alienável, prescritível, patrimonial e exclusiva tais caracteres são estranhos ao nome.” Entende Brandelli (2012, p. 39) que a natureza jurídica do nome voltada para a propriedade advém da época em que tal corrente tomou proporção, tratava-se do século XIX onde os direitos eram voltados especificamente para o individualismo. Há quem diga que o nome possui natureza de propriedade sui generis2, como elenca Colin (1934 apud Venosa, 2021) “Outros veem no nome um direito sui generis, como uma instituição de polícia civil, justificada pela necessidade de identificar os indivíduos [...]”. Do ponto de vista negativista o direito ao nome não existe, Brandelli (2012, 38) menciona “Defendia Clóvis a tese de que não consistia o nome num direito, mas, sim, em tão só́ um modo de designar a pessoa, que não podia ter exclusivismo em relação às demais pessoas nem tampouco proteção jurídica.” Na linha de entendimento do nome como sinal distinto e revelador da personalidade elenca Monteiro e Pinto (2016, p. 126) “para outros ainda, é sinal2 “Sui generis significa literalmente "de seu próprio gênero", ou seja, "único em seu gênero".” (DICIONÁRIO INFORMAL, 2008). 16 distintivo revelador da personalidade. Desse sentir é Josserand, a cujo entendimento nos filiamos, e que veio a ser consagrado no Código Civil de 2002.” No entanto, a maioria dos estudiosos entende que “O nome representa, sem dúvida, um direito inerente à pessoa humana e constitui, portanto, um direito da personalidade. Desse modo é tratado no Código de 2002, que inovou, dedicando um capítulo próprio aos direitos da personalidade [...]”. (GONÇALVES, 2020 p. 160). O direito ao nome, ligado aos direitos da personalidade, apresenta-se como uma prerrogativa subjetiva, inerente a cada indivíduo. Nessa linha, Nader (2018) elenca: Os direitos da personalidade são intransmissíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e, conforme análise supra, absolutos. Porque defluem diretamente da personalidade, isto é, do modo de ser próprio da pessoa, algo relacionado à sua natureza, não há como alterar o polo ativo das relações jurídicas quando o objeto é um bem que integra a personalidade. No mesmo viés se complementa, portanto, o nome é um atributo da personalidade, trata-se de um direito que visa proteger a própria identidade da pessoa, com o atributo da não patrimonialidade. (VENOSA, 2021). A maior parte da doutrina entende a natureza jurídica do nome como um direito da personalidade, pertencente ao portador e inerente a sua condição humana. 2.4 ASPECTO PÚBLICO E PRIVADO DO NOME O nome além de sua função individualizadora possui aspectos perante o mundo jurídico que podem ser denominados de público e privado, decorrem da necessidade de identificação pessoal e da possibilidade de tutelar contra outrem em virtude de irregularidades com o uso do nome alheio. Neste sentido, leciona Brandelli (2012, p. 37): Ao longo da evolução jurídica, inúmeras foram as teorias insculpidas pelos doutrinadores alienígenas e pátrios com o intuito de dirimir a tormentosa questão da natureza jurídica do direito ao nome, pautando-se ora no aspecto público do nome, com vistas à necessidade imperiosa de que todos os entes sociais estejam particularizados e distinguidos dos demais, ora no aspecto privatístico do aludido direito, com a atenção voltada ao direito de cada um em ver-se individualizado e fazer uso exclusivo de seu signo identificador. 17 Dentre as linhas de pensamento mencionadas, a necessidade do nome como elemento de individualização advém de imposição do Estado, onde o “aspecto público decorre do fato de o Estado ter interesse em que as pessoas sejam perfeita e corretamente identificadas na sociedade pelo nome, e, por essa razão, disciplina o seu uso na Lei dos Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) [...]”. (GONÇALVES, 2020, p. 157). De outro giro, na seara do aspecto privado o nome surge “[...]como direito fundamental garantido ao possuidor do nome, podendo ele defender-se em caso de uso inapropriado por meio das ações de retificação ou contestação permitidas em direito.” (GONÇALVES, 2020). Na esfera do nome como direito público se ressalta a necessidade do Estado na identificação de cada indivíduo, ocasionando maior segurança jurídica. Já pelo lado do nome como direito privado se destaca a possibilidade de tutelar judicialmente contra violações perpetradas por terceiro. (VENOSA, 2021). Nestas características, o nome em seu aspecto público permite individualizar cada indivíduo socialmente, permitindo o resguardo jurisdicional do nome por meio do aspecto privado que guarnece o mesmo. 2.5 DIREITO AO NOME E SUA FUNÇÃO INDIVIDUALIZADORA Cada pessoa se individualiza perante a sociedade diante de três premissas “A identificação da pessoa se dá pelo nome, que a individualiza; pelo estado, que define a sua posição na sociedade política e na família, como indivíduo; e pelo domicílio, que é o lugar de sua atividade social.” Gomes (1971 p.139 apud DINIZ 2012 p. 226). Passada a questão do nome como direito e obrigação imposta, entra-se na seara do nome com sua função de individualizar cada indivíduo no meio social, com sábias palavras Brandelli (2012, p. 45) explica “O nome é elemento identificador da personalidade da pessoa, posto que, com o pronunciar daquele, vem jungida toda a carga de direitos e obrigações que compõem esta.” Complementa o raciocínio ao descrever que “o nome contempla uma conotação de direito público, segundo a qual todas as pessoas têm o dever de adotar um nome, estabelecendo-se a partir dele um sistema de individualização”. (BRANDELLI, 2012, p. 37). É o modo como a pessoa é conhecida em seu meio social, 18 por ele se constitui seu assentamento no registro civil, a pessoa é individualizada e, ao mesmo tempo, se distingue e não se confunde com as demais pessoas da família e da sociedade. No mundo jurídico o nome desenvolve papel essencial ao permitir que os encargos advindos com pactos feitos por determinada pessoa recaem somente sobre ela, Gonçalves (2021) entende que: É essencial que os sujeitos dessas diversas relações sejam individualizados, perfeitamente identificados, como titulares de direitos e deveres na ordem civil. Essa identificação interessa não só a eles, mas também ao Estado e a terceiros, para maior segurança dos negócios e da convivência familiar e social. Destaca Gentil (2019) quanto a questão do nome como meio individualizador que “É o modo como a pessoa é conhecida em seu meio social, por ele se constitui seu assentamento no registro civil, a pessoa é individualizada e, ao mesmo tempo, se distingue e não se confunde com as demais pessoas da família e da sociedade.” A segurança jurídica proporcionada por meio da identificação diminui a possibilidade de existência de fraudes e cobranças indevidas. Outro ponto levantado quanto a questão do nome como meio de individualização recai sobre a possibilidade de reconhecer o indivíduo também por sua procedência familiar, ocorrida em decorrência do sobrenome. Assim, “De modo geral, pode ser dito que o nome designativo do indivíduo é seu fator de individualização na sociedade, integrando sua personalidade e indicando, de maneira geral, sua procedência familiar.” (VENOSA, 2021). A função individualizadora acompanha o nome no mundo das relações jurídicas, assim como no momento de identificação em decorrência da herança familiar. Certo é que o nome e seus efeitos acompanham o indivíduo durante toda sua vida, podendo inclusive permanecer após a morte em casos de pessoas com conduta notória. (VENOSA, 2021). O nome possui papel primordial na individualização, permitindo que cada indivíduo seja identificado durante sua vida de forma única, pelo nome recebido quando do registro civil. 19 Além disto, possibilita o conhecimento da procedência familiar em virtude do sobrenome perpassado de geração em geração, matéria que será melhor analisada no tópico abaixo. 2.5.1 Herança do nome de família Logo após o momento do nascimento o Estado exige a identificação por meio de certidão de nascimento lavrada em cartório, assim, em sua maioria os indivíduos dispõem de um nome o qual não tiveram a opção de escolher. Menciona Venosa (2021) que “Ao nascermos, ganhamos um nome que não tivemos a oportunidade de escolher. Conservaremos esse nome, em princípio por toda a vida, como marca distintiva na sociedade, como algo que nos rotula no meio em que vivemos, até a morte.” Compreende-se que a expressão nome é usada em seu sentido amplo, pois dois elementos são caracterizadores do nome, sendo eles o prenome e o sobrenome. Diniz (2012, p. 229) destaca que a regra geral surge da composição do nome com dois elementos, sendo o primeiro deles o prenome decorrente do próprio nome da pessoa, e o sobrenome, também conhecido como nome familiar. Em sua maioria o prenome é escolhido pelos pais nomomento do nascimento. Por sua vez, o sobrenome caracteriza-se uma herança familiar, passada aos descendentes, desta forma “As pessoas já nascem com o apelido familiar herdado dos pais, não sendo, pois, escolhido por estes, como ocorre com o prenome. Adquirem-no, assim, com o nascimento.” (GONÇALVES, 2021, p. 162). Do ponto de vista de Diniz (2012, p. 232) “Os apelidos de família são adquiridos ipso iure3, com o simples fato do nascimento, pois a sua inscrição no Registro competente tem caráter puramente declaratório.” Existem casos excepcionais em que o transpasse do nome familiar se dará em momento posterior ao nascimento, Diniz (2012, p. 233) descreve que: [...] a aquisição do sobrenome pode decorrer também de ato jurídico, como adoção, casamento, por parentesco de afinidade em linha reta (art. 57, § 8fl, da Lei n. 6.015/73, acrescentado pela Lei n. 11.924/2009) ou por ato de interessado, mediante requerimento ao magistrado. 3 “Em razão do próprio direito, sem intervenção da parte.” (DICIONÁRIO INFORMAL, 2016). 20 Para Brandelli (2012, p. 34) a herança familiar ao sobrenome, no entanto, não impõe o uso de todos os patronímicos familiares sejam usados, é facultado a escolha do sobrenome familiar o qual se deseja registrar. A necessidade de designação do sobrenome restou abarcada pelo legislador que elencou no artigo 55, da Lei 6.015/73 a maneira de escolha do patronímico a ser usado “Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato.” (BRASIL, 1973). O nome, assim como o sobrenome, possui característica de herança familiar, sendo que os ascendentes fazem a escolha da identificação do indivíduo de forma unilateral no momento do registro de nascimento. Ambos serão carregados e surtirão efeitos por toda a vida do adquirente, salvo nos casos específicos em que a lei permite a retificação do registro civil por meio de via própria, ou em casos excepcionais trazidos pela jurisprudência pátria, como se verá em tópico oportuno. 2.5.2 Do sobrenome O uso do sobrenome surge da necessidade de identificação familiar, deriva da herança familiar de cada indivíduo em decorrência do repasse do sobrenome aos descendentes. Dar-se ênfase às palavras “Enquanto o prenome é a designação do indivíduo, o sobrenome é o característico de sua família, transmissível por sucessão.” (GONÇALVES, 2020, p. 162) Cabe elencar que o sobrenome nas palavras de Monteiro e Pinto (2016, p. 129): É o sinal revelador da procedência da pessoa e serve para indicar sua filiação, sua estirpe. [...] Pode ser simples (re- bouças, Carvalho) ou composto (Paes de Barros). Pode provir de sobrenome paterno ou materno, e também da fusão de ambos.” Notório o conhecimento de que “no sistema em vigor, o nome da pessoa compõe-se de um prenome e do respectivo apelido de família.” (MONTEIRO E PINTO, 2016 p. 128). Além da importância do nome no que se refere à herança familiar, sua importância como elemento de identificação há que ser ressaltada, somente o 21 prenome não seria suficiente como meio de identificação em uma sociedade com milhares de pessoas. Venosa (2021) destaca: Cremos que o critério a ser seguido no estudo do nome deva ser sob o ponto de vista legal: para nosso legislador, é essencial a existência de um prenome, que vulgarmente denominamos primeiro nome ou nome de batismo, e um nome, vulgarmente chamado sobrenome. A importância do sobrenome foi englobada pela lei 6.015/73, em seu artigo 56 que dispõe “O interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderá, pessoalmente ou por procurador bastante, alterar o nome, desde que não prejudique os apelidos de família, averbando-se a alteração que será publicada pela imprensa.” (BRASIL, 1973). Neste cenário, a possibilidade de alteração na via judicial se estende ao prenome, sendo que o sobrenome familiar guarnece de uma proteção mais rígida no que tangue a alteração. Diniz (2012, p. 230) descreve que “O sobrenome é o sinal que identifica a procedência da pessoa, indicando sua filiação ou estirpe, sendo, por isso, imutável, podendo advir do apelido de família paterno, materno ou de ambos.” O sobrenome liga os genitores aos seus descendentes por meio do transpasse do nome familiar, além de permitir uma ideal individualização social, uma resguardando as pessoas com milhares de prenomes idênticos, motivo pelo qual guarnece de maior cuidado legislacional. 2.6 LEI DE REGISTROS PÚBLICOS A regulamentação do nome restou abarcada pelo código civil em seus artigos 16 a 19 (BRASIL. 2002), porém anteriormente a Lei 6.015 de 1973 já regulamentava algumas questões relacionadas ao nome, sua alteração e registro. Ressalva a lei a importância do registro logo após o nascimento, como meio de identificação, Alvim Neto, Clápis e Cambler (2019) mencionam que “Do registro decorrem importantíssimas relações de direitos concernentes à filiação, à sucessão, à organização política do Estado e à sua própria segurança interna e externa, e tem nele uma fonte da estatística de sua população.” Adentrando ao nome, elenca o artigo 56 da referida lei a possibilidade de alteração do prenome no primeiro ano após atingida a maioridade, desde que não 22 prejudique o sobrenome familiar (BRASIL, 1973). Em complementação, o artigo 57 da lei 6.015/73 dispõe algumas possibilidades de alteração do nome: Art. 57. A alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese do art. 110 desta Lei. § 1º Poderá, também, ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional. § 2º A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patronímico de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambas. § 3º O juiz competente somente processará o pedido, se tiver expressa concordância do companheiro, e seda vida em comum houverem decorrido, no mínimo, 5 (cinco) anos ou existirem filhos da união. § 4º O pedido de averbação só terá curso, quando desquitado o companheiro, se a ex-esposa houver sido condenada ou tiver renunciado ao uso dos apelidos do marido, ainda que dele receba pensão alimentícia. § 5º O aditamento regulado nesta Lei será cancelado a requerimento de uma das partes, ouvida a outra. § 6º Tanto o aditamento quanto o cancelamento da averbação previstos neste artigo serão processados em segredo de justiça. § 7o Quando a alteração de nome for concedida em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com a apuração de crime, o juiz competente determinará que haja a averbação no registro de origem de menção da existência de sentença concessiva da alteração, sem a averbação do nome alterado, que somente poderá ser procedida mediante determinação posterior, que levará em consideração a cessação da coação ou ameaça que deu causa à alteração. § 8o O enteado ou a enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2o e 7o deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, semprejuízo de seus apelidos de família. Para maior celeridade, o artigo 110 da lei 6.015/73, conforme mencionado no caput do artigo 57, possibilita que o oficial corrija por meio de requerimento da parte ou por vontade própria eventuais erros e incorreções decorrentes do momento do registro, sem que seja necessária a intervenção do juiz ou do Ministério Público. (BRASIL, 1973). 23 As hipóteses regulamentadas em lei encontram ressalva de alteração no artigo 58 da lei 6.015/73 que menciona: “O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios.” (BRASIL, 1973). Ainda, o mesmo artigo relativiza a alteração do nome em casos de proteção a pessoa em colaboração com a conclusão de crime. Quanto às possibilidades de alteração, menciona Gonçalves (2020, p. 165) que “[...] o prenome oficial tanto pode ser substituído, conforme o caso, por apelido popular, na forma dos exemplos citados e de acordo com a lei, como por outro prenome, pelo qual a pessoa é conhecida no meio social em que vive [...]”. No mesmo viés Monteiro e Pinto (2016, p. 130) descrevem a possibilidade de quebra da regra da inalterabilidade do prenome ao substituí-lo por apelido notório, porém essa expressão deve ser amplamente conhecida pela sociedade como meio de identificação do indivíduo. Complementa Schmidt e Chemin (2017) que “Caso a alteração do prenome por apelido notório tenha a real intenção de identificar o indivíduo, sendo ele conhecido publicamente pelo seu apelido, nada o impede de solicitar a mudança no seu registro civil.” A possibilidade de alteração trazida pela lei obedece a procedimentos próprios para modificação e alteração do nome, os quais estão dispostos nos artigos 109 a 113 da lei 6.015/73. (BRASIL, 1973). Dentre as perspectivas de retificação, deve-se observar a legitimidade para requerer o assentamento do Registro Civil, elencados segundo Alvim Neto, Clápis e Cambler (2019): Estão legitimados a propor o presente procedimento aqueles cujo estado civil, por qualquer de seus atributos, seja objeto do registro, averbação ou anotação, assim como todos os que possuam e demonstrem legítimo interesse jurídico na retificação, tais como os parentes, ascendentes, descendentes e colaterais, assim como cônjuges, tutores, curadores, guardiães, herdeiros e titulares de interesses obrigacionais e reais. Duas são as maneiras de requerimento de retificação, podendo ocorrer por meio judicial meio de autorização judicial, ou então extrajudicial, quando o responsável será o Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais, estando vinculado as hipóteses elencadas pelo artigo 110. 24 No caso, a Lei de Registro Públicos trouxe uma importante regulamentação para as questões relativas à modificação do nome em decorrência do preenchimento de determinados requisitos, abrindo espaço no mundo jurídico a uma relativização legal do princípio da imutabilidade do nome. 25 3 ABANDONO AFETIVO O tópico a ser discorrido apresentará o conceito de abandono afetivo, elencando o direito ao cuidado instituído legalmente, abarcando o princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do desenvolvimento pessoal com ausência de uma das figuras paternas, trazendo o princípio da afetividade idealizado doutrinariamente, utilizando de casos concretizados na jurisprudência nacional como meio de exemplificação prática do abandono afetivo. 3.1 CONCEITO DE ABANDONO AFETIVO Cabe a lei instituir deveres de cuidado aos pais para com sua prole, no entanto, no âmbito mundo sentimental a tutela jurisdicional não possui eficácia, nesta linha de pensamento elenca Monteiro e Silva (2016, p. 445) “[...] amar não é dever e receber afeto não é um direito. [...]”. Na direção de pensamento de Madaleno e Barbosa (2015, p. 403) “Qualquer pessoa, qualquer criança, para se estruturar como sujeito e ter um desenvolvimento saudável necessita de alimentos para o corpo e para a alma. O alimento imprescindível para a alma é o amor, o afeto.” Partilha deste entendimento Pereira (2021) ao se posicionar no sentido de que “Não se pode obrigar ninguém a amar outrem, mas a relação parental está para além do sentimento, exige compromisso, responsabilidade, e por isso é fonte de obrigação jurídica.” Dimensiona Lomeu (2009) a importância do mundo sentimental, pois “É através do afeto que se constroem as relações interpessoais formadoras da família, motivo pelo qual merece maior atenção da área jurídica, devendo, assim, a base da sociedade ser centrada na dignidade da pessoa humana.” A presença dos laços afetivos familiares agrega positivamente na formação das crianças e dos adolescentes, Pereira (2021) destaca os reflexos de uma convivência familiar munida por afeto: Qualquer pessoa, qualquer criança, para estruturar-se como sujeito e ter um desenvolvimento saudável necessita de alimentos para o corpo e para a alma. O alimento imprescindível para a alma é o amor, o afeto, no sentido de cuidado, conduta. Ao agir em conformidade com a sua função, está-se 26 objetivando o afeto e tirando-o do campo da subjetividade apenas. Nessas situações, é possível até presumir a presença do sentimento de afeto. A base familiar se pauta na existência de amor e no partilhamento do afeto, na ausência de laços afetivos nasce a figura do abandono parental, ou abandono afetivo. Menciona Pereira (2021) sobre o tema que “Abandono afetivo é a expressão usada pelo Direito de Família para designar o abandono de quem tem a responsabilidade e o dever de cuidado para com um outro parente.” Neste viés “O abandono parental deve ser entendido como lesão a um interesse jurídico tutelado, extrapatrimonial, causado por omissão do pai ou da mãe no cumprimento do exercício e das funções parentais.” (MADALENO E BARBOSA, 2015, p 403). Sobressai que “Esse abandono traduz a desídia dos pais para com o filho. A negligência representa o oposto da verdadeira função da autoridade parental.” (TEPEDINO E TEIXEIRA, 2020). No sentido das palavras de Madaleno e Barbosa (2015, p. 71) o abandono afetivo se concretiza com o descaso por parte do genitor ou genitora em relação a sua prole, não proporcionando gestos de cunho sentimental, como o afeto. A figura familiar pulsa por comprometimento, já que a “[...]paternidade e maternidade são funções exercidas, voltadas à segurança, à proteção, ao acolhimento, podendo ser encontrada nas famílias, entre os entes queridos, com os quais nos relacionamos desde o início de nossa existência.” (MADALENO E BARBOSA, 2015, p. 401). Venosa (2021) complementa ao delinear a impossibilidade dos pais em renunciarem a família por exclusivo ato de vontade unilateral. O poder familiar se caracteriza como uma condição primordial entre os participes. A compreensão dos filhos resta comprometida em relação a dos adultos, motivo pelo qual se torna dificultoso o entendimento e processamento, por parte das crianças e dos adolescentes, da razão pela qual a ausência afetiva ocorre, principalmente no que tange a datas consideradas comemorativas e especiais. (MADALENO, 2021). Pulsante a responsabilidade dos pais no desenvolvimento dos filhos, munindo a criação com gestos afetivos que passem para a criança ou o adolescente um sentimento de segurança. 27 Para Madaleno e Barbosa (2015, p. 401) os laços consanguíneos não são considerados suficientes para que se considere a relação paternal hígida, existem relações que somente são fortalecidas com o convívio diário, alicerçadas com o companheirismo e amor. O simples fato de os genitores arcarem com determinados custos pecuniários não satisfaz a lacuna afetiva criada na relação parental, destaca Luz (2009, p. 42) a figura do abandono afetivo nos casos de pais que se separam e não nutrem o vínculo emocional com seus filhos, participando somente como financiadoresda criação. Alerta Azevedo (2018) “Assim, não basta o pagamento regular de pensão alimentícia, mas é preciso que existam cuidados pessoais com os filhos pensionados, como um dever inafastável decorrente da paternidade ou da maternidade.” Madaleno (2021) partilha do pensamento de que o exercício de visitas visto apenas como faculdade de ter os filhos sob companhia temporária, por parte dos pais, somente fez aumentar os casos de abandono afetivo, ante a ausência de responsabilidade quanto à criação e partilha de um vínculo sadio. Neste ponto de vista as visitas “vinculam muito mais ao direito dos filhos do que ao direito dos pais, pois para o filho em formação é de extrema importância a coexistência sadia com seus genitores, mola mestra e propulsora da sua rígida formação moral e psíquica”. (MADALENO, 2021) No seio de tal problemática, Madaleno e Barbosa (2015, p. 400) afirmam a necessidade de que a paternidade seja responsável, no prisma de se tornar um problema social nos casos de descuido: O princípio da paternidade responsável interessa não apenas às relações inter-privadas, mas também ao Estado, na medida em que a irresponsabilidade parental, somada às questões econômicas, tem gerado milhares de crianças de rua e na rua. Portanto, é um princípio que se reveste também de caráter político e social da maior importância. Se os pais não abandonassem seus filhos, ou, se exercessem uma paternidade responsável, certamente o índice de criminalidade seria menor, não haveria tanta gravidez na adolescência, drogadição etc. Pereira (2021) engrandece o pensamento ao mencionar a problematização do abandono afetivo na seara da política pública social em virtude da grande quantidade de crianças em situação de desamparo por irresponsabilidade paternal. A ausência de observância e acatamento às normas jurídicas e de cumprimento da 28 responsabilidade afetiva explica, em grande parte, o elevado número as crianças e adolescentes que se encontram em desestruturação familiar, com traumas e desvios éticos que serão levados por toda a vida. Diante dos possíveis resquícios do abandono afetivo na vida do filho desamparado, Madaleno (2021) bem descreve, com zelo, o pensar íntimo do filho renegado: Contudo, ao filho choca ter transitado pela vida, em tempo mais curto ou mais longo, sem a devida e necessária participação do pai em sua história pessoal e na sua formação moral e psíquica, desconsiderando o descendente no âmbito de suas relações, causando-lhe irrecuperáveis prejuízos, que ficarão indelevelmente marcados por toda a existência do descendente socialmente execrado pelo genitor, suscitando insegurança, sobressaltos e um profundo sentimento de insuperável rejeição [...] Mandelo e Barbosa (2015, p. 401) ressalta a importância da paternidade responsável, onde os genitores arcam com a responsabilidade e o dever de criação, possibilitando uma convivência familiar, uma vez que “A paternidade é mais que fundamental para cada um de nós. Ela é fundante do sujeito. A estruturação psíquica dos sujeitos se faz e se determina a partir da relação que ele tem com seus pais.” Complementa-se o entendimento ao delinear que “Têm os pais o dever de se esforçar para o desenvolvimento de todas as faculdades físicas, morais e intelectuais de seus filhos, de modo a que logrem alcançar com o auxílio dos genitores a plenitude de sua formação[...]”. (MADALENO, 2021). Nesta situação “Cabe aos pais, primordialmente, dirigir a criação e educação dos filhos, para proporcionar-lhes a sobrevivência. Compete aos pais tornar seus filhos úteis à sociedade. A atitude dos pais é fundamental para a formação da criança.” (VENOSA, 2021). A própria legislação cuidou de abarcar os deveres igualitários entre os genitores, que ultrapassam a esfera do mero dever. Conforme o artigo 1.634 do Código Civil o exercício do dever de família abrange a criação, educação e guarda. (BRASIL, 2002). Nesta linha de pensamento “o “abandono afetivo” nada mais é que inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade, estabelecidos na Constituição e na legislação ordinária.” (LÔBO, 2017, p. 313). De relevante destaque é o assunto do abandono afetivo que emerge a possibilidade de sua responsabilização civil, “[...] os filhos têm o direito de ter a 29 companhia do genitor, cuja violação, se reiterada e injustificada, ao causar danos, pode gerar a aplicação dos princípios da responsabilidade civil[...]”. (MONTEIRO E SILVA, 2016, p. 445). No mesmo sentido Madaleno e Barbosa (2015, p. 399) mencionam que tão relevante é a gravidade do abandono afetivo perpetrado pelos genitores que se torna possível a responsabilização civil destes em virtude a ausência do cumprimento de seus deveres legais instituídos para com seus filhos, buscando uma maior proteção aos sujeitos considerados vulneráveis. Conforme será apresentado, o legislador com a melhor das intenções escreve o texto normativo, porém, existem atos e manifestações de vontade que somente derivam do querer pessoal. A convivência se torna uma delas, em que pese a sua estipulação legal, ninguém pode ser obrigado a criar laços de afeto indesejados. 3.2 DO DIREITO AO CUIDADO NORMATIVAMENTE INSTITUIDO Assegura o texto constitucional a livre estruturação familiar, partindo da premissa de que a família é a base da sociedade, porém, está prerrogativa se limita a necessidade de atendimento do melhor interesse da criança, do adolescente e do jovem por meio da paternidade responsável, o artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 literalmente dispõe o que se espera do genitor diante de sua prole: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988). Há muito tempo se vincula aos pais o dever de criação e educação dos filhos, com relatos de que o direito germânico foi um precursor, para a época, do poder paterno ligado não somente ao domínio, mas também com contraprestações para com os filhos. (PEREIRA, 2020, p. 516). Segundo Nader (2015) “No mundo civilizado, o poder familiar se estrutura em princípios e regras que visam à efetiva proteção dos filhos, permitindo-lhes o pleno desenvolvimento de suas potencialidades físicas, mentais, culturais, afetivas.” 30 Neste pensar Pereira (2020, p. 519) alerta para o desenvolvimento da sociedade, uma vez que “Estamos diante de uma nova estrutura familiar marcada essencialmente pelas responsabilidades dos pais pelos filhos, pessoas em condições peculiares de desenvolvimento.” O poder familiar, por meio do amparo constitucional e das evoluções sociais, deixou a figura de poder autoritário, onde os considerados chefes de família dispunham dos filhos como bem entendessem, se tornando um poder/dever, pois os pais foram incumbidos de uma série de obrigações. O fato de ter um filho vem acompanhado de diversas responsabilidades e deveres de cunho legal e sentimental, ocorrendo uma violação aos direitos da criança e do adolescente quando da inobservância de tais imposições. (MADALENO E BARBOSA, 2015, p. 79). Venosa (2021) menciona com zelo “o poder paternal, termo que também se adapta a ambos os pais, enfeixa um conjunto de deveres com relação aos filhos que muito se acentuam quando a doutrina conceitua o instituto como um pátrio dever.” Para Nader (2015) as obrigações paternais são instintos naturais dos seres humanos, servindo a lei apenas de orientação em casos pontuais: A natureza dotou os seres humanos de sentimento, propiciando-lhes umquadro psicológico onde há lugar para os elos de afetividade. A proteção aos filhos é uma tendência natural, espontânea. Como regra geral, a lei exerce função complementar, orientando os pais, seja quando lhes falte discernimento, seja quando ocorre dissídio na relação do casal. A proteção não é um dever que dimana da lei, mas diretamente da moral, e a sua observância é fato instintivo na escala animal; na espécie humana ganha dimensão maior, porque a carência dos filhos no conjunto não diz respeito apenas às necessidades de sobrevivência e afeto, também às de formação, educação, apoio, aconselhamento, cultura, encaminhamento na vida social. As decisões dos genitores guarnecem de especial análise, buscando atender ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, até o momento em que os próprios consigam se autogerir. Elenca Madaleno e Barbosa (2015, p. 402) que “O Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente, por si só́, deveria ser o suficiente para que o ordenamento jurídico brasileiro garantisse o convívio do(s) filhos(s) com ambos os pais e a assistência de ordem não material aos filhos.” 31 Contudo, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi além de implementou de forme normativa o dever de cuido inerente a ambos os pais, por meio do poder familiar, descrevendo que: Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Parágrafo único. A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei. (BRASIL, 1990). Cumpre mencionar que o poder familiar abarca a pessoa e os bens do filho menor, sendo que a lei permite aos pais decidir a melhor opção para os filhos, zelando pelo respeito aos mesmos. (LUZ, 2009, p. 257). Preconiza Venosa (2021) que “O exercício desse poder pressupõe o cuidado do pai e da mãe em relação aos filhos, o dever de criá-los, alimentá-los e educá-los conforme a condição e fortuna da família.” Por esta disposição “Os cônjuges devem sempre procurar resolver as divergências inspirados no interesse dos filhos, sem que um excesso de zelo ou falsa manifestação de afeto os levem a armar litígio quanto ao exercício do poder familiar.” (PEREIRA, 2020, p. 522). De fato, o dever de cuidado instituído recaí sobre a figura de ambos os genitores, de forma igualitária, não persistindo no ordenamento pátrio a distinção de carga de dever entre o pai e a mãe. O zelo dos genitores com sua prole prevalece independente da relação afetiva existente entre ambos, visto que “A relação entre pais e filhos independe do status familiae dos primeiros. Estes, em qualquer situação jurídica em que se encontrem, devem assistência aos filhos menores e aos maiores incapazes.” (NADER, 2015). Nesta celeuma, não se pode confundir o poder familiar com um ato autoritário, “O poder disciplinar, contido na autoridade parental, não inclui, portanto, a aplicação de castigos que violem a integridade física e psíquica do filho.” (LÔBO, 2017, p. 309). 32 Do ponto de vista de Rizzardo (2019) “O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao determinar certas obrigações aos pais, automaticamente abre caminho para a suspensão do poder familiar se desatendidas as mesmas.” Se torna crucial para Cardin (2012) que os genitores entendam as responsabilidades advindas com a paternidade: O planejamento familiar em nosso ordenamento jurídico é livre, contudo a paternidade deve ser exercida atendendo ao princípio da dignidade da pessoa humana, ou seja, aqueles que não querem se comprometer com o mínimo de assistência afetiva, moral, intelectual e material que não tenham filhos. Inclusive, resguarda a legislação a possibilidade de suspensão do poder familiar em casos de pais que não utilizam sua autoridade como forma de educar, agindo com desleixo mediante a criação e gerência dos bens dos filhos. Existe ainda, em casos mais graves, a perda do poder familiar em virtude do abandono dos pais para com os filhos, onde não há qualquer contraprestação de cunho econômico, afetivo e educacional. (RIZZARDO, 2019). Desta perspectiva, o dever ao cuidado normativamente instituído se fundou na necessidade de resguardar os interesses dos mais vulneráveis, recaindo aos genitores um rol de obrigações a serem a tendidas sob a ótica do melhor interesse da criança e do adolescente. Rechaçando e punindo atitudes autoritárias perpetradas por aqueles que deveriam, acima de todos, zelar pelo melhor e proteger. O cuidado dos genitores para com sua prole é delineado pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade, devendo aos pais basearem a relação familiar no afeto, proporcionando proteção e respeito mútuo. 3.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana Relevante princípio constitucional delineado no artigo 1º, inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1998), a dignidade da pessoa humana encontra-se intimamente com o Direito de Família, no ponto de que “[...] é preciso ter em mente que o direito à constituição da família é um direito fundamental, para que a pessoa concretize a sua dignidade.” (TARTUCE, 2020). Na seara do direito de família este princípio surge para assegurar direitos, “Dessa forma, as relações familiares devem sempre se orientar buscando proteger a 33 vida e a integridade dos membros da família, baseados no respeito e assegurando os seus direitos de personalidade.” (VILAS-BÔAS, 2010). Para Tartuce (2020) difícil é conseguir definir de forma exata o princípio da dignidade da pessoa humana, isso em virtude da sua ampla possibilidade de aplicação, nas mais diversas áreas do direito privado, no entanto, certo é o entendimento de que se trata de uma cláusula geral, a qual possui um importante papel no que tange ao Direito de Família em virtude da valorização dada ao princípio pelo Código Civil. No mesmo caminho complementa Weyne (2012) descrevendo que tal dificuldade de definição decorre da própria escrita normativa, pois “[...]os documentos normativos internacionais e nacionais que consagram a dignidade humana deixam amplamente em aberto a questão da sua justificação e da sua definição em termos teóricos [...]”. Porém, segundo Nunes (2018) certo é mencionar que a dignidade humana é inerente da pessoa, se caracterizando como um direito inato, que desde o nascimento pertence a pessoa. Menciona Madaleno e Barbosa (2015, p. 406) a amplitude deste macro princípio, delineando a afronta cometida diante de alguns fatores: O Direito de Família somente estará́ em consonância com a dignidade da pessoa humana se determinadas relações familiares, como o vínculo entre pais e filhos, não forem permeados de cuidado e responsabilidade, independentemente da relação entre os pais, se foram casados, se o filho nascer de uma relação extraconjugal, ou mesmo se não houve conjugalidade entre os pais, se ele foi planejado ou não. Esse entendimento nos remete ao conceito contemporâneo de cidadania, que, por sua vez, pressupõe inclusão, ou seja, não exclusão de nenhum tipo de família e, consequentemente, de nenhum membro da família, especialmente quando se trata de criança ou adolescente. Em outras palavras, afronta o princípio da dignidade humana o pai ou a mãe que abandona seu filho, isto é, deixa voluntariamente de conviver com ele. Complementa a linha de pensamento Pereira (2021) ao indicar que “O Direito de Família somente estará em consonância com a dignidade se determinadas relações familiares, como a relação entre pais e filhos, não forem desconsideradas ou excluídas.” Descreve Machado(2012) as mudanças relativas ao implemento do princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito familiar, pois “Diante disso, a entidade familiar deixa de ser um núcleo social fechado e individualista para ser o 34 campo propício e destinado à realização da dignidade de todos os seus integrantes, inspirado sempre no afeto e respeito mútuo.” A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana se introduziu na ótica do abandono afetivo como meio de proteger a criança e ao adolescente que se encontram em situação de formação de personalidade, promovendo a valorização humana. (MADALENO E BARBOSA, 2015, p. 401). O princípio da dignidade da pessoa humana voltado para a família se concretiza com atos de afeto, de cuidado para com a criança e ao adolescente e efetivo exercício do poder familiar com responsabilidade. De outro ponto, “[...] afronta o princípio da dignidade humana o pai ou a mãe, que abandona seu filho psiquicamente, isto é, deixa voluntariamente de conviver com ele.” (PEREIRA, 2021). A criança e o adolescente no prisma da dignidade da pessoa humana passaram ao status de sujeitos de direitos, com o devido zelo paternal, enfatiza Machado (2012) “Sob esta ótica, e com apoio no princípio da dignidade da pessoa humana, o pátrio poder cedeu lugar ao poder familiar, que deve ser entendido como um munus público e não apenas como um poder dos pais sobre seus filhos.” Encarta o princípio da dignidade da pessoa humana no seio familiar mais um fundamento para o exercício da paternidade e maternidade responsável, munindo o ambiente familiar de deveres de cuidado e criação. 3.2.2 Princípio da afetividade Dentro do amplo princípio da dignidade da pessoa humana se extraem diversas ramificações. No direito de família uma delas se origina no princípio da afetividade, decorrente das relações éticas e valorativas da sociedade moderna. (MACHADO, 2012). Entende Tartuce (2020) que “O afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização da dignidade humana.” Desta linha de pensamento Dias (2016, p. 39) ressalta a importância do princípio diante da legislação, pois “Mesmo que a palavra afeto não esteja expressa na Constituição, a afetividade encontra-se enlaçada no âmbito de sua proteção.” 35 Prioriza a legislação que as relações familiares saudáveis sejam regidas por afeto e amor, porém Tartuce (2020) alerta a diferença entre ambos os sentimentos: De toda sorte, deve ser esclarecido que o afeto equivale à interação entre as pessoas, e não necessariamente ao amor, que é apenas uma de suas facetas. O amor é o afeto positivo por excelência. Todavia, há também o ódio, que constitui o lado negativo dessa fonte de energia do Direito de Família Contemporâneo. O princípio da afetividade busca uma relação igualitária entre todos os membros familiares, inclusive entre os irmãos biológicos e adotivos, partindo da existência do respeito mútuo, gerando um sentimento de cuidado coletivo. (DIAS, 2012, p. 39). Para Pessanha (p. 02) “A família, na atualidade, não se justifica sem a existência do afeto, pois é elementos formador e estruturador das entidades familiares.” Do ponto de vista de Dias (2012, p. 39) o fato de ter filhos atrai o afeto “A posse de estado de filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado.” Os laços afetivos transformam a figura dos pais que antes eram vistos pelos filhos como entes autoritários, Cabral (2010) descreve que “Quando o respeito à pessoa, à sua identidade, à sua individualidade e às suas aspirações começa a ser observado, gera uma preocupação não somente de desejar, mas de promover o bem- estar dos entes familiares.” Uma família com bases solidificadas decorre de uma boa relação afetiva, o cuidado com os entes familiares gera uma colaboração mútua e um vínculo baseado no respeito. Dias (2012, p. 39) “O direito ao afeto está muito ligado ao direito fundamental à felicidade.” O princípio da afetividade idealiza as relações familiares munidas de um bom grau de afetividade, interferindo de forma direta no desenvolvimento da criança e do adolescente, proporcionando aos mesmos uma evolução ética e psicológica saudável. 36 3.3 A CONCRETIZAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO O abalo pelo abandono afetivo decorrente de uma relação familiar conturbada surte efeitos diretamente na esfera intima sentimental de cada pessoa, razão pela qual a exemplificação de sua concretização, no presente estudo, será apresentada por meio construção jurisprudencial. Emblemática a decisão inovadora, para à época, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que reconheceu o abandono afetivo por parte do genitor do autor que após o divórcio formou novo núcleo familiar e se eximiu da responsabilidade afetiva, inclusive privando o autor do convívio com sua meia irmã fruto do novo casamento, na literalidade Minas Gerais (2004, p. 01): EMENTA - INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS - RELAÇÃO PATERNO-FILIAL - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. Do conjunto fático comprobatório restou cristalino para o relator a ausência do genitor na vida do filho, não comparecendo nem ao menos em datas ditas importantes, sendo que o laudo psicológico ratificou as conturbações psíquicas que surtiram efeitos na construção da identidade do autor, “[...]encontra-se configurado nos autos o dano sofrido pelo autor, em relação à sua dignidade, a conduta ilícita praticada pelo réu, ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e educação [...]”. (MINAS GERAIS, 2004, p. 05). Ante a seriedade do abandono afetivo o tribunal condenou o genitor ao pagamento de danos morais, como meio de responsabilização civil, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça afastou a condenação, no Recurso Especial nº 757.411- MG, mantendo somente o entendimento pelo abandono afetivo e arguindo que o tal fato tem como maior penalização a possiblidade de perda do poder familiar, não cabendo qualquer reparação pecuniária. Em contraponto destaca Tepedino e Teixeira (2021) que “A doutrina contrária a tal posicionamento afirma que destituir o poder familiar, como determinou o acórdão, seria muito mais um prêmio para este pai negligente, do que propriamente uma punição.” 37 Outro ocorrido similar resolve o Recurso Especial nº 1.087.561 - RS, caso em que o autor residiu com seu genitor por um lapso de sua vida, no entanto, houve o afastamento e quebra de vínculo afetivo com a troca de guarda. O genitor se esquivou de ajuda financeira, em que pese suas boas condições de vida, deixando com que o filho viesse a crescer em ambiente precário, com rendimentos escassos e ausência de alimentação sadia. Da análise do processo o relator se certifica do abandono afetivo por meio de testemunhas, laudo pericial e provas juntadas pela parte, mencionando Brasil (2017, p. 09) que: Consoante se verifica nos autos, é evidente que o requerido vive em condições extremamente precárias, por ato voluntário do pai, que, apesar de possuir recursos, não oferece condições, sequer materiais, mínimas para uma sobrevivência digna ao filho, fato que, sem dúvida, acarretou-lhe graves prejuízos de ordem material e moral. O autor menciona que chegou a dormir no chão, possuindo como cama somente um pedaço de esponja, enquanto o genitor esbanjava boa vida e nem ao menos se importava com as necessidades pecuniárias e afetivas. Nas palavras de Brasil (2017, p. 09) “O descumprimentovoluntário do dever de prestar assistência material, direito fundamental da criança e do adolescente, afeta a integridade física, moral, intelectual e psicológica do filho, em prejuízo do desenvolvimento sadio de sua personalidade [...]”. Neste caso, diferentemente do anterior, o Superior Tribunal de Justiça decidiu por manter a condenação de indenização por dano moral, utilizando de fundamento a necessidade de se compensar ao autor o descumprimento por parte do genitor de seus deveres decorrentes do exercício familiar, legalmente estabelecido. (BRASIL, 2017, p. 10-11). Na corte catarinense o tema se encontra presente, em pesquisa a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina o termo abandono afetivo apresenta 351 resultados. Entre no número recorrente de casos que chegam à porta do judiciário catarinense chama a atenção a Apelação Cível nº 0002721-05.2018.8.24.0048 interposta em ação de destituição do poder familiar, onde a genitora pleiteia a reintegração da guarda do filho menor. 38 Na síntese a genitora perdeu a guarda do filho quando do seu nascimento em virtude de uma suposta adoção à brasileira, ausência de acompanhamento médico e observância ao princípio do melhor interesse da criança, sendo o menor dirigido para uma instituição de acolhimento (SANTA CATARINA, 2019, p. 15): Como se pode observar, o histórico familiar demonstra fartas condutas desabonadoras da genitora em relação aos cuidados dos filhos, tais como negligência ao tratamento médico próprio e dos menores, ausência de realização de pré-natal e suspeita de tentativa de adoção à brasileira do menor A. E. M., omissão quanto à vacinação e evasão escolar dos demais filhos. Além das condutas omissivas na criação do menor, a ausência de laços de afeto se faz presente, “[...] é possível verificar que esta não demonstra afeto pelo menor, eis que, conforme demonstra o relatório da equipe técnica, a apelante exerceu o direito de visitas ao recém-nascido de forma esporádica.” (SANTA CATARINA, 2019, p. 18). Complementa Santa Catarina (2019, p. 18) quanto a caracterização do abandono afetivo “A testemunha L. T., coordenadora do abrigo, informa que de 170 (cento e setenta) dias de acolhimento, a genitora visitou o menor somente 50 (cinquenta) dias, sendo que foi disponibilizado à ela as visitas de forma livre, por razão da idade do menor.” Neste caso pelo conjunto probatório constituído de exames psicológicos, acompanhamento assistencial, testemunhas entre outros, a genitora foi destituída do poder familiar pela negligência na criação. Os casos aqui expostos como ilustração do abandono afetivo na prática apenas são uma pequena amostra das diversas relações conturbadas que chegam ao judiciário em busca de resolução, por vezes requerendo indenização pelo sofrimento causado, e em outros casos servindo de suporte para justificar a aplicação de uma das mais sérias medidas do direito de família, como o caso da destituição do poder familiar. Por sorte o judiciário dispõe de uma série de mecanismos capazes de aferir os abalos e reflexos do abandono afetivo na esfera intima privada de cada parte interessada, podendo proporcionar um sentimento de reparação e acolhimento, porém, irresignável a superficialidade de tais medidas, pois são incapazes substituir a lacuna deixada pela ausência de afeto familiar, “escapa ao arbítrio do Judiciário 39 obrigar alguém a amar, ou a manter um relacionamento afetivo”. (BRASIL, 2005, p. 10). A severidade do abandono afetivo lastreou-se pelo direito, momento em que chegou a interferir no direito ao nome, sendo recorrentes os casos de pedido de exclusão do sobrenome familiar, com a relativização do princípio da imutabilidade do nome, em virtude do abandono afetivo sofrido. O estudo do próximo capítulo fará a junção dos dois temas delineados, analisando a possibilidade de aceitação jurisprudencial na hipótese do pedido de retificação do assento civil com a exclusão do patronímico por justo motivo. 40 4 A RELATIVIZAÇÃO DA IMUTABILIDADE DO NOME Neste capítulo será abordada de primeiro plano a imutabilidade do nome legalmente instituída, posteriormente passando para a possibilidade da relativização do princípio da imutabilidade do nome no prisma do princípio da dignidade da pessoa humana, com enfoque na possibilidade de supressão do patronímico materno ou paterno em caso de abandono afetivo, demonstrando sua concretização por meio do entendimento jurisprudencial. 4.1 DA IMUTABILIDADE DO NOME A função individualizadora do nome e toda a sua proteção surgem da necessidade de resguardo quanto a possíveis fraudes em virtude da alteração do nome por pessoas com intenções duvidosas. O princípio da imutabilidade abarca o nome todo, uma vez que “além da definitividade do prenome, com as atenuações já especificadas, e que constitui um dos princípios fundamentais nesta matéria, consagra também a lei a intangibilidade do patronímico ou apelido de família.” (MONTEIRO E PINTO, 2016 133). O sobrenome familiar guarnece de especial proteção, pois dele se pode distinguir a origem familiar de cada indivíduo, de modo que apenas a sua menção já é capaz de ilustrar a procedência genealógica. Brandelli (2012, p. 75) discorre que para evitar uma possível confusão jurídica e resguardar o interesse público, o nome em seu sentido amplo somente pode ser alterado mediante legítimo motivo, de modo a seguir veemente o princípio da imutabilidade. Em que pese a primazia pela não alteração do nome há relativizações a serem feitas, “É interessante comentarmos que o indivíduo pode alterar judicialmente o próprio nome em virtude de constrangimentos ou questões relacionadas com a sua própria identificação na sociedade.” (Sousa e Giacomelli, 2018, p. 41). A rigidez do princípio da imutabilidade pode ser relativizada em virtude do princípio da dignidade da pessoa humana quando comprovado o justo motivo. A própria lei dispõe de hipóteses expressas de possibilidade de alteração do nome, Schreiber (2021) elenca algumas: 41 De uma tradição caracterizada pela imutabilidade do nome e por um forte controle estatal sobre suas alterações, herdada da experiência cultural portuguesa, o Brasil tem passado a um cenário mais dúctil, com uma sucessão impressionante de normas legais que vêm relativizar a inflexibilidade da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/73) para admitir novas hipóteses de alteração do nome, como a Lei n. 9.708/98, que admite a substituição do prenome por apelidos públicos e notórios (Xuxa, Lula etc.), e a Lei n. 11.924/2009, que autoriza o enteado ou enteada a adotar o nome de família do padrasto ou madrasta (a chamada Lei Clodovil). Qualquer mudança deve ser feita por meio de autorização judicial e com a participação do Ministério Público, além de possuir um justo motivo para que a alteração seja deferida. Outras possibilidades de alteração do prenome encontram guarida na lei 6.015 de 1973 em seu artigo 57 (BRASIL, 1973). Quanto às possibilidades de alteração do sobrenome temos alguns casos específicos, como o casamento, a adoção o divórcio etc., e outros casos que são construções jurisprudenciais e doutrinárias, porém tal assunto será tratado em tópico específico. Descreve Gonçalves (2020, p. 167) “Além das hipóteses citadas, de alterações de prenome permitidas pela lei, outras há, criadas pela jurisprudência, [...] ampliou as possibilidades de mudança, estendendo-a a outras situações consideradas justas e necessárias.” Como exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da ferramenta Jurisprudência em Teses, na edição de nº 138, tópico 5, se manifestou: A regra no ordenamento jurídico é a imutabilidade do prenome, um direito da personalidade que designa o indivíduo e o identifica perante a sociedade, cuja modificação revela-se possível, no entanto, nas hipóteses
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