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Jogos Cooperativos 1 Jogos Cooperativos Professora Angélica Chico Jogos Cooperativos 2 Jogos cooperativos 3 1 O que são jogos cooperativos? Para quem são? 4 2 A prática pedagógica e os jogos cooperativos 6 3 A contribuição dos jogos cooperativos na educação infantil sob o olhar psicopedagógico 7 Jogos cooperativos como inclusão social na escola 9 4 Os jogos cooperativos e a psicopedagogia 12 4.1 Piaget e Vygotsky 13 Síntese das ideias da Vygotsky 14 Teoria piagetiana 15 5 De onde vem estes jogos? 16 Jogos cooperativos de resultado coletivo 16 Jogo de inversão 16 Jogos semicooperativos 17 6 Jogos cooperativos e educação 20 7 Pré...conceitos sobre jogos cooperativos 22 8 A cooperação permeando as cinco disciplinas nas organizações 24 9 É importante que a aprendizagem seja divertida! 25 10 Simulando para aprender 26 11 Levando em conta a bagagem 26 12 Aprender é um ato social 26 13 Os jogos cooperativos nas organizações 27 14 Os jogos cooperativos e as inteligências múltiplas 28 15 O que tudo isso tem a ver com os jogos cooperativos? 31 16 Da rivalidade-competitiva ao humanismo-altruísta 31 17 A importância do jogo na aprendizagem 34 Referências bibliográfi cas 36 SUMÁRIO Jogos Cooperativos 3 JOGOS COOPERATIVOS O jogo é uma manifestação cultural muito signifi cativa. Ele surgiu com a humanidade e até hoje tem um papel fundamental no desenvolvimento de todos os povos da raça humana. Podemos dizer que o jogo é como um grande espelho que refl ete a forma como determinada sociedade vive, as relações entre as pessoas e aquilo que teoricamente aquela comunidade acredita, seus valores e sua moral (BROTTO, 2000). Propor um estudo sobre o lúdico e os jogos cooperativos na escola parece mesmo muito óbvio, mas nem por isso o tema esgotou-se. É comum ouvirmos a afi rmação que o lúdico é praticado na escola e creio que disto ninguém duvida. O lúdico não pode ser visto isoladamente, pois ele é determinado pelo conjunto das circunstâncias sociais, políticas, econômicas e culturais, ao mesmo tempo em que está presente nelas. Os jogos cooperativos propõem a busca de novas formas de conhecimento, com o intuito de diminuir as manifestações de agressividade, promovendo atitudes de sensibilidade, cooperação, alegria e solidariedade. A esperança, a confi ança e a comunicação são as principais características dos jogos cooperativos, além de buscar a interação de todos, a alegria e a valorização do indivíduo na construção do processo de participação e aprendizagem. Os jogos cooperativos buscam incluir (DENICOL, 2004). Nesse aspecto, segundo Alícia Fernández (1994), a psicopedagogia vai atuar com os movimentos entre o conhecimento, a informação e o saber que vão dar lugar ao aprender. Não nos esquecemos que, para aprender, o ser humano conta com alguns elementos, entre outros, a cognição, o organismo e o nível simbólico inseridos em um corpo. Tais elementos podem ser considerados universais e vão se constituindo de uma forma muito particular em cada sujeito. A articulação entre esses elementos e o signifi cado que cada sujeito dá ao processo de aprendizagem é singular. Se voltarmos para a escola antiga, veremos que o desenvolvimento cognitivo, afetivo e motor acontecia de forma mecanizada, pela falta de melhores informações e formação dos professores. O potencial do educando, assim, advinha de suas experiências cotidianas, incluindo as brincadeiras e os jogos cooperativos, que, quando valorizados, certamente facilitariam a aprendizagem. Essa forma dirigida de educação difi cultava a integração aluno-escola, já que muitas vezes a distanciava da realidade social, cultural e econômica da criança, o que se refl etia em seu desenvolvimento cognitivo. A aprendizagem na educação infantil, no decorrer dos anos, vem sofrendo mudanças na metodologia de ensino, buscando formas que facilitem o trabalho do professor no processo de aprendizagem. As mudanças referentes aos recursos didáticos – principalmente os pedagógicos – incluem os jogos, que tornam a aprendizagem menos mecânica e mais signifi cativa e prazerosa para o aluno, quando usados adequadamente. Para Vygotsky (1992), uma boa aprendizagem se dá através da motivação estimuladora e criativa, proporcionando assim prazer em aprender. À medida que a escola dá oportunidade para a criança experimentar o concreto, utilizando os jogos de maneira pedagógica, faz com que as experiências acumuladas lhe proporcionem a formação de conceitos como semelhanças e diferenças, classifi cação e seriação. A partir desses conceitos, ela passa a possuir condições de descrever, comparar e representar grafi camente. Jogos Cooperativos 4 Os professores de educação infantil devem, através dos jogos cooperativos, facilitar a aprendizagem e o desenvolvimento da criança nos aspectos físico, cognitivo, motor, social e político. Este é um processo que se dá inicialmente na escola, pois a educação infantil tem a função de promover a construção do conhecimento, assim como todos os outros níveis de educação. Da construção do conhecimento depende o próprio processo de constituição dos indivíduos que frequentam a escola. Os jogos cooperativos podem ser considerados como recursos pedagógicos para a educação infantil, uma vez que através deles as crianças aprendem sobre a natureza, eventos sociais e a dinâmica interna da escola. Através do jogo, com um grupo estruturado, elas também conseguem entender o funcionamento dos objetos e explorar suas características físicas. Os jogos cooperativos se confi guram a inúmeras brincadeiras infantis. A criança repete no jogo as impressões que vivencia no cotidiano. O jogo é uma atividade que a criança necessita para atuar em tudo que a rodeia e que desenvolve seu conhecimento. “Há uma luta para aqueles que vão à escola possam frequentá-la e há também uma luta para fazer com que aqueles que estão na escola a vejam como algo atraente”. (Rubem Alves, em Filosofi a da ciência, 1981, p. 74). 1 O QUE SÃO JOGOS COOPERATIVOS? PARA QUEM SÃO? As práticas esportivas, o lazer e o lúdico são veículos para uma boa educação. Além disso, é muito prazeroso jogar, principalmente quando não há perdedores, quando se visa superar obstáculos e desafi os de maneira cooperativa. De acordo com Teixeira (2001), os jogos cooperativos surgiram da refl exão do quanto a competição e o individualismo são valorizados, principalmente pela cultura ocidental. Para Orlick (1989), o principal objetivo do jogo cooperativo está em criar oportunidades para o aprendizado cooperativo e a interação cooperativa prazerosa. Segundo o autor, a principal diferença entre jogos cooperativos e competitivos é a de que nos jogos cooperativos todos cooperam e ganham, pois tais jogos eliminam o medo e o sentimento de fracasso. Eles também reforçam a confi ança em si mesmo, como uma pessoa digna de valor. No Brasil, os jogos cooperativos começaram a ser difundidos em 1980. A princípio, tiveram maior repercussão dentro de programas de graduação e pós-graduação em Educação Física. Atualmente, são propostos enquanto experimentos em diversas áreas: no esporte em geral, em Pedagogia, Administração de Empresas, Psicologia, Filosofi a, movimentos comunitários, ONGs, saúde, desenvolvimento do potencial humano e tantas outras, sendo desenvolvidos com pessoas e grupos muito diversifi cados e de todas as idades. Os jogos cooperativos transmitem e dinamizam uma outra visão do jogo: a de enxergar o outro como parte integrante do jogo – como companheiro, e não como adversário, fazendo com que os participantes aprendam a cooperar e possam levar isso para seu cotidiano. Segundo Le Boulch (1988, p. 305), “[...] a cooperação exige que a criança possa colocar-se sob o ponto de vista do colega, que descubra suas possibilidades com relação à situação e que capte suas intenções”. Jogos Cooperativos 5 Ao invés de pretender derrotar alguém, o jogo cooperativobusca a superação de desafi os. Os participantes passam a ter consciência dos próprios sentimentos, a se colocar no lugar dos outros, dando prioridade ao trabalho em equipe. Joga-se por gostar do jogo, pelo prazer de jogar com os outros. Joga-se com um parceiro, e não com um adversário. Através desses jogos é possível reconhecer que todos os jogadores são importantes para se alcançar o objetivo fi nal, priorizando o trabalho em equipe. Performances anteriores ou habilidades não sofrem comparações. Para que seja possível ensinar a forma de jogar e agir cooperativamente, necessitamos daquilo que Brotto (1999) chamou de ciclo da aprendizagem: vivência, refl exão e transformação. • A vivência se refere a valorizar a inclusão de todos, respeitando as diferentes possibilidades de participação; • a refl exão cria um clima de cumplicidade entre os participantes, levando-os a refl etir sobre possibilidades de mudanças de jogo, de melhoria na participação, o prazer e a aprendizagem de todos; • a transformação sustenta o diálogo, a decisão através de um consenso, experimenta as mudanças propostas e integra todas as transformações desejadas. Orlick (1989) classifi ca os jogos cooperativos em categorias, onde em todas elas existe a cooperação, mesmo que de diferentes formas, assim temos: • O jogo cooperativo sem perdedores. • Jogo de inversão. • Os jogos cooperativos são classifi cados por Teixeira (2001) de acordo com sua fi nalidade, como instrumento de aprendizagem, integração e visão sistêmica. Entre os jogos, podemos citar: • jogos de quebra-gelo e integração; • jogos de toque e confi ança; • jogos de criatividade, sintonia e meditação; • jogos de fechamento. Os jogos cooperativos possibilitam a valorização das pessoas, a supressão das diferenças individuais, a contribuição de cada um, dentro de suas possibilidades, para a superação de desafi os, a discussão de nossos valores e a ampliação de nossa visão de mundo. Jogos Cooperativos 6 Para Brotto (2001, p. 81), vivenciamos os jogos cooperativos como: “[...] uma prática reeducativa capaz de transformar nosso conhecimento competitivo em Alternativas Cooperativas para realizar desafi os, solucionar os problemas e harmonizar os confl itos”. 2 A PRÁTICA PEDAGÓGICA E OS JOGOS COOPERATIVOS Devido aos problemas atuais encontrados no âmbito escolar, como exclusão, descomprometimento familiar, individualismo e competitividade, tornam-se necessárias e indispensáveis atividades que visem à cooperação. Atividades cooperativas tendem a benefi ciar a construção do conhecimento dentro e fora da instituição escolar, na melhoria da convivência humana. Aprender é fundamental para a formação do aluno, e a aprendizagem ocorre quase continuamente. O que aprendemos hoje infl uencia o modo em que faremos as coisas amanhã. Ao entrar na escola, a criança traz diversos conhecimentos sobre movimento, corpo e cultura corporal, vivências que têm origem no grupo cultural em que está inserida. A aprendizagem é intrínseca, leva em conta as capacidades, aptidões, o desenvolvimento neuropsíquico, os interesses e necessidades. Constitui um processo global e cumultativo, porque desenvolve as diversas áreas da personalidade do indivíduo e se desenvolve em etapas encadeadas e contínuas. O processo de construção do conhecimento requer refl exão, tanto pelos educandos como pelos professores, para que construam hipóteses, conceitos e saberes. Desta forma, uma das funções dos professores é planejar como proporcionar ao educando caminhos que garantam sua aprendizagem, pois, quando se efetiva uma nova aprendizagem, nossa “bagagem” aumenta, modifi cando nossa maneira de perceber e agregando outros comportamentos. Esta mudança de comportamentos é o que comprova a realização de que realmente aprendemos. No entanto, é importante considerar que o processo ensino-aprendizagem nem sempre ocorre simultaneamente. Cada criança apresenta características próprias, necessidades, interesses, capacidades e tendências diferentes. Assim, o tempo para que uma aprendizagem se efetive varia de aluno para aluno. As oportunidades de aprendizagem oferecidas pelo professor devem atender às diferenças individuais. Os jogos e brincadeiras são grandes instrumentos que podem e devem ser utilizados pelo educador, o que auxilia no cumprimento de que seus objetivos e metas e contribui para o acesso dos alunos a uma boa educação – como consequência, também uma boa formação crítico-autônoma. O jogo, segundo Snyders (1981), é evidenciado como um dos processos mais ricos para se atingir a educação, pois através dele existe a oportunidade para desenvolvimento da lógica, do relacionamento humano, das responsabilidades coletivas e da criatividade. Freire (1996) alega que aprender é um processo que desperta no educando a curiosidade, tornando-o cada vez mais criador. A curiosidade deve ser despertada de maneira que impulsione o aluno a buscar mais conhecimento. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001), torna-se imprescindível que o professor tenha uma abordagem mediadora ao trabalhar os conteúdos, para que o educando construa progressivamente, ele mesmo, o seu conhecimento. Sua intervenção deve ser elaborada de modo que os alunos tenham Jogos Cooperativos 7 escolhas a fazer, decisões a tomar e problemas a serem resolvidos, de maneira que se tornem cada vez mais responsáveis e independentes. Nossa sociedade necessita de cidadãos que atuem cooperativamente, não só com as pessoas, mas com tudo que o cerca, animais, plantas etc. A cooperação faz parte do processo educacional quando alunos e professores se dispõem a ensinar e aprender, quando fazem parte de nossos objetivos, conteúdos ou estratégias. 3 A CONTRIBUIÇÃO DOS JOGOS COOPERATIVOS NA EDUCAÇÃO INFANTIL SOB O OLHAR PSICOPEDAGÓGICO Os jogos cooperativos contribuem no processo de ensino e aprendizagem porque, como não existem perdedores ou fracassados, favorecerem a inclusão. Segundo Brotto (1999), esses tipos de jogos possibilitam que dois aspectos fundamentais sejam desenvolvidos: a autoestima, despertando e desenvolvendo talentos, vocações, dons e tons pessoais – como peças singulares, importantes e fundamentais ao jogo da coexistência – e o relacionamento com o outro, como um princípio necessário para aproximação, entrelaçamento e arranjo harmonioso de cada umas das diferentes peças para a re-creação do todo. Brotto (1999, p. 58) afi rma que “[...] os jogos cooperativos são uma abordagem fi losófi ca pedagógica criada para promover a ética da cooperação e a melhoria da qualidade de vida para todos, sem exceção”. Sobre a utilização da cooperação no processo de ensino e aprendizagem, Orlick (1989), citado por Soler (2003, p. 32), afi rma que: Crianças educadas na cooperação, na aceitação e no sucesso têm uma chance muito maior de desenvolver uma saudável autoimagem, uma adequada autoestima, da mesma forma como crianças nutridas com dietas balanceadas têm uma maior chance de desenvolver corpos fortes e saudáveis. A psicopedagogia visa, nos jogos cooperativos, desenvolver uma ação na escola/instituição que garanta aos alunos com difi culdades uma oportunidade de ali permanecerem, oferecendo-lhes condições de serem atendidos nas suas necessidades e poderem continuar a escolarização de forma integrada, participativa e evolutiva. Estar atento aos alunos e às relações que se estabelecem na escola é um desafi o, uma busca constante de encontrar caminhos que possam facilitar a aprendizagem e aprimorar o processo de ensinar e aprender, propiciando um espaço de escolarização mais adequado àqueles que necessitam de atenção especial. Os jogos e brincadeiras são instrumentos valiosos que o professor pode disponibilizar para alcançar seus objetivos. Sobre a importância destes na formação das pessoas, Sérgio (1996, p. 56) afi rma que: “O jogo não é uma fase, mas a dimensão da própria vida”. Quando utilizamos o jogo como uma atividade de desenvolvimento humano, estamos proporcionandoaprendizagem de uma maneira crítica e consciente. Friedmann (1996), baseando-se nos estudos de Piaget, afi rma que o jogo pode ser utilizado como forma de incentivar o desenvolvimento humano por meio de diferentes dimensões: • Desenvolvimento da linguagem: um canal de comunicação de pensamentos e sentimentos. • Desenvolvimento moral: processo de construção de regras numa relação de confi ança e respeito. Jogos Cooperativos 8 • Desenvolvimento cognitivo: acesso a um número maior de informações para que, de modo diferente, possam surgir novas situações. • Desenvolvimento afetivo: facilitação para expressar seus afetos emoções. • Desenvolvimento físico-motor: explorar o corpo e o espaço a fi m de interagir no seu meio integralmente. De acordo com Vygotsky (1992), no brincar, a criança está sempre acima de sua idade média, de seu cotidiano. Desta forma, a aprendizagem desperta processos internos de desenvolvimento, ou seja, se cria a zona de desenvolvimento proximal, por apresentar habilidades não esperadas para sua idade. O autor ainda destaca a possibilidade de uma criança se benefi ciar com a colaboração de outra, o que só ocorre em um determinado nível de desenvolvimento. Assim, faz-se imprescindível ao psicopedagogo estar atento às relações que se estabelecem no mundo- vida e no mundo-escola, buscando desvelar e compreender o mundo de signifi cados do aluno e do professor, clareando o que impede e o que propicia ao aluno uma aprendizagem com elaboração própria, exercendo sua condição existencial de abertura, compreendendo e conhecendo. Para Masini (1994), ao lidar com o processo de cooperação e aprendizagem, é necessário que se leve em conta o aluno em todos os seus aspectos (cognitivo, afetivo-social e corporal), em atividades cotidianas na escola e fora dela. O aluno como um ser social, portador de signifi cados, valores, hábitos e linguagem de uma outra cultura; o professor como ser social com seus signifi cados, valores, hábitos e linguagem. De acordo com o autor, fi ca implícito que esse processo constitui condição para “o aprender” a relação professor-aluno, considerando-a como esta ocorre: impregnada de valores, signifi cados, linguagem e hábitos de cada um. Os jogos e brincadeiras contribuem para que haja um processo educacional agradável, tanto para quem ensina como para quem aprende. O educador deve indicar um caminho e o educando deve trilhá-lo. Segundo Kishimoto (1994), o desenvolvimento da criança deve ser entendido como um processo global. No brincar, a criança está andando, correndo, ou seja, desenvolvendo a sua motricidade e paralelamente está brincando com parceiros e pessoas diferentes. Nesse momento ela usa regras, adquire informações, estabelece relações cognitivas, discute o que ela acha certo ou errado etc. Dessa forma, segundo a autora, estamos lidando com o ser humano inteiro. São vários os caminhos que o professor pode trilhar para alcançar seus objetivos, e estes devem estar de acordo com a sua realidade. Daí a importância e necessidade da inserção dos jogos cooperativos no contexto escolar, pois estes visam a participação e contribuição de todos, além de propiciarem situações onde podem e devem ser discutidas a importância de cada integrante do grupo e a vantagem de uma vitória coletiva. Conclui-se, então, que os jogos cooperativos, sob o ponto de vista psicopedagógico, podem ser uma boa estratégia para se trabalhar com as questões relacionadas às difi culdades de aprendizagem ou com esse pertinente conteúdo representado pelas atuais relações humanas dentro e fora da escola. Jogos Cooperativos 9 Quando se fala em jogos cooperativos, não se quer dizer que os outros tipos de jogos e atividades devam ser abolidos da escola, e sim que os professores também podem contar com os jogos cooperativos na busca por seus objetivos. O currículo escolar deve ser diversifi cado, aproveitando os aspectos positivos de cada atividade planejada, atendendo às necessidades dos alunos. Os jogos cooperativos, sem dúvida, podem render grandes resultados se o professor acreditar em sua importância. A cooperação é necessária dentro da escola, e esta deve se estender aos educandos e funcionários, permeando todos os ambientes da escola, atravessando os muros da escola e chegando a quem se encontra fora dela. Jogo competitivo Jogo cooperativo Divertido para alguns Divertido para todos Alguns sentem-se perdedores Todos sentem-se ganhadores Alguns são excluídos por falta de habilidade Todos envolvem-se de acordo com as habilidades Estimula a desconfi ança e o egoísmo Estimula o compartilhar e confi ar Cria barreiras entre as pessoas Cria pontes entre as pessoas Os perdedores saem e observam Os jogadores fi cam juntos e desenvolvem suas capacidades Estimula o individualismo e o desejo que o outro sofra Ensina a ter senso de unidade e solidariedade Reforçam sentimentos de depreciação, rejeição, incapacidade, inferioridade etc. Desenvolvem e reforçam os conceitos de nível auto (autoestima, autoaceitação etc.) Fortalece o desejo de desistir frente às difi culdades Fortalece o perseverar frente às difi culdades Poucos são bem-sucedidos Todos encontram um caminho para crescer e se desenvolver Jogos cooperativos como inclusão social na escola1 Deleusis Mari Marques Ferreira As escolas devem acolher a todas as crianças, independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais e outras. Já que as diferenças humanas existem, seria necessário adaptar a aprendizagem dada ao aluno, desenvolvendo uma pedagogia capaz de educar com êxito a todas as crianças, já que as diferenças humanas são naturais. A Educação Física não pode fi car indiferente ou neutra em face de este movimento de educação inclusiva. Esta disciplina pode constituir como um adjuvante ou um obstáculo a que a escola seja mais inclusiva. A cultura desportiva e competitiva dominante nas propostas curriculares cria um obstáculo adicional à inclusão dos alunos que são a partida, encarada como menos capazes para um bom desempenho numa competição. Esta cultura competitiva constitui uma fonte de exclusão. Uma nova cultura, a dos jogos cooperativos, poderia surgir pela confrontação e pelo enfrentamento crítico da cultura dos jogos competitivos. A ideia não é acabar com o esporte na escola, mas sim somar a possibilidade de modifi car a forma didática. Pois a proposta de atividades que estejam voltadas às ações cooperativas pode 1 Trecho de artigo de Deleusis Mari Marques Ferreira, disponível em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/59-4.pdf> Jogos Cooperativos 10 tornar-se um diferencial para a transformação qualitativa do ambiente de ensino, favorecendo, inclusive, a integração professor-aluno-comunidade. Temos então que refl etir de que maneira a inserção de elementos cooperativos propostos nas manifestações lúdicas poderia representar esse diferencial, na perspectiva de contribuir na transição qualitativa dos alunos no contexto escolar. Nesse sentido, então, devemos incluir os jogos cooperativos como conteúdos nas aulas de Educação Física para criar uma consciência grupal onde cada um com sua competência irá conseguir ajudar a todos a alcançar o objetivo previsto, sem ter a ideia que se deve ganhar sempre. A partir daí se estruturou um estudo, que visou observar os alunos da 5ª série A, nas aulas de Educação Física, em relação à possibilidade de novas atitudes frente aos jogos competitivos, jogos cooperativos e a convivência com os próprios colegas. Segundo a declaração de Salamanca: O princípio fundamental da escola inclusiva é de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer difi culdades ou de diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de currículo apropriado, modifi caçãoorganizacional, estratégias de ensino, usa de recursos e parcerias com a comunidade [...]. Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possa precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva [...] (DICIONÁRIO, 2007). O conceito de “necessidades educacionais especiais” foi ampliado pela declaração de Salamanca, que passou a incluir, além das crianças portadoras de defi ciências, aquelas que apresentam difi culdades temporárias ou permanentes na escola, as que estejam repetindo os anos escolares, as que trabalham, as que vivem em condições extremas de pobreza, as que estão fora da escola, por qualquer motivo que seja. Temos então que sustentar uma discussão em torno da legitimação da inclusão, como uma possibilidade de mudanças de paradigma em torno do fazer do professor de Educação Física, pois é provável que muitos professores não se importem com a exclusão que a prática de atividades esportivas determina, transformando essas aulas em um espaço reservado aos mais habilidosos, com bom desempenho físico/motor/esportivo, em vez de ser um espaço de convivência, da integração social, de sentir e viver o corpo. O professor não deveria dedicar-se apenas a um pequeno grupo de alunos, preparando-os apenas para disputas de jogos competitivos. A Educação Física deve ser inclusiva, não podendo aceitar que os professores sejam agentes de exclusão, pois os excluídos são geralmente os mais fracos ao que se refere ao desempenho e são os que mais precisam da ação do professor. Como afi rma Kunz (2004, p. 125), Jogos Cooperativos 11 O esporte ensinado das escolas como cópia irrefl etida do esporte de competição ou de rendimento só pode fomentar vivências de sucesso para uma minoria e o fracasso ou vivência de insucesso para a grande maioria [...] para crianças e jovens em um contexto escolar, é, no mínimo, uma irresponsabilidade pedagógica por parte de um profi ssional formado para ser professor. O professor deve ser atuante, planejar e estruturar sua aula, para que haja participação de todos os alunos, que ele se sinta pertencente e protagonista em seu grupo social, pois a sensação de sermos incluídos, lembrados e aceitos nos proporciona um sentimento de autoestima. Mas, ao se criar um ambiente competitivo, poderá promover a comparação entre as pessoas e acabar por favorecer a exclusão. As Diretrizes Curriculares Estaduais (DCE)2 estabelecem que seja fundamental que o professor de Educação Física situe qual é a real contribuição da técnica ao longo do processo formativo, tendo a clareza de que seu uso poderá promover tanto a liberdade quanto a coisifi cação, sendo essa uma decisão prenhe de relevância e de intencionalidade. Se, ao contrário, desprovermos o ensino desse tipo de refl exão, poderá ser conivente com a perpetuação de uma Educação que prioriza a instrumentalização e a promoção de indivíduos que só se inspiram ao manipular compulsivamente, desde objetos até pessoas. E, assim, colaboremos para formar homens que se tornem coisas, do mesmo modo como percebem os outros também como coisas, já que esse culto à técnica provoca a dissolução de nossa capacidade de relacionar-se com o outro, o que inviabiliza qualquer experiência formativa. Então, o caminho a perseguir é de uma modifi cação no contexto do esporte, uma recriação no seu sentido e signifi cado, uma alteração no seu papel social. O esporte competição tem sim, espaço na escola, a intenção é que o professor tenha compromisso com a inclusão de cada um dos seus alunos e não priorize o esporte de rendimento ou sempre privilegie os melhores. O que falta é uma nova postura de educador para afastar todo e qualquer tipo de exclusão, a fi m de que promovamos a inclusão em nossas aulas de Educação Física. Como uma pedagogia lúdica. De acordo com Marcellino (2003, p. 80), Através de uma pedagogia lúdica, a Educação Física tem maior possibilidade de atender as necessidade de seus educandos, uma vez que estando esses desprovidos da necessidade de competir, de se fi rmar em posições de destaque vivenciam um comportamento que os leva a se colocarem de maneira “natural” de frente as proposta que o professor apresenta, agindo assim com “naturalidade”. Quanto mais prazerosas forem as atividades, melhores serão os resultados que seus praticantes obterão. Nesse sentido a atividade física tem uma enorme gama de práticas corporais que trazem consigo os elementos da ludicidade. Os jogos cooperativos constituem uma dessas práticas que surgiram da preocupação excessiva da valorização da competição. Claro que a cooperação/competição deve fazer parte da vida, desde que no jogo o “vencer” não seja a única coisa que importa, que não interessam os meios que se usam, reforçando a cultura competitiva que nos cerca. 2 Diretrizes curriculares da educação fundamental da rede de educação básica do Estado do Paraná Jogos Cooperativos 12 Ao contrário, se mostrarmos que a pessoa é mais importante que o jogo, estaremos fazendo nossa parte, tentando tornar o mundo um lugar melhor. Reinaldo Soler (2006, p. 110) defi ne os jogos cooperativos como Jogos onde os participantes jogam com os outros, ao invés de uns contra os outros. Joga-se para superar desafi os. Os jogos cooperativos são jogos de compartilhar, unir pessoas, despertar a coragem para assumir riscos, geram pouca preocupação com o fracasso ou com o sucesso como fi ns em si mesmo. Eles reforçam a confi ança mútua e todos podem participar autenticamente. Ganhar e perder são apenas referências para o contínuo aperfeiçoamento pessoal e coletivo. Muitos jogos podem ser adaptados, simplesmente eliminando a ênfase na competição e no vencedor, e, por isso, necessitam da colaboração de cada um dos participantes. Cooperar é diferente de competir, porque na cooperação se requer que trabalhemos juntos para que possamos atingir nossos objetivos, ao invés de repetir esquemas de ganhadores e perdedores. Não temos a intenção de opor um ao outro, ao contrário, visa ampliar nossa percepção sobre as dimensões que o jogo e o esporte nos oferecem como campo de vivência humana, pois existem alternativas para jogar além das formas de competição. De acordo com Soler (2003, p. 46), Educação Física não pode servir para separar, não podemos mais compactuar com pessoas que, a título de formar atletas, dividem, separam e excluem todos os que são diferentes, lembrando que esses são os que mais precisam do professor e da atividade proposta. Assim, a Educação Física escolar pode utilizar-se de uma nova proposta que visa os jogos cooperativos como abordagem pedagógica, que pode ser trabalhada pelos professores de Educação Física para uma maior inclusão no decorrer de suas aulas. Então, seu principal objetivo seria para que os alunos vivenciassem situações coletivas cooperativas e a reconhecessem como relevantes para a sua vida dentro e fora da escola e que essas atividades cooperativa trouxessem resultados signifi cativos nas aulas de Educação Física e assim pudessem ser adequadas aos conteúdos abordados pelo professor. 4 OS JOGOS COOPERATIVOS E A PSICOPEDAGOGIA Sob um olhar psicopedagógico, os jogos cooperativos podem contribuir e até ressignifi car o processo de aprendizagem, pois o envolvimento do aluno com o grupo possibilita o desenvolvimento de habilidades sociais e emocionais essenciais ao processo de aprendizagem, mesmo com as difi culdades e transtornos que possam surgir. A proposta com jogos cooperativos tem como objetivo trabalhar questões internas que possibilitem a ampliação das potencialidades, ou seja, tornando a aprendizagem signifi cativa. Para que esta aprendizagem tenha signifi cado, é necessário que seja compreendida como um espaço onde o conhecimento é compartilhado, possibilitando aos alunos: a construção, refl exão, resolução de problemas, tratamento da informação, alteração constante de prioridade, trabalho em equipe, tentativa e erro, planejamento e tomadade decisão. Jogos Cooperativos 13 Uma aprendizagem signifi cativa está articulada à possibilidade de adquirir conhecimento por vários caminhos, permitindo assim a utilização de diferentes estratégias através da intervenção, da mediação e da troca, possibilitando assim a construção da autonomia no desenvolvimento das competências e habilidades. Segundo Vygotsky, a estratégia do jogo somada à mediação do professor atua na ZDP (zona de desenvolvimento proximal), que é a aproximação da relação entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela capacidade de resolver um problema sem ajuda, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através de resolução de um problema sob a orientação de um adulto ou em colaboração com outro companheiro. É a série de informações que a pessoa tem a potencialidade de aprender mas ainda não completou o processo, conhecimentos fora de seu alcance atual, mas potencialmente atingíveis. O jogo promove também situações que desencadeiam os processos de assimilação e acomodação (Piaget). A assimilação ocorre quando há o predomínio da ação do sujeito sobre o objeto. Essa fase é predominante na criança de 0 a 2 anos (fase sensoriomotora), quando ela quer explorar o mundo e tudo à sua volta. A acomodação, por sua vez, é predominante na fase seguinte, crianças de 2 a 7 anos (fase pré-operatória), quando a relação é invertida: há o predomínio da ação do objeto sobre o sujeito. Nessa fase, a linguagem tem papel preponderante: a criança quer externar seus conhecimentos. O momento do jogo atuará nos processos de desenvolvimento, estimulação e organização de funcionamentos dos processos internos. É esse exercício que possibilita a apropriação desses conteúdos e a transformação da aprendizagem em conhecimento. 4.1 Piaget e Vygotsky Do que foi visto, é possível afi rmar que tanto Piaget como Vygotsky concebem a criança como um ser ativo, atento, que constantemente cria hipóteses sobre o seu ambiente. Há, no entanto, grandes diferenças na maneira de conceber o processo de desenvolvimento. As principais delas, em resumo, são as seguintes: a) Quanto ao papel dos fatores internos e externos no desenvolvimento Piaget privilegia a maturação biológica; Vygotsky, o ambiente social. Piaget, por aceitar que os fatores internos preponderam sobre os externos, postula que o desenvolvimento segue uma sequência fi xa e universal de estágios. Vygotsky, ao salientar o ambiente social em que a criança nasceu, reconhece que, com as mudanças de ambiente, o desenvolvimento também variará. Neste sentido, não se pode aceitar uma visão única, universal, de desenvolvimento humano. b) Quanto à construção real Piaget acredita que os conhecimentos são elaborados espontaneamente pela criança, de acordo com o estágio de desenvolvimento em que esta se encontra. A visão particular e peculiar (egocêntrica) que as crianças mantêm sobre o mundo vai, progressivamente, aproximando-se da concepção dos adultos: torna- se socializada, objetiva. Vygotsky discorda de que a construção do conhecimento proceda do individual para o social. Em seu entendimento, a criança já nasce em um mundo social e, desde o nascimento, forma uma visão desse mundo através da interação com adultos ou crianças mais experientes. A construção do real é, Jogos Cooperativos 14 então, mediada pelo interpessoal antes de ser internalizada pela criança. Desta forma, procede-se do social para o individual ao longo do desenvolvimento. c) Quanto ao papel da aprendizagem Piaget acredita que a aprendizagem subordina-se ao desenvolvimento e tem pouco impacto sobre ele. Com isso, ele minimiza o papel da interação social. Vygotsky, ao contrário, postula que desenvolvimento e aprendizagem são processos que se infl uenciam reciprocamente, de modo que, quanto mais aprendizagem, mais desenvolvimento. d) Quanto ao papel da linguagem no desenvolvimento e a relação entre linguagem e pensamento Segundo Piaget, o pensamento aparece antes da linguagem, que apenas é uma das suas formas de expressão. A formação do pensamento depende, basicamente, da coordenação dos esquemas sensoriomotores, e não da linguagem. Esta só pode ocorrer depois que a criança já alcançou um determinado nível de habilidades mentais, subordinando-se, pois, aos processos de pensamento. A linguagem possibilita à criança evocar um objeto ou acontecimento ausente na comunicação de conceitos. Piaget, todavia, estabeleceu uma clara separação entre as informações que podem ser passadas por meio da linguagem e os processos que não parecem sofrer qualquer infl uência dela. Este é o caso das operações cognitivas que não podem ser trabalhadas por meio de treinamento específi co a partir do auxílio da linguagem. Por exemplo, não se pode ensinar apenas usando palavras, a classifi car, a seriar, a pensar com responsabilidade. Para Vygotsky, por sua vez, pensamento e linguagem são processos interdependentes desde o início da vida. A aquisição da linguagem pela criança modifi ca suas funções mentais superiores: ela dá uma forma defi nida ao pensamento, possibilita o aparecimento da imaginação, o uso da memória e o planejamento da ação. Neste sentido, a linguagem, diferentemente daquilo que Piaget postula, sistematiza a experiência direta das crianças e por isso adquire uma função central no desenvolvimento cognitivo, reorganizando os processos que nele estão em andamento. Síntese das ideias da Vygotsky Para Vygotsky, a cultura molda o psicológico, isto é, determina a maneira de pensar. Pessoas de diferentes culturas têm diferentes perfi s psicológicos. As funções psicológicas de uma pessoa são desenvolvidas ao longo do tempo e mediadas pelo social através de símbolos criados pela cultura. A linguagem representa a cultura e depende do intercâmbio social. Os conceitos são construídos no processo histórico e o cérebro humano é resultado da evolução. Em todas as culturas, os símbolos culturais fazem a mediação. Os conceitos são construídos e internalizados de maneira não linear e diferente para cada pessoa. Toda abordagem é feita de maneira holística, e o cotidiano está sempre em movimento, em transformação. É a dialética. A palavra é o microcosmo, o início de tudo e tem vários signifi cados, ou seja, é polissêmica; a mente vai sendo substituída historicamente pala pessoa, que é sujeito do seu conhecimento. Vygotsky desenvolveu um grande trabalho, reconhecido pelos estudiosos sobre a formação de conceitos. Os conceitos espontâneos ou do cotidiano, também chamados de senso comum, são aqueles que não passaram pelo crivo da ciência. Os conceitos científi cos são formais, organizados, sistematizados, testados Jogos Cooperativos 15 pelos meios científi cos, em geral transmitidos pela escola e que aos poucos são incorporados ao senso comum. O autor trabalha com a ideia de zonas de desenvolvimento. Todos temos uma zona de desenvolvimento real composta por conceitos que já dominamos. Vamos imaginar que, em uma escala de zero a 100, estamos no 30: esta é a zona de desenvolvimento real nossa. Os outros 70, o nosso potencial, é chamado por Vygotsky de zona de desenvolvimento proximal. Se uma pessoa chega ao 100, a sua zona de desenvolvimento proximal será ampliada, porque estamos sempre adquirindo conceitos novos. São estabelecidos três estágios na aquisição desses conceitos. O 1º é o dos conceitos sincréticos, ainda psicológicos, que evoluem em fases e a escrita acompanha. Uma criança de aproximadamente três anos de idade escreve o nome da mãe ou do pai praticando a escrita indecifrável, ou seja, se o pai é alto, ela faz um risco grande; se a mãe é baixa, ela risca algo pequeno. Aproximadamente aos 4 anos de idade a criança entra em uma nova fase, a escrita pré-silábica, que pode ser unigráfi ca: semelhante ao desenho anterior, mas mais bem elaborado. As letras podem ser inventadas (de entendimento impossível, porque não pertencem a nenhum sistema de signo) ou convencionais, jogadas aleatoriamente sem obedecer a nenhuma sequêncialógica de escrita. No desenvolvimento, aos 4 ou 5 anos, a criança entra na fase da escrita silábica, quando as letras convencionais representam sílabas, vogais e consoantes não separadas e às vezes escreve só com maiúsculas ou só com minúsculas. Com aproximadamente 5 anos, a criança entra em outra fase, a escrita silábica alfabética. Neste momento, a escrita é caótica, há letras faltantes, mas apresenta evolução em relação à fase anterior. Com mais ou menos 6 anos de idade a criança entra na fase da escrita alfabética: já conhece o valor sonoro das letras, mas ainda erra. Somente há correção desses erros com o hábito de ler e escrever. Ferreiro aconselha não corrigir a escrita da criança durante as primeiras fases. No início, ela não tem estrutura e depois vai adquirindo aos poucos. Nesse instante o erro deve ser trabalhado, porque a criança está adquirindo as estruturas necessárias. Sobre educação de adultos, considera-se que as fases iniciais já foram eliminadas, porque mesmo sendo analfabeta, a pessoa conhece números e letras. É levada em conta a zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, a lei de equilíbrio e desequilíbrio de Piaget e a internalização do conhecimento. Trabalha-se com hipóteses, no contexto, com visão de processo, aceitando a problematização, dentro da visão dialética holística. Teoria piagetiana A Psicologia de Piaget está fundamentada na ideia de equilibração e desequilibração. Quando uma pessoa entra em contato com um novo conhecimento, há naquele momento um desequilíbrio e surge a necessidade de voltar ao equilíbrio. O processo começa com a assimilação do elemento novo, com a incorporação às estruturas já esquematizadas, através da interação. Há mudanças no sujeito e tem início o processo de acomodação, que aos poucos chega à organização interna. Começa a adaptação externa do sujeito e a internalização já aconteceu. Um novo desequilíbrio volta a acontecer e pode ser provocada por carência, Jogos Cooperativos 16 curiosidade, dúvida etc. O movimento é dialético (de movimento constante) e o domínio afetivo acompanha sempre o cognitivo (habilidades intelectuais), no processo endógeno. Piaget trabalhou o desenvolvimento humano em etapas, períodos, estágios etc. 5 DE ONDE VEM ESTES JOGOS? Algumas pessoas mostram-se um tanto confusas quando falamos sobre os jogos cooperativos. Elas não conseguem entender como pode haver um jogo onde não há vencedor e que mesmo assim seja motivante. Segundo Orlick (1989), “[...] o principal objetivo do jogo cooperativo é criar oportunidades para o aprendizado cooperativo e a interação cooperativa prazerosa.” Em seu livro Vencendo a competição, Orlick classifi ca o jogo cooperativo em categorias, onde pratica- se a cooperação em todas elas, porém em diferentes graus. Dentro dessa ótica teríamos: os jogos cooperativos sem perdedores, jogos de resultado coletivo, jogos de inversão e jogos semicooperativos. Nesses jogos normalmente não se tem perdedores, todas as pessoas jogam juntas para superar um desafi o comum. Jogos cooperativos de resultado coletivo São formadas duas ou mais equipes que incorporam o conceito de trabalho coletivo por um objetivo ou resultado comum a todos, sem que haja competição entre os times, que necessitam de alto grau de cooperação entre si, assim como cooperam coletivamente com os outros times para alcançar a meta. Jogo de inversão Esses jogos quebram o padrão de times fi xos e consequentemente mexem com a questão: quem venceu? Trazem o prazer pelo jogo e não pela vitória. Existem vários tipos de inversão o dependendo do tipo de jogo e das regras. Por exemplo: • Rodízio: os jogadores trocam de times em determinados momentos – no fi nal do lance, do saque ou arremesso, por exemplo. • Inversão do “goleador”: quem faz ponto muda de time. • Inversão do placar: os pontos são marcados para o outro time. • Inversão total: tanto quem faz ponto quanto os próprios pontos passam para o outro time. Jogos Cooperativos 17 Jogos semicooperativos Esses jogos favorecem o aumento da cooperação no grupo e oferecem as mesmas oportunidades de jogar para todas as pessoas do time. Os times continuam jogando um contra o outro, mas a importância do resultado é diminuída, a ênfase passa a ser o envolvimento ativo no jogo e a diversão. • Todos jogam: com times pequenos, procura-se fazer com que todos participem e joguem o mesmo tempo. • Todos tocam/todos passam: a bola precisa passar por todos os jogadores do time antes de tentar o ponto. • Todos marcam ponto: para vencer o jogo cada jogador do time precisa ter marcado ponto pelo menos uma vez. • Passe misto: jogado com homens e mulheres onde a bola precisa passar alternadamente por homens e mulheres. • Resultado misto: jogo com times mistos onde os pontos são marcados alternadamente por homens e mulheres. • Todas as posições: todos os jogadores passam por todas as posições do jogo. Orlick relata que os jogos cooperativos sem perdedores, os de resultado coletivo e os de inversão são prontamente aceitos pela maioria dos grupos etários, enquanto os jogos de resultado coletivo não o são, especialmente em seus estágios iniciais de introdução. Por isso um importante ponto a se ter em mente ao se introduzir quaisquer atividades cooperativas é adaptar a tarefa para que apresente um desafi o apropriado ao grupo e as pessoas. • Jogos de toque e confi ança: depois que o gelo foi quebrado, o objetivo do treinamento ou vivência pode começar a ser gradualmente trabalhado. Estes jogos ajudam os participantes a observar como lidam com a confi ança em suas vidas. Conforme as pessoas forem se abrindo, podemos passar aos exercícios de toque. Os jogos de toque e confi ança devem ser utilizados com bastante cuidado. O focalizador deve estar atento ao momento do grupo e às reações de cada participante, assegurando- se de que o momento é este, pois eles podem disparar processos psicológicos internos. • Jogos de criatividade, sintonia e meditação: são jogos que estimulam a expressão da imaginação, intuição e criatividade. Nestes jogos os participantes podem se autoperceber e mostrar abertamente aos outros o que descobriram acerca de si mesmos e do grupo. Os participantes também fazem contato com seu próprio interior e com o grupo, percebendo o “maior” em todos os níveis. Neste momento, o grupo já está completamente integrado, trabalhando junto e com plenas condições de aprofundar e introjetar o que foi visto até agora. • Jogos de fechamento: estes jogos servem para dar às pessoas a chance de se posicionarem em relação ao grupo e a si mesmas, transferindo o que fi zeram no treinamento ou vivência para o seu dia-a-dia. Jogos Cooperativos 18 Em primeiro lugar, é preciso saber qual o objetivo a ser alcançado com aquele jogo. Para que vou usar esse jogo: lazer? Quebra-gelo? Integração? Sintonia? Estabelecer confi ança? Demonstrar conceitos? É possível aplicar um jogo pelo simples prazer de jogar, reforçando a autoestima, o compartilhar, o desenvolvimento de competências, a união, a confi ança etc. Sabemos que o jogo traz em si um espaço para a aprendizagem, podendo ter seu efeito potencializado, proporcionando aos “jogadores” algo mais! Partindo de uma experiência concreta, que gera uma aprendizagem ativa, podemos ilustrar pontos de um curso, aula, treinamento, ofi cina, palestra, etc. Como apontou Paulo Freire, “O homem não aprende apenas com sua inteligência, mas com seu corpo e suas vísceras, sua sensibilidade e imaginação”. Portanto, em um processo de aprendizagem o ideal é vivenciar para depois compreender, pois, jogando, estamos simulando diversas situações, e desta forma podemos gerar o famoso “insight” ou, como dizemos aqui no Brasil, “cair a fi cha”. Quando o participante se envolve no jogo, ele o analisa criticamente e extrai algum tipo de “insight”, aplicando seus resultados na vida prática. Podemos dizer, neste caso, que ocorreu uma “aprendizagem vivencial”. Carl Rogers (1972) identifi ca a aprendizagemvivencial como um tipo de aprendizagem que tem como especifi cidade ser “plena de sentido” e apresenta suas características: • envolvimento pessoal - a pessoa inclui-se no evento da aprendizagem tanto no aspecto afetivo quanto cognitivo; • é autoiniciada - mesmo com estímulos externos, o senso de descoberta, de captar, de compreender, vem de dentro; • é penetrante - por suscitar modifi cação no comportamento, nas atitudes; • é avaliada pelo participante que sabe se a aprendizagem vem ao encontro de suas necessidades; • é verifi cada pelo elemento de signifi cação que traz ao participante. Signifi car é a sua essência. Este processo de transformar a experiência em ação normalmente não ocorre sozinho. As pessoas necessitam de um tempo de processamento para tirar conclusões e fazer associações com sua vida. Neste momento, o focalizador tem papel fundamental, pois é através de sua mediação que o participante pode ir mais fundo em sua refl exão. Portanto, para que ocorra aprendizagem é fundamental cuidar do processamento do jogo. Moscovici (1995) propõe neste momento a utilização do ciclo de aprendizagem vivencial, que busca a participação ativa do grupo e a vivência plena no processo. A autora descreve esse ciclo como: Jogos Cooperativos 19 a) a experiência concreta por meio de uma atividade; b) a análise dessa experiência, através do compartilhamento de observações, sentimentos e reações; c) a busca da conceituação, pelo entendimento das semelhanças e diferenças observadas no grupo; d) a aplicação dessas descobertas na vida real. Esse ciclo, aplicado ao jogo, marca as seguintes fases: 1. Vivência - a atividade por meio da experiência concreta: o ato de jogar e se deparar com algo que leve os participantes ao novo. 2. Relato - a análise dessa experiência: através do diálogo e da refl exão dentro do grupo como um todo ou em duplas, trios etc. Pode ser aberto ou estimulado por questões levantadas pelo focalizador. Fique atento para que todos que desejarem falar tenham oportunidade. Cuidado com participantes que “falam demais”, tomando todo o tempo do grupo; 3. Processamento - a busca da conceituação: associada à fase anterior por meio do entendimento das semelhanças e diferenças, associação da vivência com padrões de comportamento no grupo e a sistematização da experiência vivida. Cuidado com respostas ou colocações prontas, fechadas e com a indução. Vale lembrar que aquele que participa do jogo tem sua bagagem, assim como crenças e valores que nem sempre são os do focalizador ou de outro participante e que devem ser respeitados. 4. Generalização - associar a experiência com o dia-a-dia: fazer um breve paralelo com a realidade, mantendo o foco no tema e no momento do grupo. O focalizador está exercendo o papel de mediador para proporcionar uma refl exão onde cada um processe a vivência a partir de suas experiências anteriores. 5. Aplicação - a proposta de aplicação dessas descobertas na vida real: ocorre uma síntese das refl exões e a proposta das aplicações dessas refl exões ao seu dia-a-dia. Segundo Maria Rita M. Gramigna (1995), quando as pessoas vivenciam um jogo em todas as fases propostas, elas têm melhor chance de alcançar a aprendizagem por trabalharem, de forma harmônica, os dois hemisférios cerebrais. Estimulamos o acionamento do hemisfério direito nas fases da vivência e do relato de sentimentos e o esquerdo nos momentos de avaliação, análise e analogias. Ao fechar o ciclo de aprendizagem vivencial, o comportamento fi nal não somente estará pautado no racional, mas também no emocional, buscando assim, resgatar o ser humano integral. Segundo a autora Mônica Teixeira, quando começou a trabalhar com jogos cooperativos, estes representavam ferramentas interessantes que vinham compor meu trabalho como consultora e facilitadora de grupos, entrando como coadjuvantes no processo de aprendizagem. À medida em que trabalhava com Jogos Cooperativos 20 esses jogos, percebia o que Guillermo Brown (1994) quer dizer com a frase: “esses jogos são muito mais que jogos!” E assim, foi crescendo e se abrindo mais enquanto pessoa, percebendo que suas crenças e valores mudavam ao mesmo tempo em que auxiliava pessoas a mudar paradigmas nos treinamentos. É como diz Neyde Marques, “todos somos mestres aprendizes...”. Quem trabalha com grupos sabe o quanto aprendemos com eles. No que se refere aos jogos cooperativos, eles realmente transformam. Segundo Fábio Brotto, Podemos vivenciar os jogos cooperativos como uma prática reeducativa, capaz de transformar nosso condicionamento competitivo em alternativas cooperativas para realizar desafi os, solucionar problemas e harmonizar os confl itos. Nesse caminho, notou que quanto mais me envolvia com a fi losofi a da cooperação, melhor focalizava um jogo e, consequentemente, os resultados também melhoravam. Fábio Brotto frisa um aspecto importante em entrevista concedida em nossa primeira edição: “o sucesso de um treinamento está atrelado ao quanto o focalizador está envolvido com a proposta dos jogos cooperativos”. Se o jogo cooperativo está sendo utilizado como ferramenta de transformação e quebra de paradigmas, é importante que o focalizador esteja muito envolvido com esse valor. Na verdade, as pessoas que vivem e utilizam os jogos cooperativos passam a ter uma nova visão de si e do mundo. Segundo Fábio Brotto, os jogos cooperativos propõem um exercício de ampliação da visão sobre a realidade da vida refl etida no jogo. Percebendo os diferentes estilos do jogo-vida é possível escolher com consciência o estilo mais adequado para cada momento. Nós jogamos de acordo com nosso jeito de ver e viver cada situação. O ser humano age de acordo com suas crenças e valores. Ele vai responder ao meio que o cerca baseado em seus programas e condicionamentos internos. Segundo Brotto, teríamos três formas de ver (perceber) as situações da vida, portanto três formas de viver (agir) em nossa vida. Portanto, um jogo cooperativo pode proporcionar muito mais do que imaginamos na vida de alguém. Quem o vivencia pode ter novas atitudes, trilhar novos caminhos e até conquistar uma nova vida. 6 JOGOS COOPERATIVOS E EDUCAÇÃO A tecnologia avançada, o individualismo e a riqueza material tornaram-se mais importantes para o homem moderno do que valores como a união, o amor, a cooperação, a bondade, a paz, a responsabilidade, a organização e a riqueza espiritual. Nossa sociedade é baseada no consumo e orientada para a produtividade, portanto, dentro deste contexto, muitas vezes o único caminho que vemos é o da competição. Se acreditamos que a competição é o único e natural caminho, entramos em uma grande armadilha, pois se é isso que acreditamos, é o que construiremos. Muitos dizem que competir faz parte da natureza do homem. Na verdade, o homem tem uma natureza neutra, portanto não é competitivo ou cooperativo em sua essência! Essa foi uma das conclusões da antropóloga Margaret Mead. Em suas pesquisas, Margaret concluiu que o cooperativismo em uma sociedade Jogos Cooperativos 21 não depende do ambiente físico, do desenvolvimento tecnológico ou do suprimento real dos bens desejados. É a estrutura social que determina se os membros dessa sociedade irão cooperar ou competir entre si. Daí a importância e extrema urgência em levar às nossas crianças e jovens, valores positivos para uma transformação efetiva de nossa sociedade. Atualmente, a escola é o local onde se aprende cada vez mais sobre o universo físico e muito pouco sobre o mundo interior e subjetivo. O relatório elaborado pela Comissão Internacional para Educação, mais comumente conhecido como Relatório Delors, intitulado A Educação contém um tesouro, destaca a difi culdade que muitos professores enfrentam em continuar sendo também educadores, em face da grande quantidade de conhecimentos que devem transmitir aos alunos. Frequentemente surgem situações em que a escola, tendo que ensinar cada vez mais e mais, acaba por educar menos e menos.Lida-se muito com informação em detrimento da formação do indivíduo. Os jovens envoltos em trocas contínuas, tanto de seu corpo físico quanto da quantidade de informações e mudanças ultrassônicas do mundo moderno, terminam absorvidos pelo fl uxo de atividades e responsabilidades dentro e fora de sala de aula, principalmente nas camadas mais pobres, onde inicia-se a chamada luta pela sobrevivência muito cedo, e com isso a formação de valores fi ca prejudicada. A escola, muitas vezes sem perceber, tem reforçado demasiadamente valores como: ser o melhor, colocar o foco no resultado e não no processo e na qualidade, objetivar a derrota do oponente ao invés da melhora da performance, reforçando assim atitudes e posturas competitivas que poderão se reproduzir na vida adulta através de rivalidade, exploração de seus semelhantes, pouca ou nenhuma solidariedade, exclusão, violência e destruição ambiental. Quando educarem seus fi lhos, são esses valores aprendidos aqueles que irão transmitir. Terry Orlick assim se posiciona: Dar uma contribuição ou fazer alguma coisa bem, simplesmente não exige a derrota ou a depreciação de outra pessoa. Pode-se ser extremamente competente, tanto física como psicologicamente, sem jamais se prejudicar ou conquistar o outro. Muitas pessoas ainda acreditam que para ‘vencer’ ou ‘ter sucesso’, é preciso ser um feroz competidor e quebrar as regras. Muitas pessoas parecem achar que para ensinar as crianças a viver e prosperar na sociedade é necessário prepará-las para serem competitivas e tirar vantagens dos outros, antes que os outros o façam. É comum ouvirmos uma defesa da competição como um elemento importante na educação das crianças, sob o pretexto de que assim fi cariam melhor preparadas para viverem em um mundo competitivo como o nosso. Esse mito foi derrubado pela pesquisa sobre o aprendizado cooperativo, pois na verdade a competição diminui a autoestima e aumenta o medo de falhar, reduzindo a expressão de capacidades e o desenvolvimento da criança. Ela promove a comparação entre as pessoas e acaba por favorecer a exclusão baseada em poucos critérios. Um ambiente competitivo aumenta a tensão e a frustração e pode desencadear comportamentos agressivos. Com relação ao desempenho acadêmico, uma série de estudos demonstram que crianças de várias classes socioeconômicas têm maior sucesso em áreas como matemática, desenvolvimento vocacional e leitura quando estão trabalhando junto com seus colegas sob uma estrutura de objetivos cooperativos em vez de individualistas ou competitivos. A Unesco coloca alguns valores essenciais para a paz e uma convivência ecológica entre as pessoas: respeitar a vida, rejeitar a violência, ser generoso, escutar para compreender, preservar o planeta, redescobrir Jogos Cooperativos 22 a solidariedade. Esses e outros valores, como união, amor, cooperação, bondade, paz, responsabilidade, organização, inclusão, ética, são trabalhados através dos jogos cooperativos e da pedagogia da cooperação. Muitos dos desequilíbrios presentes na nossa sociedade decorrem de uma percepção de separação, e não interdependência, face ao exterior. Através do sistema educativo, os jovens interiorizam a separação entre o mundo humano e o mundo natural. O afastamento face ao que nos rodeia estende-se à relação com o outro em virtude da extrema valorização do individualismo, que conduz ao exacerbar da competição para alcançar o sucesso no mercado de trabalho. Este caminho conduziu-nos à beira de um abismo. O objetivo de cada um obter o máximo lucro/bens materiais a curto prazo está a levar a um desequilíbrio ecológico de proporções planetárias. Apesar de tanto valorizarmos a razão, continuamos a trilhar um percurso de irracionalidade, comprometendo a nossa permanência no planeta. Os jogos cooperativos, ao promoverem um tipo de relação com o outro baseado na capacidade de cooperar, poderão constituir um valioso instrumento na formação do cidadão. 7 PRÉ...CONCEITOS SOBRE JOGOS COOPERATIVOS Existem algumas ideias pré...concebidas que envolvem os jogos cooperativos. Ao conversar com pessoas que pouco conhecem dos jogos cooperativos, podemos destacar várias ideias com pouca ou nenhuma correspondência com a realidade e que envolvem os jogos cooperativos, criando barreiras para que se esteja aberto a conhecer um pouco mais sobre eles e perceber sua profundidade. Por essa razão, os chamamos aqui de pré...conceitos, ou seja, conceitos ou opiniões concebidas previamente sem embasamento, levando em conta apenas uma visão parcial ou superfi cial do tema. Vamos falar sobre alguns dos mais comuns que normalmente encontramos no dia a dia... Sem competição fi ca sem graça! Tema muito comum e facilmente derrubado com a experimentação de alguns jogos, pois os jogos cooperativos são desafi antes, envolventes, energizantes e quem os joga pode perceber bem. Na verdade, percebemos que o real grande desafi o, é o da convivência e da tolerância, tornando o jogo possível para todos. Só serve para criança. Esse é outro pré...conceito, pois até Guillermo Brown (1994) relatou em sua entrevista (edição 7, p. 7) que, por serem jogos, pensou só funcionarem com crianças, mas depois percebeu e comprovou na prática que os mesmos jogos poderiam servir para qualquer idade e qualquer público. Claro que existem alguns jogos que são mais voltados para determinada faixa etária, mas em sua maioria podem ser usados com qualquer idade. O que muda é a abordagem feita antes e depois do jogo – por isso, o focalizador precisa ser uma pessoa experiente com aquele tipo de público para poder extrair do jogo o que ele tem de melhor. Adulto não gosta de brincar! Esse pré...conceito é muito usado por organizações. Geralmente percebe-se uma grande preocupação do contratante com o envolvimento do grupo, questionando quanto aos resultados deste tipo de trabalho, Jogos Cooperativos 23 principalmente quando são em sua maioria homens... mas na verdade o que se nota, nestes casos, é a difi culdade em convencê-los a parar de jogar, tamanha a carência que estas pessoas sentem em manifestar sua criança interior, abafada pelo normalmente sisudo e pesado ambiente organizacional. O brincar faz parte do ser humano e já está mais que comprovado que o riso e a diversão podem melhorar seu QE (quociente emocional). Moreno, na teoria do psicodrama, ressalta a extrema importância da espontaneidade, que vamos perdendo à medida que crescemos. Para podermos estar fl exíveis e criativos, qualidades imprescindíveis hoje nas organizações, precisamos resgatar a espontaneidade perdida, a capacidade de rir e se divertir. Maria Rita Gramigna, aborda com propriedade esse assunto na edição 6 (p. 7-9). Ao jogarmos, estamos mais inteiros e podemos nos expressar livremente como verdadeiramente somos. Como diz Maria Rita: “Quando adotamos atitudes infantis, conseguimos ir à nossa essência e transcender o mito realístico do adulto.” Vivenciando situações no jogo, podemos entrar em contato com sensações, impressões e obter insights interessantes que auxiliam nossa postura e conduta no dia a dia e no trabalho. Só é aplicável em aula de Educação Física. Realmente os jogos cooperativos encontraram na Educação Física solo fértil para seu desenvolvimento, por ser a disciplina que trabalha o corpo e o lúdico. Atualmente eles são utilizados tanto em aulas de português e matemática como em treinamentos empresariais, trabalhos comunitários, transformação de grupos etc. Só serve para o pessoal que trabalha com recreação e lazer. Nessa área vemos uma difusão muito maior dos jogos cooperativos do que na Educação Física escolar, por exemplo. Talvez em um primeiro momento, quando analisados superfi cialmente, os jogos cooperativos sejam vistos como apenas divertidos e interessantes e, como não têm apenas um vencedor, entendidos como brincadeira sem grande profundidade, mas isto é falso. Quando jogamos cooperativamente, podemos internalizar valores essenciais ao ser humano e ao trabalhoem equipe, aprender a viver melhor em sociedade agregando qualidade ao processo de convivência, e tantos outros benefícios. Só funciona com grandes grupos. Funciona com todo tipo de grupo. Muitos jogos são para grupos de 15 a 40 pessoas e temos jogos para 100, 200 ou mais pessoas, assim como, podemos usar outros tipos de jogos como os de tabuleiro por exemplo que trabalham com 2, 3 ou 4 pessoas. Procura acabar com qualquer tipo de competição. Esse preconceito é muito forte, principalmente entre os profi ssionais de Educação Física. Recentemente recebemos um feedback de um coordenador que utilizou o texto e a tabela (desta coluna) de nossa primeira edição com seus professores, gerando grande polêmica, pois estes sentiram-se agredidos, acreditando que nos jogos cooperativos pregamos que competir é feio. Terry Orlick fala sobre a co-opetição, onde se está empenhado em melhorar a performance e não destruir o adversário. Existem os jogos semicooperativos e os jogos de inversão, que também lidam com a cooperação dentro de um esquema competitivo. Estes jogos são muito interessantes para equipes de rendimento, Educação Física escolar, adolescentes, entre outros... Jogos Cooperativos 24 Não serve para treinamento de equipes de competição. Outro pré...conceito! Segundo o Prof. João Batista Freire (1992), Um dos fundamentos mais importantes do jogo de equipe é o passe, que necessita de extrema cooperação. O time que tem mais cooperação é o que superará o desempenho do adversário. O maior desafi o de treinadores de times coletivos é ensinar a passar. Por isso em todo jogo competitivo vamos encontrar cooperação. É mais fácil encontrar cooperação em jogos competitivos do que a competição em jogos cooperativos. 8 A COOPERAÇÃO PERMEANDO AS CINCO DISCIPLINAS NAS ORGANIZAÇÕES O mundo está a cada dia mais interligado e os negócios mais complexos e dinâmicos. Uma organização, hoje, necessita ter grande capacidade de adaptação à velocidade das mudanças do mundo, e para isso é necessário que deixem de lado a cultura do controle e da obediência a padrões preestabelecidos para cada vez mais se voltarem a uma dinâmica de aprendizagem e mudança. Peter Senge, Diretor do Centro de Aprendizagem Organizacional do “Massachusetts Institute of Tecnology” (MIT), escreveu o livro A Quinta Disciplina, no qual apresenta a necessidade das organizações cada dia mais se transformarem em organizações que aprendem para poderem crescer e sobreviver no mercado. Senge acredita que cinco disciplinas mostram-se essenciais para a construção da organização que aprende: • Domínio pessoal: através do autoconhecimento, as pessoas aprendem a clarifi car e aprofundar seus próprios objetivos, a concentrar esforços e a ver a realidade de forma objetiva. • Modelos mentais: são ideias profundamente enraizadas, generalizações e mesmo imagens que infl uenciam o modo como as pessoas vêem o mundo e as suas atitudes. • Visões partilhadas: quando um objetivo é percebido como concreto e legítimo, as pessoas aprendem não como uma obrigação, mas por vontade própria, construindo visões partilhadas. Muitos líderes têm objetivos pessoais que nunca chegam a ser partilhados pela organização como um todo. Esta funciona muito mais devido ao carisma do líder ou às crises que unem a todos temporariamente. • Aprendizagem em grupo: em grupos nos quais as habilidades coletivas são maiores do que as individuais se desenvolve a capacidade para a ação coordenada. A aprendizagem em grupo começa com o diálogo. Em outras palavras, começa com a capacidade dos membros do grupo para propor suas ideias e participar da elaboração de uma lógica comum. • Pensamento sistêmico: constitui um modelo conceitual composto por conhecimentos e instrumentos desenvolvidos ao longo dos últimos 50 anos, que visam melhorar o processo de aprendizagem como um todo e apontar as futuras direções para o aperfeiçoamento. Senge focou inicialmente o indivíduo, seu processo de autoconhecimento, de clarifi cação de seus objetivos e processos pessoais. Em seguida, seu foco deslocou-se para o grupo e, fi nalmente, através do raciocínio sistêmico, para a organização. O pensamento sistêmico constitui a quinta disciplina, integrando as demais em um conjunto coerente de teoria e prática, o que evita a visão isolada de cada uma delas. Jogos Cooperativos 25 Utilizando a ideia de modelos mentais de Senge, considerando que na atualidade o processo de aprendizagem organizacional mostra-se fundamental para as organizações, as pessoas são estimuladas constantemente a estar desenvolvendo-se e adquirindo novos conhecimentos para melhorar suas competências, o que é ótimo, pois esta é uma necessidade do ser humano. As pessoas, porém, tem bloqueios e inibições, e precisam de ajuda nesse desenvolvimento, surgindo o treinamento para auxiliar nesse processo. 9 É IMPORTANTE QUE A APRENDIZAGEM SEJA DIVERTIDA! O ser humano nasce motivado a aprender, explorar o mundo e a benefi ciar-se disso. Quando crianças, aprendemos jogando e explorando o mundo ao redor, o que é fundamental para um desenvolvimento normal, pois, durante os sete primeiros anos de vida, a personalidade básica do ser humano é estruturada e se forma a maioria das conexões ou sinapses cerebrais. Nas organizações, ainda hoje, muitas vezes confunde-se um profi ssional sério e responsável com uma postura sisuda e rígida. Essa postura “sisuda” atrapalha um bom QE (quociente emocional), pois as emoções negativas ou reprimidas tem o poder de perturbar o pensamento, criando uma “estática neural” e sabotando a capacidade do lobo pré-frontal de manter a memória funcional. Portanto, pessoas perturbadas emocionalmente criam defi ciências nas aptidões intelectuais. Quando o homem ri e se diverte, se liberta dos bloqueios, da seriedade paralisante, da rigidez, liberando a consciência, as emoções, o pensamento e a imaginação, que fi cam disponíveis para novas possibilidades. Hipócrates, considerado pai da Medicina, foi o fundador da teoria dos humores e era um teórico do riso. A doutrina da virtude curativa do riso aparece em seus tratados. Segundo Morgana Masetti (1998), psicóloga e pesquisadora da “ciência do riso” e seus efeitos sobre a saúde, [...] o humor permite ao indivíduo explorar fatos que, por obstáculos pessoais, não poderiam se revelar de forma aberta e consciente, o que permite a liberação da energia investida no problema, que então pode ser utilizada em outros pontos importantes, como por exemplo na busca de soluções. O funcionamento dos processos humorísticos é análogo aos mecanismos presentes nos sonhos, e serve de instrumento importante para lidar com confl itos e manutenção do equilíbrio físico e mental. Quando estamos livres para ver as coisas de forma diferente, trabalha-se com a mudança de perspectiva da realidade, podendo assim transformar essa realidade e aprender com ela. Por tudo isso, os educadores modernos enfatizam mecanismos que desenvolvam e proporcionem estados de harmonia mental, alegria e diversão, promovendo o prazer de aprender utilizando brincadeiras, jogos, dramatizações, simulações, casos, trabalhos de equipe, vivências, artes plásticas e fi lmes, entre outros instrumentos que enriquecem a aprendizagem, tornando-a mais prazerosa, favorecendo o aprendizado e a fi xação do conteúdo, assim como a autoestima dos treinandos. Jogos Cooperativos 26 10 SIMULANDO PARA APRENDER Segundo Winnicott, as brincadeiras, os jogos, a arte e a prática religiosa tendem, por diversos mas aliados métodos, para uma unifi cação e integração geral da personalidade. As brincadeiras servem de elo entre a relação do indivíduo com a realidade interior e, por outro lado, a relação do indivíduo com a realidade externa ou compartilhada. Maria Helena Matarazzo aponta que existem dois tipos de ensinamentos: os da escola e os da vida, sendo que estes últimos são os mais importantes porque é onde praticamos e realmente aprendemos. Nosso cérebro aprende por ensaio, repetição e velocidade.Portanto, ensaiar e simular faz parte da aprendizagem. Segundo a PNL (programação neurolinguística), para aprender efetivamente algo é preciso ver, ouvir e sentir. Com isso, mais uma vez a simulação torna-se importante, pois o cérebro não distingue o real do virtual. Quando simulamos, temos a oportunidade de vivenciar determinadas experiências obtendo insights que certamente irão auxiliar na aprendizagem e torná-la mais efetiva. Quando simulamos, os bloqueios desaparecem e fi camos mais livres para sermos quem realmente somos, atuando como parceiros e não como concorrentes. 11 LEVANDO EM CONTA A BAGAGEM No passado, o professor era o detentor do saber e o aluno como uma xícara vazia onde o mestre depositaria algumas gotas de sua sapiência. Hoje sabemos que todos trazem uma bagagem consigo – seja qual for a idade, sexo, origem, escolaridade etc., todos somos mestres-aprendizes. Principalmente quando lidamos com adultos, é essencial que essa bagagem seja respeitada, pois é com ela que o grupo ou a organização vai construir sua personalidade e seu conhecimento. 12 APRENDER É UM ATO SOCIAL O homem é um ser social. Precisamos interagir e trocar, por isso, a melhor forma de aprendizagem é a que implica na interação. Aprender é eminentemente um ato de socialização, não é uma postura individualista, mas organizacional. Através da troca de ideias e informações onde as pessoas estão no mesmo nível, elas entram em contato com outros pontos de vista e diferentes percepções do tema, podendo assim crescer e chegar a melhores ideias, assim como procuram entender o ponto de vista de outras pessoas, o que estreita laços e amplia a possibilidade de relações de maior confi ança. Esse tipo de aprendizagem oferece aos participantes a oportunidade de ampliar sua visão além dos limites da perspectiva pessoal, canalizando o potencial das mentes envolvidas para que a inteligência do conjunto seja maior que a individual. Jogos Cooperativos 27 13 OS JOGOS COOPERATIVOS NAS ORGANIZAÇÕES Os jogos cooperativos podem auxiliar no desenvolvimento das cinco disciplinas necessárias para uma organização que aprende e contempla todo esse contexto importante para melhores resultados em treinamentos comportamentais, pois, quando jogamos e superamos desafi os em grupo, além de aprendermos juntos, exercitamos a cooperação e melhoramos tanto nosso QI quanto nosso QE. Segundo Piaget, o trabalho em grupo é a forma mais interessante para promover a cooperação e fator fundamental para a progressão intelectual. Nos jogos cooperativos ocorre a união da cooperação e da autonomia, pois o grupo tem consciência das regras e consciência da razão de ser dessas regras e, a partir disto, vai buscar vencer o desafi o comum, superando o desafi o, e não alguém, assim como buscará todos os recursos existentes no grupo que possam ajudar nessa tarefa. Com isso, além da aprendizagem em grupo e do exercício da cooperação, cada membro tem a oportunidade de trabalhar o domínio pessoal, ou seja, a maestria pessoal, encarando seus colegas como aliados e utilizando suas competências da melhor forma possível em busca da excelência e do objetivo comum. Muitas vezes, manter o compromisso com a equipe e o entusiasmo com os objetivos não é uma tarefa fácil. Nas organizações, muitas pessoas começam empenhadas e vibrantes mas desanimam quando surgem problemas ou frustrações, principalmente quando se sentem sozinhas e incapazes de desempenhar algo que está sendo exigido sem ajuda e estímulo. Nesses momentos, a cooperação tem papel fundamental no grupo, onde este indivíduo pode encontrar motivação e o grupo ajudará esse integrante a superar seus bloqueios e continuar no jogo, pois a inclusão e o sucesso compartilhado fazem parte da fi losofi a da cooperação. Olhar para as coisas de forma diferente também é muito importante nos jogos cooperativos, onde desde o princípio os parâmetros são outros, o que possibilita para quem joga experimentar novas possibilidades e refl etir sobre o que é mais ecológico e interessante em termos de resultados para a equipe, a organização, a sociedade e o meio ambiente. A medida que o grupo caminha para a solução dos desafi os, necessita da riqueza da diversidade na equipe para analisar o cenário, questionar, abstrair e encontrar estratégias que solucionem o problema, testando as várias hipóteses que surgem da troca entre os participantes. Nos jogos cooperativos pode-se exercitar também o lidar com situações difíceis através da simulação que proporciona aprendizagem e mudança profunda com risco controlado – de forma divertida e prazerosa, na maior parte das vezes. No CAV (ciclo de aprendizagem vivencial), ou seja, na análise do jogo, vamos trabalhando o raciocínio sistêmico através das inter-relações que o grupo vai construindo, podendo buscar uma visão global do trabalho e do tema de aprendizagem (teoria) relacionando-o com a prática do jogo e do dia a dia. Esta visão geral possibilita buscar soluções para problemas mais complexos do trabalho e da organização através da mudança de mentalidade. Os jogos cooperativos afetam e alteram a forma como a pessoa vê a si mesma e o mundo e com isso pode alterar os resultados organizacionais, pois a pessoa passa a aprender e a mudar sua própria realidade, visando o bem comum. Jogos Cooperativos 28 14 OS JOGOS COOPERATIVOS E AS INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS O Luizinho da segunda fi la Marcelo é um excelente professor de Geografi a. Na aula sobre o Pantanal até excedeu-se. Falou com entusiasmo, relatou com detalhes, descreveu com precisão. Preencheu a lousa com critério, soube fazer com que os alunos descobrissem na interpretação do texto do livro a magia dessa região quase selvagem. Exibiu um vídeo, congelou cenas e enriqueceu-as com detalhes, com fatos experimentados, acontecimentos do dia- a-dia de cada um. Em sua prova, é evidente, não deu outra: uma redação sobre o tema e questões operatórias que envolviam o Pantanal, seus rios, suas aves, sua vegetação... a planície imensa. Os alunos acharam fácil. Apanharam suas folhas e começaram a trazer, palavra por palavra, suas imagens para o papel. As canetas corriam soltas e as linhas transformavam-se em parágrafos. Marcelo sabia o quanto teria que corrigir, mas vibrava... Sentia que os alunos aprendiam. Descobria o interesse que sua ciência despertava. Não pôde conter uma emoção diferente quando Heleninha, sua aluna predileta, foi até sua mesa e arfante solicitou: – Posso pegar mais uma folha em branco? O único ponto de discórdia, o único sentimento opaco que aborrecia Marcelo, era o Luizinho, aquele da segunda fi la. – Puxa vida! – pensava – Luizinho assistira todas as suas aulas, arregalara os olhos com as explicações e agora, na prova, silêncio absoluto, imobilidade total... nem sequer uma linha. Sentiu ímpetos de esganar. Luizinho pagaria seu preço, iria certamente para a recuperação. Se duvidassem poderia, até mesmo, levá-lo à retenção. Seria até possível arrancar um ano inteirinho de sua vida... Minutos depois, avisou que o tempo estava terminado. Que entregassem suas folhas. Viu então que, rapidamente, Luisinho desenhou, na primeira página das folhas da prova, o Pantanal. Rico, minucioso, preciso. Marcelo emocionou-se, ao ver aquele quadro, de irretocável perfeição, nas mãos de Luizinho que coloria as últimas sobras. Entusiasmado indagou: – E aí, Luis? Você já esteve no Pantanal? Não. Luizinho jamais saíra de sua cidade. Construiu sua imagem a partir das aulas ouvidas. Marcelo sentiu-se um gigante e, de repente, descobriu-se o próprio Piaget. Havia com suas palavras construído uma imagem completa, correta e absoluta na mente de seu aluno. Mas, deu zero pela redação. É claro. Naquela escola não era permitido que se rabiscassem as folhas da prova. A história de Luizinho repete-se em muitas escolas. Sua inteligência pictórica é imensa, colossal, lúcida, clara e contrasta visivelmente com as limitações de sua competência verbal. Expressou o que sabia, da maneira como
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