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A ATITUDE NÃO-DIRETIVA NA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE

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A ATITUDE NÃO-DIRETIVA NA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE
Tiane Corso Graziottin
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE PSICOLOGIA
PESQUISA EM PSICOLOGIA II
A ATITUDE NÃO-DIRETIVA
NA TERAPIA CENTRADA NO CLIENTE
por: Tiane Corso Graziottin
Orientadora: Vera Maria Moreira Kude
Porto Alegre, julho de 2001
RESUMO
Este trabalho refere-se à atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers, no propósito de investigar como se caracteriza, na prática da Terapia Centrada no Cliente, esta atitude. As participantes da pesquisa foram duas terapeutas que praticam a Terapia Centrada no Cliente há mais de cinco anos e duas clientes, atendidas pelas mesmas, uma com vinte e um anos e outra com vinte e seis anos. Ambas clientes estão em psicoterapia há mais de um ano. O método utilizado para a realização da pesquisa foi o qualitativo fenomenológico e seu instrumento corresponde a gravações de encontros terapêuticos centrados no cliente, através dos quais foi possível ter acesso direto ao fenômeno, no seu contexto vivencial, no aqui-agora da relação entre terapeuta e cliente. A questão básica que norteou este estudo foi: “Como se caracteriza, na prática da Terapia Centrada no Cliente, a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers?” E, a partir dela, buscou-se especificar o que é e quais aspectos estão envolvidos com esta atitude na prática clínica. A análise dos dados, de base fenomenológica, revelou quatro caracterizações da atitude foco deste trabalho na prática da Terapia Centrada no Cliente: resposta reflexo de reiteração; reflexo de sentimento; resposta-reflexo de elucidação e silêncio. Os resultados apontam para a existência inerente desta atitude não-diretiva à prática da terapeuta centrada no cliente. Estando essa, permeando ou resultando de outras atitudes, condições necessárias para propiciar o ambiente facilitador do desenvolvimento pleno da cliente, que equivalem a: autenticidade ou congruência, aceitação positiva incondicional e compreensão empática da terapeuta. Assim sendo, constatou-se que a atitude não-diretiva não só existe na prática da Terapia Centrada no Cliente, como é presença constante nas atitudes da terapeuta, durante a relação psicoterápica com a cliente.
INTRODUÇÃO
Há três anos, comecei a entrar em contato mais direto com a Terapia Centrada no Cliente (TCC) desenvolvida, inicialmente, pelo psicólogo norte-americano Carl Ransom Rogers. De lá para cá, venho estudando, praticando e desenvolvendo este jeito de ser não só enquanto profissional, mas principalmente enquanto pessoa.
Nestes anos, pude sentir a consistência da TCC, mas também venho constatando algumas dificuldades, quando converso com as pessoas identificadas com esta abordagem ou mesmo com outras linhas teóricas, a respeito da compreensão de alguns aspectos fundamentais referentes à TCC, que acabam gerando visões distorcidas da mesma. Entre estes aspectos, encontra-se a atitude não-diretiva que, a meu ver, é uma característica essencial desta proposta de psicoterapia.
Em encontros teóricos e práticos e em discussões sobre o tema, muitas vezes, aparece o questionamento por parte de algumas pessoas: existe não-diretividade? E esta é uma questão um tanto freqüente e que particularmente mexe comigo, uma vez que percebo que não está claro para muitas pessoas tanto o aspecto teórico quanto prático que permeia esta atitude. Por isto, neste trabalho busco esclarecer o que é a atitude não-diretiva proposta por Rogers e como ela aparece na prática.
Com base nessas considerações, o objetivo geral desta pesquisa é investigar como se caracteriza, na prática da Terapia Centrada no Cliente, a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers. Sendo seus objetivos específicos: especificar o que é a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers; investigar a existência da atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers na Terapia Centrada no Cliente e caracterizar a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers na prática da Terapia Centrada no Cliente.
Para que esses objetivos sejam atingidos, propõe-se às seguintes questões norteadoras:
• O que é a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers?
• Como é na prática da Terapia Centrada no Cliente a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers?
• Quais aspectos estão envolvidos na relação terapêutica da Terapia Centrada no Cliente, que caracterizam a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers?
Frente ao discorrido, para obter a fundamentação necessária ao desenvolvimento deste trabalho, busco fazer uma explanação teórica sobre a atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers e os aspectos a ela relacionados, além de analisar o fenômeno da relação terapêutica partindo de uma visão fenomenológica, pois acredito que este tipo de pesquisa vai ao encontro tanto do objetivo da pesquisa quanto da filosofia que está por trás da TCC.
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1.1 Para começar…
Carl Ransom Rogers foi um psicólogo norte-americano que nasceu em 1902 e faleceu em 1987. Nos seu 85 anos de vida, realizou uma caminhada intensa na busca de suas próprias verdades, propondo, como um dos resultados disto, não só um jeito de se fazer psicologia, mas antes de tudo, um jeito de viver e relacionar-se com o ser humano.
Criado numa família, “extremamente unida, onde reinava uma atmosfera religiosa e moral muito estrita e intransigente” (Rogers,1997b, p.5), precisou desprender-se de muitos dogmas e paradigmas até conquistar sua independência pessoal e apropriar-se da sua liberdade de pensamento.
Na segunda metade da década de 20, Rogers começou a se interessar pela psicologia e na década de 30, formou-se nesta área pelo Teacher’s College da Universidade de Colúmbia. Seu primeiro emprego como psicólogo foi no “Child Study Departament” da Associação para a Proteção à Infância em Rochester, Nova York (Rogers, 1997b, p.10). É neste local, que Rogers começa a questionar sua prática e a observar que suas atitudes, baseadas em grande parte nas idéias de Freud predominantes na época, não iam ao encontro da necessidade real dos clientes. Ele escreve em certo momento, que algumas das situações que vivenciou, nos doze anos que permaneceu em Rochester, foram cruciais para seu processo como psicólogo e para abrir as portas ao desenvolvimento do que mais tarde denominou Terapia Centrada no Cliente (TCC).
Estas situações facilitaram-lhe verificar que estava se afastando “de todo método coercivo ou de pressão nas relações clínicas, não por razões filosóficas, mas por esses métodos de aproximação serem apenas superficialmente eficazes” (Rogers,1997b, p.13). Rogers também trás, que esses momentos foram de grande valia para o processo de dar-se conta de que é o cliente, e apenas ele, quem sabe realmente o que experiencia e qual a direção a tomar no processo terapêutico.
Por isto, acabou constatando ao longo dos anos e defendendo sua crença de que na relação psicoterapêutica o melhor a fazer, por parte do terapeuta, é deixar ao cliente a direção do movimento. Devido a este aspecto, a abordagem de Rogers foi denominada inicialmente de “não-diretiva” (Rogers e Kinget, 1977, p. 25), ou seja, o terapeuta tem uma atitude não-diretiva ao relacionar-se com o cliente.
A partir de agora, realizar-se-á uma explanação na qual será esclarecido o que isto significa, bem como os fatores que fundamentam e envolvem o aspecto da não-diretividade.
1.2 As crenças e as proposições de Carl Rogers
A atitude não-diretiva proposta por Rogers, não surgiu de forma repentina. Como pode-se concluir do recém citado, foi resultado de uma caminhada que envolveu um desprendimento pessoal e profissional de vários paradigmas culturais e de pensamentos da época. Esta atitude, envolve algumas premissas que são princípios básicos da TCC e que resultam da experiência contínua de Rogers e da busca de formulações para suas constatações.
Dentre estes pressupostos, há um essencialmente importante por representar a crença central da TCC, que afirma que o ser humano possui, dentro de si, vastos recursos para a auto-compreensão e para a modificação de seus autoconceitos,de suas atitudes e de seu comportamento autônomo. De que nele há uma tendência natural para o desenvolvimento completo. Essa crença, está diretamente relacionada com a conclusão, conforme Rogers (1995c) inevitável, depois de anos de experiência com psicoterapia, de que a natureza profunda do ser humano, quando funciona livremente, é construtiva e digna de confiança.
Este é outro ponto crucial na TCC, a confiança na pessoa, geralmente expressa como confiança no organismo. Mas antes de entrar nisso, considera-se importante deixar claro o que Rogers quer dizer quando refere-se a organismo, ou seja, de que organismo está falando. Kinget (1977) esclarece esta questão, explicitando que não diz somente respeito aos aspectos físicos e corporais, como tradicionalmente este termo é compreendido, mas sim, ao entendimento de que o organismo é aqui caracterizado como englobando o conjunto das funções constitutivas do homem, tanto os aspectos físicos quanto a experiência da pessoa, isto é, seus sentimentos, pensamentos e emoções. Assim sendo, Rogers (1992, p.554) quando fala de organismo, relaciona-o a um “sistema organizado total”, dentro de uma visão bio, psico e social.
A pessoa para Rogers, como conseqüência, é fundamentalmente boa, sendo seu núcleo íntimo da personalidade de natureza positiva (Hannoun, 1980). Dessa forma, ao falar em confiança no organismo, Rogers (1992) parte de uma concepção positiva de homem e da crença na tendência atualizante ou realizadora existente em todo organismo e que move o indivíduo, desde que em condições facilitadoras, na direção de uma independência e auto responsabilidade maiores.
Essas condições facilitadoras são básicas para que o terapeuta possa fornecer um clima no qual o cliente sinta-se livre para expressar-se como realmente é. Rogers (1995b, p.20), quando fala de clima, refere-se a uma atmosfera calorosa e permissiva, na qual o indivíduo esteja livre para trazer qualquer atitude ou sentimento que possa ter, “não importando quão absurdos, não-convencionais ou contraditórios sejam”. Se é fornecida uma relação permeada de compreensão e segurança e de uma aceitação da pessoa como ela é, então o cliente abandonará suas defesas e utilizará este espaço para ir em busca de seu autoconhecimento. Quando a pessoa não se sente ameaçada e se sente numa relação de confiança, tende a mostrar-se de forma mais verdadeira. E esta atitude se amplia à medida que ela percebe que sua comunicação está sendo compreendida pelo terapeuta e não avaliada, não havendo restrições e inibições.
Rogers (1989, p.16) diz que a função prioritária da terapia não está relacionada à atitude de fazer algo para (grifo do autor) o indivíduo ou de induzi-lo a fazer algo sobre si mesmo. Pelo contrário, está relacionada à busca de “libertá-lo para o crescimento e o desenvolvimento normal, de remover obstáculos, de modo que possa novamente caminhar para frente”. Tambara e Freire (1999) reforçam esta idéia, colocando que quanto maior é a liberdade oferecida ao cliente para se expressar espontaneamente, sem que seja guiado, conduzido ou orientado, maior é a rapidez e a intensidade com que ele traz para o processo terapêutico as questões realmente cruciais da sua existência.
A atitude não-diretiva, permeia todos esses aspectos, ou resulta deles, pois ela facilita o processo de desabrochar do ser humano. O terapeuta, através dela, não guia ou orienta o processo, e sim, segue o caminho traçado pela única pessoa que realmente conhece o “mapa”, o cliente, facilitando com isso, a busca de suas próprias respostas e verdades e, conseqüentemente, uma atitude do cliente de responsabilizar-se pela sua vida. Assim sendo, a atitude não-diretiva do terapeuta é anti-autoritária e não paternalista (Brodley, 1997). É o cliente quem deve fazer suas próprias descobertas, seguir o seu próprio caminho, encontrando as soluções que lhe são mais adequadas (Rudio, 1987).
Na relação psicoterapêutica, a não-diretividade é expressa por meio de três outras atitudes básicas do terapeuta. Atitudes estas, que envolvem aspectos que podem ser denominados pré-requisitos para uma relação não-diretiva entre terapeuta e cliente e, assim sendo, Bozarth (2000) pontua que quando o terapeuta opera a partir da premissa destas condições estará sendo inerentemente não-diretivo.
A primeira dessas atitudes assinalada por Rogers é a autenticidade ou congruência. Através dela, o terapeuta mostra-se como realmente é na relação com o cliente, não por meio de “uma fachada, um papel ou uma ficção” (Rogers, 1997b, p.325).
Reiterando esta idéia, o autor diz que nessa atitude o terapeuta se sente livre e profundamente ele próprio, aceitando-se como é. Experiencia seus sentimentos e reações de forma verdadeira e toma consciência deles assim que ocorrem e se modificam. Entretanto, como Rogers (1989, p.18; 1983, p.38) mesmo refere, a percepção do terapeuta desses sentimentos e reações pode ser comunicada e vivida na relação “se conveniente”.
Bowen (1987, p.64), desenvolvendo isto, expressa que não identifica congruência com “lançar para fora o que está na mente ou no coração do terapeuta. Algumas vezes, o tipo de auto-revelação serve mais às necessidades do terapeuta do que às do cliente” e pode interferir de forma negativa no processo do cliente. Ela traz que congruência não é sinônimo de revelar pensamentos e sentimentos ao cliente, mas sim significa a “harmonia entre o que está acontecendo na intimidade e o que transparece por fora”.
Do exposto acima, pode-se observar a diferença que Bowen (1987) explicita entre “lançar para fora” e “transparecer por fora”. O terapeuta irá facilitar o processo de busca do cliente e não atrapalhá-lo quando torna-se “transparente” (Rogers, 1997b, p.18; 1989, p.38) para o cliente, este podendo perceber claramente o que o terapeuta é no relacionamento, sem nenhum bloqueio. Porém, o que o terapeuta vivencia existe ao nível de consciência, isto é, na relação “está sendo livre e profundamente ele mesmo, com sua experiência real precisamente representada em sua conscientização de si mesmo” (Rogers, 1995a, p.163). Entretanto, como já foi colocado acima, isto só será comunicado na relação se conveniente,
Ser congruente não significa, como coloca Bowen (1987), “lançar para fora o que está na mente ou no coração, mas sim, relacionar-se com o cliente de forma inteira e verdadeira. Expressar congruência é diferente de comunicar sentimentos e pensamentos.
Rogers (1989; 1976), comentando os resultados desta atitude, expõe que através da autenticidade ou congruência a probabilidade de o cliente se modificar e crescer de uma maneira construtiva se potencializa. À medida que ele sente que o terapeuta se permite ser como é, tende a descobrir a mesma liberdade, indo ao encontro da ampliação de sua própria congruência.
A segunda atitude que também traz em si o aspecto não diretivo da TCC, é a consideração positiva incondicional. Esta atitude diz respeito à consideração integral e não condicional pelo cliente e envolve, conforme Rogers (1997b), uma preocupação não possesiva do terapeuta para com esse. Implica assim, que o cliente seja visto como uma pessoa independente, numa relação em que possa experienciar seus próprios sentimentos e descobrir o que sua experiência significa.
Nesse contexto, Freire (2000, p.43), citando Patterson e Hidore, expressa que:
O cliente é considerado como uma pessoa de valor exatamente pelo que ele é, simplesmente por ser. Não há condições para a aceitação. O cliente não precisa mudar ou ser diferente para ser aceito pelo terapeuta.
Trata-se de uma atitude positiva e aceitadora, frente ao que quer que o cliente esteja vivenciando no momento e visa facilitar que ele se sinta livre para sentir o que experiencia no aqui-agora, não se sentindo coagido pelo terapeuta. Essa aceitação, inerente à consideração positiva incondicional, como Rogers (1992, p.36) chama atenção, não é sinônimo de indiferença. Pelo contrário, segundo ele, “uma atitude de laissez faire de modo algum indica ao cliente que ele é tratado como uma pessoa de valor”e respeitado na sua experiência. Quando Rogers (1997a) refere-se à aceitação, está falando de uma consideração afetuosa pelo cliente enquanto uma pessoa de autovalia incondicional, ou seja, possuidora de valor, independente de sua condição, de seu comportamento ou de seus sentimentos.
A relação de respeito e apreço resultante da atitude de consideração positiva incondicional do terapeuta, gera no cliente um sentimento de afeição e segurança que são elementos facilitadores para que se mostre sem defesas, não precisando esconder ou omitir aspectos seus. Dessa forma, o cliente vai gradativamente entrando em contato com sua experiência de forma mais completa, indo ao encontro de seu desenvolvimento pessoal.
Rogers (1989) coloca que esta atitude não envolve julgamento ou avaliação e, dessa forma, para que ocorra, conforme Kinget (1977), é preciso que o terapeuta saiba fazer abstração de seus próprios valores, sentimentos e necessidades e que se abstenha de aplicar os critérios realistas, objetivos e racionais que geralmente o guiam. “Isso significa tirar o se ‘eu’ do caminho do cliente” (Freire, 2000, p.43 ).
A consideração positiva incondicional não busca manipular ou controlar a relação e sim, proporcionar uma atmosfera rica de elementos e não imposta. Através dela, o poder sobre a própria vida é deixado completamente nas mão do cliente.
A terceira atitude básica da TCC, que mostra o caráter não-diretivo da mesma, corresponde à compreensão empática, a qual está diretamente relacionada à capacidade do terapeuta de se colocar verdadeiramente no lugar do outro e de ver o mundo como ele vê (Rogers e Kinget, 1977).
Esta capacidade é uma premissa da Terapia Centrada no Cliente, uma vez que ela busca, de acordo com Rogers (1983, p.39), captar com “precisão os sentimentos e significados pessoais que o cliente está vivendo, comunicando-lhe esta compreensão”. O terapeuta, por meio dela, capta o mundo particular do outro, como se fosse esta pessoa, sentindo a mágoa ou prazer como ele os sente e percebendo as causas disso como ele os percebe. Sem, entretanto, perder a noção de que é “como se” (Rogers, 1995a, p.167), ou seja, durante a relação, o terapeuta não pára de experienciar seus próprios sentimentos, mas os deixa de lado e vai até o mundo do cliente para compreender as percepções e os sentimentos do seu ponto de vista.
Isto, não significa um processo mágico em que duas pessoas se transformam em uma só e, sim, é um processo que envolve um desenvolvimento interno muito grande por parte do terapeuta para conseguir se desprender dos seus pré-conceitos e dos seus julgamentos para se colocar no lugar do outro, como se fosse este outro, para, então, realmente compreendê-lo na sua experiência, facilitando, dessa forma, seu processo de crescimento individual.
Conforme Tambara e Freire (1999), este tipo de atitude se opõe frontalmente à atitude diagnóstica ou avaliativa, pois para poder perceber o mundo do cliente com empatia o terapeuta não pode assumir uma postura crítica devido àquela estar intrinsecamente relacionada a uma postura de aceitação e não de julgamento. Retornando ao próprio Rogers, numa palestra proferida por ele em 1964, como comentam os mesmos autores, pode-se constatar, por meio de sua própria experiência, o que para ele é compreensão empática:
… Pessoas que foram capazes de perceber o significado do que eu dizia um pouco além do que eu era capaz de dizer. Essas pessoas me ouviram sem julgar, diagnosticar, apreciar, avaliar. Apenas me ouviram, esclareceram-me, responderam-me em todos os níveis em que eu me comunicava. (apud Tambara e Freire, 1999, p.85).
Tambara e Freire (1999), colocam que é esse caráter aceitador e não avaliador do clima empático que irá possibilitar à pessoa assumir uma atitude de estima e interesse por si mesma, indo ao encontro de seu verdadeiro eu.
A atitude não-diretiva, além de estar implícita nas atitudes de autenticidade ou congruência, consideração positiva incondicional e compreensão empática, também aparece, na relação terapêutica, através das “respostas-reflexo” (Rogers e Kinget, 1975, p.55) do terapeuta. Estas respostas são formas verbais de se comunicar com o cliente e têm como objetivo, como colocam Rogers e Kinget (1975, p.55), “participar da experiência imediata do cliente”, englobando o pensamento e os sentimentos desse, devolvendo-os de forma a clarear e facilitar a apreensão da sua experiência e respeitando seu processo. Por isso, a denominação “respostas-reflexo”.
Tambara e Freire (1999, p.128) comentam que esta forma de comunicação verbal do terapeuta visa os seguintes objetivos:
• Facilitar o movimento de auto-exploração do cliente;
• Propiciar ao cliente o sentimento de que está sendo compreendido;
• Verificar se a compreensão do terapeuta está sendo verdadeiramente empática; e
• Indicar ao cliente que o terapeuta está presente na relação.
Para isso, há três tipos de resposta-reflexo: a reiteração ou reflexo simples, o reflexo de sentimento ou reflexo propriamente dito e a elucidação.
A reiteração, segundo Tambara e Freire (1999, p.128), “é uma forma de comunicação na qual o terapeuta não acrescenta nenhum elemento verbal novo ao que fora comunicado anteriormente pelo cliente”. De acordo com Rogers e Kinget (1975), dirige-se ao conteúdo estritamente manifesto da comunicação, sendo geralmente breve e consistindo em resumir o que foi expresso verbalmente pelo cliente ou em assinalar um elemento significativo desse ou, então, em repetir as últimas palavras do cliente de modo a facilitar a continuação da sua comunicação.
Este tipo de resposta-reflexo, cria uma atmosfera de acolhida e de compreensão que ajuda a diminuir as barreiras defensivas do cliente e facilita para que este sinta-se compreendido e acompanhado pelo terapeuta, ao invés de observado, analisado ou julgado (Tambara e Freire, 1999). É justamente por apresentar essas qualidades que essa intervenção mostra-se tão eficaz na ativação das forças de crescimento e na estimulação da autonomia do cliente.
O reflexo de sentimentos, por sua vez, é a intervenção através da qual “o terapeuta comunica ao cliente os sentimentos que ele percebe nas “entrelinhas” de suas palavras” (Tambara e Freire, 1999, p.131), os sentimentos presentes e vivenciados pelo cliente no aqui-agora da relação. Esse tipo de resposta, facilita o processo da pessoa, uma vez que procura, conforme Rogers e Kinget (1975), ampliar, diferenciar ou deslocar o centro da percepção do cliente, evidenciando certos elementos que pertencem inegavelmente à experiência do mesmo naquele instante, mas que são “evitados” pela pessoa, devido esta, muitas vezes, não estar conseguindo expressá-los.
Aqui está uma das conseqüências positivas do reflexo de sentimento. Quando o terapeuta está realmente empático com o cliente e aceitando-o incondicionalmente, no momento em que lhe verbaliza os sentimentos captados de sua experiência, facilita o processo de reconhecimento e aceitação deles pelo cliente. Suas atitudes, fornecem um ambiente livre de ameaças, sem julgamentos e questionamentos. Assim, reflete os sentimentos, aceitando-os e respeitando o momento do cliente, facilitando igualmente, através disso, que a pessoa se aproprie de seus sentimentos em nível de self.
A outra resposta-reflexo, a elucidação, visa, como colocam Rogers e Kinget (1975), tornar evidente sentimentos e atitudes que não decorrem diretamente das palavras do indivíduo, mas que podem ser – por via lógica, sem a intervenção de conhecimentos especializados psicodinâmicos – deduzidos da comunicação ou de seu contexto. É a comunicação, por parte do terapeuta, de sua compreensão de sentimentos e significados que ainda não foram apreendidos pelo cliente. Ou seja, aquele faz referência a experiências que este ainda não integrou no seu auto conceito, como comentam Tambara e Freire (1999).
Os últimos autores, também chamam a atenção para o fato de que, apesar da elucidação conter elementos que ainda não fazem parte da consciência do cliente, ela se origina de uma compreensão empática do terapeutaem relação à vivência desse, permanecendo centrada na experiência do cliente e não no conhecimento técnico do terapeuta.
Das três respostas-reflexo da TCC, a menos utilizada pelos terapeutas é esta última, a elucidação, justamente por ser “mais suscetível de conter elementos estranhos ao campo da percepção e, dessa forma, afetar o indivíduo de modo ameaçador” (Rogers e Kinget, 1975, p.86). Como conseqüência, também é a intervenção que mais exige do terapeuta, pois, para fazê-la de modo a facilitar o processo da pessoa, o terapeuta precisa estar centrado amplamente na experiência do cliente.
A reiteração e o reflexo de sentimento, por sua vez, num primeiro momento, podem parecer simples demais, principalmente para quem nunca experienciou uma relação não-diretiva. Porém, como comentam Tambara e Freire (1999, p.132),
esta simplicidade é apenas aparente, pois a reiteração e o reflexo de sentimento exigem muito do terapeuta: uma profunda sensibilidade empática e uma aceitação incondicional do movimento do cliente, que são atitudes muito difíceis de serem vivenciadas na prática.
Esta dificuldade, também é reforçada devido à inexistência de qualquer atração intelectual nessas intervenções. A base da reiteração e do reflexo de sentimento está no nível afetivo do cliente, nada acrescentando ao nível cognitivo do sujeito. Este aspecto “não-intelectual”, como coloca Hannoun (1980, p.88), está presente não só nas intervenções verbais do terapeuta, como também na totalidade de suas atitudes. Estas, segundo o mesmo autor, são feitas do vivido, não do concebido, o terapeuta vive a situação perante o outro, não a pensa. Aqui, está mais um dos pontos cruciais da abordagem de Rogers: “é preciso viver, não pensar” (Hannoun, 1980, p.89).
Como pode-se constatar ao longo da exposição, a atitude não-diretiva permeia todo jeito de ser do terapeuta centrado no cliente e está embasada na crença central da tendência atualizante inerente em todo organismo humano, que por sua vez, em essência, é digno de confiança. Para Justo (2000), é esta fé nas possibilidades e potencialidades da pessoa que irá prover a atmosfera de toda a abordagem de Rogers.
Resultado de uma postura frente ao ser humano, a atitude não-diretiva vai ao encontro da crença de que cada pessoa é única e, conseqüentemente, é também única na capacidade de desvendar verdadeiramente seu universo. Rogers (1989, p.10), falando sobre sua abordagem, a expressa de forma simples, mas profunda de significado e que traz em si, mais uma vez, a noção de não-diretividade, diz: “Não é que esta abordagem dê poder à pessoa, ela nunca o tira”.
1.3 Algumas questões sobre a atitude não-diretiva
Pode-se concluir até agora, que não deve ser fácil para muitas pessoas e profissionais, reconhecer e aceitar os aspectos trazidos por Rogers na proposta que faz para o relacionamento interpessoal. Como ele mesmo comenta:
Parece ser genuinamente perturbador para muitos profissionais concordar com o pensamento de que esse cliente, sobre quem eles têm estado exercitando suas habilidades profissionais, saiba realmente mais sobre seu próprio self psicológico, do que eles mesmo possam saber; e que o cliente possua poderes construtivos que fazem com que o esforço construtivo do terapeuta pareça insignificante. (Rogers, 1995b, p.28)
Constatações como estas, Rogers fez ao longo de sua vida enquanto desenvolveu a TCC.
Por suas idéias questionarem e incitarem muitas estruturas e valores pré-estabelecidos, mais especificamente, os relacionados com a visão sobre poder e controle nas relações interpessoais (Rogers, 1989), em muitos momentos, acabaram gerando nas pessoas uma compreensão distorcida do significado de suas proposições.
Frente a isto, buscando especificar de forma mais efetiva alguns aspectos de sua abordagem, evitando mal entendidos, Rogers fez algumas alterações na denominação e na conceitualização de certas proposições.
A questão da não-diretividade foi um dos aspectos alterados. Desde a época em que Rogers desenvolvia a TCC – como ainda acontece hoje em dia, conforme trazem Bozarth (2000) e Patterson (2000) – a não-diretividade já estimulava discussões sobre sua conceitualização e sua existência.
Como traz Kinget (1977, p.30), esta idéia abalou os profissionais da época, pois tocou de perto “a estrutura dos hábitos mentais e sociais, das convicções dos desejos confessados ou não” da maioria das pessoas. A idéia de um tratamento despojado de direções, diagnósticos e interpretações, afetou muitos profissionais que não admitiam tal postura, considerando ser este tipo de atitude falta de competência e responsabilidades profissionais.
Aos poucos, a abordagem de Rogers foi sendo conhecida e reconhecida por um número crescente de pessoas e muito dos mal entendidos foram sendo, conseqüentemente, esclarecidos.
Entretanto, mesmo assim, no início da década de cinqüenta, como expressa Bozarth (2000), Rogers substitui o termo “atitude não-diretiva” por “atitude centrada no cliente”, visando clarear mais o que estava propondo através desta atitude e evitar as distorções que vinham sendo realizadas em torno deste termo.
Numa entrevista que Evans (1979, p.57) faz com Rogers, aquele questiona este sobre as possíveis mudanças, perguntando:
(…) o senhor diria, hoje, que talvez tenha modificado a noção de ser não-diretivo?
E Rogers:
Não. Acho que talvez a tenha enriquecido, mas não realmente modificado. Ainda acho que quem deve guiar a vida do cliente é o cliente. Toda a minha filosofia, e toda a minha abordagem, visam fortalecê-lo nessa maneira de ser; é ele quem comanda a sua própria vida e nada do que digo tem a intenção de privá-lo dessa capacidade, ou dessa oportunidade.
Por meio destas colocações, fica claro a intenção de Rogers, anteriormente expressa na colocação de Bozarth, de alterar a noção de não-diretividade para enriquecer o termo, não por considerá-lo desnecessário ou inexistente.
Como expressa Brodley (1997, p.19) “a atitude não diretiva é intrínseca e necessária para o verdadeiro trabalho centrado no cliente”, não há como, frente às condições necessárias de autenticidade ou congruência, consideração positiva incondicional e compreensão empática, falar de uma atitude diretiva perante o cliente. Estas condições pressupõe uma atitude não-diretiva e isto Rogers mantém até o final de sua vida, independente da definição semântica utilizada para expressar esta condição.
Patterson (2000) comenta que frente às discussões que escuta sobre diretividade e não-diretividade sente interesse, mas também certa irritação e frustração, pois, conforme ele, são mais um exercício de sofisticação, aonde cada autor dá seu próprio entendimento dos termos, do que um movimento na busca de clarear suas definições.
Rogers busca diminuir estas interpretações, quando modifica a denominação da atitude referente à não-diretividade (Bozarth, 2000), entretanto não evita os diversos comentários e opiniões sobre o que ele realmente quis dizer em relação a esta atitude.
Provavelmente, muitas dessas repercussões, que a atitude não-diretiva resultou e ainda resulta, estejam relacionadas à dificuldade das pessoas admitirem este potencial de desenvolvimento saudável inerente em cada ser humano, independente da situação emocional que está experienciando (Rogers, 1995b). Como diz Raskin (1998, p.16), citando Rogers,
“viemos a reconhecer que se pudermos compreender a maneira como o cliente vê a si mesmo, neste momento, ele pode fazer o resto”.
Esta é uma atitude essencialmente simples, mas ao mesmo tempo extremamente complexa de ser praticada. Para ser não-diretivo tem que abrir mão de outras tantas atitudes que, muitas vezes, são necessárias ao terapeuta para poder se sentir útil e eficiente. Porém, como Rogers (1989) chama a atenção, o verdadeiro sucesso não está no eficiente uso do poder do terapeuta, mas na facilitação da expressão do poder do cliente. E, provavelmente, é aqui que reside a dificuldade de muitas pessoas, para compreender o que Rogers pretendeu desenvolver quando propôs a noção de não-diretividade.
2 MÉTODO
2.1 MétodoPara a realização desta pesquisa, optei pelo método qualitativo fenomenológico por acreditar ser este, o que mais fidedignamente reflete o fenômeno na sua essência. Como coloca Gil (1991, p.33), este método:
Não explica mediante leis nem deduz a partir de princípios, mas considera imediatamente o que está presente à consciência, o objeto.
Forghieri (2001, p.17), citando Husserl, o pai da Fenomenologia, traz que esta propõe-se a ser uma “ciência descritiva das essências da vivência”. E Rezende (1998, p.17) acrescenta que o método, a ela relacionado, é discursivo (grifo do autor) e diz respeito à significação de uma essência existencial, que como tal deve ser descrita, não a um mero conteúdo conceitual que possa ser definido.
Na área da psicologia, conforme Binswanger (apud Forghieri, 2001, p.59), o método fenomenológico, tem o intuito, de “empreender uma análise existencial ou empírico-fenomenológica de formas concretas de existência”.
Como coloca Forghieri (2001, p.57):
Diferente dos animais e das coisas da natureza o ser humano não vive apenas como uma roupa no armário, uma planta no vaso, ou um cachorro no canil. O homem, além de viver em determinado lugar, tem consciência de sua própria vida e dos entes com os quais se relaciona, atribuindo significado aos acontecimentos de sua existência;
Concordando com este ponto de vista e frente aos aspectos acima citados, optei pela pesquisa qualitativa fenomenológica no intuito de buscar captar o essencial da atitude não-diretiva proposta por Carl Rogers, na prática da Terapia Centrada no Cliente, acreditando ser este método de pesquisa o mais congruente com a investigação desta atitude.
2.2 Participantes
As participantes da pesquisa foram duas terapeutas que praticam a Terapia Centrada no Cliente há mais de cinco anos e duas clientes, atendidas pelas mesmas, uma com vinte e um anos e outra com vinte e seis anos. Ambas clientes estão em psicoterapia há mais de um ano.
2.3 Procedimentos para a coleta de dados
Para coletar dados a fim de investigar como se dá, na prática da Terapia Centrada no Cliente, a atitude não-diretiva proposta por Rogers, decidi obter gravações de encontros terapêuticos centrados no cliente, através dos quais pude ter acesso direto ao fenômeno, no seu contexto vivencial, no momento da relação entre terapeuta e cliente.
Para isto, conversei com duas terapeutas que trabalham com esta abordagem e que, depois de lhes explicar meus objetivos e lhes fornecer o consentimento informado (ver anexo) o qual contém mais informações a respeito do meu trabalho, consentiram participar da pesquisa e se comprometeram em falar com alguns de seus clientes para o consentimento da gravação do encontro terapêutico.
Devido ao fato de estas terapeutas trabalharem no mesmo local em que eu trabalho, optei por deixar com elas o consentimento informado dos clientes, para que elas entregassem aos mesmos. Dessa forma, busquei respeitar os princípios éticos e preservar o sigilo das informações dos participantes, bem como evitar possíveis constrangimentos frente à minha presença. No final do consentimento informado, coloquei meu telefone para contato, ficando à disposição da participante para qualquer dúvida ou esclarecimento, se ela desejasse.
As entrevistas gravadas, foram posteriormente transcritas para auxiliar na investigação do fenômeno.
Para assegurar maior segurança e confiabilidade, ofereci um retorno (feedback) para os participantes da pesquisa, após o término do estudo.
2.4 Procedimentos para a análise de dados
Os dados foram submetidos à análise compreensiva de base fenomenológica proposta por Bernardes (1991), sob a perspectiva do método fenomenológico apresentado por Giorgi (2001).
Optou-se, nesta monografia, por pesquisar e analisar diretamente o fenômeno experienciado na relação entre terapeuta e cliente, ou seja, no aqui-agora da prática da TCC. Não se utilizando, dessa forma, entrevista na qual os participantes respondem como percebem esta atitude na relação terapêutica.
Essa opção, foi baseada na crença de que é através da verificação do acontecimento real do fenômeno, que se tem a possibilidade de apreender, de forma mais fidedigna, seus significados e a conseqüente caracterização da atitude a ser investigada.
Frente a isso, adaptei o método dos autores, acima citados, a esta realidade e levou-se em conta o processo de análise de dados qualitativos que
envolve “trabalhar com os dados, sintetizá-los, procurar padrões, organizá-los, descobrir o que é importante e o que deve ser aprendido e decidir o que se dirá aos demais” (Kude,1997, p.184).
Assim sendo, inicialmente, realizei a escuta das fitas com a gravação dos encontros psicoterápicos e a leitura das respectivas transcrições, na forma de “descrição ingênua” (Bernardes, 1991, p.25), a fim de obter um sentido da experiência total, sem tentar buscar, de acordo com Giorgi (2001), sentido do todo explícito, pois ele se torna mais claro à medida que o método é a clarificação do sentido total da descrição sob uma perspectiva psicológica.
Posteriormente, identifiquei, na descrição ingênua das relações, as unidades de significado enquanto aspectos que explicitam a atitude não-diretiva na relação da TCC. Presumindo uma perspectiva psicológica e estando consciente do fenômeno descrito (Giorgi, 2001).
O terceiro momento, correspondeu à tarefa de “intuir e descrever essencialmente os significados psicológicos” (Giorgi, 2001, p.136) implícitos nas atitudes da relação entre terapeuta e cliente, realizando uma transformação dessas atitudes em linguagem psicológica a qual expressou a caracterização do fenômeno da atitude não-diretiva na prática da TCC.
Por último, foi desenvolvida uma síntese das unidades de significado transformadas, de forma a expressar “a rede essencial das relações entre as partes de modo que o significado psicológico total possa sobressair” (Giorgi, 2001).
Para isto, foram realizadas uma descrição específica e uma descrição geral sobre como se caracterizou, na prática da Terapia Centrada no Cliente investigada, a atitude não-diretiva proposta por Rogers. Na primeira descrição, são explicitadas as atitudes mais concretas em situações específicas das relações terapêuticas analisadas. Na segunda, comunico o significado mais geral do fenômeno, sem entrar nas situações específicas da sua manifestação.
3 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
Considerando o fenômeno da atitude não-diretiva proposta por Rogers, no mundo da vida, como coloca Bernardes (1991), buscando apreender, nas vivências e significações da relação entre terapeuta e cliente, as esferas específicas dessa experiência, exponho como se caracterizou esta atitude nos dois encontros de Terapia Centrada no Cliente analisados para esta pesquisa.
Considerando-se que investigo a atitude não-diretiva na relação terapêutica propriamente dita e não no discurso dos participantes resultante de uma pergunta sobre esta atitude, optei – levando em consideração meus objetivos e minhas questões norteadoras e após analisar os “significados psicológicos” (Giorgi, 2001, p.136) , que expressavam o fenômeno, implícitos em cada relação – por explicitar sua caracterização utilizando denominações da própria teoria de Rogers.
Penso que assim, não só será mais congruente com aquilo que me propus, como também ficará mais claro para o leitor, que poderá fazer uma relação direta com os aspectos da teoria rogeriana abordados neste trabalho.
Como investiguei duas relações terapêuticas centradas no cliente, optei por especificar, no início de cada exposição, a qual das relações pertencem os trechos das transcrições dos encontros, entre terapeutas e clientes, utilizados na apresentação dos resultados. Assim sendo, a “primeira relação analisada” corresponde ao encontro terapêutico de Luísa (cliente), de vinte e um anos, e Patrícia (terapeuta). E a “segunda relação analisada” corresponde à psicoterapia de Sofia (cliente), de vinte e seis anos, e Laura (terapeuta).
A convenção que eu adotei para identificar cliente e terapeuta é, respectivamente, C e T.
3.1 Descrição específicado fenômeno
Pode-se verificar a atitude não-diretiva em vários momentos da
relação entre as terapeutas e suas clientes através de:
• Resposta-reflexo de reiteração;
• Reflexo de sentimentos;
• Resposta-reflexo de elucidação e
• Silêncio.
3.1.1 Resposta-reflexo de reiteração
A resposta-reflexo de reiteração caracteriza-se por ser uma expressão verbal da terapeuta que se dirige ao conteúdo estritamente manifesto da comunicação, sendo geralmente breve e consistindo em resumir o que foi expressado verbalmente pela cliente ou em assinalar um elemento significativo desse ou, então, em repetir as últimas palavras da cliente de modo a facilitar a continuação da sua comunicação (Rogers e Kinget, 1975).
Nos dois encontros de TCC investigados, as intervenções verbais de reiteração das terapeutas, demonstram claramente a atitude não-diretiva. Percebe-se, pelas respostas das clientes às reiterações, que as terapeutas, através desta intervenção, facilitaram a fluidez do processo, estando empáticas, congruentes e aceitando incondicionalmente o momento das clientes. Sendo também, nessas situações, acolhedoras e deixando às clientes a busca do esclarecimento sobre o que estavam experienciando. Com isso, facilitando, igualmente, a autonomia e responsabilidade das clientes sobre seus processos.
O modo como se caracterizou a reiteração das terapeutas, frente ao processo das clientes, é apresentado por meio das experiências que se seguem:
• Na primeira relação analisada:
C: (…) tá difícil a coisa… agora eu tô me sentindo melhor que eu falei isso, acho que era isso que tava me incomodando, talvez, sei lá….
T: Sei lá, Luísa?
C: Acho que tá meio empacado demais, sabe, pra minha cabeça, essa minha situação com o Ricardo…
Em outro momento:
C: (…) mas que droga, entende, como é que é? Ah! Eu não sei… eu não sei nem te falar, sabe, mas é isso que eu sinto, e aí, o que que eu faço comigo, sabe? É
essa a questão…
T: O que que tu está fazendo contigo agora Luísa?
(Silêncio)
C: Eu não consigo ainda me achar… Eu sei que eu fiz uma boa caminhada, sabe Patrícia, mas eu ainda continuo me achando uma merda… achando que eu não consigo ajudar as pessoas…. aí me acho isso…
No primeiro e segundo exemplos, transcritos acima, constata-se que a terapeuta repete o final da fala da cliente, a fim de facilitar o processo da mesma, não interferindo com elementos extras, nem julgando alguma questão expressa pela cliente, e permanecendo no aqui-agora da relação. Este último aspecto fica mais explicitado, no segundo exemplo, quando a terapeuta o enfatiza, usando a expressão “agora”.
• Na segunda relação analisada:
C: É… E assim, eu tenho um… ah… eu tenho medo, assim, dessa questão… Ah! Eu tenho medo de me envolver, eu tenho medo dos meus sentimentos, mas eu tenho medo também desta questão de… um outro dia, esses dias que eu falei com ele por telefone, eu desliguei o telefone: eu quero um cigarro. Daí eu fiquei bem chateada comigo, sabe, e aí, até ontem, na reunião, eu tava até pensando que eu sei que eu tenho que priorizar, né; a primeira coisa tem que ser na educação, por causa disso, sabe. Porque aí eu pensei: eu quero um cigarro. Mas eu tava dentro de casa, eu não tinha um cigarro. Mas eu… eu não posso agir assim, né. Imagina se eu tô num outro lugar, imagina… isso pode trazer um monte de… E é nesse sentido que… eu sei que tem um lado também que eu tenho que me preservar; não me expor a esse tipo de coisa. Mas, ao mesmo tempo, isso é uma forma, daí, de eu não viver as coisas né.
T: Como assim, de tu não viver…
C: De eu não viver no sentido de ah, tá, tem sentimento. Não, eu sei que vai me desequilibrar e então é melhor eu nem tocar nisso, né. E ao mesmo tempo, eu vejo que é através do sentimento, né, que eu venho vivendo, assim, conseguido viver, sentir as coisas, vivendo, tendo umas experiências, assim, né. Então… não dá para também eu… né, essa questão desse relacionamento é bem isso, assim, eu não sou, não é aquela coisa, eu sou… Eu sempre fui apaixonada pelas pessoas, assim, né. E não é isso, não tem essa coisa, então eu já fico achando também que talvez não seja nada. Que eu tô confundindo. Mas não é isso, é uma questão… eu me sinto mais próxima assim. Tendo uma relação, assim, né. Eu nunca, assim, me relacionei com um homem; assim, com uma pessoa, né.
Constatamos, nessa exposição, que a terapeuta, com sua intervenção, não inclui nenhum novo elemento ao que fora comunicado pela cliente, está centrada e facilita a auto-percepção da cliente frente à experiência com a qual busca entrar em contato.
Outra experiência da relação:
C: Essas, essas questões, assim, de… de como as pessoas me percebem ou percebem como eu faço, né. E tenho percebido umas coisas bem diferentes do que eu imaginava.
T: Tu imaginava que as pessoas te viam de uma forma…
C: Ééé…
T: E elas te dão um retorno…
C: Diferente.
T: Diferente.
(Pausa)
C: É… é, diferente.
Nestes exemplos, fica explícito o aspecto não-diretivo e facilitador das intervenções da terapeuta para com a cliente. A terapeuta está empática e acompanha o ritmo da cliente, sem interferir de forma a cortar seu processo. Facilita que ela própria chegue ao que experiencia.
Outra experiência:
C: É, e… e aí… É! Não me olhavam ou que pensavam uma coisa e passava aquilo, assim, dos outros, né. Tipo assim… não sei…
T: Pensavam numa coisa e te passava…
C: Passava, assim, tipo ah… disfarçavam algumas coisas, ou, sabe, eu achava, não sei, sabe, eu achava que era fisicamente, ou como… Mas… mas isso, assim, eu achava que passava outras coisas, assim, e é engraçado, ver, às vezes, que as pessoas… E eu estou acho que tendo assim, esses retornos das pessoas, porque eu estou conversando mais com as pessoas. Eu não sei sobre o que que eu conversava antes com as pessoas, né. Mas a maioria das pessoas se surpreendem, assim, com os meus papos, atualmente, que… são as coisas mais, sei lá, mais casuais, assim, mais sobre mim, sobre o que está acontecendo né. E aí… é estranho.
Na situação acima, a terapeuta retoma um aspecto significativo do final da fala da cliente, evitando, com isso, que se esvazie o processo vivenciado pela mesma. Sendo acolhedora da experiência da cliente, sem trazer elementos novos, facilita a continuidade do que a cliente vivencia.
Outra experiência:
C: (Inicia fala, junto com o final da intervenção da terapeuta) É, não preciso me mexer, é… E daí, agora, daí eu fico assim, daí eu: ai, mas e se eu cansar; e eu: ai, mas e se não der certo (fala baixo)? Mas ao mesmo tempo, também, eu falo isso, mas falo meio que por costume também. Porque na verdade eu estou… não, não tem mais como eu abrir mão disso. Assim, desse processo, de fazer as minhas coisas. Não tem mais. Não vou mais voltar a ficar tranqüila, achando: ai, deixa que façam por mim e tal; não tem mais como, né. E, na verdade, isso que tá dando, assim, uma… assim, objetivos e coisas… na vida, assim, que vai dando, né, isso.
T: Isso que vai dando… não entendi.
C: Não, vai dando, tipo assim, né, isso de, tá, objetivos e… e… tá, saber que têm coisas que eu quero fazer, que eu posso fazer, saber, né… Mas têm horas que… que eu acho: ah, mas que cansativo.
Este último exemplo, da atitude não-diretiva expressa por meio da reiteração da terapeuta, explicita, mais uma vez, como esta intervenção facilita ao cliente entrar em contato com sentimentos que está experienciando, clareando para si o que está acontecendo internamente.
Em todos os seis momentos exemplificados, pode-se perceber, nas reiterações, a não interferência de questões intelectuais ou emocionais das terapeutas, características inerentes da atitude não-diretiva. Estando estas, como já citado, empáticas, congruentes e com consideração positiva incondicional para com as clientes, ou seja, centradas nas experiências reais, do aqui e agora das clientes.
3.1.2 Reflexo de sentimento
Reflexo de sentimento é a intervenção verbal da terapeuta que expressa à cliente sentimentos percebidos no aqui-agora de sua experiência e que estão nas “entrelinhas” (Tambara e Freire, 1999, p.131) de suas palavras.
Nas relaçõesde TCC analisadas, fica evidente a facilitação do processo terapêutico das clientes, pelas terapeutas, através de intervenções de reflexo de sentimentos. Constata-se que esta atitude verbal das terapeutas sempre foi uma forma de abrir “portas” ou retirar “barragens” que impediam ou dificultavam o fluir da auto-percepção das clientes, não dirigindo suas experiências, mas facilitando que entrassem em contato com elas, servindo como catalisadoras (Rogers, 1983) do processo das clientes.
Estes aspectos estão caracterizados nos momentos apresentados abaixo:
• Na primeira relação analisada:
C: Com o Ricardo a gente tá bem, mas a gente não tá bem, de repente…
… vontade de chorar… (chorando) hoje parecia que eu ia abrir a boca e ia começar a chorar assim…
(Silêncio)
C: Não é por causa do dia também, às vezes o dia nublado me deixava assim… mas não é por causa do dia hoje… porque ultimamente quando chovia e quando estava nublado eu estava bem também… parece, essa impressão que me dá é que eu não tô feliz com alguma coisa, sabe…
T: Parece, o que me passa, Luísa, é uma tristeza…
C: Aí que tá, eu paro pra pensar no quê, Patrícia, (chorando) eu não sei do que que é essa tristeza… quando eu paro, assim, as coisas que mais me vêm, é a questão dos clientes e a do Ricardo, mas eu não sei se é só isso… porque eu tô nisso dos clientes, eu tô nisso, sabe, nesse processo há um tempo, e não tá assim, eu sei lá.. que eu tô um pouco de cara comigo eu tô, né.
Aqui, constata-se que a terapeuta explicita o sentimento de tristeza presente na experiência da cliente, sem desviar para outro aspecto ou elemento alheio ao que esta vivenciava, permanecendo no presente. Através desta intervenção também observa-se a atitude empática da terapeuta para com a cliente. Depois dela, houve uma continuação natural do processo, na qual a cliente integra este sentimento, verbalizando e entrando em contato explicitamente com ele. Pode-se perceber, igualmente, a aceitação incondicional da terapeuta frente à experiência da cliente, o que lhe facilitou sentir-se acolhida e segura na relação, continuando em seu processo.
Em outro momento do encontro:
C: É possível… é o Ricardo ele me dá carinho, mas hoje em dia, ele, sabe, ele tá… parece que a gente tá num jogo, sabe… de quem dá mais…
T: O que me passa, assim, Luísa… um medo.. assim… de romper… Não sei se é isso, assim…
C: Não sei também…. pode até ter um medo de romper… (chora) talvez seja um medo de ver que já tá rompido, sabe.. só que eu ainda continuo gostando do Ricardo, isso existe ainda, sabe… mas admitir que por mais que a gente se goste, a gente não tá conseguindo, hoje, ficar junto, sabe… hoje… hoje a gente não tá conseguindo… Tá, tá certo que o Ricardo não admite em hipótese nenhuma de a gente se separar… eu já admito hoje em dia, sabe… admito de pensar em nós dois separados… só que eu não consigo separar, sabe.. porque eu gosto dele, isso é uma coisa real pra mim, sabe… eu gosto muito do Ricardo, tanto que quando eu estava em São Paulo eu imaginava, assim, sabe, nos dois lá… eu lá, sabe, daí ele, ele indo lá também, sabe, eu nunca, em momento algum, pensei em eu lá sem o Ricardo… e pra mim tudo ia acontecer e ia dar certo, sabe, ele ia estar lá, ele ia estar lá, a gente ia se ver, daí, no final de semana ele iria pra lá… eu nunca pensei na possibi… eu só pensava em coisa… nós dois juntos, sabe… porque ele faz parte da minha vida, sei lá… só que daí de repente hoje em dia a gente tá longe um do outro… a gente não tá conseguindo ficar perto…
Neste reflexo de sentimento, fica explícito o aspecto facilitador da intervenção da terapeuta, quando se verifica que serviu para a cliente abrir a “porta” e ampliar a percepção de sua experiência. Quando a terapeuta traz o medo de romper para a cliente, esta entra em contato com muitos sentimentos que estava vivenciando frente a sua relação com Ricardo, inclusive a possibilidade presente do rompimento. Foi, mais uma vez, uma atitude empática, de aceitação positiva incondicional da experiência da cliente e não-diretiva à medida que permanece no ritmo da cliente.
• Na segunda relação analisada:
C: Não corretamente, não sei, assim, ó, ah… por exemplo, né, essa história de… de… ir para a praia, não ir para a praia, aí, tipo assim, eu falei… tá, falei: mas como? Sexta-feira tu vai lá? Tipo assim, a gente ia viajar sexta. E ele: “Sim, sexta-feira eu vou lá”. E aí eu fiquei, tipo assim: tá, só um pouquinho, né, agora o que que tá acontecendo? Eu que estou ficando braba à toa, porque, tudo bem, sexta-feira ele tem um compromisso e a gente vai só sábado. Mas, só um pouquinho, se a gente combinou que ia na sexta-feira! Né. E eu não vou tipo… tá, sexta e sábado, ah… durante o final de semana normalmente eu tenho compromisso, eu concordo. E a gente combinou há um tempo. Então para mim é, o final de semana começa na sexta-feira. Agora ele me diz que o final de semana começa no sábado. Que sexta-feira ele trabalha, talvez ele tenha essa imagem, que o final de semana começa no sábado. Para mim o final de semana começa na sexta. Nunca pensei que final de semana pudesse começar em momentos diferentes. Entendeu, então para ele tá muito claro que o final de semana começa no sábado. E que a gente combinou para sábado de manhã bem cedo. Para mim não, para mim tá muito claro que é na sexta-feira, né. E aí eu me senti de uma maneira assim, que eu tenho que fazer as coisas do jeito correto, assim. Que o Carlos tem, ah… espera algumas coisas. Tipo assim, não, ele tem compromisso, então eu tenho que aceitar e… eu tenho…. ou então ele não… eu sinto que eu faço isso, na verdade, meio que para… umas coisas meio que para não perder assim, sabe. Porque eu acho que se não; por exemplo, ele me perguntou: “ah, eu acho que tu não…” Ah… ele falou… por telefone, né, esses dias, ele falou: “Ah, eu não gosto de te ver assim, tu está triste”; uma coisa assim, mais ou menos isso ele falou. E eu: ué, não sei o que, daí eu falei: não, não! Mas não te preocupa. Tipo assim, sabe, uma coisa, né, que ele não vai achar que está me prejudicando e sabe. E aí eu fico vendo que de repente eu estou agindo… não para agradar, mas é de acordo com o que eu acho que ele espera de mim… Às vezes não… né, porque… eu tenho conseguido, assim, eu tenho uma relação que eu converso com ele sobre várias coisas, mas exceto sobre eu e ele, entendeu? A gente conversa sobre tudo. Agora, quando começa a falar nesse assunto eu saio, né. E aí ele disse assim: “Ai, tu está me cobrando?” Ah, foi isso que ele falou: “Tu está me cobrando alguma coisa!?” Daí eu me senti ofendidíssima e digo: eu não estou te cobrando nada. E não, eu não quero isso, assim, sabe. Porque é isso também, eu fico pensando: eu não tenho que me submeter às coisas, sabe. Se ele está se sentindo cobrado, então tá. Então não é isso que eu… Eu não estou conseguindo diferenciar o que que realmente é eu ou essa coisa, que tem que ser tudo do meu jeito, e rápido e urgente; e o que que também é dele, né. Essa coisa de, por exemplo, não, que ele não pode se sentir cobrado, porque tem os compromisso, porque…. tudo bem, tem um lado que é bem visível, agora também tem essa coisa dele, assim, têm umas… Têm umas coisas, assim, bem metódico, sabe? E aí eu fico pensando o que que é eu, assim, o que que é a minha parte, e o que que é a parte dele. Eu não sei! E a minha maneira de resolver, então, e acaba em nada. Então eu vou abrir mão; é melhor porque isto, né, vai me trazer problemas no futuro. Eu já começo a ver que eu vou sofrer e que vai acabar, né… E é com todas as relações, né, que eu sempre acho que vão acabar. Né…
T: De certa forma, assim, por um lado tu fica projetando também, né, Sofia, teu futuro, o que que vai acontecer. E tu fica trabalhando em cima do que vai acontecer.
C: E já sofro pelo que vai acontecer. Porque ontem eu estava sofrendo porque eu ia falar com o Carlos, então que… sabe… que não dá, assim, que é melhor a gente não ter nada, para não sofrer depois. Porque eu já tinha ido lá no futuro, sofrido bastante, voltado, daí sofrido um pouco; paranão sofrer tanto, né. E aí ele chegou normalmente: “Ah, eu passei só para te dar um beijo e te dar isso aqui, amanhã a gente se fala”. E aí eu fiquei totalmente sem ação com aquilo… né…
T: A sensação que me passou, assim: que tu fica sempre antecipando uma dor, assim, Sofia. Tu quer antecipar teu sofrimento.
C: É…
T: Tu disse assim, né, “eu já vivi tudo, já sofri agora, foi para não sofrer mais tarde”. A sensação que me passou assim, tu já antecipa teu sofrimento, né. Então vou sofrer agora, para depois a dor ser menor, assim. Me pareceu assim.
C: É… E assim, eu tenho um… ah… eu tenho medo, assim, dessa questão… Ah! Eu tenho medo de me envolver, eu tenho medo dos meus sentimentos, mas eu tenho medo também desta questão de… um outro dia, esses dias que eu falei com ele por telefone, eu desliguei o telefone: eu quero um cigarro. Daí eu fiquei bem chateada comigo, sabe, e aí, até ontem, na reunião, eu estava até pensando que eu sei que eu tenho que priorizar, né; a primeira coisa tem que ser na educação, por causa disso, sabe. Porque aí eu pensei: eu quero um cigarro. Mas eu estava dentro de casa, eu não tinha um cigarro. Mas eu… eu não posso agir assim, né. Imagina se eu estou num outro lugar, imagina… isso pode trazer um monte de… E é nesse sentido que… eu sei que tem um lado também que eu tenho que me preservar; não me expor a esse tipo de coisa. Mas, ao mesmo tempo, isso é uma forma, daí, de eu não viver as coisas né¹.
Nos três reflexos de sentimentos acima, percebe-se o movimento da
terapeuta em função da cliente. A terapeuta reflete, baseada na experiência que a
cliente está comunicando, os sentimentos de necessidade de projetar o futuro, de antecipar as situações , a dor e o sofrimento, para a dor ser menor depois e, dessa forma, facilita o processo da cliente de entrar em contato com suas experiências e seu medo. Está empática, aceitando incondicionalmente as experiências da cliente e respeitando seu ritmo, dentro do seu processo.
Em outro momento da relação:
C: É. Porque continuação me dá uma sensação de muita intimidade, assim, me assusta! Né. E isso, eu digo, em qualquer tipo de relação, né. Então é uma coisa de muita, é! Tipo assim, tá! Mas daí a gente tá passando por isso aqui juntas e aí nós vamos seguir, vai chegar outras coisas, aonde é que isso vai dar!?
T: Mas ao mesmo tempo, assim, me passa uma contradição, né. Porque ao mesmo tempo que tu me diz isso, tu está me dizendo assim: mas eu não quero ir, eu não quero que termine.
C: É…
T: Tem uma contradição, assim, para mim. Ao mesmo tempo que tu diz tá, mas é muita intimidade ficar junto tanto; tu diz assim: tá, mas eu também não quero que termine aqui.
C: Pois é, mas é, eu acho que é bem… isso, assim, que… que eu sinto que eu estou… que eu estou vivendo agora, assim, essa… né, e… e essa coisa de tá, eu quero porque eu tenho sentido as coisas assim, eu não sentia né, as coisas iam acontecendo, eu tenho sentido. E isso tá dando uma coisa, assim, né. Tá, eu estou me sentindo vivendo, assim, as coisas. Mas ao mesmo tempo têm horas que eu digo: Ah, mas e aí!? Isso tá, tá sendo bom, mas daqui a pouco vai dar tudo errado e eu vou sofrer muito porque está sendo muito forte, então vai ser forte; tá sendo forte e bom, vai ser forte e ruim, né… E, mas ao mesmo tempo não. Não quero, não quero perder, não, não quero me afastar. Não tenho essa… essa vontade…
T: Me parece uma briga assim, contigo Sofia.
C: É…
T: Uma briga entre o bom e o mau, assim, me passou, né. Então fica o bom e o mau. É bom, mas pode ser mau, tá e aí ser for mau eu não quero. Mas tá sendo bom e ao mesmo tempo, assim, eu não estou conseguindo ah… desfrutar do bom… Essa palavra assim. Eu não desfruto esperando já o mau, né.
C: É, mas…
T: Fica se digladiando, assim.
C: Mas sabe que eu percebo também, né, que… já é bem menos assim, né, essa coisa do… do… do amanhã, do ontem, né. E até, esses dias, eu estava sentindo, assim, né, eu estava pensando… Tá, eu já não falo assim das coisas do passado, assim, com tanta mágoa, sabe. E eu estava sentindo assim, que eu estava conseguindo ser mais, tipo, amorosa, comigo mesma, assim, sabe. No sentido de tá, aceitar mais. E inclusive, assim, certas dificuldades, ou particularidades, né, umas coisas que, né; tanto assim, se eu quiser mudar eu tenho que aceitar como coisas que eu acho que é meu jeito, que não adianta eu querer, sabe, ser, achar que uma hora eu vou me transformar numa coisa totalmente diferente, né. E aí, ah… eu estava pensando assim que eu já consigo ser um pouquinho mais… mais legal comigo, assim, sabe. E aí, então, isso assim em relação ao passado, né. E aí, do futuro… eu… tá, eu fico né, dando uma chegadinha lá, para ver como é que eu acho que vai ser (ri), né, mas, assim, menos do que antes. Isso, às vezes, eu até me digo: mas o que… que que eu estou fazendo sabe. Tem horas que eu acho assim que, tá, eu sinto que eu fico tentando controlar muito, né. Mas tem horas que eu fico: Ah!? Mas será que eu não larguei de mais o controle, né? Porque hoje, realmente, tá, eu tenho alguns planos, mas eu não estou, assim, né tão… eu estou fazendo as coisas do hoje, assim. Talvez seja normal para… assim… não sei, eu… Eu sinto assim, tipo, dando uma… ênfase no hoje, sabe. Vários momento, assim, que eu começo a pensar e daí eu já digo: Tá, pára aí, deixa primeiro eu fazer o que eu posso fazer agora, né, e depois ver. Então eu já acho que é bem menos do que antes, né. Mas… mas nessa coisa de… relaç… Tá! Quando envolve outras pessoas, assim, com certeza eu já… eu já vou lá, já sei o que que a pessoa vai pensar. E aí eu tenho me deparado com um monte de coisa! De eu ter conversado mais com as pessoas. E tenho me deparado com um monte de coisas diferentes, né, do que eu tinha certeza ou do que eu ficava imaginando né, que as pessoas falassem ou pensassem ou sentissem.
Nas cinco intervenções acima, a terapeuta, no ritmo da cliente, reflete sentimentos desta, facilitando, novamente, para que entre em contato com suas experiências e isso fica explícito na seqüência da cliente às intervenções da terapeuta. A cliente não sai do seu movimento de auto-percepção. Pelo contrário, o amplia comprovando quão facilitadores foram os reflexos feitos pela terapeuta, os quais explicitam a contradição emocional e a briga interna da cliente entre experienciar sensações boas e más para si.
Estes reflexos ajudaram a cliente a reconhecer suas experiências e entrar em contato tanto com os aspectos bons como com os ruins. Reconhecendo, por exemplo, sua busca de auto-aceitação, sua necessidade de controle, seus movimentos para modificar suas dificuldades e que está menos presa ao passado e ao futuro, conseguindo dar maior ênfase ao presente.
Outro momento:
C: É e daí tudo isso, né… vai… vai… eu vou pensando assim, né, porque,
na verdade, eu sempre disse que eu quero fazer as coisas, mas não chegava perto de fazer. Tipo, em termos, assim, de trabalhar, em termos, sabe? Não chegava perto de fazer. E aí, na verdade, ficava como uma coisa assim, um sentimento meio que de incapacidade. Uma hora eu vou ter que checar isso, mas tenho medo que não dê certo, então daí eu nem preciso ver se dá ou não dá, porque também eu nunca chego; faço outras coisas né. E daí agora isso que… essa questão, assim, né, de começar a fazer estágio e trabalhar e tal. E aí eu começo a pensar, tipo, a primeira coisa que eu penso: não, eu não estou em condições! Né. E aí, de repente, as pessoas ao meu lado começam a me dizer que acham que eu tenho condições, né. As pessoas ao meu redor assim. Né. Tanto as que sabem do que eu estou falando, assim, e me dizerem, me apoiando: não, vai fazer. Quanto as outras pessoas, de repente, me escutando assim, sabe… Às vezes, sabe, até na… na faculdade, às vezes, as pessoas vêm: “Ai, tu pode me ajudar? Posso conversar contigo?” Né. E… eu sempre fui acostumada a fazer isso através de… tá, para mim ajudar, era eu estudar, ensinar as coisas, né, que eu tinha lido. E aí, de repente, as pessoas vêm, assim, conversar; uma coisa bem estranha, assim, para mim, né. E aí… medá medo, né, porque eu tenho que lidar com uma responsabilidade que é minha só, né. Ninguém está me responsabilizando por nada. Mas quer dizer, então… porque eu achava tipo assim, as coisas, de, por exemplo, trabalhar e tal… Ah, eu queria fazer, mas não dá, né. E… minha família mesmo; eles diziam: não, porque tem que dar. Que nem, tipo, tem que dar uma, um local para Sofia trabalhar, a gente vai comprar, vai dar… uma casa para Sofia morar. Assim, quando falavam em futuro. Uma coisa tipo assim, então eu já sabia, eu digo: ah, eu não vou conseguir as coisas, vou ganhar! Sabe? E aí hoje eu vejo que, na verdade, eles não têm nada que me dar! Né. Que eu que tenho que fazer. E aí vem toda essa coisa de, mas tá, mas e… como fazer, né? E… e aí eu vejo que, tipo assim, que não tem volta! Né… que não dá. E essa coisa (ri)… essa coisa de… de tá, daí comecei, agora tenho que continuar a caminhar, né…
T: O que me passou assim, pra ti parecia cômodo, né Sofia.
C: É… E agora desacomodou! Né. Tipo assim, tá eu até posso dizer: não, eu não quero trabalhar agora. Mas eu já não estou tranqüila, já não é mais… aquela coisa assim: tá, deixa que eles façam por mim. Não! Já não, não funcionou mais. Estava cômodo antes; e estava cômodo tanto em termos práticos, quanto para mim. Eu estava acomodada. E, agora, mesmo que eu siga sentada e eles me dando as coisas, já não tá cômodo e eu já sei que eu tenho como caminhar, né, só que exige esforço.
T: A sensação que me passou, assim, é que antes a incapacidade, se achar incapaz, servia como justificativa.
C: É.
T: E agora parece, assim, tu já sabe que é capaz. Já não serve mais como justificativa.
C: É…
(Silêncio)
T: A incapacidade, me passou, assim, né, Sofia, era sinônimo de: deixa assim, não precisa fazer nada.
C: (Falando junto com terapeuta) É, não preciso me mexer, é… E daí, agora, daí eu fico assim, daí eu: ai, mas e se eu cansar; e eu: ai, mas e se não der certo (baixo)? Mas ao mesmo tempo, também, eu falo isso, mas falo meio que por costume também. Porque na verdade eu estou… não, não tem mais como eu abrir mão disso. Assim, desse processo, de fazer as minhas coisas. Não tem mais. Não vou mais voltar a ficar tranqüila, achando: ai, deixa que façam por mim e tal; não tem mais como, né. E, na verdade, isso que está dando, assim, uma… assim, objetivos e coisas… na vida, assim, que vai dando, né, isso.
Nos reflexos de sentimentos acima, fica, novamente, explícito que a terapeuta vai junto com o movimento e acompanha o momento da cliente. Quando a terapeuta reflete o sentimento de ser cômodo, inerente ao discurso, facilita a percepção da cliente de estar atualmente desacomodada e de ter condições de caminhar por si mesma. E, quando reflete o reconhecimento, da cliente, de ser capaz e de usar sua incapacidade como justificativa para não se desacomodar, facilita à cliente ampliar a percepção do que experiencia e da sua responsabilidade frente a seus processos.
Em todos os momentos transcritos acima, dos encontros terapêuticos analisados de TCC, fica explícito o poder de facilitação do reflexo de sentimentos das terapeutas para as clientes. Fica claro que são intervenções não-diretivas que respeitam o processo e o ritmo das clientes, permanecendo no aqui-agora da relação. São, igualmente, resultado da empatia, aceitação positiva incondicional e congruência das terapeutas que expressam os sentimentos presentes das clientes e facilitam que estas se sintam seguras e confiantes para “mergulharem” nas suas experiências reconhecendo-as e ampliando sua auto-percepção.
3.1.3 Resposta-reflexo de elucidação
Trata-se de uma intervenção verbal da terapeuta que busca evidenciar
sentimentos e atitudes que não decorrem diretamente das palavras da cliente, mas que podem ser deduzidos de sua comunicação ou do contexto expresso na relação (Rogers e Kinget, 1975). É a verbalização da compreensão da terapeuta de sentimentos e significados que ainda não foram apreendidos pela cliente (Tambara e Freire, 1999).
Esta intervenção e seus aspectos não-diretivos são constatados, nas duas relações analisadas, demonstrando mais formas de experienciar a não-diretividade na relação de TCC. Nos exemplos que se seguem, explicita-se como isso acontece na prática:
• Na primeira relação analisada:
(Silêncio)
C: Mas eu tô voltando a soltar minha língua, assim, sabe…. eu tô voltando a me soltar agora… não soltar a minha língua porque eu sempre falei, mas por exemplo, tinha locais, por exemplo, na supervisão, que eu tava bem mais quieta, e agora eu estou voltando a falar em supervisão o que que eu acho… não por pensar, sabe, eu não pensava assim: “ah, eu não vou falar”, mas eu estava num momento de ficar mais quieta, por várias coisas que estavam acontecendo comigo… e agora eu estou voltando a falar e às vezes parece que é muito, assim, é tudo muito sabe… eu falo em supervisão, eu falo… segunda-feira eu falei o que eu estava sentindo e o que eu estava pensando… não me deu, não fiquei nada, sabe, não fiquei nada preocupada em falar, eu falei o que eu estava querendo falar e falei, sabe… não fiquei muito preocupada, assim, em falar e não falar… normalmente, o que eu quis falar, eu falei, mas a supervisão é uma coisa que tá meio, que tá mexendo comigo de novo, sabe… Ai! Patrícia é muita coisa, caramba… agora tá me passando mais coisa
pela cabeça também…
(Silêncio)
C: Eu não sei nem falar, sabe, tem tanta coisa na minha cabeça que se eu colocasse tudo pra fora ia ser uma chuva de um monte de coisa… e daí eu fico pensando assim, porque, então, que eu tô me sentindo assim, sabe…
(Silêncio)
C: A princípio tá acontecendo tanta coisa comigo, porque é que de repente eu tô assim hoje, se é o caso…
T: Não sei… Não sei Luísa, eu sinto assim como se tivesse dividida…
(Silêncio)
C: Eu não tô entendendo nada… Eu não tô entendendo porque que tá surgindo esse outro lado, sabe…
(Silêncio)
C: Eu não sei bem… tenho um monte de coisa pela cabeça mas eu não sei, assim, parece que nada é mesmo, sabe…
(Silêncio)
C: Por exemplo, (chorando) amanhã vai ter baile, eu sempre tenho muita vontade para ir pro baile…. é sempre um dia assim que é bem bom pra mim, e eu não tô com a mínima vontade, sabe…. não de ir pro baile, mas eu não tô nada, nada empolgada com nada, sabe… não é de ir até Canela, tá, eu queria ficar aqui até, tu sabe… não pelo baile, porque pelo baile eu queria ir pra lá, mas eu tô precisando ficar um final de semana aqui… Porque eu fui no último, e nesse tem o dia das mães ainda pela frente… e o final de semana eu tenho livre pra fazer as minhas coisas, o trabalho, eu quero ver se deixo até o final de maio pronto… mas eu não sei, sabe…
Na intervenção acima, a terapeuta traz à cliente um aspecto presente no contexto da sua comunicação, ao explicitar o estar dividida, comunica um sentimento expresso na vivência da cliente que, entretanto, não estava integrado à percepção de sua experiência. Esta elucidação da terapeuta, baseia-se exclusivamente na experiência da cliente, não advindo de interpretação fundada em algum conhecimento intelectual, psicodinâmico, da terapeuta. Ou seja, é fruto da empatia da terapeuta frente ao processo da cliente.
O resultado desta intervenção, pode-se constatar no restante de todo encontro terapêutico, quando a cliente vai englobando essa experiência ao seu auto-conceito, elaborando, conseqüentemente, aspectos que estão relacionados a ela, como, por exemplo, sentimentos opostos referentes ao seu relacionamento com seu namorado, Ricardo.
Em outro momento da relação:
C: (…) tá tudo muito solto pra mim… te falar assim… parece que a gente não tá mais se entendendo ultimamente, sabe…
(Silêncio)
C: Parece que a gente tá… hoje, hoje… parece que a gente tá longe um do outro, sabe… tem fases que eu amo o Ricardo de paixão, tem fases que… sabe… e hoje parece que a gente tá longe um do outro… a ponto de não conseguir se comunicar, sabe… a gente conversa, tudo, mas a gente não tá perto, sabe, um do outro… eu não sei se é por minha causa, sabe… eu não sei, Patrícia, nada, assim… Terça-feira, por exemplo, ele chegoulá em casa, sabe… do nada… Ah, e quando eu vi que era ele, eu fiquei tri feliz, assim, sabe, porque ele nem me falou nada no telefone… a gente nem se falou na terça, acho… durante o dia….e ele chegou lá era onze e meia, tocou o interfone e era o Ricardo, sabe, foi bem legal assim.. eu fique feliz, fui lá… sabe, mas daí… tá, mas daí quando a gente tá junto parece que a gente não consegue se comunicar… eu não sei se é porque ele tá vivendo uma coisa que ele tá precisando muito de mim e eu também tô precisando muito dele e daí a gente fica só querendo que o outro dê atenção pro outro e daí a gente não dá atenção, eu não sei, sabe, Patrícia, o que tá acontecendo… porque ele… Que nem hoje, vou te dar o exemplo de hoje, o que aconteceu, eu liguei pra ele, né… pra ver se, quando que que ele ia embora, pra ver se ele… porque de carro eu sei que ele não tava… mas daí ele pegou e… e tá de caminhonete, talvez ele vá com outro carro… então… talvez eu consiga, assim, sabe, não sei, de carona, a gente dê um jeito para ele passar na faculdade, eu vou de metrô até lá e ele me pega… e daí eu pedi pra ele assim, tá, com vontade de chorar, né… Daí eu pedi pra ele assim: “Tudo bem contigo, Ricardo?”, – “Tudo, tudo bem”, e eu queria que ele pedisse pra mim: “Tudo bem contigo, Luísa?”, sabe, e ele não pediu (chorando)… e eu desliguei o telefone e pensei isso, assim, eu disse: ah! Ele sentiu que eu estava com uma voz péssima e nem pediu pra mim se estava tudo bem, sabe, daí ele me liga depois de cinco minutos… e fala comigo assim… não sei o que que ele me disse… não sei o que ele me disse agora… Ah!: “Oi, eu sou o Ricardo, tu sabe quem é o Ricardo? Tu lembra dele?”. Daí eu falei: “O que que foi Ricardo agora?” Daí não sei o que eu disse pra ele, daí ele já ficou sério… ah, daí eu fiquei braba com ele e eu comentei isso com ele, sabe… que é pra ele, pra ele ver o quanto ele me compreendia e ele tinha, sabe, sensibilidade pra minha pessoa, que ele nem viu que eu tava mal hoje… daí ele falou: “Mas eu também tô mal, já tomei comprimido porque eu tenho três meses para terminar o… três meses não, três semanas, ah, não sei… três semanas pra terminar o meu trabalho de conclusão”… Tá! E no final ficou assim, sabe… ele brabo com as três semanas… dele, sabe… só que eu também queria carinho dele agora. Então a gente tá nessa, sabe, Patrícia. Eu acho que eu não tô dando carinho pra ele e ele não tá dando carinho pra mim… Ah, eu não entendo mais nada também…
T: Não sei Luísa, tu tá falando assim, por um lado… da tua vida assim… tu tá … pela primeira vez, parece que… recebendo carinho… pra tudo…
C: Eu acho que é valorização, sabe…
T: Valorização…
C: Isso tá me deixando…
T: Esse lado tá muito intenso em ti, assim.. mas por outro lado… é como se tivesse que mendigar…
C: É possível… é o Ricardo ele me dá carinho, mas hoje em dia, ele, sabe, ele tá… parece que a gente tá num jogo, sabe… de quem dá mais…
Neste momento do encontro, a terapeuta, através da elucidação, traz para a cliente aspectos contrários que esta vivenciava e vinha comunicando na relação. A questão do carinho a cliente já havia expressado anteriormente e amplia a percepção desse aspecto, quando a terapeuta o retoma, falando sobre seu sentimento de valorização. A terapeuta, neste momento, expressando a aceitação incondicional e a sua compreensão do processo da cliente, reitera apenas. Depois, com outra elucidação, e numa continuação da anterior, reporta-se ao aspecto do mendigar, não comunicado explicitamente na verbalização da cliente, mas presente no aqui-agora da sua experiência.
A confirmação disso e, igualmente, de que foi resultado de uma atitude empática da terapeuta, tem-se depois de mais alguns minutos de encontro, quando a cliente expressa:
C: (…) Tá, eu me irrito um monte com o Ricardo, tem coisas nele assim que não tem condições sabe… que eu fico imaginando se ele vai ser assim pro resto da vida, eu sei que eu não vou conseguir viver com ele, sabe… Dinheiro é uma coisa… não que ele seja assim, sabe, horrível de dinheiro, ele gasta., mas ele… é difícil tirar dele alguma coisa, sabe, e não é nem pra tirar… Por exemplo, eu paguei algumas coisas pra… que nem assim, o presente do panetone da tia e do tio e do pai e da mãe, sabe… comprei o anticoncepcional, isso aí tudo ele ia pagar… porque eu fui pra São Paulo e daí eu tava mal de grana, né… ainda que eu tirei vinte reais a mais, sorte que o pai daí… a minha salvação foi que o pai pegou e não aceitou o dinheiro, que eu tinha daí economizado para dar pra ele o que eu tava devendo… Porque a tia, a mãe do Ricardo, me deu trinta reais de páscoa, daí eu consegui, eu tava devendo quarenta e oito pro pai… Só que daí o pai não quis o dinheiro, ele devolveu pra mim, daí voltou quarenta e oito pra mim, eu consegui pagar a conta do telefone, paguei o café, paguei um monte de coisa que eu tava devendo, dez reais de almoço… senão eu ia ter que, sabe… Daí, tá, daí eu nem cobrei mais os dez reais do Ricardo, sabe. Mas ele não me dá dez reais, sabe… Ele deu o que ele tinha que dar pro pai, ele não me dá dez reais… Sabe, isso me dá raiva nele, ele tem dez reais pra me dar, sabe, por que que ele não vai me dar? E daí eu fico sempre mendigando, é bem isso, eu sempre tenho que mendigar pra ele alguma coisa, tchê… e isso é uma coisa que eu suporto… não suporto porque o pai ele é assim, hoje em dia ele tá diferente… (…).
• Na segunda relação analisada:
C: Essas, essas questões, assim, de… de como as pessoas me percebem ou percebem como eu faço, né. E tenho percebido umas coisas bem diferentes do que eu imaginava.
T: Tu imaginava que as pessoas te viam de uma forma…
C: Ééé…
T: E elas te dão um retorno…
C: Diferente.
T: Diferente.
(Pausa)
C: É… é, diferente.
T: E tu se surpreende.
C: Me surpreendo.
(Pausa)
T: Mas ao mesmo tempo que se surpreende, tu está conseguindo se reconhecer Sofia.
C: Tô. Acho que eu estou.
T: Acha que está.
C: É, na verdade… na verdade tô! Estou até me divertindo!
Neste momento do encontro, a terapeuta, acompanhando o processo da cliente – depois de algumas reiterações e do reflexo sobre seu sentimento de surpresa – faz uma elucidação, em que traz à cliente, além do aspecto da surpresa, recém integrado em sua percepção, a questão do estar conseguindo se reconhecer. Este aspecto estava presente na experiência da cliente, porém não ainda apreendido pela mesma.
Foi uma atitude resultante da dedução empática da terapeuta, em relação à experiência da cliente, que foi confirmada logo após, através das verbalizações que se seguiram à elucidação, e que facilitou o processo de auto-reconhecimento e de auto-aceitação da cliente.
Nos exemplos de elucidação acima transcritos, percebe-se a atitude não-diretiva expressa através da empatia, aceitação positiva incondicional e congruência das terapeutas na relação com suas clientes, quando trazem os aspectos presentes, mas não ainda apreendidos, de suas experiências.
Por mais que estas intervenções tragam sentimentos e/ou atitudes ainda não apreendidos pelas clientes, são resultados explícitos da compreensão empática das terapeutas, que, indo ao encontro do comentário de Tambara e Freire (1999) sobre a elucidação, permanecem centradas na experiência das clientes, não somando a essa questões externas.
Através dos exemplos, fica explícito que o comunicado pelas terapeutas, nas elucidações realizadas, foi fruto da experiência das clientes e não de interpretações intelectuais, baseadas em conhecimentos técnicos e psicodinâmicos. Ou seja, as terapeutas, acompanhando o processo das clientes, não direcionam para aspectos alheios ao aqui-agora de suas experiências, mas sim, facilitam a auto-percepção das próprias clientes; as quais, inclusive, indicam, na seqüência da elucidação, se é o momento ou não de entrarem em contato com o conteúdo elucidado.
3.1.4 Silêncio
A atitude não-diretiva está presente no silêncio à medida que a terapeuta, acompanhando a cliente de forma empática, respeita seu processo e seu ritmo, e confia na sua capacidade de chegar aonde deseja, não interferindo, nesses

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