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Náuseas e vômitos - Medicina de Emergência

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Medicina de Emergência – Abordagem Prática 
NÁUSEAS E VÔMITOS 
 
Náusea é definida como sensação subjetiva da necessidade de vomitar, geralmente 
percebida na garganta ou no epigástrio. Vômito é a ejeção de conteúdo 
gastrointestinal pela boca. É importante diferenciar vômito de regurgitação, nesta 
última, ocorre retorno de conteúdo gástrico pela boca sem esforço do paciente. 
Os vômitos geralmente são precedidos por náuseas. Vômitos não precedidos por 
náuseas, conhecidos como “vômitos em jato”, são classicamente, associados à 
hipertensão intracraniana. 
 
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA 
O ato de vomitar resulta da interação de componentes neurais, humorais, 
musculares e gastrointestinais. O centro do vômito no sistema nervoso central (SNC) 
recebe aferências de quatro fontes: 
 Fibras aferentes vagais e esplâncnicas originadas do trato gastrointestinal 
(receptores 5HT-3): são estimuladas por distensão da mucosa de vias biliares 
e gastrointestinais, por irritantes gástricos (como salicilatos e enterotoxina 
estafilocócica), e fatores irritantes peritoneais. 
 Sistema vestibular (receptores histamínicos H1 e receptores muscarínicos 
colinérgicos M1): essas fibras são estimuladas por movimento e por 
infecções. 
 Zona postrema da medula (quimiorreceptores em contato com sangue e 
liquor): é estimulada por agentes quimioterápicos, drogas, toxinas, uremia, 
acidose, hipóxia e radioterapia. 
Outros receptores do SNC estão associados ao aparecimento de vômitos 
relacionados com odores e experiências emocionais, como os vômitos que ocorrem 
como antecipação a quimioterapia. 
Principais etiologias de náuseas e vômitos: 
 Associadas a medicações: quimioterápicos, analgésicos e anti-inflamatórios, 
antibióticos, digoxina, sulfassalazina, teofilina, opioides, vômitos pós-
radioterapia e uso abusivo de álcool. 
 Alterações peritoneais e intestinais: obstrução mecânica, alteração funcional 
gastrointestinal (p. ex., gastroparesia, dispepsia), inflamação peritoneal, 
úlcera péptica, pancreatite, colecistite, isquemia mesentérica 
 Causas infecciosas: gastroenterites, outros quadros infecciosos com toxemia 
 Causas de sistema nervoso central: enxaqueca, hipertensão intracraniana (p. 
ex., hemorragia, isquemia, tumor, hidrocefalia), pós-convulsão, doenças 
psiquiátricas associadas, doenças vestibulares 
 Causas endócrinas e metabólicas: insuficiência adrenal, hipertireoidismo, 
hipo e hiperparatireoidismo, uremia, porfiria 
 Vômitos pós-cirurgia 
 Vômitos cíclicos 
 Infarto agudo do miocárdio e outras causas 
Vômitos são particularmente frequentes antes dos 3 e após os 20 anos de idade, e 
são mais comuns nos quadros virais em comparação com os bacterianos. 
 
ACHADOS CLÍNICOS E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 
Os vômitos agudos, entre 24 e 48 horas de evolução, são, na maioria das vezes, 
causados por quadros infecciosos, tóxico-metabólicos ou medicações. Algumas 
características dos vômitos podem facilitar o diagnóstico: 
 Vômito de alimentos não digeridos pode ocorrer em divertículo de Zenker 
ou acalasia. 
 Vômito de alimentos parcialmente digeridos várias horas após a 
alimentação ocorre em gastroparesia e obstrução gástrica. 
 Vômitos inodoros são associados com condições com acloridria gástrica. 
 Vômitos de característica biliosa ocorrem quando o piloro se encontra 
pérvio, e patologias intestinais como a obstrução intestinal em jejuno são 
provavelmente a causa. 
 Vômitos de aspecto fecaloide são característicos de obstrução intestinal. 
 Vômitos com sangue ou “em borra de café” ocorrem em sangramentos do 
trato digestivo alto, como gastrite hemorrágica, doença ulcerosa péptica e 
ruptura de varizes esofágicas, embora neste último grupo de pacientes a 
apresentação comum seja de hematêmese. 
Vômitos que ocorrem logo após a ingestão alimentar sugerem obstrução gástrica 
por doença ulcerosa ou malignidade. Gastroparesia também pode evoluir com 
vômitos que ocorrem em até 5 minutos após a refeição, mas geralmente ocorrem 
pelo menos uma hora após a ingesta. 
Vômitos associados a doenças inflamatórias, como colecistite e pancreatite, 
ocorrem na primeira hora pós-prandial. 
Os achados clínicos de cada paciente são dependentes da etiologia causadora: 
 Vômitos associados a diarreia, mialgia e febre são sugestivos de quadros 
infecciosos, principalmente gastroenterites virais. 
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 Vômitos associados a rigidez de parede intestinal e descompressão brusca 
dolorosa de abdome são sugestivas de condições inflamatórias. 
 Quadros obstrutivos intestinais tendem a apresentar dor abdominal 
precedendo os vômitos, distensão abdominal e presença de ruídos 
hidroaéreos metálicos e aumentados. 
 Ausência de ruídos hidroaéreos indica a presença de íleo paralitico, que 
ocorre em pós-operatório e em condições metabólicas. 
 Vômitos cuja etiologia seja patologia do SN são associados a cefaleia, 
vertigem, náuseas, rigidez de nuca e achados neurológicos focais. 
Dentre as complicações dos vômitos, a depleção volêmica é a mais frequente, e é 
importante identificá-la e tratá-la na avaliação inicial. Alcalose metabólica também 
pode ocorrer e é corrigida com reposição volêmica apropriada. 
 
EXAMES COMPLEMENTARES 
A solicitação de exames complementares é dependente dos achados de história e 
exame físico e servem tanto para elucidar a etiologia das náuseas e vômitos quanto 
para verificar as consequências deles, como a desidratação. 
 Exames laboratoriais incluem hemograma, B-HCG, enzimas pancreáticas, 
troponina, urina 1, nível sérico de drogas e eletrólitos. 
 O hemograma pode ajudar a descartar anemia resultante de inflamação ou 
perda crônica de sangue, leucocitose, que ocorre condições inflamatórias, 
ou leucopenia, que ocorre em condições virais. 
 A avaliação estrutural do aparelho digestivo é indicada quando história, 
exame físico e exames complementares iniciais não sugeriram o diagnóstico. 
Nessa categoria de exames, a endoscopia digestiva alta é o mais importante. 
 A radiografia simples de abdome pode servir como exame inicial, e se 
demonstrar níveis líquidos e ausência de ar no cólon sugere obstrução de 
intestino delgado. Já a distensão luminal difusa e a ausência de ruídos 
hidroaéreos são indicativas de íleo paralitico. A presença de ar 
subdiafragmático sugere perfuração visceral. 
 A colonoscopia e a radiografia com enema opaco também podem ajudar na 
suspeita de obstrução colônica. 
 Aspiração gástrica de conteúdo maior do que 200 mL sugere alteração 
funcional da motilidade gástrica. 
 A endoscopia também pode demonstrar gastroparesia, assim como estudos 
motores funcionais, como a manometria e estudos cintilográficos. 
 
Exames complementares: 
 Hemograma completo: na suspeita de condições inflamatórias. Podem 
ocorrer leucopenia em infecções virais, leucocitose em infecções 
bacterianas e anemia por perdas ou por inflamação crônica 
 Beta-HCG: em mulheres com suspeita de gestação 
 Eletrólitos e função renal: em pacientes com suspeita de desidratação 
secundária ou uremia 
 Enzimas hepáticas: suspeita de hepatite 
 Gasometria venosa: casos de gravidade, pode ocorrer acidose metabólica se 
hipoperfusão tecidual ou alcalose metabólica pela desidratação 
 Amilase e lipase: suspeita de pancreatite 
 Radiografia de abdome em 3 posições: baixo custo, pode apresentar sinais 
de obstrução intestinal e perfuração visceral 
 Endoscopia digestiva alta: suspeita de lesões de mucosa esofágica e 
gastroduodenal. Indicada para pacientes com hemorragia digestiva ou com 
suspeita de obstrução do trato digestivo superior 
 Tomografia de abdome: suspeita de obstrução intestinal ou acometimento 
inflamatório de vísceras, como pancreatite 
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 Exames radiográficos contrastados: suspeita de obstrução. Enteroclisma é 
útil para obstrução de intestino delgado, enema opaco para avaliar os cólons 
e o esofagogastroduodenograma para alterações de motilidadegástrica 
 Tomografia de crânio: suspeita de hipertensão intracraniana. Pode mostrar 
lesões estruturais de SNC 
 Liquor: suspeita de meningites 
 
TRATAMENTO 
Na emergência, a primeira decisão a ser tomada é a necessidade ou não de 
reposição volêmica intravenosa. A alteração de turgor da pele e a hipotensão 
postural indicam perda de mais de 10% da volemia e são indicativas de reposição 
endovenosa, preferencialmente com solução cristaloide. 
A reposição de potássio só deve ser realizada se houver débito urinário adequado e 
hipocalemia. 
Pacientes com obstrução gastrointestinal ou íleo paralítico com distensão gástrica 
podem se beneficiar do uso de sonda nasogástrica. A recomendação é de dieta 
predominantemente líquida, que causa esvaziamento gástrico mais rápido. As 
refeições devem ser frequentes e em menores quantidades, evitando-se gorduras, 
que são potentes inibidoras do esvaziamento gástrico. 
Existem duas categorias principais de medicações para o manejo das náuseas e 
vômitos, os procinéticos e os antieméticos. No Brasil, a medicação mais utilizada é a 
metoclopramida, que apresenta ação procinética e age via receptores 
serotoninérgico 5HT-4 e dopaminérgico D2. Até 20% dos pacientes apresentam 
eventos adversos provocados por efeitos antidopaminérgicos, como agitação, 
nervosismo, tonturas, distonias e raramente discinesia tardia. A dose habitual é de 
10 a 20 mg a cada 6 horas. Doses de 30 mg ou mais a cada 6 horas são utilizadas em 
pacientes com vômitos de difícil controle pós-quimioterapia. Quando usada por via 
endovenosa, a medicação deve ser infundida lentamente, em período maior do que 
15 minutos, para evitar eventos adversos. 
Outras medicações procinéticas incluem a domperidona e a bromoprida. A eficácia 
das drogas para quadros de gastroparesia é comparável à da metoclopramida e a 
dose habitual de ambas é de 10 mg 3 a 4 vezes ao dia. 
O uso de macrolídeos, como a eritromicina, tem sido descrito como útil para 
pacientes com gastroparesia, pois agem em receptores de motilidade no trato 
gastrointestinal. A dose endovenosa é de 3 mg/kg a cada 8 horas, seguida de dose 
oral de 250 mg a cada 8 horas. 
Em pacientes com distúrbios vestibulares, difenidramina e meclizina são úteis, 
embora possam ser usadas em outras circunstâncias, como uremia ou 
gastroenterites. A dose de difenidramina é de 10 a 50 mg EV a cada 6 horas em dose 
máxima de 300 mg ao dia, ou por via oral, de 50 a 100 mg a cada 6 a 8 horas. 
As fenotiazinas também podem ser usadas para tratamento de vômitos. Esses 
agentes incluem clorpromazina, proclorferazina e prometazina. As doses habituais 
são de 10 mg a cada 6 horas. A proclorperazina em particular parece ser eficiente, 
mas é pouco utilizada por causa de eventos adversos extrapiramidais, além do risco 
de hipotensão. 
As butirofenonas, como haloperidol e droperidol, que agem pelas vias 
dopaminérgicas centrais, são úteis, mas de eficácia menor, e podem causar sintomas 
colaterais como agitação, sedação e quadros de acatisia. 
Medicação que atuam nos receptores serotoninérgicos são muito utilizadas, 
especialmente as que atuam no receptor 5HT-3. Esses agentes atuam na região 
postrema e incluem ondansetron, granisetron e dolasetron, que são as drogas mais 
utilizadas mundialmente para o controle de vômitos. A dose do ondansetron é de 8 
a 16 mg endovenoso ou via oral a cada 8 a 12 horas. A eficácia das diferentes drogas 
dessa classe parece ser similar. A metoclopramida tem eficácia semelhante à do 
ondansetron e custo menor. No entanto, em pacientes idosos, com contraindicação 
a metoclopramida ou em quimioterapia, prefere-se o uso do ondasentron. 
O uso de sedativos como benzodiazepínicos é descrito com sucesso para pacientes 
em que as náuseas e vômitos tenham componente psicológico, e o uso de 
corticosteroides, em particular a dexametasona, é adotado para vômitos em 
pacientes em quimioterapia, principalmente em combinação com outras 
medicações. A dose de dexametasona é de 10 a 20 mg ao dia. 
 
Etiologia Mecanismo Mediadores Tratamento 
Constipação, 
pseudo-obstrução 
intestinal, íleo 
paralítico 
Distensão da 
parede 
intestinal 
Receptores de 
dopamina D2 no 
trato 
gastrointestinal 
Antieméticos 
antidopaminérgicos 
(metoclopramida, 
haloperidol) 
Radiação, 
quimioterapia, 
infecção, invasão 
direta de tumores 
Insulto da 
parede 
intestinal 
Receptores de 
serotonina 5HT-3 
no trato 
gastrointestinal 
Antagonistas 
serotoninérgicos 
(ondansetron) 
Drogas, toxinas 
bacterianas 
 Receptores D2, 
5HT-3, 
neurocinina tipo 
1 na zona do 
trigger 
Antieméticos 
antidopaminérgicos e 
antagonistas 
serotoninérgicos 
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Cinetose, labirintite Desordens 
do labirinto e 
movimento 
Receptores de 
histamina H1 e 
muscarínicos no 
sistema vestibular 
Anti-histamínicos 
(difenidramina) e 
anticolinérgicos 
(escopolamina, 
prometazina) 
TAG Benzodiazepínicos 
Aumento da 
pressão 
intracraniana 
 Glicocorticoides 
Gestação Anti-histamínicos 
(difenidramina) 
 
INDICAÇÕES DE INTERNAÇÃO, TERAPIA INTENSIVA E 
SEGUIMENTO 
Pacientes com incapacidade de alimentar-se ou de ingerir líquidos por via oral, com 
doenças crônicas debilitantes, como insuficiência cardíaca, refratariedade dos 
vômitos ao tratamento farmacológico e desidratação grave, hipotensão e distúrbios 
hidroeletrolíticos têm indicação de hospitalização.

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