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1 Realismo-Naturalismo Português 2D05 Aula Contexto O desenvolvimento industrial, o progresso econômico, as descobertas científicas e as correntes filosóficas de orienta- ção racionalista (Positivismo, Determinismo, Evolucionismo, Socialismo) foram elementos que desde as primeiras déca- das do século XIX já vinham provocando uma mudança na mentalidade das pessoas e dos artistas em especial. Alterou-se a maneira de ver e interpretar a realidade, cada vez menos apoiada nos sentimentos, nas emoções e na religião; e cada vez mais inspirada na objetividade e na observação racional dos acontecimentos e do com- portamento humano. A visão de mundo subjetiva, moralista e individua- lista do conservadorismo burguês passa a enfrentar a praticidade e o pragmatismo liberal da classe média. É nesse ambiente de transformações físicas e mentais que surge o Realismo como uma reação artística de crítica à hipocrisia moralista da classe média. Características • Objetividade e impessoalidade na apresentação e interpretação da realidade e dos acontecimentos, e na criação e análise dos personagens e de seu comportamento. • Racionalidade que foge do exotismo e pratica a verossimilhança. • Crítica sistemática ao conservadorismo burguês, ao moralismo, às relações baseadas puramente na afeição e às instituições que sustentam essas “men- tiras”, como família, casamento, amizade, religião, sociedade. No Brasil, o Realismo se inicia oficialmente em 1881, com o lançamento dos livros O mulato, de Aluísio Azevedo, representante do Naturalismo, e Memórias póstumas de Brás Cubas, representante do Realismo propriamente dito. Machado de Assis Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) era neto de escravos, órfão desde criança, sofreu inúmeros problemas de saúde nos olhos, nos intestinos, com a ga- gueira e mais tarde com a epilepsia. Apesar de tudo, com incrível força de vontade, talento e perseverança, supe- rou as dificuldades de sua origem humilde, tornando-se uma unanimidade nacional, ainda em vida. De menino de rua, vendedor de balas, tornou-se aprendiz de tipógrafo, redator e colaborador de vários jornais, cronista, diretor do Diário Oficial, presidente da ABL, Diretor Geral da Viação. Casou-se aos 30 anos com D. Carolina Xavier Novais. A personagem D. Carmo Aguiar, mulher bondosa, serena, afetuosa e íntegra, do Memorial de Aires, de 1908, é uma homenagem póstu- ma do autor à sua saudosa esposa. Fase romântica As primeiras obras de Machado de Assis, os roman- ces, Ressurreição, Helena, A mão e a Luva e Iaiá Garcia, e os livros de contos, Contos Fluminenses e Histórias da Meia Noite, são consideradas românticas, por estarem inseridas no contexto estético e social do Romantismo. Estas obras atendem às expectativas da burguesia. Entretanto, a busca de prestígio através da política e a volubilidade das personagens com relação aos princípios morais, religiosos e ideológicos já antecipam posições que o autor desenvolveria posteriormente. Fase Realista • Romances: Memórias póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memo- rial de Aires. • Contos: Papéis avulsos, Histórias sem data, Várias histórias. • Poesia: Ocidentais. 2 Extensivo Terceirão Observe e analise algumas características de suas obras realistas. • A ambivalência, o relativismo, as contradições e a ân- sia das pessoas pela ascensão social a qualquer custo. • A análise psicológica que deixa em segundo plano o enredo, a paisagem e os costumes da época, para colocar em relevo o estudo e a análise do comporta- mento e das contradições humanas. • A objetividade, a síntese e a mestria na utilização da linguagem e de todos os seus recursos, em períodos e capítulos curtos, densos e profundos. • As conversas com o leitor para torná-lo cúmplice na elaboração de suas teorias e fazê-lo entender a estru- tura da obra através de referências metalinguísticas. • Os personagens profundos e imprevisíveis classifi- cados como esféricos ou redondos. • O pessimismo com que o autor vê a vida e a acidez com que desvenda e envenena todas as atitudes e sentimentos humanos, amenizado pela fina ironia e pelo humor sutil. • A linguagem, cheia de sutilezas, meios-tons, insinuações e reticências como instrumento para vasculhar e revelar os mistérios da alma humana. • A impressão de que nada na vida é definitivo, evitando tirar conclusões ou fazer juízos de valor, transferindo ao público a responsabilidade de elabo- rar suas próprias opiniões. • As digressões (desvios do tema central), principal- mente nos romances, a fim de chamar a atenção para elementos circunstanciais e periféricos. Assim, tem-se a impressão de que as ações se desenrolam preguiçosamente. Romances mais famosos Memórias Póstumas de Brás Cubas Esta obra revolucionária, que marca o início da estética realista e a ruptura do escritor com os padrões românticos, trata das memórias de um defunto-autor, recurso nitidamente inspirado pela obra do escritor norte-americano, Edgar Allan Poe, de quem Machado era leitor assíduo. A dedicatória no início do romance é diagramada em forma de epitáfio, o que foge por completo de tudo o que se tinha sido feito até então: Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas memórias póstumas Por ser um narrador-defunto, Brás Cubas pode expor-se sem pudor, revelando ao leitor seus mais ínti- mos segredos, toda a sua verdade interior, pois nenhum julgamento moral pode agora amedrontá-lo. São elementos importantes do estilo de Machado de Assis, presentes nesta obra: a presença da intertextua- lidade com inúmeras referências à bíblia e à mitologia grega; emprego frequente da metalinguagem, pela qual o autor dirige-se com o leitor e discute o próprio processo narrativo: “Decida o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto”. Uma ironia pessimista e corrosiva acompanha toda a narrativa, desde a primeira até a última página do livro, denunciando a hipocrisia da sociedade e das pessoas, mais interessadas em manter as aparências do que em buscar a verdade. Personagens • Brás Cubas é o defunto, o personagem-narrador. Um morto que se propõe a analisar a si e aos outros. Problemático desde a infância e mimado pelo pai, torna-se irresponsável quando adolescente, um homem egoísta, mesquinho e frustrado. Exteriormente, aparenta estar sempre bem e goza de certo prestígio social, pois dispõe de boa condição finan- ceira. Interiormente, sente-se fracassado e, para mudar tal realidade, tenta constantemente conseguir fazer algo que lhe dê maior prestígio: casar-se, conseguir uma cadeira na Câmara dos Deputados, fundar um jornal de oposição, ser ministro, inventar um novo medicamento, escrever um livro de memórias. • Virgília foi namorada e depois amante de Brás Cubas. Mulher bonita, ambiciosa, que aparenta gostar realmente do protagonista. A princípio, iria casar com Cubas, porém acabou casando-se com Lobo Neves, em virtude de este possuir maior prestígio político. Apesar do relacionamento ilícito mantido, não abre mão de sua vida de casada, pois quer manter sua posição social. • Lobo Neves é o marido traído de Virgília. • Marcela, bailarina espanhola, paixão juvenil de Brás Cubas, amou-o “por quinze meses e onze contos de réis”, era uma mulher sensual, mas mentirosa e interesseira. • Eugênia era filha do Doutor Vilaça e de D. Eusébia. Apesar de ser muito linda, era coxa, e tal fato incomo- dava muito Brás Cubas, preocupado com a opinião dos outros. Manteve um breve relacionamento com ela e a descartou por conveniência. • Eulália (Nhã Loló), filha do Damasceno. Inicialmen- te, Brás Cubas sente-se um pouco contrariado com a ideia, mas depois acaba se interessando pela moça. Os planos de casamento acabam sendo frustrados em virtude da morte da moça, vitimada pela febre amarela. Aula 05 3Português 2D • Dona Plácida, ama de Virgília, foi colocada para mo-rar numa casa da patroa localizada na Gamboa, onde os amantes se encontravam. Inicialmente aborrecida com a situação, tratava Brás Cubas de forma ríspida; depois de seis meses e algumas gratificações, estava completamente adaptada à situação, aparentando até mesmo ser sogra de Brás Cubas, pois este a tratava muito bem e não deixava que ela sofresse privações financeiras. • Quincas Borba tinha sido colega de escola e amigo de infância do protagonista. Possuía, desde menino, um temperamento conturbado. Já adulto, transformado num mendigo meio maluco e filósofo, reencontra Brás Cubas. Quincas Borba desenvolve um sistema filosófico a que ele chama de Humanitis- mo, pelo qual pretende superar e suprimir todos os demais sistemas e transformá-lo numa religião. • Sabina, irmã de Brás Cubas, como ele, preocupa-se demasiadamente em manter as aparências. • Cotrim, casado com Sabina, é um homem duro, porém honrado, interesseiro e trabalhador. Enredo Brás Cubas, no momento da morte, vive o delírio de um encontro com a mãe natureza, num campo de neve, e vê desfilar, à velocidade da luz, a história e as dores da humanidade desde o princípio dos séculos. Sua morte é obscura e seu enterro, num dia chuvoso, é acompanha- do por poucas pessoas. De menino endiabrado na infância, em que recebera uma educação defeituosa e frouxa, passa a uma adoles- cência tumultuada. Conhece uma bailarina espanhola, Marcela, com quem mantém um romance escandaloso e que lhe custa muito dinheiro. O pai, para livrá-lo dessa mulher, manda-o para a Europa, onde se forma em Direito. Conhece Eugênia, moça bonita, mas manca, com quem mantém um romance passageiro. O pai alimenta dois sonhos em relação ao filho: casá-lo e metê-lo na política. Brás Cubas, depois de reencontrar Marcela com- pletamente deformada pela varíola, conhece Virgília, filha do Conselheiro Dutra. Os sonhos do pai estavam se realizando, pois casando-se com a distinta e bela jovem, o filho, certamente seria eleito deputado por influência do futuro sogro. Lobo Neves, um elegante e bem falante rival, rouba- -lhe a namorada, conquista a confiança do Conselheiro, casa-se com Virgília e é eleito deputado. Virgília casou-se com Lobo Neves por ambicionar posição de destaque, mas amava realmente Brás Cubas que passou a frequentar a casa como amigo. Os encon- tros se tornam cada vez mais frequentes e ardentes e eles acabam tornando-se amantes. Por viver totalmente envolvido com a vida política e confiar na esposa, Lobo Neves nunca desconfiou de nada. Brás Cubas reencontra Quincas Borba, antigo colega de infância e da escola, cuja família perdera tudo obri- gando Quincas a tornar-se um mendigo exótico a ponto de, no encontro, furtar o relógio de Brás Cubas. Por causa de fofocas, Brás Cubas propõe a Virgília fugirem para um lugar distante, mas ela, pensando na família, na opinião pública e no ‘status’ que ocupava, sugere para seus encontros um “paraíso”, uma casinha retirada que ela possui na Gamboa onde os amantes passam a se encontrar regularmente. Quando Lobo Neves é designado para presidente de uma província distante, Brás se desespera sem motivo, pois o marido traído convida-o a acompanhá-lo como secretário. Por superstição, Lobo Neves acaba não aceitando o cargo. Tempos depois o marido de Virgília recebe uma carta anônima denunciando o romance da mulher com Brás Cubas É então que Lobo Neves ao ser novamente nomeado para presidente no interior do País parte levando a esposa consigo. Tempos depois, Brás se reencontra com Lobo Neves e Virgília, que haviam voltado da província e percebe que Virgília não tinha mais a beleza de antigamente. Quincas Borba recebera fabulosa herança de um tio de Barbacena e se tornara um filósofo excêntrico, criando e expondo para o amigo Brás Cubas a teoria do HUMANITISMO, segundo a qual o bem-estar da humani- dade como um todo é mais importante que as desgraças particulares de pessoas ou povos. Lobo Neves morre, sendo sinceramente pranteado pela viúva. Quincas Borba, tendo ficado completamente louco, também morre. Brás Cubas, sem conseguir um alto cargo para o qual fizera concurso e vendo ir à falência um jornal que fundara, vê, como última alternativa de conseguir em vida a fama e a notoriedade, tornar-se cientista e projeta a invenção do fabuloso “Emplasto Brás Cubas” que teria a propriedade de curar as doenças do espírito. Passa noites em claro planejando seu invento, porém mais do que na milagrosa fórmula do suposto medicamento, pensa nas manchetes glorificando-o como o “maior cientista do mundo”. Numa dessas noites de divagações, tendo deixado a janela aberta, apanha um resfriado que, por falta de cuidado, agrava-se em pneumonia e o leva ao túmulo. Virgília acompanhou-o em sua doença e foi uma das doze únicas pessoas que acompanharam seu enterro. A falência de todas as suas ambições e sonhos, a inutilidade da vida e a negatividade de sua existência, fazem o defunto-narrador concluir: “Este último capí- tulo é todo de negativas. Não alcancei a celebridade do emplasto, não fui ministro, não fui califa, não conheci o casamento. (...) Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” 4 Extensivo Terceirão Quincas Borba Personagens • Rubião, personagem principal da história. Ex-professor de meninos, provinciano ingênuo, herda uma grande herança de Quincas Borba e vai morar no Rio de Janeiro, onde estabelece novas amizades e adquire novos hábitos. Rubião é um conquistador barato, como tantos outros no romance realista, vazio de vida e de preocu- pações elevadas, apenas a servir de indireto símbolo do Humanitismo pregado por Quincas Borba. Com efeito, imagem viva das ideias de seu amigo filósofo, sua vida, ao mesmo tempo que concretiza aquelas teorias, serve de veículo exemplificador do modo como Machado de Assis vê o mundo e os homens: o ceticismo crônico de quem aprendeu a não se envolver com as formas usuais de ilusão. • Quincas Borba é o filósofo maluco e rico, amigo de Brás Cubas, criador da filosofia do Humanitismo, segundo a qual o bem-estar da humanidade é mais importante que as desgraças particulares de pessoas ou povos. Quincas não tinha herdeiros; então, num misto de amizade e interesse, Rubião cuida dele com máxima atenção até a morte do filósofo, herdando a fortuna e o cachorro que tem o mesmo nome do dono. • Cristiano de Almeida e Palha conhece Rubião na via- gem deste ao Rio de Janeiro. Rapidamente percebe a riqueza e a ingenuidade do protagonista. Como bom capitalista, Palha se antecipa e percebe o quanto essa amizade lhe pode ser lucrativa. Empresta dinheiro de Rubião, torna-se seu sócio e, posteriormente, quando não precisa mais dele, abandona-o. • Sofia, esposa de Palha, linda, sedutora e com um olhar marcante, conquista Rubião, que se apaixona por ela. Tem participação fundamental no processo de “assalto” ao protagonista, promovido por Cristia- no Palha, pois tanto marido como a mulher sabem das segundas intenções de Rubião por ela. Em certa medida, é responsável pela loucura de Rubião. Sofia, bela mulher, deixou-se amar até a loucura pelo pobre Rubião, sem nunca lhe dar a oportunidade de um compromisso maior seduzindo-o com olhares convida- tivos, sugestões, gestos indecisos e vagas manifestações de amor e amizade. Ela e o marido descobriram no ingênuo e rico mineiro um filão de benefícios, de em- préstimos e de presentes, a explorar indefinidamente. Sofia é impenetrável nas suas verdadeiras inten- ções, enganadora e coquete, não cede às investidas do amigo apaixonado e dele escarnece em conversas com o marido. • Carlos Maria, soberbo, machista e insensível, finge envolver-se com Sofia, que se sentia atraída por ele. Acaba apaixonando-se por Maria Benedita, com quem se casa, provocando inveja e raiva em Sofia. Carlos Maria representa o lado esnobe, arrogante, preconceituoso e presunçoso da sociedade da época. • Maria Benedita, prima deSofia, é uma menina da roça que, vindo morar no Rio, transforma-se numa moça prendada, de etiqueta, graciosa e elegante conforme os padrões burgueses e se casa com Carlos Maria. • Major Siqueira é um velho militar aposentado, simplório, falador e descontraído. Como era amigo de Sofia e do marido, também passou a se relacionar com Rubião. À medida que o casal Sofia-Palha foi ascendendo socialmente, ele foi sendo descartado. • Dona Tonica, filha do major Siqueira, é uma solteiro- na que já beira os 40 anos sem jamais ter conseguido casar-se. • Quincas Borba, o cão tem uma preeminência indis- cutível sobre as demais personagens, com exceção de Rubião, justificada por aquele intuito satírico ge- ral que orienta a obra, levando o leitor a pensar em como apenas um cão se salva do mundo de misérias em que vivem as demais criaturas do romance. Enredo O romance gira em torno da tese do Humanitismo, teoria filosófica de Quincas Borba, segundo a qual a vida é um campo de batalha, onde só os mais fortes sobrevivem. Para explicá-la, com a palavra, o próprio Quincas Borba: “Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimen- tar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não che- gam a nutrir-se suficientemente e morrem de ina- nição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. (...) Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. O simplório Rubião ficou rico da noite para o dia, com a morte de Quincas Borba. Os cuidados que Rubião deve dispensar ao cachorro do falecido se devem ao fato de que Humanitas – o princípio filosófico criado por Quincas Borba – é o princípio da vida e está em tudo. Sendo assim, o homem Quincas continuaria vivo através do cão homônimo. Rubião, embora não acreditasse muito Aula 05 5Português 2D nessas afirmações lunáticas feitas pelo filósofo, acata tais condições para garantir a fortuna. Assim, Rubião se muda para o Rio de Janeiro. No caminho tem, já na esta- ção de Vassouras, seus primeiros contatos com Cristiano de Almeida Palha e sua mulher Sofia, um jovem casal que reside na capital. Instalado num palacete, Rubião faz-se bastante presente na casa de Cristiano e Sofia, deixando-se guiar totalmente por ambos. Enquanto Cris- tiano lhe pede dinheiro emprestado, Sofia, por quem ele se apaixona, dedica-lhe olhares e favores especiais, até o momento em que ele se declara apaixonado por ela. Então, Sofia o recusa e conta ao marido a impertinência que, na realidade, ela própria fomentara. Palha faz Sofia entender que precisam financeiramente de Rubião. A senhora Palha, agora consciente de seu papel, continua a exercê-lo magistralmente, num jogo de sedução que cada vez mais confunde e enlouquece o protagonista. Cristiano torna-se sócio de Rubião em um negócio e vai gerenciando o capital do novo-rico. Curiosamente, à medida que Cristiano Palha vai enriquecendo, Rubião vai perdendo num ritmo bem cadenciado a fortuna herdada. Palha decide romper a sociedade, sob pretexto de que ia fazer-se sócio de um banco dali a um tempo. Na realidade, nem Palha nem Sofia precisavam mais do protagonista. O casal possuía agora uma nobre posição social e uma condição financeira invejável. Sofia torna- -se extremamente altiva e esnobe. Além do casal de oportunistas, há outras pessoas que se aproximam de Rubião com segundas intenções; algumas delas tornando-se seus comensais, como o advogado e medíocre jornalista Camacho. Com ajuda fi- nanceira de Rubião e outros, funda um jornal, o “Atalaia”, em que ele publica certa feita o fato heroico de Rubião ter salvado um menino de um atropelamento. O milio- nário se desagrada do ato do amigo mas, conversando com ele, acaba por gostar da ideia de ser reconhecido pelas pessoas como herói. Como isso Rubião ganha mais fama nos altos círculos sociais do Rio. Doações a campanhas inúteis, empréstimos, pagamen- to de dívidas de amigos vão corroendo todo o patrimônio herdado de Quincas Borba. A primeira manifestação mais evidente da loucura ocorre quando ele pede para cortar o cabelo e a barba de forma a ficar igual a Napoleão III. Per- dera o equilíbrio mental. A partir daí terá momentos cada vez menores de lucidez e constrangedoras crises, em que distribuirá cargos de confiança “da corte francesa” a todos os amigos, caminhando com “pompa”, acreditando ser ovacionado e admirado por todos os “súditos”. Sofia, para ele, torna-se Eugênia, a imperatriz da França. Como seus delírios só aumentam, é internado numa casa de saúde, definitivamente louco. Ironicamente, acaba sofrendo da mesma doença do filósofo Quincas Borba. Fugindo do sanatório acompanhado do cão, regressa a Barbacena. Chegando lá, Rubião e o cão Quincas Borba ficam andando todo o dia e toda a noite, sem rumo. Tomam chuva, passam fome e frio, ficam ao relento. Febril, Rubião é recebido pela comadre Angélica. Logo, todos os conhecidos ficam sabendo que ele ficara completamente louco. Poucos dias depois ele morre, após “coroar-se” com uma coroa invisível e pronunciar a frase de Quincas Borba, que só agora julga compreender de fato: “Ao vencedor, as batatas”. O cachorro Quincas Borba ganiu, fugiu em busca do dono e amanheceu morto três dias depois. Dom Casmurro Dom Casmurro é o melhor romance de Machado de Assis. Nele, o autor apurou o estilo e o seu gênio ao desvendar a alma humana e ir ao fundo dos sentimentos e das ações dissimuladas, em busca da verdadeira face interior dos personagens. O título reflete uma características marcante do pro- tagonista masculino no crepúsculo da existência: a visão amarga e dolorida de quem foi traído e machucado pela vida, e que por isso vai-se isolando e ensimesmando. O romance, publicado em 1899, é composto por 148 capítulos curtos. Neles o autor sonda e analisa a socie- dade do Rio de Janeiro do século XIX e explora temas polêmicos como adultério, suicídio e religião. A narração é feita em primeira pessoa pelo protago- nista Bento de Albuquerque Santiago, o Bentinho, que recompõe sua trajetória existencial desde o ano de 1857 até meados da década de 1890, quando o narrador, já quinquagenário, se debruça sobre o passado, apresen- tando-o e, ao mesmo tempo, analisando-o à distância. Disso resulta uma estrutura narrativa em que se alternam a narração da ação e a reflexão sobre a mesma. O tom confidencial serviu para Machado de Assis deixar no livro muito de si, do seu temperamento, de sua visão pessimista e irônica do mundo. A mente deste personagem corroída de ciúme recheia a narrativa de ambiguidades, parcialidade e unilateralidade. Bentinho – à procura de um tempo feliz perdido no passado da infância e da adolescência – tenta sem sucesso atar as duas pontas da vida, revivendo no presente o que já faz parte do passado. Personagens • Bento Santiago – O Bentinho, tímido e ingênuo que se espantava com as atitudes arrojadas de Capitu, torna-se um velho casmurro, solitário e amargo, des- crente e ensimesmado. Com a mente conturbada, resolve narrar o suposto triângulo amoroso em que viveu, mistura objetividade com ressentimento, desfia o rosário de suas dúvidas e infelicidades até 6 Extensivo Terceirão chegar à triste conclusão de que fora covardemente traído. Ao tentar passar a limpo sua vida escrevendo sua autobiografia, escreve, na verdade um libelo de acusação contra Capitu e Escobar. • D. Glória, mãe de Bentinho, é viúva abastada com escravos alugados e uma dúzia de prédios. Ela desti- nara o filho ao sacerdócio, em vista de uma promessa feita quando ele nascera. Bentinho se acostumara a essa ideia religiosa, incentivada por todos os que viviam em torno de sua família, tios, tias, o agregado José Dias, o Padre. Mas um dia surgiu Capitu na vizinhança e lá se foram os projetose propósitos de D. Glória. Bentinho apaixonou-se pela menina e viveram os dois, nesses primeiros anos, um belo e inocente idílio. Encontros furtivos, enlevos de crian- ças, beijinhos, abraços, tudo isso foi pouco a pouco se transformando no amor que os fez jurar, um dia, não se casarem jamais a não ser um com o outro. • José Dias - Agregado da casa de Bentinho, ali vivia há muito tempo. Vestia-se à moda antiga. Amava os superlativos. Opinava e era ouvido. • Tio Cosme - Já viúvo, vivia com a irmã, D. Glória, desde que esta enviuvara. • Capitu - A mais discutida personagem da ficção brasileira, Capitu, para muitos ainda se afigura uma esfinge, pela sua complicada psicologia e pelo segredo que o autor deixou em suspenso e sem decifração, do possível adultério, apenas entrevisto nas desconfianças do marido Bentinho e nas seme- lhanças do filho com o provável amante. Amiga e vizinha de Bento desde pequena, tem personalidade forte, sagacidade, rapidez de raciocínio o que lhe dá grande capacidade de sair-se bem de qualquer situação mais ou menos constrangedora. Im- previsível, misteriosa e calculista, nunca admitiu a culpa a ela imputada pelo marido. Na opinião de José Dias, ela era uma desmiolada e vivia doida para fisgar algum peralta para marido. Tinha uns olhos que o diabo lhe deu “de cigana oblíqua e dis- simulada”. Mas, para Bentinho, na sua obstinada paixão, era o sonho e o ideal de sua juventude amorosa e tinha uns “olhos de ressaca” que possuíam “um fluido miste- rioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retirava da praia nos dias de ressaca”. Para a mãe de Bentinho ela era uma menina cândida e inocente. Afinal, para o mesmo Bentinho, no fim do livro e de suas vidas em comum, já roído de ciúmes e desconfianças atrozes, ela deixa de ser aquela figura ideal para revelar-se uma falsa e fingida mulher que o enganara a vida toda. • Escobar foi o grande amigo que Bentinho conheceu nos tempos de seminário. Conseguiu sair do internato com Bentinho, sugerindo que D. Glória, para não quebrar a promessa, colocasse lá um substituto. Escobar tornou-se amigo da família e casou-se com Sancha, amiga de Capitu. Os dois casais estreitaram relações. Escobar ganhou uma filha que recebeu o nome de Capitu, e Capitu deu a Bentinho um filho, que foi batizado com o nome de Ezequiel, primeiro nome de Escobar. • Ezequiel, filho de Capitu e Bentinho. A gravidez de Capitu demorou a acontecer, causando certos emba- raços e constrangimentos ao casal, quando estavam em companhia de Sancha e Escobar que tiveram a filha Capituzinha logo depois do casamento. À medida que ia crescendo, o filho de Capitu apresentava, cada vez mais, semelhanças físicas e com- portamentais com Escobar. Isto chamava a atenção e provocava comentários, principalmente das velhas tias. Bentinho que inicialmente não dava importância, pas- sou a se incomodar e, mais tarde, esses fatos vão reforçar as suspeitas sobre a paternidade do menino. Ezequiel acaba morrendo no Oriente Médio, durante uma excursão, fato que traz alívio para o narrador. 1. A adolescência, o seminário Bentinho declara apoiar a teoria de um conhecido cantor de que “a vida é uma ópera”. Apesar do “duo terníssimo” de Bentinho e Capitu, Dom Casmurro é um romance de velhos e solitários (D. Glória, Tio Cosme, Pe. Cabral, José Dias, Prima Justina, além do casmurro narrador). A velhice na visão de Ma- chado é amarga e melancólica, dominada por mágoas e ressentimentos. Aos 15 anos, Bentinho “descobre” que está apaixo- nado por Capitu. O menino, escondido, ouve quando o agregado José Dias aconselha D. Glória a colocá-lo logo no seminário, para cumprir a promessa porque, conforme afirmava, O rapazinho estava apaixonado pela vizinha! O rapazinho fica espantado, estonteado com a revelação. É então que ele lembra cenas e momentos que confirmam sua paixão: os nomes Bento/Capitolina gravados por ela no muro com um prego, o aperto das mãos dele nas dela, o primeiro beijo tímido e alucinante... Ao saber da promessa, Capitu fica furiosa, esbraveja, chama D. Glória de papa-missas, carola e beata. Essas ati- tudes surpreendentes de Capitu assustam Bentinho, pois ora faz uma carinha angelical para se livrar de situações embaraçosas, ora demonstra uma capacidade incrível de dissimulação como se estivesse já guardando a semente de mulher misteriosa, ambígua e dúbia que viria ser. Ela manipula Bentinho, domina-o, sabe o que quer, e orienta o rapazinho na luta estratégica para ele se livrar do semi- nário inclusive chantageando José Dias. Aula 05 7Português 2D Os planos de Capitu e Bentinho fracassam e, então, D. Glória, com o apoio do padre Cabral, decide finalmente cumprir a promessa e o envia ao seminário, prometen- do, contudo, que se dentro de dois anos não revelasse vocação para o sacerdócio estaria livre para seguir outra carreira. Antes da partida, Bentinho e Capitu juram não casar-se com outra pessoa acontecesse o que fosse. No seminário, Bentinho chora e sofre horrores de saudades, solidão e ciúmes. Bentinho conhece Ezequiel de Souza Escobar, outro seminarista sem vocação, e os dois tornam-se amigos e confidentes. Escobar é apresentado à família de Bentinho, inclusive a Capitu. Esta, depois da partida de Bentinho, co- meçara a frequentar assiduamente a casa de D. Glória, do que nasceu aos poucos grande afeição recíproca, a ponto de D. Glória começar a pensar que se Bentinho se apaixo- nasse por Capitu e casasse com ela a questão da promessa estaria resolvida a contento de todos, pois Bentinho, que a quebraria, não a fizera, e ela, que a fizera, não a quebraria. Bentinho continuava seus esforços junto a José Dias, que, tendo fracassado em seu plano de fazê-lo estudar medicina na Europa, sugeria agora que ambos fossem a Roma pedir ao Papa a revogação da promessa. A solução partiu de Escobar. Segundo este, D. Glória prometera a Deus dar-lhe um sacerdote, mas isto não queria dizer que este deveria ser necessariamente seu filho. Sugeriu então que ela adotasse algum órfão e lhe custeasse os estudos. D. Glória consultou o padre Cabral, este foi consultar o bispo e a solução foi considerada satisfatória. Bentinho deixa o seminário, com cerca de 17 anos, e vai para São Paulo estudar, tornando-se cinco anos depois, o advogado Bento de Albuquerque Santiago. Por sua parte, Escobar, que também saíra do seminário, tornara-se um comerciante bem-sucedido, vindo a casar com Sancha, amiga de Capitu. 2. Céu e inferno Bento e Capitu finalmente se casam e vão morar no bairro da Glória. A felicidade do casal seria completa não fosse a de- mora em nascer um filho. Eles sentem “inveja” de Esco- bar e Sancha, que tinham tido uma filha, batizada com o nome de Capitolina. Depois de muita espera, preces e angústias, nasce Ezequiel, batizado com o mesmo nome de Escobar, para retribuir a gentileza do casal de amigos, que dera à filha o nome de Capitu. Ezequiel revela-se muito cedo uma criança inquieta e curiosa, tornando-se a alegria dos pais e servindo para estreitar ainda mais as relações de amizade entre os dois casais. A partir do momento em que Escobar e a Sancha, que moravam em Andaraí, resolvem fixar residência no Flamengo, a convivência entre as duas famílias torna-se completa e os pais chegam a falar na possibilidade de Ezequiel e Capituzinha virem a se casar. Bentinho, agora, depois de tantos anos, relembra as pontadas de ciúmes que sentia, quando, nos bailes, os lindos braços nus de Capitu chamavam a atenção admirada de todos. Lembra como, em outra ocasião, fi- cara intrigado com um dinheiro (dez libras) que Capitu, sem seu conhecimento, ganhara através de aplicações feitas por Escobar. Os ataques de ciúme, na época, iam-se tornando cada vez mais assíduos, envolvendo constantemente a figura do amigo: pequenos indícios, encontros furtivos... Vem-lhe à mente a ocasião em que ele, Bentinho, voltando mais cedo do teatro a que fora sozinho,encontrou Escobar chegando a sua casa. É o ponto de vista do narrador que começa a alterar os fatos? É tudo verdade, ou são enganos ou distorções propositais de Bentinho. É real que Escobar se torna um tanto distante, que Capitu tem alguns modos estra- nhos... que Ezequiel cada vez mais imita Escobar... que D. Glória está tão triste?... Escobar, que gostava de nadar e nadava muito bem, morre afogado. No enterro, Capitu, que amparava San- cha, olha tão fixamente e com tal expressão para Escobar morto, que Bento fica abalado e “percebe claramente” que fora vítima de uma covarde traição. “Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.” Poucos dias depois, Sancha retira-se para a casa de parentes no Paraná. Bentinho se incomoda cada vez mais com as semelhanças de Ezequiel com Escobar, a tal ponto que o velho companheiro de seminário parece ressurgir fisicamente quando o menino corre a recebê-lo. As relações entre Bento e Capitu deterioram- -se rapidamente. A solução de colocar Ezequiel num internato não se revela eficaz, já que Bento não suporta mais ver o filho, o qual, por sua vez, se apega a ele cada vez mais, tornando a situação ainda mais crítica. “Escobar vinha assim surgindo da sepultura, do semi- nário e do Flamengo para se sentar comigo à mesa, receber-me na escada, beijar-me no gabinete de manhã, ou pedir-me à noite a bênção do costume.” Bento decide suicidar-se com veneno, depois de as- sistir à peça Otelo de Shakespeare. Após despedir-se das ruas e paisagens, entra em casa e no escritório coloca o veneno no café. Indeciso, resolve esperar um pouco. A entrada de Ezequiel lhe dá uma ideia diabólica, decide dar o café envenenado ao filho. Mas, no último instante, recua e desabafa, transtornado, revelando ao menino não ser seu pai. Capitu ao entrar na sala ouve tudo e exi- ge explicações afirmando que a semelhança de Ezequiel com Escobar é casual, atribuindo-a à vontade de Deus. 8 Extensivo Terceirão Para manter as aparências, o casal parte pouco depois rumo à Europa, acompanhado do filho. Bento retorna a seguir, sozinho. Trocam algumas cartas e Bento viaja outras vezes à Europa, sempre com o objetivo de manter as aparências, mas nunca mais chega a encontrar-se com Capitu. Tempos depois morrem D. Glória e José Dias. Bento retira-se para o Engenho Novo. Ali, certo dia, recebe a visita de Ezequiel de Albuquerque Santiago, que era então a imagem perfeita de seu velho colega de seminário. Capitu morrera e fora enterrada na Europa. Ezequiel permanece alguns meses no RJ e depois parte para uma viagem de estudos no Oriente Médio, onde morre de uma febre tifoide em Jerusalém e é ali enterrado. Mortos todos, familiares e velhos conhecidos, Bento/Dom Casmurro fecha-se em si, sem se isolar completamente, alimentando algumas ami- zades e se consolando com inúmeras relações ocasionais. Testes Assimilação 05.01. (UEL – PR) – O Humanitismo, filosofia criada por Quincas Borba, é revelador: a) Do posicionamento crítico de Machado de Assis aos muitos “ismos” surgidos no século XIX: darwinismo, posi- tivismo, evolucionismo. b) Da admiração de Machado de Assis pelos muitos “ismos” surgidos no início do século XX: futurismo, impressionis- mo, dadaísmo. c) Da capacidade de Machado de Assis em antever os muitos “ismos” que surgiriam no século XIX: darwinismo, positivismo, evolucionismo. d) Da preocupação didática de Machado de Assis com a transmissão de conhecimentos filosóficos consolidados na época. e) Da competência de Machado de Assis em antecipar a estética surrealista surgida no século XX. 05.02. (ESPM – SP) – Assinale a opção que contenha trecho com a conhecida digressão metalinguística presente na obra de Machado de Assis. a) Ora bem, faz hoje um ano que voltei definitivamente da Europa. O que me lembrou esta data foi, estando a beber café, o pregão de um vendedor de vassouras e espana- dores: “Vai vassouras! vai espanadores!” . b) Cuido haver dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria, vivia. Viver não é a mesma cousa que morrer (...). c) Rubião não sabia que dissesse; Sofia, passados os primei- ros instantes, readquiriu a posse de si mesma; respondeu que, em verdade, a noite era linda (...). d) Assim chorem por mim todos os olhos de amigos e amigas que deixo neste mundo, mas não é provável. Tenho-me feito esquecer. e) Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vi- zinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros (...). 05.03. (VUNESP – SP) – Em Dom Casmurro, Bentinho é o narrador que a) ouve de terceiros histórias de personalidades intrigantes e as organiza por escrito. b) relata, em forma de diário, as experiências vividas ao mesmo tempo em que escreve. c) registra, com isenção de opinião, as aventuras das pessoas com quem conviveu. d) investiga as vidas de quem o traiu no passado para arqui- tetar sua vingança. e) conta suas memórias, com o objetivo de compreender seu passado e seu presente. 05.04. (VUNESP – SP) – Condizente com a estética do realis- mo brasileiro, a linguagem de Dom Casmurro caracteriza -se por a) ser predominantemente culta e direta. b) conter um grande número de neologismos. c) expressar o sentimentalismo com exagero. d) representar a fala do povo sem instrução. e) romper propositalmente com a gramática normativa. Aperfeiçoamento 05.05. (UFAL) – Segundo certo autor, “seria patético escrever como Machado de Assis, no século XXI”. A respeito da escrita machadiana, podemos afirmar que: a) as relações amorosas presentes em suas obras retratam o amor sublime, puro, sacrificial. b) suas personagens femininas são o protótipo da mulher casta, angelical e perfeita. c) regionalismos e expressões que representam a língua do sertanejo são utilizadas com frequência. d) suas descrições de personagens são feitas com a intenção de elevá-los e de idealizá-los. e) o interior dos personagens é focalizado, o que lhes confere profundidade psicológica. Aula 05 9Português 2D 05.06. Texto O SENÃO DO LIVRO Começo a arrepender-me deste livro. Não que ele me canse; eu não tenho o que fazer; e, real- mente, expedir alguns magros capítulos para esse mundo sempre é tarefa que distrai um pouco da eternidade. Mas o livro é enfadonho, cheira a se- pulcro, traz certa contração cadavérica; vício gra- ve, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda devagar, tu amas a narração direta e nutrida, o estilo regular e fluente e este livro e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem... E caem! – Folhas misérrimas do meu cipreste, heis de cair, como quaisquer outras belas e visto- sas; e, se eu tivesse olhos, dar-vos-ia uma lágri- ma de saúde. Esta é a grande vantagem da morte, que, se não deixa boca para rir, também não deixa olhos para chorar... Heis de cair. (Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis). A partir da leitura deste capítulo do romance de Machado de Assis podemos concluir, no que diz respeito ao seu estilo narrativo, que: 1. se trata de uma obra fragmentada. 2. os capítulos vão e vêm sem uma linearidade cronológica rígida. 3. o narrador, em estado de embriaguez, não consegue impor uma ordem satisfatória em suas lembranças. 4. o ideal de arte do narrador está na regularidade e na fluência da narrativa. Das opções acima, estão corretas: a) 1, 3 e 4. b) 1, 2 e 3. c) 2 e 3. d) 2 e 4. e) 1 e 2. 05.07. O capítulo em questão pode ser considerado meta- linguístico porque: a) o narrador fala sobre a sua própria vida. b) é explicita a presença do narrador. c) o narrador comenta aspectos estilísticos do romance. d) Machado de Assis criou um narrador que estámorto. e) há uma nítida opção pela ironia. 05.08. O Senão do Livro é um dos momentos de conversa com o leitor. Machado de Assis usa este recurso com frequên- cia, sendo abundantes em sua obra as referências ao fruidor. Assinale a alternativa que contém a afirmação incorreta sobre este assunto. a) O narrador reconhece que está escrevendo segundo o gosto do seu público. b) Ao contrário do que acontecia no período romântico, há agora uma fratura entre a obra e o público. c) A intenção do autor não é contentar quem o lê, mas mexer com os seus valores, fazendo com que ele veja e sinta as coisas de forma diferente. d) O narrador, por estar (pelo menos em tese) morto, se sente livre para frustrar o leitor. e) O diálogo com o leitor constitui uma digressão narrativa, que fortalece o caráter ziguezagueante do livro. 05.09. (UNIOESTE – PR) – Considerando-se o romance Quincas Borba, de Machado de Assis, é incorreto afirmar que a) o título do romance se refere tanto a uma personagem humana quanto a uma personagem canina. b) a progressiva demência de Rubião o identifica com Quin- cas Borba, seu amigo já falecido. c) Sofia e seu marido aproximam-se de Rubião movidos pelo interesse financeiro. d) o aforismo Ao vencedor, as batatas resume a filosofia da personagem humana Quincas Borba. e) Rubião, ao receber a herança, desconsidera a cláusula do testamento, segundo a qual ele deveria cuidar do cão Quincas Borba. 05.10. (VUNESP – SP) – Trecho de Dom Casmurro, de Ma- chado de Assis. Ezequiel, quando começou o capítulo anterior, não era ainda gerado; quando acabou era cristão e católico. Este outro é destinado a fazer chegar o meu Ezequiel aos cinco anos, um rapagão bonito, com os seus olhos claros, já inquietos, como se quisessem namorar todas as moças da vizinhança, ou quase todas. Agora, se considerares que ele foi único, que nenhum outro veio, certo nem incerto, morto nem vivo, um só e único, imaginarás os cuidados que nos deu, os sonos que nos tirou, e que sustos nos mete- ram as crises dos dentes e outras, a menor febrícula, toda a existência comum das crianças. A tudo acudíamos, segundo cumpria e urgia, cousa que não era necessário dizer, mas há leito- res tão obtusos, que nada entendem, se lhes não relata tudo e o resto. Vamos ao resto. Uma característica do estilo de Machado de Assis que pode ser observada nesse trecho diz respeito ao modo como o narrador a) se limita à descrição psicológica, sem mencionar qualquer traço físico do personagem. b) anuncia um fato de ordem coletiva como se fosse uma experiência pessoal. c) faz comentários sobre o próprio texto e conversa direta- mente com o leitor. d) não se envolve afetivamente com a história, o que retira o teor ficcional do relato. e) não emite juízos de valor, como se os fatos se dessem a conhecer sem intermediários. 10 Extensivo Terceirão Aprofundamento 05.11. Sobre o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, bem como sobre seu autor, Machado de Assis, assinale a alternativa correta. a) O narrador desse romance é tipicamente realista: mi- nucioso, descritivo, sincero, chega a chocar o leitor por sua excessiva franqueza. Ao interferir repetidamente na narrativa, esse narrador estabelece uma cumplicidade com o leitor, que fica tentado a perdoar, ou ao menos relevar, certas atitudes do Brás vivo, narradas com olhar irônico pelo Brás morto. b) Machado de Assis é um romancista afinado com os temas de sua época. Seus romances e seus contos abordam questões como o apoio irrestrito à monarquia, a defesa intransigente dos valores burgueses, uma cautelosa inda- gação sobre os males que a abolição da escravatura viria a desencadear na sociedade brasileira etc. c) Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance que põe em cheque as noções de gênero literário. Apesar de o narrador ser o mesmo durante todo o romance, cada episódio (a linda Marcela, Eugênia, Virgília etc.) pode ser lido separadamente, como se fosse um conto. A estrutura revolucionária desse romance, porém, passou desperce- bida dos críticos durante décadas. d) O romance está entre os três considerados obras-primas de seu autor. Os outros dois são Dom Casmurro e Quin- cas Borba. Os três romances contemplam, com ironia, a hipocrisia e a falsidade nas relações humanas da época retratada e mostram que essa hipocrisia e essa falsidade são causadas pelas estruturas da sociedade, que tem os bens materiais como valor absoluto. e) Memórias Póstumas de Brás Cubas relata a vida de um jovem de boa família, que desperdiça as oportunidades de tornar-se um estudioso, um político importante ou algum outro benfeitor da sociedade. Idoso, ele re- memora sua vida fútil e decide resgatar esse passado ao pesquisar o “Emplastro Brás Cubas”, que aliviaria o sofrimento de milhões. Infelizmente, adoece e morre antes de cumprir esse objetivo nobre. 05.12. (PUC – RS) – Para responder à questão, analisar as afirmativas e assinalar com V (verdadeiro) ou F (falso) os parênteses. Contemporâneo de Aluísio de Azevedo, Machado de Assis consagrou-se pelo caráter genuíno de sua obra, sobre a qual se afirma: ( ) A expressiva produção do autor inclui uma primeira fase, a que estão vinculadas obras como Helena e Iaiá Garcia. ( ) Um traço marcante no discurso do narrador de Dom Casmurro é a presença de incoerências na avaliação do seu passado. ( ) Os contos de Machado de Assis diferenciam-se dos romances não apenas pelo ritmo das narrativas, mas principalmente pelas temáticas abordadas. ( ) A ação em Quincas Borba desenvolve-se em Barbace- na e no Rio de Janeiro, sendo este último o local de todo o infortúnio da personagem Rubião. ( ) O narrador de Memórias póstumas de Brás Cubas, de início, explica em detalhes ao leitor o processo de narração além-túmulo. A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é a) F – F – V – F – F c) V – V – F – V – F e) V – F – V – V – F b) F – V – F – F – V d) V – F – V – F – V 05.13. Textos de Machado de Assis Texto I O pior é que era coxa. Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senho- ril; e coxa! Esse contraste faria suspeitar que a na- tureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita? Texto II Eu cínico, alma sensível? Pela coxa de Diana! Esta injúria merecia ser lavada com sangue, se o sangue lavasse alguma cousa nesse mundo. A partir dos textos I e II, considere as seguintes afirmações. I. No primeiro fragmento, o narrador faz predominar a percepção realista dos fatos. II. No segundo fragmento o narrador ironiza um clichê romântico. III. No segundo fragmento pressupõe-se a presença de um interlocutor crítico. IV. Da relação entre os fragmentos pode-se dizer que o nar- rador explora sarcasticamente as referências intratextuais. Assinale: a) se todas estão corretas. b) se apenas I, III e IV estão corretas. c) se apenas I e III estão corretas. d) se apenas II e III estão corretas. e) se todas estão incorretas. 05.14. (PUCPR) – Aponte, dentre as alternativas a seguir, aquela que contém informações CORRETAS sobre os relacio- namentos amorosos do personagem Brás Cubas no romance homônimo de Machado de Assis: a) O pai de Brás intervém para afastá-lo de Marcela, seu primeiro grande amor. Muito jovem e irresponsável, o protagonista do romance se envolve com a rica e sensual italiana e corre sérios riscos pelo fato de ela ser casada com um importante senador, amigo da família Cubas. Brás resiste o quanto pode à determinação de seu pai, porque percebe em Marcela um amor sincero. O fim do caso acontece quando ela, atacada pela culpa após o sui- cídio de seu marido, decide retornar à Itália para sempre, esquecendo tudo o que viveu no Brasil. b) Brás Cubas, ao fazer, já na condição de “defunto autor”, o ba- lanço de sua vida, atesta que não se casou e não teve filhos, Aula 05 11Português 2D e sugere que essas duas irrealizações seriam, cada uma a seu modo, algo comparávela um “lucro”. Essa visão pessimista dos relacionamentos, contudo, não o impediu de ter uma vida amorosa variada e agitada, sendo Virgília seu par mais cons- tante. Com ela, ele teve um envolvimento que se sustentou na clandestinidade e sempre sob riscos, pelo fato de ela ser casada com o político Lobo Neves do qual, em certo tempo, Brás se aproximou, dizendo-se seu “amigo”. Todavia, aparentemente, para os amantes, esse caso nunca representou um drama moral. A preocupação de ambos, enquanto o amor durou, sempre foi manter as aparências no jogo social, evitando o quanto possível danos maiores para eles e para Lobo Neves. c) Virgília é a figura feminina mais constante na vida de Brás Cubas. Fútil, superficial e interesseira, ela encontra no prota- gonista uma espécie de “par perfeito”, com o qual vive um relacionamento que confronta a moral familiar da época. Em- bora casado com Marcela – que sabia do caso, mas nunca se opôs, preferindo manter hipocritamente as aparências para não prejudicar o projeto político do marido –, Brás mantém com Virgília um amor que se preserva até o fim da vida dele. d) Nhá Loló é um amor da juventude do protagonista. Os dois se criaram praticamente juntos e viveram um afeto marcado pela pureza, sendo ela, com seu comportamento romântico, a principal inspiração para a precoce vocação literária de Brás. Porém, a história dos dois tem um fim trágico com a morte repentina dela, por uma doença não identificada pelos mé- dicos. Inspirado no amor do poeta Dante Alighieri por Beatriz, Brás Cubas – que ao longo de sua vida nunca esqueceu Nhá Loló – aceita sua própria morte como um momento feliz por poder, na eternidade, reencontrar sua amada. e) Em sua vida acidentada e de muitos relacionamentos, Sofia, esposa de seu amigo Palha, foi a figura feminina que mais comoveu Brás Cubas. Discretamente seduzido por ela – que sabia do amor dele, embora ele nunca tenha tido coragem de se declarar, por respeito a Palha -, Brás é, na verdade, um alvo fácil para uma série de golpes que o casal de “amigos” lhe aplica, levando-o à miséria e à ruína moral. Instrução: Leia o texto – Capítulo I – Óbito do autor, da obra Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, e responda à questão. Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja co- meçar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defun- to, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no in- troito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco. Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneira- va uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: – “Vós, que o conhecestes, meus senho- res, vós podeis dizer comigo que a natureza pa- rece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas en- tranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nos- so ilustre finado”. Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. Obs.: O termo Pentateuco refere-se ao conjunto dos livros de Moisés, os primeiros da Bíblia. 05.15. (UNESC) – Sobre o capítulo dado, assinale a afirmativa INCORRETA. a) Principalmente no segundo parágrafo, destaca-se uma visão crítica e um olhar de ironia diante dos costumes da sociedade da época. b) A primeira frase do texto revela o uso de metalinguagem, proposta de comentar e refletir criticamente o próprio ato de escrever. c) O autor-personagem confessa que vai adotar a mesma sequência narrativa adotada por Moisés, em face das considerações sobre a vida e a morte que o levaram a escrever suas memórias. d) O autor-personagem intitula-se defunto autor, um morto que resolveu contar suas memórias e pode fazê-lo de forma arbitrária, fugindo aos padrões literários da época. e) Segundo estudiosos da obra machadiana, a análise psicológica das contradições humanas na criação de personagens imprevisíveis (defunto autor), jogando com insinuações em que se misturam a ingenuidade e a malí- cia, a sinceridade e a hipocrisia permite inserir Machado de Assis como o principal escritor brasileiro do realismo. 05.16. (ESPM) – Leia o seguinte comentário sobre Machado de Assis: Suas obras não apresentam heróis. A esmaga- dora maioria, pode-se dizer que quase a totalidade de seus personagens, não apresenta caracteres, ain- da que incidentais, exemplarmente positivos. Os personagens masculinos são, em geral, medíocres, de inteligência estreita, valores rasos, e a aceitação social de que desfrutam decorre do status que têm. (Revista Discutindo Literatura, Escala Educacional, ano 1, n.º 4, pág. 32) 12 Extensivo Terceirão b) habilidade de D. Plácida para contornar sua moralidade e tolerar o adultério, conformando-se com a história inventada por Brás Cubas. c) indiferença de Brás Cubas em relação à D. Plácida, pois ele se importa apenas com o que pensam as pessoas do seu círculo social. d) sabedoria de Brás Cubas, que consegue transformar sua his- tória de infidelidade com Virgília em uma novela sedutora. e) metalinguagem no discurso do narrador e à análise crítica do comportamento humano. 05.18. Além da elegância do estilo, Machado de Assis, em romances mais maduros, valeu-se de um olhar crítico, criativo e irônico, tal como tão originalmente o aplicou em a) Dom Casmurro, onde o narrador onisciente passa em revista os valores ostentados pelas classes dominantes, sobretudo a dos rentistas. b) Iaiá Garcia, ingressando com essa narrativa violenta nos padrões da prosa de ficção naturalista, com claro intento de crítica social. c) Memórias póstumas de Brás Cubas, onde o fantasioso narrador em 1ª. pessoa se dispõe a fazer um cru levanta- mento de sua vida. d) ) Quincas Borba, cujo narrador em 1ª. pessoa, comparti- lhando o ponto de vista de um cão, propõe-se a registrar os feitos da vida de um seu grande amigo. e) Memorial de Aires, espécie de registro coletivo de vozes das personalidades políticas mais influentes ao tempo do 1º. e do 2º. impérios. Desafio A Machado de Assis, morto vivo 01. De que maneira a fundo iremos conhecer-te, 02. se muita vez estás noutro lugar, 03. mil cabriolas a dar 04. com a manipulação frequente de um falar 05. e dois entenderes? 06. O que propões, porém, vamos tateando, 07. e o teu pungente riso saboreando. 08. Algo fica, afinal, de tuas reticências –, 09. mesmo sem se atingir total a tua essência 10. e não obstante a previsão de Cubas –, 11. também nas duas tais colunas da opinião, 12. não só numa terceira, a dos agudos, 13. e assim o teu discurso não é vão. 14. De além dos vermes que roeram, 15. as tuas frias carnes 16. sem deixar boca para rir. 17. nem olhos para chorar, 18. escuta-me com a alma que restou 19. do teu grande naufrágio 20. (longe do feroz ágio e do pedágio). 21. Aqui estou para dizer-te o quanto Assinale a opção em que a personagem não se enquadre no comentário acima: a) Bentinho, narrador de D. Casmurro, ciumento, autor de um discurso dúbio, com uma tendência enorme para o devaneio. b) ) Quincas Borba, personagem de livrohomônimo e das Memórias Póstumas de Brás Cubas, autor de um princípio filosófico que desdenhava os pensamentos e religiões em voga na época. c) Simão Bacamarte, cientista de O Alienista, homem de- dicado a observações e a estudos, sem jamais ceder a pressões populares. d) Brás Cubas, narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas, homem abastado que não teve êxito nem na carreira política, nem na vida sentimental. e) Rubião, personagem de Quincas Borba, herdeiro de uma fortuna, deixou-se conduzir pelos conselhos de Cristiano e pelos encantos de Sofia, esposa deste. 05.17. Leia o fragmento a seguir, extraído do capítulo “D. Plácida”, de Memórias póstumas de Brás Cubas, romance de Machado de Assis. Custou-lhe muito a aceitar a casa; farejara a in- tenção, e doía-lhe o ofício; mas afinal cedeu. Creio que chorava, a princípio: tinha nojo de si mesma. Ao menos, é certo que não levantou os olhos para mim durante os primeiros dois meses; falava-me com eles baixos, séria, carrancuda, às vezes tris- te. Eu queria angariá-la1, e não me dava por ofen- dido, tratava-a com carinho e respeito; forcejava por obter-lhe a benevolência, depois a confiança. Quando obtive a confiança, imaginei uma história patética dos meus amores com Virgília, um caso anterior ao casamento, a resistência do pai, a du- reza do marido, e não sei que outros toques de novela. D. Plácida não rejeitou uma só página da novela; aceitou-as todas. Era uma necessidade da consciência. Ao cabo de seis meses quem nos visse a todos três juntos diria que D. Plácida era minha sogra. Não fui ingrato; fiz-lhe um pecúlio2 de cin- co contos, – os cinco contos achados em Botafogo, – como um pão para a velhice. D. Plácida agra- deceu-me com lágrimas nos olhos, e nunca mais deixou de rezar por mim, todas as noites, diante de uma imagem da Virgem, que tinha no quarto. Foi assim que lhe acabou o nojo. Vocabulário 1 angariar: conquistar. 2 pecúlio: reserva em dinheiro. Um dos traços característicos dos focos narrativos de Ma- chado de Assis é sua conduta digressiva, por meio da qual eles comentam e analisam os eventos e personagens de suas histórias. No fragmento em questão, o trecho “Era uma necessidade da consciência” constitui digressão e se refere à: a) ousadia de D. Plácida a respeito do adultério de Brás Cubas e Virgília, pois a criada sabe que, para sobreviver, precisa enfrentar as normas sociais. Aula 05 13Português 2D 22. ainda te ouvimos, lemos e te amamos. 23. Ensinaste-nos que há sempre 24. uma gota da baba de Caim, 25. tanto a vontade como a ação umedecendo 26. de indivíduos, de classes ou de tribos. 27. Que por batatas uns aos outros se consomem. 28. (Quantos, qual tu sem Deus, acham que a morte é o fim!) 29. Joaquim Maria, as tuas esquivanças, 30. silêncios e trejeitos e artimanhas 31. deram-nos luz para a experiência do homem. 32. E, quanto a nado, mar, navegação, 33. embora cada um de nós manobre 34. bem a seu modo o timão, 35. para o leitor abriste uma Escola de Sagres, 36. onde muito se pode observar, 37. dos olhos de ressaca em tua Capitu 38. até os confins da Europa no seu corpo, 39. que por Bentinho, enfim, é rejeitado. 40. Fizeste de Escobar o próprio rio Cobar, 41. para em Ezequiel, homônimo do bíblico, 42. denunciar-se por fumos todo um fogo, 43. a culpa intencional da sedução de um mar... 44. E fizeste surgir a dúvida no ar. 45. Ora com humour, ora com ironia 46. contra Leibniz puseste Schopenhauer. 47. De Laurence Sterne filtraste a sátira menipeia. 48. E o vulnerável, mestre, apanhas com mão fria. 49. Sobressai-te um vigor: a sensual latência, 50. quase sempre consciente e deletéria, 51. qual sangue a latejar por dentro de uma artéria. 52. Evidenciando aqui, ali insinuando, 53. soubeste registrar o desconforto, 54. o descontentamento e a frustração 55. da nossa humana condição 56. desde o emplasto de Brás Cubas 57. à solda da opinião. 58. E aqui ficamos tristes e inquietos 59. com as mil formas de ser da humana Dor. 60. Muito amor ainda falta e pão. Faltam mais tetos, 61. a paz pública falta e a paz interior. 62. Sentimo-nos pequenos e incompletos. LINHARES FILHO, José. A Machado de Assis, morto vivo. 05.19. (UFCE) – De acordo com a primeira estrofe do poema (versos 01-31), é correto afirmar que, na obra machadiana: a) o uso frequente de reticências é uma importante peça comunicativa. b) o riso é provocado por expressões pueris, as quais são bastante recorrentes. c) o indianismo é evidenciado pelo relato dos hábitos de tribos indígenas brasileiras. d) os silêncios se fazem notar nas significativas páginas em branco entre as partes dos romances. e) a sociedade brasileira é retratada de modo idealizado, pois Machado esquiva-se de um relato mais realista. 05.20. (UFCE) – Os excertos “De além dos vermes que ro- eram / as tuas frias carnes” (versos 14-15), “[Ensinaste-nos] Que por batatas uns aos outros se consomem” (verso 27) e “dos olhos de ressaca em tua Capitu” (verso 37) realizam inter- textualidade, respectivamente, com os seguintes romances de Machado de Assis: a) Memórias póstumas de Brás Cubas; Esaú e Jacó; Dom Casmurro. b) Ressurreição; Dom Casmurro; Memórias póstumas de Brás Cubas. c) Memórias póstumas de Brás Cubas; Quincas Borba; Dom Casmurro. d) Quincas Borba; Dom Casmurro; Memórias póstumas de Brás Cubas. e) Memórias póstumas de Brás Cubas; Memorial de Aires; Dom Casmurro. Gabarito 05.01. a 05.02. b 05.03. e 05.04. a 05.05. e 05.06. e 05.07. c 05.08. a 05.09. e 05.10. c 05.11. d 05.12. c 05.13. a 05.14. b 05.15. c 05.16. c 05.17. b 05.18. c 05.19. a a) CORRETA - As reticências que caracterizam a obra macha- diana são importantes peças comunicativas; como bem ex- presso pelo eu lírico do poema, no verso 08, “Algo fica, afinal, de tuas reticências”. Elas desempenham função semântica na escrita de Machado, algo é deixado em suspenso. b) ERRADA - O eu lírico do poema, no verso 07, refere-se ao pungente riso ao qual ele e os demais leitores vão sabo- reando. Aqui há alusão ao humor machadiano; um humor irreverente, irônico, com função crítica, pungente (ou seja, doloroso, lancinante), e não pueril. c) ERRADA - O indianismo é característica do Romantismo bra- sileiro. A segunda fase da obra de Machado de Assis, inau- gurada com a escrita de Memórias póstumas de Brás Cubas, fase a que o poema em análise faz referência, apresenta características realistas. No Realismo, não há lugar para as idealizações românticas. d) ERRADA - O eu lírico, de fato, alude aos silêncios para reme- ter à atitude narrativa de Machado, contudo, não se pode afirmar que, na obra machadiana, os silêncios se fazem notar em significativas páginas em branco. Essa não é uma característica do estilo do autor; trata-se, na verdade, de ca- racterística presente em algumas obras concretistas e) ERRADA - Machado de Assis não se esquivou de relatar re- alisticamente a sociedade brasileira de sua época; tanto o é que sua obra é reconhecidamente um retrato da sociedade brasileira aristocrática do final do século XIX. 05.20. c c) CORRETA - Os versos “De além dos vermes que roeram / as tuas frias carnes” realizam intertextualidade com a dedica- tória do livro Memórias póstumas de Brás Cubas. O verso “[Ensinaste-nos] Que por batatas uns aos outros se conso- mem” realiza intertextualidade com a obra Quincas Borba. Por fim, o verso “dos olhos de ressaca em tua Capitu” realiza intertextualidade com a obra Dom Casmurro. a) ERRADA - Esaú e Jacó b) ERRADA - Ressurreição d) ERRADA - não apresenta correlação correta entre o excerto e a obra machadiana e) ERRADA - Memorial de Aires 14 Extensivo Terceirão 2A1BAula 06 Naturalismo – Parnasianismo Português 2D Naturalismo Com a palavra, os historiadores e crítico literários. “O realismo se tingirá de naturalismo, no romance e no conto, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao destino cego das “leis naturais” que a ciência da época julgava ter codificado...” (AlfredoBosi) “Fugindo de figurar as suas exatas dimensões e a profundidade social de seus motivos, o naturalismo des- caía inevitavelmente para o excepcional, para o isolado, para o extremo, para o arbitrário. É por isso que acaba por fixar-se no patológico, nos tipos descomedidos, no ébrio, no criminoso, na histérica, no anormal, como se criaturas tais estivessem em condições de espelhar o conjunto.” (Nelson Werneck Sodré) “O realismo exterior (naturalismo) caracteriza-se pela visão do real, real sensível, fundada nos princípios científi- cos, segundo os quais a vida psicológica das personagens é suscetível de ser conhecida e analisada visto que se manifesta por meio de gestos, palavras, contorno do rosto, etc., enfim, os aspectos fenotípicos. Tal psicofisiologismo, articulando-se à influência do meio, considerado o fator mais decisivo, permite que o comportamento dos protago- nistas seja matematicamente previsível.” (Massaud Moisés) Características a) Subordinação do desenvolvimento da criação às leis biológicas ou fisiológicas. O homem é uma máquina regida pela ação dos fenômenos físicos e químicos, pelo fatalismo incoercível da hereditariedade, pelos fatores deterministas do meio social e físico. b) Preferência por temas de natureza patológica. O espírito de imparcial objetividade, que informa a obra do autor naturalista, leva-o a focalizar todos os assuntos e atitudes, mesmo os mais repulsi- vos, aqueles que refluem principalmente da ralé e da escória humana, pois o naturalismo intenta reproduzir a natureza e o homem natural. c) Uso de linguagem simples, direta, coloquial, natural e até vulgar, quando se fizer oportuna na representação verbal das gírias das classes, profissões e de grupos sociais. d) Intenção clara e determinada de imprimir à literatura um cunho científico. Júlio Ribeiro, romancista de A carne, chama a seu trabalho de “estudo” e não de “romance”. e) O amoralismo, a indiferença no que se refere à opinião ou atitude sobre os atos humanos, pois o que importa é o ato em si mesmo e não o juízo que sobre ele se pode fazer. f ) Criação do romance documental e experimen- tal.” (Hênio Tavares) Aluísio Azevedo Nasceu em São Luís do Maranhão em 1857 e morreu em Buenos Aires com 56 anos. Com 19 anos jovem foi cursar a Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Com grande talento para as artes, em especial para desenho e pintura, chegou a trabalhar com caricaturas, e cos- tumava desenhar antes de escrever, para visualizar melhor os cenários, os personagens e os enredos de seus textos. Volta-se para a literatura por motivos financeiros. Com a morte do pai, em 1878, precisa retornar ao Maranhão para ajudar os familiares. Encontra o sustento na escrita. Sua primeira publicação “Uma lágrima de mulher”, tem ainda características do romantismo. O Mulato, de1881, é considerada a obra que lançou a escola do Naturalismo no Brasil. Por essa época, o autor volta ao Rio e passa a produzir peças, contos e os romances O cortiço, Casa de pensão, entre outros. Em 1895, foi nomeado diplomata e, vinte anos depois, Aluísio foi morar novamente em Buenos Aires como cônsul de primeira classe, onde veio a falecer. Obras principais O Mulato O romance, apontado como a obra inaugural do Natu- ralismo no Brasil, destaca a crítica social, através da sátira impiedosa contra tipos de São Luís como o comerciante rico e grosseiro, a velha beata e raivosa, o padre relaxado e assassino, e uma série de personagens que resvalam sem- pre para o imoral e para o grotesco. Alguns personagens são pessoas de São Luís, conhecidas pelo autor. Aula 06 15Português 2D O padre e depois Cônego Diogo, devasso, hipócrita e assassino, personifica o anticlericalismo. A crítica ao preconceito racial e social percorre toda a narrativa, como também a sexualidade instintiva e animal, manifestada pela paixão carnal de Ana Rosa por Raimundo. A impunidade e gratificação final dos culpados, como o casamento de Ana com o assassino de Raimundo e a promo- ção a cônego do padre Diogo demonstram a vitória do mal. Enredo Saindo criança de São Luís para Lisboa, Raimundo viajava órfão de pai, um ex-comerciante português, e afastado da mãe, Domingas, uma ex-escrava do pai. Rai- mundo volta formado para o Brasil para rever seu tutor e tio, Manuel Pescada. Raimundo desperta as atenções de sua prima Ana Rosa que, em dado momento, lhe declara seu amor. Essa paixão correspondida encontra, todavia, três obstáculos: o do pai, que queria a filha casada com um dos caixeiros da loja; o da avó Maria Bárbara, mulher racista e de maus bofes; o do Cônego Diogo, comensal da casa e adversário natural de Raimundo. Os três co- nheciam as origens negroides de Raimundo. E o Cônego Diogo era o mais empenhado em impedir a ligação, uma vez que fora responsável pela morte do pai do jovem. Como aconteceu Depois que Raimundo nasceu, seu pai, José Pedro da Silva, casou-se com Quitéria Inocência de Freitas Santia- go, mulher branca. Suspeitando da atenção particular que José Pedro dedicava ao pequeno Raimundo e à escrava Domingas, Quitéria ordena que açoitem a negra e lhe queimem as partes genitais. Desesperado, José Pe- dro carrega o filho e leva-o para a casa do irmão Manuel Pescada, em São Luís. De volta à fazenda, imaginando Quitéria ainda refugiada na casa da mãe, José Pedro ouve vozes em seu quarto. Invadindo-o, o fazendeiro surpre- ende Quitéria e o então Padre Diogo em pleno adultério. Desonrado, o pai de Raimundo mata Quitéria, tendo Diogo como testemunha. Graças à culpa do adultério e à culpa do homicídio, forma-se um pacto de cumplicidade entre ambos, e José Pedro abandona a fazenda, retira-se para a casa do irmão e adoece. Meses depois, já resta- belecido, José resolve voltar à fazenda, mas, no meio do caminho, é tocaiado e morto. Raimundo ignorava tudo isso. Em São Luís, sua preocupação era desvendar suas origens e, por isso, insiste com o tio para visitar a fazenda onde nascera. Durante o percurso a São Brás, Raimundo começa a descobrir os primeiros dados sobre suas ori- gens e insiste com o tio para que lhe conceda a mão de Ana Rosa. Após várias recusas, Raimundo fica sabendo que o motivo da proibição devia-se à cor de sua pele. Então, muda-se da casa do tio e decide partir para o Rio. Diante da impossibilidade de se unirem, Ana Rosa e Raimundo tornam-se amantes e pensam em fugir. A carta que revelava os planos foi interceptada por um cúmplice do Cônego Diogo, o caixeiro Dias, empregado de Manuel Pescada e forte pretendente à mão de Ana Rosa. Na hora da fuga, os amantes são surpreendidos e o cônego arma um escândalo sensacionalista. Raimundo retira-se desola- do e, ao abrir a porta de casa, um tiro acerta-o pelas cos- tas. Com uma arma que lhe emprestara o Cônego Diogo, o caixeiro Dias assassina o rival. Ana Rosa aborta o filho de Raimundo e, seis anos depois, vemo-la saindo de uma recepção oficial, de braço com o Sr. Dias e preocupada com os “três filhinhos que ficaram em casa, a dormir”. O Cortiço A obra apresenta um exame minucioso, cruel e amargo do submundo do Rio de Janeiro no século XIX. Aluísio cons- trói personagens grosseiras e vulgares, e apresenta o mesti- ço brasileiro como fator de arte em suas várias dimensões e posições sociais; apresenta o imigrante estrangeiro; revela a exploração a que eram submetidos os trabalhadores; desnuda a cobiça desenfreada; revela o adultério na alta sociedade, a prostituição e as misérias coletivas. Sem aprofundar-se na análise psicológica, Aluísio se ocupa em verificar o comportamento social dos seres que cria, sondar até que ponto o social pode determinar a vida individual do ser humano, como ocorre com os inúmeros portugueses que povoam o livro e que vão- -se pouco a pouco condicionando ao meio e ao clima tropical brasileiro. Enredo O português João Romão é impelido pelo “delírio de en- riquecer”. Quando o patrão, um vendeiro conterrâneo, volta para sua terra, o jovemtorna-se proprietário da venda. Transforma-se no típico explorador inescrupuloso de seus semelhantes. Trabalhador incansável, amasia-se com Bertoleza; explora sem remorsos o corpo e o trabalho da negra e, com as economias dela, compra o primeiro pedaço de terra. João Romão forja uma carta de alforria para a amante e a deixa ainda mais seduzida e submissa. Berto- leza, julgando-se livre, passa a pertencer a dois senhores. João Romão aos poucos vai comprando as terras si- tuadas ao fundo de sua taverna e roubando material de casas da pedreira vizinha e de obras em construção nas proximidades. Foi assim conquistando todo o terreno que se estendia pelos fundos de sua bodega; e, à pro- porção que o conquistava, reproduziam-se os quartos e o número de moradores. 16 Extensivo Terceirão Nasce o cortiço de São Romão. Os negócios melho- ram, a taverna vai se transformando em quitanda, bazar, grande armazém. O vendeiro torna-se o único proprie- tário da venda, de Bertoleza, das terras, da pedreira, do cortiço. Apesar de rico, aparenta ser miserável. Miranda, morador de um rico sobrado próximo à venda de Romão, é obrigado a assistir ao pulsar da vida no cortiço. Aquele amontoado de casinhas, na verdade, forma um corpo único, degradado, subumano, animali- zado, dominado pelo sangue e pelos nervos. Mães ensaboando os filhos, dramas das adúlteras e seus machos, rivalidades entre mulheres por causa de homens, prostituição e homossexualismo, amor físico e clima de sensualidade, cantos e danças frenéticas são cenas frequentes que dominam o ambiente. O título de Barão de Freixal recebido por Miranda des- perta a inveja em João Romão. De repente, tudo o deixa furioso: sua grosseria, a negra com quem vive, o convite para tomar chá na casa do novo Barão. Romão decide mudar seu estilo de vida. Corta a barba, manda fazer rou- pas novas, torna-se sócio de um clube de dança, reforma o quarto, come com elegância, bebe vinhos especiais, frequenta o Teatro São Pedro e até lê romances franceses. Após um incêndio, o cortiço São Romão é reformado e ampliado e recebe hóspedes mais “distintos”. O vendeiro entabula negociações com Botelho, comensal de Miranda, para se casar com Zulmira, filha do Barão. Marcado o casamento, defrontam-se com um grande problema: o que fazer de Bertoleza? A negra percebe o que está acontecendo, vê-se passando da condição de amante à de escrava e ser tratada como um animal velho e inútil. Com a ajuda de Botelho, Romão decide entregá-la ao verdadeiro dono. No dia em que alguém aparece para buscá-la, Bertoleza suicida-se diante de todos, enquanto uma comissão de abolicionistas visita João Romão para lhe trazer o diploma de sócio benemérito. Raul Pompeia Nasceu em Angra dos Reis, em1863. Estuda em um dos mais famosos internatos cariocas: o Colégio Abílio. Essa vivência no internato serve de matéria-prima para a sua mais importante obra, O Ateneu. Pompeia, desde a adolescência, revela-se bom es- critor, desenhista e também crítico feroz da sociedade. Frequentemente entra em choque com as ideias do romantismo, do catolicismo, do escravismo e da monar- quia, que julga obsoletas. Inicia o curso de Direito em São Paulo e é obrigado a terminá-lo em Recife. De volta ao Rio de Janeiro, dedica- -se a escrever O Ateneu. Escreve crônicas e participa ativamente da vida boêmia nos cafés cariocas, onde se discutia a república, a escravidão, a literatura e outros assuntos polêmicos e apaixonantes. Escreve artigos na imprensa defendendo o regime do Marechal de Ferro. O jornal oposicionista Combate reage raivosamente às críticas feitas por Raul Pompeia contra os opositores do governo, acusando-o de servilista e fazendo insinuações maldosas sobre o suposto homos- sexualismo do escritor. O responsável por tais críticas foi, provavelmente, Olavo Bilac. Os dois desafiam-se para um duelo, evitado por interferência de amigos comuns. Durante o funeral do Marechal Floriano, desfere raivoso discurso contra o governo do então presidente Prudente de Morais. É chamado de doente e covarde num artigo intitulado de “Um louco no cemitério”. Raul Pompeia só toma conhecimento do artigo meses depois o que o deixa desesperado e ferido na honra por não ter-se defendido logo. Muito abatido, na noite de Natal de 1895, estira-se numa poltrona e dispara um tiro certeiro no coração. O Ateneu A história é narrada em1ª pessoa, e está muito mais centrada nas impressões do personagem-narrador do que nas pessoas e nos objetos. Sérgio é o adulto que rememora o passado, a sua primeira experiência de individualização, seu primeiro contato com o mundo, representado pelo internato, um microcosmo, uma miniatura da sociedade que retrata o poder absoluto do Imperador na figura no diretor Aristarco; critica a ambição figurada no comércio de selo entre os alunos; revela os impulsos afetivos desviados para relações homossexuais entre os internos e as trans- gressões da lei; condena as delações, a inveja, a covardia, as vinganças, as injustiças da sociedade disseminadas entre os meninos da escola. Chamado pelo autor de crônica de saudades, O Ate- neu é um livro de tom confessional unindo ficção com projeção autobiográfica. A influência do naturalismo manifesta-se no deter- minismo do meio condicionando o comportamento dos alunos do internato; na zoomorfização de pessoas descritas com traços animalescos (cara de símio, modelo geral de pelicano, fisionomia agreste de cabra, raça de bugre); na seleção natural mostrando que no Ateneu só os mais fortes sobrevivem. O realismo se faz presente na análise psicológica das personagens; nas críticas à sociedade burguesa ao desmascarar as segundas intenções, as dissimulações, a hipocrisia e o pseudointelectualismo. Aula 06 17Português 2D Enredo – Vais encontrar o mundo – disse-me meu pai à porta do Ateneu. – Coragem para a luta. Essa fala se concretizará, mas não conforme os desejos do pai, pois o narrador vai encontrar no Ateneu uma fiel reprodução de um mundo injusto, cruel, hipócrita e mo- vido pelo interesse. Desde o início das aulas, Sérgio vai percebendo os defeitos e a dissimulação do diretor. Seus colegas de sala, cerca de vinte, ele descreve com traços caricaturais e animalescos. O colega Rabelo, muito benevolente, tenta animá-lo e lhe diz exatamente o que era O Ateneu: um reino onde se prega e cultua a moralidade e onde se vive a sua desfiguração mais aterradora: (...) Uma cáfila! uma corja! Não imagina, meu caro Sérgio.... Uns perversos! Têm mais pecados na consciência que um confessor no ouvido; uma mentira em cada dente, um vício em cada pole- gada de pele. Sérgio ouve com atenção os conselhos preciosos de Rabelo: (...) faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fra- cos perdem-se. Faça-se homem, meu amigo! Co- mece por não admitir protetores. (...) Não demorou muito, e o novato precisou defender-se das brincadeiras estúpidas de um interno e, no mesmo dia, tem seu primeiro confronto físico, com Barbalho, um garoto que estava a incomodá-lo seguidamente. Ignorando os conselhos de Rabelo, Sérgio aceita Sanches como seu protetor e auxiliar nos estudos. Os dois amigos passam a ter uma relação muito pró- xima. O veterano tenta seduzir o personagem-narrador que, tendo em vista a ajuda que recebe, evita entrar em conflito com ele. Quando ouviu insinuações mais diretas e claramente obscenas de Sanches, Sérgio, enojado, afasta-se definitivamente do colega. O sedutor gozava da confiança e do apoio dos profes- sores. Sentindo-se rejeitado pelo personagem-narrador, passou a persegui-lo, humilhando-o diante dos colegas nas atividades escolares. A vingança de Sérgio foi tornar-se o mais relapso e negligente da sala e suas notas bem como todo o seu desempenho nos estudos tornam-se medíocres. As humilhações passaram a ser diárias. Sérgio chorava à noite, em segredo, no dormitório, e de dia andava sozinho e calado, ruminando toda a vergonha sofrida. Aproxima-se apenas daqueles
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